quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Ciclo Verde e Amarelo: Tinta Bruta

Shico: a solidão a bordo da webcam. 

Premiado no Festival de Berlim com o Teddy, o prêmio para o melhor filme de temática LGBTQI+ do festival, o longa de  Filipe Matzembacher e Márcio Reolon carrega seu erotismo com tintas fortes - e pode chocar espectadores que não está acostumados à naturalidade com que o sexo pode ser apresentado em um filme dramático. Embora as cenas sexuais desinibidas possa estimular a audiência mais curiosa, Tinta Bruta constrói um retrato interessante sobre a sexualidade em tempos de internet, principalmente quando a vemos a rede como um espaço de viver fantasias e camuflar angústias da vida real. Pedro (Shico Menegar) é um órfão que se isola cada vez mais na cidade onde vive. Ele perdeu o contato com os amigos após um incidente na faculdade e a irmã, que era a pessoa mais próxima dele, está prestes a se mudar para os Estados Unidos. Tendo contas para pagar, Pedro não demonstra interesse por nada ao seu redor, mesmo quando se exibe com o corpo nu coberto de tinta neon para um site (em que fica conhecido como Garoto Neon), ele encara a tarefa com menos entusiasmo do que seus admiradores podem imaginar. Sem entusiasmo ou planos para o futuro, aqueles momentos diante da câmera ainda são a mostra de que ainda existe alguma vida no rapaz,. Assim, o personagem vive uma dicotomia interessante, não vê motivos para sair de casa ou ter relações amorosas ou sexuais, mas se exibe na rede para pessoas que estão interessadas em apreciar suas performances carregadas de erotismo. Aos poucos suas exibições começam a render menos dinheiro e a situação financeira fica ainda mais complicada. Ele descobre que alguém está copiando sua ideia e busca seu imitador, no caso, o dançarino Leo (Bruno Fernandes) que muda um pouco a rotina de Pedro e passa a construir um vínculo com ele, embora o rapaz esteja sempre hesitante com a presença daquele rapaz por perto. Leo ajuda a compor novas camadas nas fantasias diante da webcam e, mais tarde, evidencia ainda mais a solidão de Pedro. Pedro tem parentes, mas não entra em contado com eles. Fica desconfortável em multidões e aos poucos entendemos seu receio em sair de casa, afinal, existe um mundo assustador lá fora para pessoas como ele. Embora a atuação de Shico seja esvaziada, temos a exata medida de como Pedro transborda inadequação. Provocador e um tanto hermético em sua narrativa, o filme perde alguns pontos por ter diálogos que soam ensaiados demais,  mas nada que o impeça de construir uma história atual sobre solidão. Tinta Bruta constrói uma crônica bastante incômoda sobre a identidade fractada nas redes da pós-modernidade.

Tinta Bruta (Brasil / 2018) de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon  com Shico Menegar, Bruno Fernandes, Guega Peixoto, Sandra Dani, Frederico Vasques e Denis Gosh.  

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