Binoche e Irons: amarga torridez.
Nascido em 1932 e falecido em 1995, o cineasta francês Louis Malle dirigiu trinta filme durante a sua carreira. Adepto da abordagem de temas polêmicos que retratavam as angústias do século XX, o diretor era rejeitado por muitos dos seus conterrâneos do movimento nouvelle vague. No entanto, seu estilo próprio lhe permitiu dirigir sete filmes nos Estados Unidos (incluindo o deliciosamente experimental Tio Vânia em Nova York/1994 que retrata a obra de Tchekov a partir dos ensaios de uma peça - o longa se tornou seu último filme). Seu sexto filme americano, e penúltimo de sua carreira, foi lançado no mesmo ano da antológica cruzada de pernas de Sharon Stone em Instinto Selvagem/1992 e, (por acaso?) também tinha algumas cenas de sexo bastante ousadas para a época, ainda mais se levarmos em consideração que eram estreladas por um grisalho Jeremy Irons e uma jovem Juliette Binoche. Parece uma idiotice criar esse paralelo entre a obra de Malle e de Paul Verhoeven, mas o fato é que ambos utilizavam o sexo como um elemento determinante para a concepção de sua história e personagens. Se em Instinto um policial não consegue evitar sua atração por uma escritora bissexual suspeita de assassinato, em Perdas um político influente não consegue evitar sua atração pela misteriosa namorada do filho. Enquanto Verhoen utiliza elementos ardentes para realçar a atmosfera erótica de seu filme, Malle segue o caminho oposto. Perdas e Danos é seco, cru e quase gélido na elegância com que ata seus dois personagens perigosamente complementares num roteiro econômico e bastante revelador (cortesia do texto de David Gare baseado na obra de Josephine Hart). Quando conhecemos Stephen Fleming (Jeremy Irons) em seus dias de parlamentar inglês temos a certeza absoluta de que se trata de um sujeito exemplar, de hábitos regrados e uma segurança que inspira confiança em sua família, partidários e eleitores. Essa imagem é realçada ainda mais pela presença da esposa, Ingrid (Miranda Richardson, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante) e a imagem correta do filho Martyn (Rupert Graves). A coisa desanda quando Martyn apresenta ao pai sua namorada, a enigmática Anna Barton (Juliette Binoche). Desde o início se estabelece entre Stephen e Anna uma conexão incandescente debaixo do mundo de correções em que a família Fleming está imersa. Um olhar, um sorriso, um gesto aqui, outro ali e os dois se tornam amantes, ainda que ambos saibam as consequências que isso possa ter na vida de ambos. Stephen encara Anna como uma compensação por todos os anos de conduta indefectível que apresentou até ali, ela torna-se uma espécie de obsessão para ele, enquanto Anna... bem... a personagem tem lá os seus lugares obscuros, especialmente os relacionados com um suicídio na família que ainda a preenche de culpa nos piores dias. Malle apresenta um enredo de poucos sujeitos, girando em torno especificamente de Anna e Stephen, mas que apresenta funções importantes para Ingrid e Martyn em momentos importantes da trama. Porém, o destaque fica mesmo por conta das cenas em que Irons e Binoche mergulham numa tórrida jornada autodestrutiva, cujas consequências serão trágicas para quem está ao redor. Malle faz um filme despudoradamente hipnótico, mas que deixa um gosto amargo quando termina do jeito que não é previsível, mas inevitável na dinâmica dos fatos que apresenta (especialmente se levarmos em consideração a antológica declaração que Anna faz a Stephen, de que "Pessoas sofridas são perigosas porque elas sabem que podem sobreviver"). Perdas e Danos, com sua edição precisa e ousadias prova que Malle sempre desejava criar filmes únicos em sua trajetória.
Perdas e Danos (Damage/França-Reino Unido/1992) de Louis Malle com Jeremy Irons, Juliette Binoche, Rupert Graves e Peter Stormare. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário