A franquia Karatê kid se tornou uma das mais populares dos anos 1980 já com o primeiro filme de 1984, que se tornou um grande sucesso (custou cerca de oito milhões e rendeu mais de dez vezes este valor só nos Estados Unidos) e conquistou uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante para Sr. Miyagi Pat Morita. A ideia era simples: rapaz recém-chegado na cidade é perseguido na escola e aprende a lidar com estes problemas através de golpes de karatê. A ideia deu tão certo que rendeu outras duas sequências com o mocinho Daniel Larusso (Ralph Macchio) e um quarto episódio (em 1994) em que a protagonista era uma garota. Apesar da tentativa de renovar a franquia ter chamado atenção (principalmente por ser um dos primeiros trabalhos de Hilary Swank no cinema), não foi o suficiente para que se animassem a fazer uma nova trilogia. Em 2010, o astro Will Smith comprou os direitos da franquia e tentou dar novo fôlego para a história escalando Jack Chan para ensinar Kung Fu (!!!) para uma criança (no caso o filho de Will, Jaden Smith). Não funcionou, mas pelo menos serviu para que Will percebesse como os fãs eram fiéis ao original. Foi assim que Will investiu na criação de uma série sobre aqueles personagens revisitados muitos anos depois. Restava convencer Ralph Macchio para retornar ao personagem que sempre hesitou de revisitar nas últimas décadas, só que ninguém esperava que a graça estava na outra ponta da história: o valentão Johny Lawrence (William Zabka). Johnny foi alçado ao posto de protagonista na série criada pelo Youtube Premium e que chegou recentemente à Netflix - que está disposta a bancar a terceira temporada do programa. Para além das nostalgia, a série tem outros méritos, agora Daniel se tornou um empresário bem sucedido no ramo de automóveis, casado e com um casal de filhos, enquanto Johnny não teve muita sorte, trabalhando apenas quando aparece serviço, divorciado e com um filho que não tem muito contato. Ele ainda guarda rancores de Daniel Larusso, mas um acidente os colocarão novamente frente a frente e, para piorar, Johnny resolve reabrir o Dojo Cobra Kai e treinar um novo grupo de adolescentes com base em seus princípios. É neste ponto que a série cria sua guinada e apresenta outras nuances destes velhos conhecidos - o que acabou levantando divagações na internet sobre quem é o vilão desta nova fase dos personagens. Lembro daquela frase do Tom Hiddleston (o Loki da Marvel) dizendo que todo vilão é um herói em sua mente, então, quando ouvimos a outra versão da história tendemos a esquecer que as leituras de mundo são bem mais subjetivas do que a simplicidade entre o bonzinho e o malvado.
A série Cobra Kai bebe diretamente deste ponto de partida e a todo instante ressalta que entre mocinhos e vilões existem mais camadas do que podemos supor. Prova disso é não apenas o Johnny (Zabka em um momento inspirado da carreira) reavaliar algumas de suas posturas enquanto Daniel Larusso nem percebe o quanto seu olhar está preso à adolescência. Incapaz de perceber que o tempo passou, sua postura ajuda muito para que a rivalidade entre Cobra Kai e seu reaberto Miyagi-Do cresça cada vez mais. O conflito entre os dois é crescente nas duas temporadas - e a esposa de Daniel, Amanda (Courtney Henggeler) funciona como um contraponto para esta cegueira do esposo. Existe outro fator interessante na história: como apresentar estes dois personagens tão anos 1980 no século XXI? Lidando com as tecnologias e o discursos politicamente correto (e ambos tem seus tropeços neste território o que gera boa parte do humor da série). O gosto nostálgico é ainda mais ressaltado pela trilha sonora e as cenas dos filmes que aparecem para ilustrar o passado dos personagens. O uso destes elementos na medida tornam a primeira temporada a minha favorita! Na segunda os adolescentes ganham mais destaque na história e se torna quase uma ordem que todo desentendimento seja resolvido com golpes de karatê. Existe um problema gigantesco de comunicação entre os personagens da série (o que ilustra bastante as relações do século XXI onde a internet transborda de informação, mas as pessoas possuem uma dificuldade enorme de sentar e, mais do que conversar, escutar o outro), porém esta estrutura um tanto repetitiva dos episódios torna a segunda temporada mais cansativa entre os namoros juvenis que começam a aparecer na história. No entanto, vale destacar que embora algumas lutas pareçam coreografadas demais, a série se redime na pancadaria no final da segunda temporada - o que coloca todos os conflitos sob nova perspectiva para a terceira leva de episódios que vem por aí (com a promessa do retorno de uma personagem importante de uma atriz posteriormente indicada ao Oscar). Para além dos nossos velhos conhecidos, a série conta com bom elenco de apoio adolescente, com destaque para as transições de Miguel (Xolo Madureña) e do amigo Falcão (Jacob Bertrand), que rouba a cena como o menino tímido que se torna discípulo fiel ao passado de seu sansei, Jonny. Temperado com humor, reviravoltas e nostalgia, Cobra Kai é pura diversão.
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