Luque e Norma: paranoias da vida a dois.
Lembro que em uma de minhas primeiras aulas de psicologia na faculdade a professora disse que para ser considerado louco basta não saber como se comportar no tempo ou no espaço. Foi essa consideração simples que se repetia na minha cabeça enquanto eu assistia a O Desaparecimento do Gato. O filme trata de um momento bem específico no relacionamento do casal vivido pelos excelentes Luís Luque e Norma Argentina. Ela vive Angela, a esposa que está prestes a receber de volta em sua vida o marido com alta de uma instituição psiquiátrica - depois de internado após um surto psicótico. Os médicos mostram os exames para Angela (e assim como ela não entendemos muito bem o que ele diz, ficando marcado apenas o desenho do funcionamento do cérebro dele). Eles o consideram apto para voltar a viver com a família, mas Angela ainda tem suas dúvidas. Quando Luís volta para a casa, ela explica que mudou as cores da parede, reorganizou os livros dele e conta algumas novidades sobre a família e o círculo de amigos. Se aquelas informações já fazem com que o personagem se sinta meio deslocado num ambiente que deveria lhe parecer familiar, as coisas pioram quando o gato da casa não o reconhece e arranha seu rosto. Luís Luque tem uma atuação excepcional como Luís, sempre com uma postura tão inofensiva que gera desconfiança não só em sua esposa como na plateia. Curioso é que com a presença do esposo na casa é Angela que parece estar a beira do surto, já que toda atitude do esposo ganha duplo sentido para ela e é neste ponto que o roteiro mostra sua eficiência em saber lidar com a dubiedade das ações, de forma que estas são interpretadas pelos outros independente das reais intenções de quem a realiza. Mesmo explorando situações que podem acontecer em qualquer casa, nós consideramos que existe algo estranho por trás daquilo tudo por conta da presença de Luís. Sendo assim, se ele resolve arrumar a biblioteca do seu jeito, cortar um peixe como se fosse manteiga ou se o gato sumir é porque deve existir algo sinistro por trás de tudo isso. Enquanto o esposo tenta se ajustar ao mundo ao seu redor, a esposa tenta compreender suas paranoias com médicos, familiares, alunos dele e até um amigo (num suspeito encontro num estacionamento), mas acho que ela nem se dá conta de que suas angústias devem piorar um bocado a adequação de seu cônjuge. Em momento algum sabemos o que de fato aconteceu com o casal antes da internação de Luis, apenas suspeitamos. O desaparecimento do gato de estimação serve de ponto de partida para que os temores de Angela cheguem ao auge - ao ponto de ofuscar a planejada viagem ao Brasil e considerar que o sarcasmo de seu esposo faz falta em sua vida conjugal. O diretor e roteirista Carlos Sorín exibe total domínio de sua história e consegue tornar dinâmica uma história ambientada praticamente em apenas um ambiente e com dois atores no centro da narrativa. Com sua lente ambígua voltada para o casal, o desfecho deixa os nervos de qualquer um à flor da pele com seu ritmo lentamente preciso e silencioso. O Desaparecimento do Gato traz uma ideia simples brilhantemente executada.
O Desaparecimento do Gato (El Gato Desaparece/Argentina-2011) de Carlos Sorin com Norma Argentina, Luís Luque, Maria Abadi e Lucas Laurens. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário