O filme Um Estranho no Ninho (1975) de Milos Forman entrou para a história como um dos três filmes a levar para casa as cinco principais estatuetas do Oscar: filme, direção, ator (Jack Nicholson), atriz (Louise Fletcher) e roteiro (adaptado do livro de Ken Kesey) - antes o feito só fora conquistado por Aconteceu Naquela Noite (1934) de Frank Capra e posteriormente com O Silêncio dos Inocentes (1990), em 93 anos de premiação pela Academia trata-se de um feito e tanto. Além de se tornar um clássico premiado, Um Estranho no Ninho garantiu para a atriz Louise Fletcher um lugar entre os maiores vilões do cinema ao encarnar uma enfermeira de provocar arrepios por tudo que representa. Capaz das atitudes mais frias contra seus pacientes em nome da ordem local, Mildred Hatched era tão assustadora quanto enigmática, afinal, o fato de não conhecermos muito sobre sua vida pessoal a torna ainda mais inatingível. Imaginar uma história para a personagem faz parte da graça do filme, mas o roteirista Evan Romanosky junto ao produtor Ryan Murphy se encarregou de compartilhar com o público o que imaginava sobre a antológica personagem. A ideia foi comprada pela Netflix e gerou grande expectativa não apenas por revisitar uma personagem famosa, mas também por ter a talentosa Sarah Paulson no alto dos créditos vivendo a enfermeira quando jovem. Trata-se de uma grande ousadia, mas também um risco gigantesco para o programa - e os protestos na internet desde sua estreia só comprovam como mexer com Mildred Hatched, uma personagem que faz parte do imaginário cinéfilo por tanto tempo, pode ser muito perigoso. Romanosky segue a cartilha padrão para este tipo de premissa, explora a vida familiar da personagem, o início de sua carreira profissional, a forma como lida com sua sexualidade, mas está longe de fazer isso de forma discreta. Marcada por cores vibrantes, momentos macabros e até torturantes, a história de Hatched se tornou digna de uma temporada de American Horror Story também de Ryan Murphy (e talvez sua concepção tenha sido meio esta mesmo, até que se deram conta de que poderia render mais de uma temporada).
Vale ressaltar que a série tenta um equilíbrio complicado entre o sofisticado e o trash. Seus figurinos e cenários são luxuosos, mas o roteiro arma momentos tão grotescos que por vezes paira um desequilíbrio sobre o que se vê e o que se tem na história, a sorte é que o elenco não deixa o programa descambar para a vulgaridade ou o ridículo. No entanto, devo admitir, que passei a digerir melhor o programa quando imaginei que sua protagonista é a Mildred Hatched de um mundo paralelo, já que da personagem clássica sobrou quase nada. A culpa não é de Sarah Paulson (musa de Ryan Murphy), que está ótima como protagonista (mas isso não é novidade) e se sai bem nos momentos complicados com os homens que cruzam seu caminho, seja o misterioso detetive Charles Wainwright (Corey Stoll) ou o patrão Dr. Richard Hanover (Jon Jon Briones) e até o assassino Edmund Tolleson (Finn Wittrock), que por um capricho do destino (ou do roteiro) precisa ser salvo por ela. No entanto, as melhores acompanhantes de Paulson são Judy Davis (como a esperta enfemeira-chefe) e Sharon Stone (como uma milionária com sede de vingança), são elas que prendem a atenção quando a série viaja demais em suas fantasias mais bizarras. No meio de tudo isso, existem de fato elementos que se encaixam na vida de Hatched (e explicam muito do olhar furioso que Louise Flatcher destacava na personagem) só que tudo é remodelado para se encaixarem no perfil do produtor Ryan Murphy, mas existem outros tantos acrescentados para chamar atenção de quem adora tramas de terror e suspense. Em vários momentos o uso de ângulos remetem aos clássicos do gênero, assim como a trilha sonora que diversas vezes bebe nas obras de Alfred Hitchcock. Hatched deve desagradar os fãs de Um Estranho no Ninho, mas deve prender a atenção com seus traumas de infância, abusos, perversões e métodos de tratamento que mais parecem torturas. O resultado é tão carregado que soa realmente uma fantasia, na verdade um pesadelo de tão irreal - especialmente pelo último episódio que é péssimo.
Hatched (EUA - 2020) de Evan Romanosky e Ryan Murphy com Sarah Paulson, Judy Davis, Finn Wittrock, Cynthia Nixon, Jon Jon Briones, Sharon Stone, Corey Stoll, Sophie Okonedo, Amanda Plummer e Vincent D'Onofrio. ☻☻☻
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