Redgrave e Ifans: boas atuações em polêmica teoria.
Acho que ano passado nenhum filme causou mais polêmica do que Anônimo com sua teoria de que Shakespeare na verdade era um nobre da corte da Rainha Elizabeth. Consideraram o filme preconceituoso e um bando de atores shakesperianos (capitaneados por Judy Dench) ajudaram na campanha negativa sobre o filme que se tornou um fiasco nas bilheterias (sendo lançado direto em DVD por aqui). Considero um grande exagero todas essas críticas, já que a tal teoria nem é novidade, ela de fato existe e é conhecida como teoria Oxfordiana que credita às obras do bardo inglês ao Conde Edward de Vere. Penso que da mesma forma que John Madden pode criar sua fantasia em torno do autor em Shakespeare Apaixonado/1998 (que minha professora de Cinema e Literatura na faculdade odiava), o roteirista John Orloff tem todo o direito de explorar sua teoria e criar uma obra de ficção (afinal, não é um documentário). Orloff argumenta que ele mesmo era cético com relação à teoria de que Edward de Vere era o verdadeiro autor de Romeu e Julieta, mas depois de mais vinte anos de pesquisa, percebeu que existe sentido nessa hipóstese. Podem até jogar tomate podre nele quando afirma que seria difícil um dramaturgo sem trânsito na corte conseguisse retratar tão bem os conflitos e intrigas palacianas em obras como Henrique V, Hamlet e Ricardo III - essa afirmação ainda se sustenta no fato de não existir meios para que as informações circulassem livremente entre a população, afinal tratava-se do século XVII. Essa própria ausência de informações existe quando procuramos uma biografia de Shakespeare e nos deparamos apenas com hipóteses (é nesta lacuna que surgem obras como de John Madden). Polêmicas de lado é interessante acompanhar a forma como o filme desenvolve sua trama com base na própria obra de Shakespeare e as relações políticas da época. Fatos históricos, ficção e especulação aparecem misturados com eficiência - apesar da edição errar ao misturar diferentes períodos da vida de seu protagonista (o resultado na maioria das vezes mais confunde do que prende a atenção). Edward de Vere (um irreconhecível Rhys Ifans que ficou a cara de Joseph Fiennes), Conde de Oxford, devido aos compromissos com a corte não pode se entregar ao prazer de escrever, nem mesmo com seus escritos chamando a atenção da própria rainha Elizabeth I. Se na idade adulta os dois personagens são vividos por Ifans e Vanessa Redgrave, no passado eles vivem um romance na pele de Jamie Campbell Bower e Joely Richardson (filha de Vanessa). Um romance proibido que irá interferir em suas vidas até a crise para escolha do sucessor da rainha mais influente na história da Inglaterra. Admirador de teatro, Edward percebe que o teatro poderia servir de fonte de comunicação com a população. Ele acredita que a palavra num palco tinha poder e pede para o dramaturgo Ben Jonson (Sebastian Armesto) encenar suas peças. Como o contraste entre a obra de ambos era evidente, o ator boêmio William Shakespeare (Rafe Spall) assume a autoria das peças e se torna uma celebridade com a força daquelas obras. As peças acontecem paralelamente às intrigas na corte, onde filhos bastardos e interesses políticos se misturam num emaranhado de figuras históricas apresentadas de forma um pouco confusa. É interessante perceber Edward de Vere dando conotação totalmente diferente para a célebre frase "ser ou não ser", já que preso às convenções sociais está condenado a admirar sua fama com distanciamento e até ser chantageado para permanecer no anonimato (isso deve irritar ainda mais os shakesperianos, já que ele aparece como charlatão, chantagista, oportunista...). Esquecendo todas as polêmicas, Anônimo nos faz entrar em contato com uma espécie de universo paralelo que tem lá os seus atrativos, o curioso é que convidaram Roland Emmerich, responsável por destruir o mundo em Independence Day (1996), O Dia Depois de Amanhã (2004) e 2012 (2009) para fazer o mesmo com o maior escritor de todos os tempos. Aqui ele ainda aparece com a mão pesada, mas o resultado é melhor do que sua última empreitada séria (o aborrecido O Patriota/2000) com o mérito de não criar um filme "shakesperiano" com aquele ranço teatral. Entendo todas as críticas que o filme recebeu, mas considero que o filme merece ser visto nem que seja para conhecermos um ponto de vista divergente sobre uma figura histórica tão ilustre.
Anônimo (Anonymous/Reino Unido - Alemanha/2011) de Roland Emmerich com Rhys Ifans, Vanessa Redgrave, David Thewlis, Rafe Spall, Sebastian Armesto, Joely Richardson e Edward Rogg. ☻☻☻
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