terça-feira, 30 de agosto de 2011

DVD: TWIN PEAKS - DEFINITIVE GOLD EDITION


David Lynch é um dos meus cineastas favoritos. Podem chamá-lo de picareta, enganador, pervertido que não estou nem aí. Podem me tacar pedra na rua, mas ainda acho que um cineasta de verdade é aquele capaz de construir narrativas inesquecíveis que ficam gravadas em nossa mente e não apenas um sujeito que diz “Ação” para os atores cuspirem o texto decorado diante de uma câmera. Lynch é um dos mestres da sétima arte e reconhecido como o pioneiro do surrealismo cinematográfico estadounidense, embora esteja desiludido ultimamente com a forma como os filmes de autor têm sido tratados em seu país (tanto que não lança um longa desde sua homenagem no Festival de Veneza em que lançou o radical Império dos Sonhos/2006), podemos perceber a influência do universo Lynchiano em sucessos recentes como A Origem de Chris Nolan, Cisne Negro de Darren Aronofsky além dos roteiros de Charlie Kauffman. Na década de 1990 o diretor foi convidado a realizar um programa para a televisão – numa época em que se alguém migrar do cinema para a TV era visto como decadência em Hollywood. Lynch se juntou ao parceiro Jack Frost para construir a história de um programa que recebeu carta branca da rede ABC (que estava à beira da falência) para fazer o que quisesse. Twin Peaks foi ao ar na páscoa de 1990 e fez história batendo recordes de audiência com um piloto de duas horas de duração (contando os comerciais) e uma pergunta que assombrava a audiência: “Quem matou Laura Palmer?”


Kyle e Lynch: terceira parceria.

Sempre me impressiono com o clima construído por Lynch em suas obras. Admiro a forma como consegue conduzir o lado sombrio de suas histórias com uma plasticidade que nos faz pensar porque cinema é uma arte. Digo cinema, apesar de ser um projeto televisivo, porque Twin Peaks foi pioneira a levar planos e ritmos cinematográficos para a TV. Muito do que vemos com sucesso na TV hoje, se deve a esse hibridismo pioneiro proposto por Lynch/Frost. Não serei o primeiro nem o último a dizer que sem Twin Peaks não existiria Arquivo X, Fringe e Lost (que flertam mais abertamente com a linguagem Lynchiana). Atrevo-me a dizer que sem Twin Peaks não existiria a possibilidade de produzir séries do porte cinematográfico de Família Soprano ou Six Feets Under, até mesmo as recentes aventuras televisivas de cineastas como Scorsese (Boardwalk Empire), Todd Haynes (Mildred Pierce) e Frank Darabonts (The Walking Dead). Acho que não preciso dizer mais sobre a importância de Twin Peaks sobre a cultura pop e sua influência na qualidade da TV americana. A série fez história com sua trama cheia de camadas, interpretações, crimes e mistérios e mostrou algumas das cenas mais estranhas que já foram feitas para a telinha. Twin Peaks é uma cidadezinha americana fictícia que fica perto do Canadá, a abertura da série explora a melancolia da trama com suas locações e trilha sonora. Pássaros, árvores e cascatas são mostrados evidenciando o aspecto bucólico do lugar, não precisa muito mais do que isso para percebemos que trata-se de uma cidade tranqüila com pouco mais de cinqüenta mil habitantes. A paz do lugar é ameaçada pela morte de uma jovem popular na cidade, Laura Palmer (Sheryl Lee) e a chegada de um agente do FBI que começa a deixar a população nervosa - já que qualquer um pode ser o assassino e, por isso mesmo, suas vidas são vasculhadas em busca de evidências, com isso as excentricidades e segredos de seus personagens ganham cada vez mais força. Kyle MacLachlan (um dos atores favoritos de Lynch que esteve presente no cultuado Veludo Azul/1986 e o mal compreendido Duna/1984) interpreta magistralmente o agente excêntrico Dale Cole, que busca uma resposta para o crime. Nesse processo conta com parceiros fiéis como o delegado Harry (Michael Ontkean), o policial chorão Andy (Harry Goaz) e a secretária tagarela Lucy (Kimmy Robertson). A lista de suspeitos é gigantesca e no piloto da série eles são expostos - sem perder de vista que Palmer era uma garota que guardava segredos perigosos em sua vida amorosa, envolvendo drogas e prostituição. O piloto da série coloca todas as fichas da série na mesa e o sucesso fez com que Lynch e Frost fossem convidados a dar continuidade ao projeto, com uma temporada de sete episódios que fez história na TV. 
TWIN PEAKS - PILOTO: "NORTHWEST PASSAGE" (1990)☻☻☻☻

Os mocinhos: flerte com o sobrenatural e com belas mulheres.

