domingo, 13 de setembro de 2020

CATÁLOGO: Veneno

Horror: misturando Genet com David Lynch

Quando fez seu primeiro longa metragem o diretor Todd Haynes não tinha ideia que ganharia a vida como diretor de cinema. Imaginava que se tornaria produtor ou professor de cinema e de vez em quando faria alguns filmes experimentais. O fato foi que após A Sua estreia em Veneno, a recepção de crítica e parte do público o fez repensar os rumos que tomaria na vida. Haynes acabou se tornando um dos cineastas icônicos do cinema indie dos anos 1990 e que nos anos seguintes foram absorvidos pelo mainstream de Hollywood. Com oito filmes no currículo e quatro deles caindo no radar do Oscar (Haynes foi até indicadado pelo roteiro do inebriante Longe do Paraíso/2001), seus fãs mais ardorosos até estranham a forma como seu cinema passou a buscar ousadias mais sutis do que as presentes em seus primeiros longas. Quem viu o recente O Preço da Verdade (2019) e assistir Veneno perceberá como as coisas mudaram. Veneno é uma adaptação de três contos do escritor Jean Genet e que são apresentados de forma misturada ao longo da sessão. Hero, Horror e Homo exploram histórias de narrativas e estéticas completamente distintas e provocam estranhamento no espectador, especialmente pela aparente ausência de articulação entre as histórias. Se atualmente o diretor ressalta constantemente a influência de Douglas Sirk em seu cinema, aqui o estilo lembra muito o estilo de David Lynch e a forma como constrói narrativas de linguagem clássica para provocar horror e estranhamento. Hero investe no tom documental a história do menino que mata o próprio pai e desaparece voando pela janela. As diversas entrevistas aparecem ao longo da sessão e compõem um painel sobre o caso que revela que uma  casa confortável, um bairro tranquilo e um lar aparentemente perfeito pode esconder segredos nunca imaginados. Já Horror é uma história de terror que remete aos filmes B dos anos 1950, com fotografia em preto e branco, muitos closes e a história que gira em torno de um cientista às voltas com a descoberta do que provoca o impulso sexual e acaba caindo em decadência física e social por acidentalmente ingeri-la, tudo por conta de um processo de deterioração que aos poucos se descobre contagioso. A história investe em tons de romance, suspense, mistura sonho, realidade, paranoia e remete diretamente aos clássicos dos filmes de horror, no entanto, é uma clara simbologia sobre a aversão do pensamento conservador à sexualidade. Embora Haynes não tenha investido novamente no gênero, fiquei curioso para ver o que ele poderia fazer com um longa de terror nas mãos (O Médico e o Monstro foi o primeiro que veio à minha cabeça. Algo me diz que ele faria muito bem!). Já em Homo o diretor radicaliza na construção de uma estética mais pessoal, que mistura filme de prisão com trechos oníricos na história de um rapaz homossexual que reencontra uma paixão dos tempos de reformatório na prisão. O reencontro é bem mais agressivo do que ele imagina, o que contribui ainda mais para o contraste das cenas escuras da prisão com outras idílicas do tempo de reformatório vivido pelos dois, que ganham uma aura de sonho que ao final se torna um pesadelo. Amor, desejo e abuso se misturam nesta história de cenas fortes e que comprova ainda mais a destreza do diretor em trabalhar com texturas narrativas diversificadas. Ao abraçar o texto de Genet e diversas facetas da estética Lynchiniana em sua estreia, Haynes compõe a costura de três histórias em que o desejo está sempre presente e se torna o ponto de virada de seus personagens, ele apresenta histórias em que os protagonistas traem a identidade que se espera deles, na busca por seus próprios caminhos diante de olhares que não os compreendem (algo recorrente nos filmes do diretor até hoje). Ainda que não seja uma narrativa fácil de assistir (pelo contrário, tem algumas cenas bastante desagradáveis), o resultado ganhou o grande prêmio do júri no Festival de Sundance, o Teddy no Festival de Berlim e indicações aos prêmios de melhor produção e direção no Independent Spirit. Nascia ali um dos cineastas mais interessantes do cinema americano.

Veneno (Poison / EUA -1991) de Todd Haynes com Edith Meeks, Millie White, Buck Smith, Anne Giotta, Lydia Lafleur, Ian Nemser, Rob LaBelle, Evan Dunsky e Marina Lutz. ☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário