Mullan: o tiranossauro em pessoa?
Quanto sofrimento uma pessoa pode aguentar? Esta parece ser a pergunta que o britânico Tiranossauro nos faz em sua hora e meia de duração. Calcado em dois personagens bastante diferentes entre si, a obra marca a estreia na direção do ator Paddy Considine (o pai de Terra dos Sonhos/2002) e ganhou o BAFTA de melhor filme de estreante depois de ter conquistado o prêmio de direção e o especial do júri para as atuações de Peter Mullan e Olivia Colman. É justamente a atuação do casal que nos faz aguentar os sofrimentos que jorram do roteiro escrito pelo próprio diretor. Quando somos apresentados a Joseph (Mullan) ele está muito zangado com alguma coisa, talvez ele nem saiba muito bem do que está com tanta raiva, mas no auge de sua fúria acaba sacrificando seu único amigo: o cão. Apesar de ser brusca e rápida, a cena consegue sintetizar bem os sentimentos em conflito no interior do personagem. Após agredir o bicho de estimação ele se arrepende, tenta ajudá-lo, ainda que em vão, até se culpar. Mesmo que tudo ao seu redor cause raiva, não tem jeito, é ele que responde por seus próprios atos e se colocou na situação de total solidão. Depois de se meter em uma briga ele acaba encontrando Hannah (Colman), seu total oposto. De aparência tão solidária quanto frágil é o apego de Hannah à religião que faz com que Joseph dispare todas as suas impressões pouco lisonjeiras sobre ela. Daquele ponto em diante os dois não serão mais os mesmos. Conforme conhecemos melhor os dois personagens vemos que existe um bocado de tristeza em suas vidas, mas se Joseph é dominado pela raiva, ele ainda conta com a amizade de moribundo e um garotinho da vizinhança enquanto Hannah conta com um dos maiores estrupícios da história como marido. Eddie Marsan está asqueroso como o esposo de Hannah ainda mais quando fica desconfiado da amizade que cresce entre ela e Joseph, e aí a violência doméstica chega ao limite da personagem. O título do filme parece estabelecer às relações predatórias vividas por seus personagens (apesar do filme justificá-lo como uma brincadeira de Joseph com sua falecida esposa), todos (até o meigo garotinho que conversa com Joseph) parecem vítimas em potencial de um ambiente que parece gerar violência (verbal ou física) por conta própria, por isso é ainda mais interessante a forma como o texto enriquece a afinidade que cresce entre Joseph (que de agressor passa a ser protetor) e Hannah (que de vítima passa a ser agressora). No entanto, o que muita gente aponta como mérito pode incomodar, eu mesmo considerei que o roteiro cai no exagero em vários momentos (ainda que na forma de um círculo vicioso, já que termina com o protagonista matando outro animal num contexto totalmente diferente). Mais do que a história em si, os grandes méritos do longa ficam por conta de Paddy Considine em manter o clima pesadão do início ao fim (e a fotografia ajuda muito nessa tarefa) e às atuações de sua dupla de protagonistas. Embora Peter Mullan receba elogios por seu trabalho, acho que Olivia Colman está magistral na pele de Hannah. Sabendo trabalhar os sentimentos conflitantes de sua personagem ela parece estar no limite desde a primeira cena - ironicamente, somente na última cena em que aparece ao lado de Joseph ela parece estar em paz consigo mesma. É esse caminho árduo de duas pessoas rumo à morte de suas mazelas que o filme propõe.
Colman: sete prêmios por sua atuação como Hannah.
Tiranossauro (Tyrannosaur/Reino Unido - 2011) de Paddy Considine com Peter Mullan, Olivia Colman, Eddie Marsan, Archie Lal e Lee Rufford. ☻☻☻
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