A primeira temporada de Twin Peaks virou uma febre, foi a mais falada, a mais comentada e badalada da década de 1990. Elegeu musas em seu núcleo jovem (as saborosa Lara Flynn Boyle era a melhor amiga de Palmer e a suculenta Sherilyn Fenn era a colegial perigosa que morre de amores pelo agente Cole - ambas conseguiram até alguns projetos no cinema depois que a série terminou) e deu oportunidades para que Lynch ampliasse seu público em cenas hipnoticamente bizarras como as do sonho de cortinas vermelhas de Cole, o anão que fala e se move ao contrário, além de sugerir a existência de um mal existente que independe da vontade de quem o pratica. Além de todos os mistérios e audácia narrativa o que mais enche os olhos ao ver a primeira temporada é a qualidade da trama. São tantas camadas, referências e subtextos que é irresistível a atmosfera construída pela produção – sem falar que o filme dialoga diretamente com as outras obras do diretor (a presença dos sonhos, as alucinações, as fendas e orifícios, a duplicidade bem/mal, anjo/demônio de seus personagens, gritos, silêncios, trilha sonora magnífica de Angelo Badalamenti). Há muito de filosófico na série – e as introduções dos capítulos realizadas pela Mulher do Tronco (Catherine Coulson) é um bom exemplo disso. No último capítulo da temporada todos os ganchos possíveis para a segunda foram lançados. Porém, apesar de todas as expectativas e ideias lançadas o seriado teve uma queda brutal de audiência e perdeu muitas de suas qualidades nos episódios seguintes. Acho que o fato de ter 22 episódios fez com que tudo perdesse o ritmo e se tornasse exaustivo demais, isso sem falar pelos outros problemas enfrentados no caminho. A curta primeira temporada sobre a supervisão de Lynch/Frost deu a oportunidade para que vários diretores exercitassem sua criatividade narrativa durante a produção dos episódios – e para manter os mistérios os atores recebiam somente trechos de cada episódio. Tudo funcionava perfeitamente até que os exageros desenfreados acabaram destruindo a originalidade do seriado no ano seguinte. A obscuridade e o estranhamento constituíam a alma e a certa dose de humor de Twin Peaks. 
TWIN PEAKS - PRIMEIRA TEMPORADA (1990) ☻☻☻☻

Palmer: anjo ou diabo?

Curiosamente enquanto a primeira temporada virava mania pelo mundo, era exibida a segunda em que o seriado acabou se tornando uma autoparódia. A segunda temporada vale ser vista somente pelos primeiros e últimos capítulos (o que deve somar mais ou menos o número de episódios da primeira). Lynch falou muito que o assassino jamais deveria ser revelado, essa dúvida era a grande alma do programa, ela percorria todas as subtramas e fazia os personagens tão interessantes, afinal, enquanto não provassem a inocência perante o público, todos eram culpados. Nos primeiros episódios da segunda temporada descobrimos quem matou Laura Palmer – e apesar da descoberta do assassino lançar um novo mistério na trama, este mostrou-se menor para o interesse do público. Também não ajudou o fato de (por problemas interpessoais) não avançarem no novo foco da temporada: o envolvimento de Audrey (Sherilyn Fenn) e o agente Cole (MacLachlan), juntando isso ao distanciamento (por pirraça da revelação do assassino de Laura?) de Lynch (que zelava por Coração Selvagem/1990) e Frost (que investia em seu primeiro longa metragem) fez com que tudo saísse do eixo, com esquisitices vazias, piadas em exagero, personagens subaproveitados, resgate de outros que ninguém lembrava e um exagero de convidados especiais que fez tudo parecer uma novelinha aguada com direito a doninhas agressivas, mulheres caolhas com super-poderes e um rival do passdo de Cole que parece saído de um filme dos Trapalhões. Tudo que a série havia conquistado foi para o lixo e as constantes mudanças de horários não ajudava. É chocante o desleixo com que a série foi tratada no meio desta temporada. Diante do abacaxi, Lynch e Frost tomaram as rédeas da coisa na reta final, tentando evitar o inevitável, quando a temporada chegou ao seu derradeiro episódio final tentou se resgatar o clima inicial, os mistérios e as ideias presentes no subconsciente de seus personagens (mesclando o bem e o mal na figura confiável do agente Cole num gancho para a terceira temporada que nunca foi produzida). O último episódio é um dos melhores da série e deixou claro, que não é qualquer um que pode brincar de David Lynch. Afim de dar um final digno para sua obra, Lynch realizou o filme Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire walk with me / 1992) que padeceu com críticas pífias e que alegavam ser mais do mesmo, mas os fãs da primeira temporada gostaram do filme e perceberam novas revelações sobre os personagens que acompanharam em uma das séries mais inventivas de todos os tempos - para quem leu o livro do cineasta sobre meditação, a série fará ainda mais sentido. TWIN PEAKS - THE DEFINITIVE GOLD BOX EDITION traz muitos extras sobre (participação no Saturday Night Live, comerciais, entrevistas...) mas não conta com a participação de todos os atores (será que ficaram magoados com o processo de banalização da série?), é um box de colecionador que só não é mais completo por conta de não conter o longa dirigido por Lynch no ano seguinte em que a série terminou (o qual fico devendo uma resenha, mas diante do meu maior post de todos os tempos acho que você não vai se importar...).
TWIN PEAKS - SEGUNDA TEMPORADA (1991) ☻☻  
TWIN PEAKS - EXTRAS ☻☻


