Se em 2003 o melhor filme do Oscar era O Pianista de Roman Polanski, como explicar que ele tenha perdido prêmio máximo para Chicago (se fosse para As Horas eu até relevava...). Bem, vamos por partes. No ano anterior os fãs fervorosos de Moulin Rouge de Baz Luhrman não foram suficientes para dizer aos estúdios que o gênero musical havia ressuscitado. Está certo que o filme estrelado por Nicole Kidman era moderninho demais para o gosto da Academia (até eu tenho meus questionamentos sobre aquela edição nervosinha de sua primeira metade). Chicago tinha a intenção de trazer o gênero de volta às suas origens, com figurinos, números de dança deslumbrantes e canções oringinais que empolgassem. O projeto vinha se arrastando desde a década de 1990 nos estúdios (na época, Madonna estava tão animada com seu Globo de Ouro por Evita/1996 que estava envolvida na produção, onde seria Roxie Hart e Goldie Hawn seria Velma Kelly, mas a ideia não decolou). O filme só ganhou forma quando o diretor Rob Marshall (que havia dirigido vários musicais nos palcos) assumiu a direção e atraiu nomes de peso (para a época) como Renée Zellwegger, Catherine Zeta Jones e Richard Gere. Para ajudar no elenco ainda escalou os menos conhecidos (pelo grande público) John C. Reilly e uma rapper disposta a ganhar a telona, Queen Latifah. Quando Bob Fosse construiu este musical para os palcos, sua intenção era criticar a obsessão pela fama, ao ponto da mídia tratar criminosos como se fossem celebridades. A linguagem tinha a ousadia típica de seu idealizador, tendo muito de sática corrupção. Essa mistura é o que está por trás da história de Roxie Hart (Zellwegger, indicada ao Oscar de atriz e ganhadora do Globo de Ouro) que tem talento medíocre, não sabendo dançar ou cantar muito bem, mas que sonha em protagonizar seu próprio musical. Ironicamente, Roxie acaba se tornando famosa por matar o amante e na prisão conhece sua musa, Velma Kelly (Catherine, que disputou o Globo de Ouro com Renée e ganhou o Oscar de Coadjuvante) que está presa por matar o marido e sua irmã gêmea. Ao contrário de Roxie, Velma é realmente talentosa: canta, dança e interpreta como uma diva hollywoodiana - e por isso mesmo não é muito confiável. No meio dessa história está o advogado doido para se promover na mídia (Gere, ganhador do Globo de Ouro), uma carcereira de fina ironia (Latifah, indicada ao Oscar e Globo de Ouro de Coadjuvante) e o esposo traído de Roxie (Reilly, indicado ao Oscar e Globo de Ouro de Coadjuvante). No entanto, a exuberância visual do filme não consegue disfarçar as dificuldades de Marshall para lidar com a telona. Todos os elogios que as cenas musicais lhe renderam não me convenceram, até porque o que o filme possui de melhor é pura transposição dos palcos para o cinema, Marshall apenas copiou o que viu no teatro e fez diante de uma câmera. Nesse caso, tenho que admitir que o cara contou com excelentes parceiros na produção técnica do filme (direção de arte, fotografia, edição, trilha sonora) que é impecável, mas todas as provocações do texto original ficaram pelo meio do caminho em nome do espetáculo que tonra tudo mediano. Marshall convenceu porque não se deram conta, em sua estreia, que ele pensa cinema como se estivesse fazendo teatro - tanto que seus números musicais sempre acontecem num palco com a desculpa de ser a imaginação dos personagens (francamente, até o seco Lars von Trier já fez melhor do que isso em Dançando no Escuro/2000). Mas quem entende do gênero vai notar os cortes bruscos para esconder que parte do elenco não sabe fazer o que os personagens pedem (John C. Reilly deixa claro que não consegue nem fazer passos simples de dança e tem que ser muito ingênuo para acreditar que Richard Gere está sapateando... e não vou nem falar da voz de taquara rachada de Zellwegger). O mais curioso é que de todo este enorme bolo de noiva quem sai intacta é Catherine Zeta-Jones, impecável como a vilã Velma Kelly. Jones mostra-se uma diva às antigas, com corpão, carisma, brilho descomunal em cenas de canto e dança (ela dispensou qualquer dublê para as suas cenas) tanta disposição valeu a pena no Oscar e fez até os acadêmicos acreditarem que Chicago é um filme melhor do que realmente é. Sem ela, o filme teria padecido completamente com seu roteiro fraco e um diretor que já provou que não entende muito de falar por ele mesmo. O pior é que Marshall continuou fazendo filmes (todos pisoteados pela crítica: Diário de uma Gueixa/, Nine/2009 e o recente Piratas do Caribe 4) enquanto Catherine tem se dedicado cada vez mais ao teatro. Não poderiam inverter essa situação?
Zellwegger: desculpe Renée, mas Catherine é a estrela do filme...
Chicago (EUA-2002) de Rob Marshall com Renée Zellwegger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere, Queen Latifah, John C. Reilly, Christine Baranski e Lucy Liu. ☻☻
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