Martin e David: Era uma vez, dois meninos que cresceram na mesma rua e...
Martin Donovan era uma espécie de muso do cinema indie nos anos 1990, chegando até a interpretar um contemporâneo Jesus Cristo em O Livro da Vida (1998) de Hal Hartley. O século XXI reservou ao ator filmes menos expressivos e presença cativa em séries televisivas. Portanto, não deixa de ser interessante que sua carreira como diretor tenha começado em 2011 com o eficiente O Colaborador que demorou um ano para entrar em cartaz no exterior. Acumulando as funções de diretor, roteirista e protagonista, Donovan demonstra talento para conduzir as emoções de seus personagens num material difícil com alguma tensão política e um bocado de humor negro. O filme começa muito bem com a apresentação do dramaturgo Robert Longfellow (Donovan) através das críticas negativas que sua última peça recebeu ao entrar em cartaz. A apresentação do personagem é tão bem feita que em poucos minutos sabemos das dificuldades que atravessa devido seu tom político e como até o fato de ter uma esposa bem sucedida, Alice Longfellow (a ex-baixista ruiva do Hole, Melissa Auf der Maur em boa participação) parece motivo de chacota. Robert aparenta estar em crise quando recebe a proposta de ajudar num roteiro e, em seguida, resolve visitar a mãe. A temporada parece uma inevitável viagem ao passado, seja pelo retorno dos velhos posteres à parede, seja pela mãe que sempre confunde o nome do filho, o reencontro com uma ex-namorada que se tornou estrela de cinema (Olivia Williams) e até um vizinho rude, Gus (David Morse), que força uma aproximação. Enquanto apresenta seus personagens, o diretor apresenta diversas possibilidades do seu roteiro. Enriquece a figura de Robert ao encontrar pessoas que sempre elogiam sua obra (por mais que a mídia o despreze) e sugere que o longa irá se acomodar no mais típico filme indie sobre a vida rumo ao fundo do poço. Neste ponto que o roteiro traz uma guinada inesperada. Prestes a chegar as vias de fato com a namorada de outrora, Robert recebe a visita de Gus. A visita regada a várias latas de cerveja se torna um sequestro. Enquanto a mídia e a polícia fazem da situação um espetáculo para as massas, Longfellow e Gus se tratam como velhos conhecidos dentro da casa. Obviamente que desde a primeira cena sabemos que Gus tem alguns parafusos faltando, mas David Morse sempre sugere outros caminhos para seu personagem do que o troglodita psicótico. Às vezes, Gus carrega uma tensão homoerótica sobre o vizinho, outras vezes parece um adolescente apaixonado ao conversar com sua atriz favorita no telefone até que surta ao ter que lidar com a polícia. Robert parece unido à Gus pela morte do irmão, mas talvez seja mais do que isso. O roteiro parece mostrar que, mesmo com tanta proximidade, duas pessoas podem seguir caminhos totalmente diferentes - e os "improvisos" feitos pelos dois mergulham o espectador na tensão vivida pelos personagens de forma bastante original. Ao final, o encontro entre os dois personagens parece convergir para os embates (polêmicos) da obra de Longfellow sobre fantasmas americanos que ainda estão longe de ser exorcizados. Engenhoso em suas mudanças de tom, além de detalhes auto-referenciais, o filme consegue ser bastante interessante. Se o cinema não oferecer bons papéis a Donovan, ele promete escrever bons textos e ter lugar atrás das câmeras.
O Colaborador (The Collaborator/Canadá-2012) de Martin Donovan com Martin Donovan, David Morse, Olivia Williams, Melissa Aud Der Maur e Katherine Helmond. ☻☻☻☻
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