TWIN PEAKS – THE DEFINITIVE GOLD BOX EDITION (2010) produzido por David Lynch e Mark Frost, com Kyle MacLachlan, Sheryl Lee, Lara Flynn Boyle, Sherilyn Fenn, Ray Wise, Richard Beymer, Grace Zabriskie, Joan Chen, Piper Lauren, Mädchen Amick, David Lynch e David Duchovny.

Ladies & Gentlemen: Amy Adams

Sei que não parece, mas a ruiva Amy Adams é italiana - mas a surpresa diminui um bocado quando descobrimos que a atriz é filha de um casal de americanos (Kathryn e Richard Adams) e nasceu na terra da pizza por conta do trabalho de seu pai. Nascida em 1974, Amy é uma das atrizes mais aclamadas de sua geração e esperta o suficiente para aproveitar as boas chances que lhe aparecem pelo caminho (mesmo quando parecem arriscadas), por conta disso já conseguiu três indicações ao Oscar nos últimos cinco anos! Apesar da maioria de seus papéis ser de meninas comportadas, a atriz já demonstrou que consegue dar conta dos mais variados personagens - e estes nem precisam ser os protagonistas para que ela se destaque. Amy começou sua carreira no cinema em 1999 (num filme de pouco conhecido chamado Drop Dead Gorgeous, ao lado de Kirsten Dunst e Denise Richards), despois seu talento foi lapidado na TV em produções variadas como o seriado That '70's show, Charmed, The Office, West Wing e Smalville - além de alguns filmes para a telinha como Segundas Inteções 2 (onde assumiu o papel que era de Sarah Michelle Gellar). As grandes produções do cinema pareciam tê-la encontrado quando Spielberg a escalou em Prenda-me de for capaz (2002), mas ainda não era daquela vez que Adams ganharia o devido destaque, já que o papel era pequeno na trama. A guinada em sua carreira aconteceu em Retratos de Família (2005), onde interpretou a personagem mais carismática da trama: uma jovem grávida em meio à fria família de seu esposo. Amy fez o papel de forma tão comovente que além dos prêmios do cinema independente, ainda cavou uma vaga entre as indicadas ao Oscar de coadjuvante. Depois enveredou por comediotas americanas   como Ricky & Bob (2006) e Tennacious D (2006), mas mostrou todos os seus recursos em Encantada (2007), onde fazia uma princesa de contos de fada perdida em Nova York. Se Encantada tornou-se um sucesso, se deve muito à desenvoltura de Amy, que canta, dança, interpreta e parece uma legítima discípula de Julie Andrews (fato que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro e o direito de cantar as três músicas indicadas ao Oscar na noite de premiação)! Pena que no mesmo ano foi desperdiçada no chato Jogos do Poder (o primeiro malfadado encontro de Tom Hanks e Julia Roberts em 2007). Em 2008 ela lançou três filmes, sendo indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro de coadjuvante pelo drama Dúvida (2008), onde interpretava uma freira bem-intencionada, apesar da língua maior que a boca.  Talvez pela densidade de sua personagem tenha optado por relaxar no ano seguinte, interpretando uma... estátua de Amelia Earhart em Uma Noite no Museu II (2009) e a blogueira cozinheira de Julie & Julia (2009). Se os românticos Moonlight Serenade (2009) e Casa Comigo (2009) não fizeram o sucesso esperado no ano seguinte, a atriz não tem do que reclamar de  seu papel mais ousado: Charlene, a namorada do lutador Micky Ward em O Vencedor (2010). Charlene é bem diferente de seu outros papéis, nada refinada e de personalidade forte, o papel lhe valeu a terceira indicação ao Oscar de coadjuvante (e perdeu para sua parceira de elenco, Melissa Leo). Para este ano a atriz promete dois filmes: On the Road (a adaptação do brasileiro Walter Salles para o livro de Jack Kerouac) e a nova aventura dos Muppets. Amy não para por aí, anda filmando a versão repaginada de Zack Snyder para Superman (sob o título de Man of Steel) previsto para ser lançado em 2013, no filme ela é a eterna musa do herói kryptoniano, Lois Lane.  

