Andrea: a simpatia de um ícone.
A apresentadora Hebe Camargo estava longe de ser uma unanimidade e não é por acaso que o filme dirigido por Maurício Farias segue o mesmo caminho. Sempre com sorriso largo, simpatia e ostentando joias exuberantes em suas aparições públicas, Hebe passou sessenta anos com seus convidados sentados num sofá para um bate-papo. Durante tantas décadas, sua trajetória passou por várias emissoras e por falar tudo o que pensava enfrentou problemas com seus patrões e a censura no Brasil. O filme baseado em biografias e entrevistas recebe um roteiro costurado por Carolina Kotscho que tenta dar conta do mito e da mulher por trás da celebridade. O filme busca o tempo inteiro o equilíbrio entre a pessoas pública e a mulher famosa, do fracasso do primeiro casamento, o relacionamento com o filho, a ajuda sempre fiel do sobrinho, o casamento complicado pelo ciúme do segundo marido (e a amizade duradoura com Lolita Rodrigues e Nair Bello poderia ser mais explorada). Se estes momentos ajudam o público a conhecer um pouco mais sobre ela, a todo instante eu imaginava o que estava ali para efeito dramático da narrativa com cores mais acentuadas que na vida real. No entanto, nada que a performance inspirada de Andréa Beltrão na pele da apresentadora não dissipe com sua plena desenvoltura. Embora não compartilhem semelhanças físicas e de sotaque (Hebe é do interior de São Paulo e Andréa é nascida no Rio de Janeiro), a atriz se esforça para captar a essência da apresentadora, se revelando mais do que convincente em sua simpatia, por conta disso, se sai bem nos momentos mais cômicos e nos mais dramáticos também. Embora a parte pessoal da vida da protagonista possa gerar surpresa aos fãs, o que mais me chamou atenção foi o pano de fundo tendo a própria história cultural de nosso país como pano de fundo - e a trajetória de Hebe serve bem este panorama (tanto que o filme ganhou uma versão ampliada como seriado na Globoplay e que agora é exibida pelo canal). Seu início como cantora de rádio, passando para apresentadora de televisão diante de artistas que perpassaram nosso imaginário cultural por décadas. Independente do que se pense sobre Dercy Gonçalves, Sílvio Santos, Roberta Close ou Roberto Carlos, são personagem que falam muito sobre o que vimos na mídia por muito tempo, além disso, explora um tanto os signos que representam. Neste ponto, a participação de Roberta Close apresentada como a "mulher mais bonita do Brasil" aproxima a personagem de um tempo em que as discussões de gênero ganharam conotação muito mais explosiva que décadas atrás. Embora muitos considerem Hebe uma personagem contraditória, que participava da marcha pela família nos anos 1960 (ou recebia Paulo Maluf em sua casa) e depois chorava a morte de seu fiel cabeleireiro em decorrência do HIV. Sim, a Hebe tinha suas contradições como qualquer ser humano e devemos tomar cuidado para não compreender sua fama e apelo com os olhos que temos hoje. Imagine o cenário cultural brasileiro há sessenta anos e uma mulher capaz de dizer diante de uma câmera o que pensava. De origem pobre. Divorciada. Mãe. O Brasil mudou, mas o olhar do século XXI sobre o que Hebe representou em outras eras precisa tomar cuidado para na tentação de a rotular, seja como heroína ou um pastiche. Hebe era uma espécie de patrimônio cultural e embora não fosse levada a sério, dizia o que muitos não tinham a oportunidade de falar diante de uma câmera para a casa de milhões de brasileiros. Quando se apresenta dizendo que não era de direita ou de esquerda, mas era direta, Hebe estava sendo sincera como tantas outras vezes e apelava para a indignação da população diante de uma polarização cegante que só ganhou força (embora suas preferências fossem tão ilusórias quanto a de vários eleitores). Bem produzido em sua reconstituição de época, roupas, joias e atmosfera. Hebe - A Estrela do Brasil fala mais do que sobre a apresentadora, fala também um pouco sobre nosso país através de uma telinha.
Hebe - A Estrela do Brasil (Brasil - 2019) de Maurício Farias com Andrea Beltrão, Marco Ricca, Danton Mello, Caio Horowicz, Cláudia Missura, Karine Teles, Gabriel Braga Nunes e Felipe Rocha. ☻☻☻☻
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