Contos de Terramar: como desperdiçar um dragão.
Ao longo dos meses de fevereiro, março e abril, a Netflix disponibilizou vinte e um filmes do Estúdios Ghibli em seu acervo. O Gibli foi fundado em 1985 pelos animadores Hayao Miyazaki e Isao Takahata, além do produtor Toshio Suzuki. Algumas delas já tiveram postagens aqui no blog, mas desde então, todo mês, três animações recebiam destaque aqui no blog . Vale ressaltar que os filmes foram verdadeiros presentes para os tempos de pandemia e a procura ainda maior dos serviços de streaming. Esta é a última postagem do Ciclo Ghibli e escolhi começar com o filme mais criticado do estúdio: Contos de Terramar. O longa é baseado nos livros da escritora americana Ursula K. Le Guin que havia chamado atenção de Hayao Miyazaki, mas a escritora não achou uma boa ideia levar sua história para a telona. Com a projeção mundial de A Viagem de Chihiro (2001), a escritora mudou de ideia. Porém, Hayao já estava envolvido com outros projetos e deixou a adaptação nas mãos do filho, Goro Myiazaki, que fez deste seu longa de estreia. Existe um certo consenso de que este é o pior filme com o selo Ghibli. Embora tenha o traço meticuloso e o uso de cores deslumbrantes o filme é confuso e mal resolvido. A história tem uma ambientação épica de inspiração medieval para contar a história do príncipe Arren, que antes mesmo de ser devidamente apresentado foge do seu reino após matar o próprio pai. Ele acaba acolhido por um feiticeiro que vive isolado com uma mulher e uma criança que tem um grande segredo escondido, logo o pequeno Arren terá que salva-los de um feiticeiro. Apressado, denso e desprovido de humor, Contos de Terramar tem grande dificuldade em encontrar seu público com uma história simples demais para agradar os adultos e assustadora demais para os pequenos. Embora deixe claro que a trama ocorre em um mundo cheio de características próprias, tudo é tão jogado no roteiro que fica difícil compreender este universo. Some isso à inexperiência do diretor novato que a coisa só complica na ausência de carisma dos personagens. O fracasso repercutiu na relação de Hayao com o filho e expôs feridas na relação entre os dois. Com sabor de decepção é o tipo de filme que todos preferem esquecer que foi feito. O filme é o total oposto de Memórias de Ontem, o sexto filme lançado pelo Estúdio Ghibli. Baseado no mangá de mesmo nome, a animação é dirigida por Isao Takahata e conta a história de Taeko, uma mulher de vinte e sete anos que trabalha em um emprego burocrático em Tokyo. Nascida e criada na capital japonesa, Taeko sempre teve inveja das amigas que podiam ir para o campo visitar seus parentes nas férias. Seu sonho era viajar para longe da cidade e conhecer outro estilo de vida. Este é o ponto de partida para que Taeko se transforme em nossa narradora e conte várias situações de sua infância. Das férias na cidade, passando por desventuras na escola, sua dificuldade com a matemática, seus problemas de relacionamento com o pai severo e com a irmã intolerante, o resultado é um retrato bastante real de uma menina no Japão.
Memórias de Ontem: a hora de seguir em frente.
É curioso que estes momentos na infância são mostrados com bastante melancolia, mas que funciona em contraponto com a Taeko adulta, que visita o campo nas férias (e a animação urbana quase sem cores se transforma lindamente naquele novo cenário). No entanto, Taeko ainda precisa fazer ajustes com sua forma de encarar a vida, deixar a criança para trás e fazer escolhas que podem transformar seu futuro pra sempre. Takahata faz um filme com tom e cadência de live action, tratando seus personagens como se fossem pessoas de carne e osso (com destaque para as cenas finais enquanto rolam os créditos) e capricha na construção de sua protagonista. Embora o filme pese a mão nas tristezas da infância da menina, Memórias de Ontem é um filme muito agradável de se assistir, que consegue tornar envolventes até a primeira vez em que menina prova abacaxi (apresentada como uma fruta exótica dos países quentes)! Seguindo uma linha parecida está Sussurros do Coração que também ambienta sua história em uma escola, mas enfatiza ainda mais o tom de romance. O filme conta a história de Shizuku, uma menina que adora livros, muito interessada nos estudos e no acervo da escola. Um dia, através dos cartões da biblioteca, ela descobre que um menino também compartilha este mesmo gosto pela leitura e ela se torna disposta a conhecê-lo. O filme segue o ritmo de comédia romântica, com um casal juvenil que não se entende, mas que aos poucos começa a se dar conta dos sentimentos que possuem um pelo outro. O filme possui uma narrativa bastante leve e bem humorada, mas que consegue criar até um mistério em torno de um gato na vizinhança. Nas entrelinhas existe uma história sobre sonhos e amadurecimento, seja sobre a menina que deseja se tornar escritora ou o menino que pretende se especializar na produção de violinos. Temas como amor, saudade, distância e crescimento pontuam a história que se desenvolve de forma bastante fluida. O filme foi o primeiro do Estúdio que não foi dirigido por Mizyazaki ou Takahata, que confiaram no talento do então assistente Yoshifumi Kondô, que faleceu em 1998 e deixou este como seu primeiro e único filme na direção. Vale destacar que o filme traz referências sobre vários filmes do estúdio, como a imagem de Totoro (que se tornou a marca do estúdio) em um livro, o Barão felino que apareceria posteriormente em O Reino dos Gatos (2002) e o relógio de Porco Rosso (1992). Para completar existe até uma versão da música "Take me home, Country road" que destaca como Tokyo estava se tornando uma selva de concreto. Sussurros do Coração é o filme que encerra o Ciclo Ghibli aqui no blog.
Sussurros do Coração: comédia romântica adolescente.
Contos de Terramar (Gedo senki / Japão - 2006) de Goro Miyazaki com vozes de Aoi Teshima, Buta Sugawara e Jun Fubuki. ☻
Memórias de Ontem (Omohide poro poro / Japão 1991) de Isao Takahata com vozes de Miki Imai, Toshirô Yanagiba e Yoko Honna. ☻☻☻☻
Sussurros do Coração (Mimi wo sumaseba / Japão - 1995) de Yoshifumi Kondô com vozes de Yoko Honna, Issey Takahashi e Takashi Tachibana. ☻☻☻☻
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