Yalitza e Marco: passeando pelas memórias do diretor.
Alfonso Cuarón levou para casa o Oscar de melhor direção (e também o de Melhor Edição) por Gravidade (2013), um filme de ficção científica que contou com a ajuda de Sandra Bullock para se concretizar (e a atriz foi indicada a todos os prêmios de atuação feminina daquele ano). Depois daquela produção ambiciosa, repleta de efeitos especiais e de qualidades irrepreensíveis todo mundo parecia se perguntar qual seria o próximo passo do diretor mexicano. Cuarón foi esperto, deixou a poeira baixar e cinco anos depois lançou Roma, filme que é visualmente bastante diferente do seu longa anterior - me arrisco até a dizer que é o mais diferente entre todos os outros que ele já fez, sendo o mais introspectivo e singelo, quase uma provocação para os que consideraram Gravidade era um filme de mais forma do que conteúdo. Roma também pode ser visto desta forma, afinal, é um filme com uma trama bastante simples, com pessoas comuns, situações corriqueiras, mas feita com um capricho visual que enche os olhos (o transformando numa verdadeira obra de arte). Ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza e presente em dez entre dez listas de melhores filmes do ano, Roma se tornou a grande unanimidade do ano. Em entrevistas o próprio Cuarón revela se surpreender com este sucesso, afinal, o ritmo lento e sua história marcada por elementos biográficos, fez com que o filme fosse contra tudo a que o grande público está acostumado. Por outro lado, a Netflix confiou tanto no autor que mudou até as regras de lançamento, quebrando o protocolo e lançando um "original Netflix" primeiramente nas telas com uma grande margem de tempo antes de entrar para o seu catálogo (o Brasil ficou de fora por motivos óbvios), esta medida aparentemente simples já colocou o filme na categoria de filme estrangeiro no Globo de Ouro e garante seu espaço em várias categorias para o Oscar. Ao contrário do que muita gente pensa, o título não se refere à capital italiana, mas ao bairro de classe média da Cidade do México em que Cuarón cresceu, mas o título imponente também surpreende ao girar em torno de pessoas comuns, tendo como protagonista a empregada inspirada na mulher que cuidou de Cuaón desde que ele era um garotinho. Cleo (um trabalho encantador da estreante Yalitza Aparicio) trabalha na casa de Senhora Sofia (Marina de Tavira) e além de cuidar da casa, precisa dar conta de ficar de olho nos quatro filhos da família, sendo mais chegada ao pequeno Pepe (Marco Graff, que tem algumas tiradas muito interessantes sobre "o tempo em que era adulto"). O filme retrata o cotidiano dos personagens sem grandes truques ou surpresa e a câmera deixa claro (em seus movimentos e longos planos) que o espectador invade aquele universo tendo a câmera como guia de seu olhar. A estética deixa visível que se trata do filme mais pessoal do diretor (Cuarón ainda escreveu, editou, segurou a câmera...) de forma que fica fácil perceber que o resultado é um conjunto de suas memórias (e considero um charme extra as alusões que podemos notar a outros filmes do diretor, incluindo Filhos da Esperança/2006 e o próprio Gravidade além das referência ao trabalho de Fellini). O roteiro é um primor de realismo e sabe brincar muito bem com as ironias dos acontecimentos (o constante coco de cachorro na varanda, o avião sempre cruzando o céu, o carro grande demais para a garagem, o pai sempre ausente e o namorado de Cleo que tem umas das cenas de nu frontal mais inusitadas da história do cinema). Misturando drama com um humor sutil, Roma universaliza as emoções de seu diretor e, embora seja bastante diferente da grande maioria dos filmes que estreiam toda semana, é uma produção profundamente emocional.
Roma (México/EUA-2018) de Alfonso Cuarón com Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graff, Fernando Grediaga, Jorge Antonio Guerrero, Verónica García, Nancy García García e Diego Cortina Autrey. ☻☻☻☻
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