Amy encarna Gisele: princesa impagável.

DVD: O Vencedor

Wahlberg, Leo e Bale: boas atuações em mais um filme de boxe.


Dia desses completei minha jornada em busca dos dez filmes indicados ao Oscar deste ano (ufa!), O Vencedor foi o último da lista que eu vi. Se meu analista ler isso terá uma série de coisas para me dizer, mas vou poupar o trabalho dele e repetir uma coisa que disse aqui no blog há algum tempo: não curto filme de boxe. Desculpem amigos, mas todos me parecem tão parecidos! Claro que sei a diferença entre a obra-prima do gênero Touro Indomável (1980), um filme de auto-ajuda como Rocky, Um Lutador (1976), um melodrama seco como Menina de Ouro (2004) e vou colocar até (ei sei que não é boxe) O Lutador (2006) de Darren Aronofsky na lista com sua narrativa indie sujinha. Mas no fim, em sua essência, entre altos e baixos, ambições e frustrações os filmes possuem questões muito semelhantes: os treinos exaustivos, os problemas pessoais influenciando no desempenho profissional, sucessos profissionais, tragédias pessoais, emocionais, vida familiar problemática, sangue, suor e lágrimas! Claro que um diretor competente como Scorsese e Eastwood faz toda a diferença ao explorar estes ingredientes. Se o elenco cooperar, as chances do filme faturar prêmios aumenta consideravelmente (todos os listados acima receberam suas glórias perante público e crítica) e este foi o caso, também, de O Vencedor. Dirigido por David O. Russel (distante do gênero que o consagrou, a comédia, mas ainda assim bem humorado), O Vencedor foi ganhando força nas premiações, mas seria maldade atribuir seus sucesso somente ao lobby violento de seus produtores. O filme é bem feito, honesto, sendo extremamente bem sucedido ao colocar no centro da narrativa os problemas familiares (que não são poucos) na vida do bom moço Mick (Mark Wahlberg). Mick é treinado por seu irmão Dick (Christian Bale, mais uma vez assustadoramente magro para um papel), um promissor lutador de boxe que perdeu sua vida para o vício em crack. Ainda assim, Dick é o queridinho da família, tudo parece girar em torno de suas vontades, numa espécie de compensação exacerbada - e o fato de ser alvo de um documentário da HBO só aumenta esta sensação. Além de Dick, Mick tem que lidar com a personalidade dominadora de sua mãe, Alice (a ótima Melissa Leo, totalmente brega)  que acaba funcionando como âncora para a sua carreira. Não bastasse esses dois pesos em suas costas, Micky Ward tem um bando de irmãs acomodadas que mais parecem formar uma gang que não vai com a cara de sua nova namorada, Charlene (a sempre competente Amy Adams). É Charlene que o faz perceber que por mais que Mick ame sua família, isso não dá o direito a ela de podar suas ambições. O Vencedor é um raro caso de filme que tinha tudo para dar errado, mas dá certo. Não são poucas as vezes em que achei que o filme iria descambar para o mais apelativo melodrama, mas os envolvidos são tão espertos que nos fazem acreditar que não há excessos, apenas a vida de um bando de personagens perdidos que buscam lidar com os problemas que aparecem pelo caminho. Nesta busca por originalidade, acho que o mais notável é colocar um filme dentro do filme - que serve para revelar (em rede nacional) como as atitudes de Mick revelam que existe algo fora do eixo na família. Se o diretor tem seus méritos, o elenco também merece ser ressaltado. Amy Adams surpreende num papel bem diferente da moça comportada que vimos em seus outros filmes, Wahlberg alcança sua melhor atuação desde o longínquo Boogie Nights (1997), enquanto isso Melissa Leo e Christian Bale se tornaram os coadjuvantes papa-prêmios da temporada com direito a Oscar, prêmios de críticos, sindicatos e Globo de Ouro.  O Vencedor pode não ser um filme inesquecível, sua maior qualidade é a honestidade com que trata seus personagens entre as temáticas que o roteiro explora - ainda que esqueça de desenvolver alguns personagens pelo caminho (como o esposo de Alice e até mesmo as irmãs que são pouco mais do que um bando de figurantes desagradáveis).
O Vencedor (The Fighter/EUA-2010) de David O. Russel com Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams e Melissa Leo. ☻☻

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

FILMED+: Alta Fidelidade

Gordon: colocando as coisas em ordem biográfica.

