Castro: Quero ser John Travolta.
Se Al Pacino fosse um ator chileno provavelmente ele seria Alfredo Castro, mas Alfredo Castro quer ser Tony Manero o famigerado personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (1977). Ou melhor, Castro interpreta o estranho Raul Peralta, um homem de 52 anos que é obcecado pelo personagem que dança ao som de Bee Gees. Não existe muita semelhança entre o filme sacolejante e essa obra chilena e isso deve ter desapontado muita gente que entrou no cinema e encontrou um filme sombrio ambientado durante a ditadura de Pinochet no final da década de 1970. Raúl é um sujeito com uma única expressão que não muda nem quando está se requebrando ao som da trilha sonora de seu filme favorito, ele já deve ter assistido ao filme uma dezena de vezes, já sabe as falas, se emociona com os momentos mais piegas do longa e encontra até sentido nas falas mais toscas do verdadeiro Tony Manero. Fora isso a diversão de Peralta é ensaiar um número com um trio de dançarinos para a apresentação num boteco da periferia de Santiago enquanto aguarda o dia de participar de um concurso na TV que procura encontrar o melhor Tony Manero do Chile. Seu jeito enigmático atrai não só a dona do boteco como uma das dançarinas - que demonstra ter um relacionamento antigo com Raul (ainda que seja aos trancos e barrancos). Só para concluir a apresentação do personagem, ele não se envolve com política e também é um psicopata. Enquanto Raúl comete alguns crimes seus parceiros de palco parecem envolvidos com ações contra o regime do país. O diretor apresenta seu personagem sem pressa numa narrativa propositalmente lenta capaz de gerar ainda mais estranhamento quando Raúl demonstra que não é o sujeito passivo que aparenta - e que também não quer ganhar nossa simpatia. Mesmo quando está perto de realizar alguma atrocidade ou enquanto gasta o tempo para preparar o cenário de seu número de dança (com tijolos de vidro e uma bola coberta de espelho quebrado), Raúl se comporta como um zumbi. É como se estivesse tão alienado do mundo ao seu redor que não consegue nem se excitar quando está com suas amantes. Num primeiro momento não podemos culpá-lo, afinal o filme capricha nos ambientes sujos e nas relações ásperas entre seus personagens, o que justificaria sua fuga em curtir o som dos Bee Gees e encrencar com o número de botões do seu conjunto branco. O filme não aponta salvação para Raúl, mas sabe explorar sua dança no palco daquele boteco e mais ainda quando aparece no programa de TV aplaudido pelo público. É nesse momento mágico que Alfredo Castro deixa seu personagem ser humando e sentir-se leve no mundo. Pena que isso dura pouco e ele precisa voltar para a casa e se deparar com uma situação que poderá condená-lo à solidão para sempre. O jovem cineasta Pablo Larrain ganhou fama em festivais com seus filmes ambientados durante a ditadura de Pinochet e em Tony Manero cria um filme tão estranho quanto seu personagem, o resultado pode ser indigesto para a grande maioria do público mas merece atenção por dar ares trágicos ao que qualquer um poderia tornar cômico.
Tony Manero (Chile/2008) de Pablo Larrain com Alfredo Castro, Paola Lattus, Hector Morales e Amparo Noguera. ☻☻☻
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