quinta-feira, 24 de setembro de 2020

FILMED+: Corpus Christi

Bartosz: atuação desconcertante. 
 
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, o polonês Corpus Christi surpreendeu muita gente ao figurar na lista de cinco concorrentes. Primeiro que possui elementos polêmicos suficientes para afugentar a Academia, segundo que a ninguém estava muito atento ao filme no período de votação, os distribuidores americanos não tinham muito dinheiro para divulga-lo e então aconteceu um verdadeiro milagre. Nem o diretor Jan Komasa estava atento na divulgação dos indicados e ficou surpreso quando seu celular só lhe perguntava sobre este momento. Ao ver o filme fica claro o motivo para que se destacasse entre os concorrentes, a história é forte e conduzida na medida exata pelo diretor, de forma que suas quase duas horas sobre um rapaz que finge ser padre passam num piscar de olhos. Colabora muito para esta fluência impactante a atuação do impressionante Bartosz Bielenia, o ator que vive Daniel, jovem presidiário que se aproxima do padre que atende os presos locais para atenuar o peso de viver naquele local. Daniel é dado a atos violentos, mas também canta lindamente nas missas e gostaria de mudar de vida ao tornar-se padre, mas desiludido pelo padre Tomasz (Lukasz Simlat) ele parte para prestar serviços na marcenaria de uma cidadezinha do interior polonês. Claro que ao ver-se fora dos olhos vigilantes dos guardas, Daniel se entrega a todos os excessos mundanos, mas ao chegar na cidade uma mentira ganha proporções que fogem ao seu controle. Uma série de acasos faz com que Daniel se transforme no padre daquela paróquia. Seus sermões incomuns são cheios de energia, mas o olhar atento para o que acontece abaixo da superfície lhe trarão problemas, especialmente quando se depara com as dores de uma tragédia que os moradores não sabem lidar. Debaixo da tranquilidade, da juventude silenciada e das orações se esconde um bocado de ódio e intolerância que não consegue ser contornada. Neste ponto que o filme se mostra ainda mais contundente sobre um mundo  que se diz religioso mas que não sabe perdoar - e esta mistura fermenta mais do que se imagina. Enquanto tenta mudar os olhares daqueles moradores, Daniel começa a ter problemas para manter seu segredo e sua situação se complica ainda mais rumo ao desfecho. Ter Bartosz na pele de Daniel é um verdadeiro deleite, seu tipo franzino de olhos vibrantes confere ao personagem uma ambiguidade que funciona em todas as camadas que o filme sugere. Convencendo em seus conflitos entre o bem e o mal, nunca se sabe ao certo o que o rapaz fará para manter seu segredo guardado. Mais afeito aos trabalhos no teatro, Bartosz quase perdeu o papel, já que os produtores preferiam um ator mais conhecido e com um tipo mais inofensivo. Sorte que o diretor insistiu em sua escalação. O rapaz está perfeito! Outro destaque do elenco é Aleksandra Konieczna, que impressiona como a secretária da casa paroquial, que não precisa de palavras para expressar sua dor ou descontentamento. Jan Komasa é um diretor de 29 anos com quatro filmes expressivos no currículo, Komasa demonstra saber captar o espírito de seu tempo, tanto que quase entrou na mira do Oscar novamente com o ótimo Rede de Ódio (2020) que acabou perdendo a indicação da Polônia para Never Gonna Snow Again, de conteúdo bem mais palatável. Em Corpus Christi ele mergulha num fenômeno social de destaque na Polônia: os falsos padres. Ao se deparar com o roteiro, Bartosz acrescentou elementos que tornassem a história ainda mais enfática: revela aos poucos o passado criminal do seu personagem e o peso do luto convertido em vingança que paira sobre a cidade. Com as cores de sua fotografia se tornando mais intensas até a última cena, Corpus Christi é mais do que uma história de busca de redenção, torna-se uma história de renascimento.

Corpus Christi (Boze Cialo / Polônia - França / 2019) de Jan Komasa com Bartosz Bielenia, Aleksandra Konieczna, Eliza Rycembel, Romasz Zietek, Barbaara Kursaj e Lukasz Simlat. ☻☻☻☻

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