John Cusack é um dos atores mais curiosos de Hollywood, começou sua carreira em comédias adolescentes na década de 1980 e aos poucos se envolveu em produções mais sérias, especialmente Os Imorais (1990) de Stephen Frears – onde vivia uma espécie de triângulo amoroso com sua noiva picareta (Annete Benning) e a mãe trambiqueira (Anjelica Houston) num brilhante clima noir dirigido por Stephen Frears. Se o filme chamou atenção com suas parceiras indicadas ao Oscar e com Cusack esquecido (o que serviu para que dissesse em entrevistas que não está nem aí para as premiações), pelo menos ele se tornou amigo de Frears e o escolheu para dirigir um dos seus melhores roteiros. Pois é, Cusack além de ator é roteirista (é dos mais competentes) já que é o responsável pela escrita do aclamado Matador em Conflito (1997) além deste divertidamente pop Alta Fidelidade (2000). Cusack comprou os direitos do best-seller de Nick Hornby sobre um homem transbordante de cultura pop e com mania de fazer lista dos cinco mais isso e os cinco mais aquilo. Rob Gordon (John Cusack, ótimo e indicado ao Globo de Ouro) é o proprietário de uma loja de discos e o filme começa quando ele é abandonado por sua noiva, Laura (a dinamarquesa Iben Hjejle) que está cansada de esperar que seu parceiro amadureça. Não que Gordon seja infantil como os personagens abobados de Adam Sandler, Gordon é muito articulado, bem entendido, mas parece viver dentro de um universo muito próprio e não percebe que existe uma hora para a vida alcnaçar, digamos, outro estágio, não se resumindo a saborear música pop e ficar aturando os clientes e vendedores excêntricos de sua loja (Jack Black e o ótimo Todd Louiso). Rob e Laura têm suas semelhanças e diferenças, mas uma gravidez coloca em questão o que pretendem fazer de suas vidas nos próximos anos. Ouso dizer que Cusack tem aqui sua melhor atuação e ao transferir a trama da Inglaterra para os EUA, ele evidencia que nasceu para ser Rob Gordon, sua desenvoltura é realmente impressionante, até esquecemos que está atuando – e interpretar um homem comum é mais difícil do que se imagina. Todo esse mérito fica ainda mais evidente quando Cusack precisa tornar interessante uma trama que flerta o tempo todo com um gênero extremamente feminino: a comédia romântica. Sem as embromações comuns ao gênero e com o olhar masculino sem as baixarias de Judd Apatow, o filme precisava do ator exato como protagonista e Cusack alcança uma atuação que dosa ironia, insegurança, humor e inteligência. Seja falando para câmera, pedindo uma trilha para Bruce Springsteen, listando os cinco maiores foras que já tomou na vida, ou até em momentos que beira o clichê (como os delírios de Laura na cama com um Tim Robbins cabeludo e esquisito) o cara dá conta do recado. Claro que a trilha sonora esperta (sugerida pela própria obra literária, registre-se) ajuda, assim como o elenco de apoio mais que eficiente - que ainda inclui (a sumida) Lilly Taylor, Catherine Zeta-Jones (como duas ex-namoradas), a bela (raramente vista) Lisa Bonet e a mana Joan Cusack. A direção de Stephen Frears (num território que raramente explora em sua carreira, mas que faz muito bem: a comédia) imprime um ritmo de narrativa descompromissado que equilibra bem o que há de alucinante e de realista urbano no filme. Todos esses elementos fazem de Alta Fidelidade uma ótima pedida sobre uma geração que conhecemos muito bem e que Nick Hornby se tornou um porta-voz.

Alta Fidelidade (High Fidelity/ Reino Unido-EUA/ 2000)de Stephen Frears com John Cusack, Iben Hjejle, Jack Black, Todd Louiso, Joan Cusack, Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Lilly Taylor, Tim Robbins e Bruce Springsteen.☻☻   

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

DVD: A Ressaca

A máquina do tempo e os viajantes: 1986 despediçado.

Acho que não foi só eu que ficou decepcionado com A Ressaca, como o filme foi lançado direito em DVD por aqui, é sinal de que nem os distribuidores acreditaram muito no filme. Talvez o que mais prejudicou o filme tenha sido o ótimo trailer de divulgação que sugeria um filme engraçado sobre os saudosos anos 1980. Piadas bem sacadas sobre Michael Jackson e as roupas da época davam a ideia de que se tratava de uma comédia despretensiosa com alguma nostalgia sobre a década que é cada vez mais lembrada no mundo pop (veja Super 8 por exemplo). Não é bem assim, o problema não é nem a premissa absurda de uma banheira que serve de máquina do tempo para três amigos e o sobrinho de um deles após uma noite de bebedeira – afinal de contas, é uma comédia com o pé no nonsense. O problema é o desperdício das boas ideias que o roteiro propõe. Diante dos conhecimentos aprendidos em filmes como De Volta para o Futuro os caras entendem que alterar os fatos ocorridos pode ser fatal (e isso inclui o nascimento do tal sobrinho com cara de nerd) e tentam fazer tudo o que fizeram antes. Poderia ser um filme que bebesse nas referências das comédias da década de 1980 ou até uma dramédia sobre a já gasta ideia de uma segunda chance, mas opta por jorrar palavrões e situações de conotação sexual que não empolgam. O resultado é tão fracote que ao terminar, nem lembramos das piadinhas bem sacadas (acho que todas estavam no trailer) só que uma ideia divertida foi desperdiçada. Também não empolga as chances de reviravolta que surge no caminho dos personagens (todas são muito óbvias), assim como os rumos do encontro do nerd com sua mãe vários anos mais jovem ou até mesmo os contornos dos personagens (um nerd assexuado, dois desiludidos com o casamento e um boboca descerebrado). Enfim, A Ressaca (curiosamente o título combina pouco com o filme e seria a tradução literal de Se Beber não Case por aqui) é só mais uma comédia destinada aos homens pouco exigentes, mas que não merece o formato de um longa metragem, o trailer já era suficiente. Quem mais perde nesta história toda é John Cusack, um bom ator que tem perdido tempo em comédias que não acrescentam nada em sua carreira. Apesar de ser o que menos se compromete entre os marmanjos do filme, Cusack mostrou-se roteirista habilidoso anos atrás e agora se mostra cada vez mais destinado ao segundo time de Hollywood em papéis que não lhe proporcionam um bom material para trabalhar.

A Ressaca (Hot tube Time Machine/2010) de Steve Pink, com John Cusack, Clark Duke, Craig Robinson, Lyndsy Fonseca e Crispin Glover.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

DVD: Não me abandone Jamais

Knightley, Carey e Andrew: drama romântico de ficção científica.

O novo filme de Mark Romanek chamou minha atenção assim que eu soube que estava sendo produzido, menos pela história em si (já que na época tentava preservar os segredos da trama que depois acabaram aparecendo em todo canto na mídia) e mais pelos nomes envolvidos. Para começar o filme é baseado no aclamado livro de Kazuo Ishiguro (o mesmo de Vestígios do Dia), o roteiro foi adaptado por Alex Garland (que após o sucesso na literatura tem acertado cada vez mais em seus roteiros, especialmente os dirigidos por Danny Boyle), os nomes envolvidos no elenco são excelentes: Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley, Charlotte Rampling e Sally Hawkins, sem falar que sou um fã declarado da primeira experiência de Ronamek nas telonas após brilhante carreira no ramo dos video clipes. No suspense Retratos de Uma Obsessão (2002) o diretor já mostrava construir seus dramas lentamente, desvendando a complexidade de seus personagens em cenas bem construídas. Se o resultado não empolgou nas bilheterias (deixando um hiato de oito anos em sua carreira como cineasta), serviu para arrancar a última atuação memorável de Robin Williams (e que considero até a melhor de sua carreira). Em Não me Abandone Jamais sai o suspense como motivador dos dramas de seus personagens e entra a ficção científica. Mas a ficção científica entra de forma estranha, somente quando já estamos apegados aos personagens e nos causa estranhamento a forma como este ingrediente contamina a alma dos persoangens. No iníco o filme parece contar um desses dramas ingleses sobre os problemas de uma educação excessivamente repressora de um grupo de crianças. Trata-se da escola Hailsham, que aparentemente cuida de órfãos proibidos de ultrapassar os muros da instituição - para evitar que os pequenos saiam dali são contadas histórias de crianças mortas e mutiladas pela ameaça do mundo exterior. Mas tudo não poderia ser uma fantasia? "Mas que tipo de pessoa contaria histórias tão horríveis?", diz uma personagem antes de saber o que mudará sua vida para sempre. Condenadas à uma educação repressora, com roupas e brinquedos velhos vindos de doações anônimas - além de ter que realizar desenhos sem motivo aparente para uma galeria misteriosa - Hailsham está longe de ser uma escola de referência educacional. Em meio a esta gélida realiada que a tímida menina Kathy começa a se interessar por um dos seus colegas, o bom moço Tommy - que logo chama a atenção de Ruth, amiga de Kathy. A vida dos três sofre uma reviravolta quando a nova tutora (Hawkins) entrega o que de fato acontece entre os muros da instituição: eles educam clones, pessoas criadas em laboratório com a intenção de serem apenas doadoras de órgãos. A expectativa de vida deles gira em torno dos 26 anos, período em que falecem ao realizar a quarta doação. É inevitável a tristeza que cresce diante deste fato, ainda mais com os rumos do triângulo amoroso que se instala na trama. Tommy e Ruth (Garfield e Knightley quando crescidos) mantem um romance problemático, enquanto Kathy (a novamente ótima Carey Mulligan) mergulha na melancolia de seus destinos traçados. Não há escapatória. Embora o filme narre a relação dos três personagens diante do inevitável, o mais interessante é a reflexão que propõe sobre o inevitável encontro com a morte. Sem o estardalhaço sobre os conflitos éticos da clonagem humana, o filme (e o livro) incomodou muita gente que não gostou da aceitação de seus personagens perante o que lhes foi estabelecido, este detalhe incomoda ainda mais diante dos aplausos que destinam à diretora da escola (Rampling com sua expressão impenetrável) após um discurso que não lhes deixa alternativa. Ao mesmo tempo penso nos efeitos de uma educação escolar como a dos personagens, feita no isolamento, na falta de perspectivas, nas restrições, onde a aceitação do que está posto é vista como algo de que se deve orgulhar - sei que existem inúmeras simbologias presentes neste ponto e que estrapolam os limites da ficção científica alcançando o campo sociológico, psicológico e até pedagógico (será que é por acaso que a personagem de Ruth grita sua identificação com os excluídos socialmente?) - talvez brote desta aceitação (para alguns incompreensível) a maior tragédia de seus personagens. Repleto de boas atuações (Garfield se destaca num papel pequeno e Carey Mulligan alcança uma atuação até melhor que a sua indicada ao Oscar por Educação/2009), inúmeras camadas e cenas inesquecíveis (como a última cirurgia de Tommy, a tentativa de conseguir um adiamento, o questionamento se os clones teriam alma ou a triste cena final de Kathy contemplando a inevitabilidade de sua solidão), Romanek comprova ser um cineasta de mão cheia. Só espero que não demore tanto para fazer outro filme. 

Não me Abandone Jamais (Never Let me Go/Reino Unido-EUA/2010) de Mark Romanek com Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley, Charlotte Rampling e Sally Hawkins. ☻☻      

CATÁLOGO: Cowboy Bebop - O Filme


Os Cowboys Bebops: esperando a versão Made in Hollywood.

Falando em recauchutar ficções científicas, faz tempo que Hollywood vem anunciando a adaptação de Cowboy Bebop (CowBe para os íntimos), com previsão de estreia para este ano - e com o nome de Keannu Reeves no alto dos créditos. Cowboy Bebop é inspirado nos personagens do mangá escrito por Hajime Yatate e que ganhou versão seriado de animação pelas mãos de Keiko Nobumoto sob a direção de Shinichiro Watanabe (entre os anos de 1998 e 1999). Watanabe também assina esta versão para o cinema que foi lançada em 2001. Vale destacar que o universo construído para a história é dos mais interessantes, bebendo em fontes tão variadas que lembram tanto as obras de Phillip K. Dick quanto as aventuras de Bruce Lee. A trama se passa em 2071, onde a evolução tecnológica permite que os seres humanos habitem colônias em outros planetas - o que ajuda bastante com o problema da super-população mundial. Com o crescimento da população, obviamente que cresceu o número de criminosos, ao ponto da polícia não dar conta do serviço e recorrer a caçadores de recompensa (na gíria: os chamados cowboy). Os protagonistas vivem na nave Bebop e atendem pelos nomes de Spike (o pinta de mocinho), o grandalhão Jet, a escorregadia Faye, a hacker andrógina Edward Wong e o cão Ein. Nos quadrinhos cada um deles possui uma trajetória interessante que por si só já valeriam filmes, mas o longa-metragem prefere não aprofundar muito suas histórias de vida, se concentrando na ação e no traço elaborado que incorpora a profundidade dos cenários e o detalhamento no movimento de seus personagens. Embora a saga de CowBe tenha 26 episódios, este longa-metragem tem uma trama específica (batizada de Knockin' on heaven's door, nome da canção de Bob Dylan e que  mantém a marca da série de dar nomes de canções famosas às aventuras do grupo). O filme aborda uma ameaça terrorista, injetando um novo vilão no universo Bebop, o vilão foragido Vincent - que é  procurado pelos cowboys e que possui uma ameaça biológica capaz de dizimar a humanidade em poucas horas. Entre uma cena de ação e outra que conhecemos algumas particularidades de seus personagens (a engenhosidade de Spike, o tom zeloso de Jet, a audacia de Faye e assim por diante). O que mais impressiona em Cowboy Bebop é como o diretor e o roteirista elevam a animação a um patamar narrativo que ganha de muitos filmes de ação de carne e osso, por vezes até esqueci que era uma animação! De traço estiloso, trilha sonora de primeira e ritmo crescente na tensão, o único problema do filme é que trata-se de uma produção voltada principalmente para quem acompanha a trajetória dos personagens, já que não gasta tempo aprofundando suas trajetórias. No filme percebemos que são caçadores de recompensa de bom coração e que se metem numa encrenca maior do que a que estão acostumados. Embora misture inúmeras referências em sua elaboração narrativa e estilística o filme transborda em semelhanças com Blade Runner, especialmente em seu final chuvoso centrado num vilão que fugiu de onde deveria estar confinado até o fim de seus dias. É o tipo de animação japonesa cult, destinado a uma legião de fãs fiéis que se equilibra numa corda bamba com competência (embora alguns fãs xiitas torçam o nariz), não chega a ser um divisor de águas como Akira (1988), mas Holywood precisará suar para superar o resultado desta animação (talvez seja esse o principal motivo para o atraso da produção). 

Cowboy Bebop - O Filme (Cowboy Bebop - Knockin' on heaven's door/Japão - 2001) de Shinichiro Watanabe com vozes de Koichi Yamadera, Unshu Ishizuka e Norio Akamoto. ☻☻

terça-feira, 23 de agosto de 2011

DVD: TRON - O LEGADO


Hedlund e Wilde: franquia repaginada.

Lembro quando era moleque e vi Tron (1982) e achei o roteiro confuso um grande contraste com sua exuberância visual. Enquanto os efeitos especiais eram de cair o queixo, a trama do homem que fica preso num computador não era das mais cuidadosas. Era mais pretensiosa do que propriamente interessante, tanto que apesar de reconhecer seu visual estilizado nunca me dei ao trabalho de rever o filme de Steven Liesberger. Com todos os avanços tecnológicos de hoje e a fome de Hollywood em gerar franquias de sucesso, era até previsível que buscassem revitalizar a franquia que pode conquistar fãs de sucessos como Matrix (1999) e A Origem (2010), os filmes que mais devem ter motivado esta reciclagem. Tron: O Legado se sustenta sobre o mesmo protagonista do original, o programador e empresário Kevin Flynn (Jeff Bridges) que desaparece após explicar didaticamente ao seu filho, Sam, como foi estar no mundo de Tron. Anos depois o menino cresceu e mostra-se insatisfeito com o andar da empresa que seu pai chefiava. Essa busca por um destino e o paradeiro de seu pai acabam o levando para o mesmo mundo eletrônico que seu pai criou e conheceu, um mundo dominado por um programa tirano chamado Clu (o mesmo Bridges), que subjuga os demais programas em jogos para sua diversão e controle - já que os mais fracos são eliminados sem muita cerimônia. Ao ser apresentado às regras deste mundo virtual, Sam (Garrett Hedlund) sabe que não é como os demais, sendo classificado como usuário, tal e qual o seu pai. A trama é tão simples que acho que não vale entrar em maiores detalhes para não estragar a diversão. Resta dizer que O Legado é menos filosófico que o original e por isso mesmo menos pretensioso. Os efeitos são de encher os olhos, a ação tem ritmo adequado, a trilha sonora de Daft Punk (que aparece até em participação especial numa festa) mostra-se essencial para entrarmos no clima do filme e o elenco também não compromete. Garrett Hedlund pode não ser o aspirante a astro mais empolgante do repertório hollywoodiano, mas faz o que deve ser feito sem riscos ou grande esforço. Já a beldade Olivia Wilde poderia ter um filme só para ela que a marmanjada não iria reclamar. Mas o nome no alto dos créditos ainda é o de Jeff Bridges, protagonista do primeiro Tron e que aqui mostra-se confortável num papel duplo - mesmo que em um deles os efeitos especiais que o rejuvenescem o deixe com cara de plástico. Além desse, o filme até ousa colocar Michael Sheen como uma paródia de David Bowie no seu período mais glam. Embora seja baseado numa ideia velha o filme cumpre exatamente o seu papel e comprova que a ideia do original era a frente de seu tempo, mantendo-se ainda curiosa. Recriado para ser uma franquia rentável, Tron - O Legado deixa ao fim o gosto de sequência que pode não se concretizar, já que a Disney não se mostrou muito empolgada com o resultado nas bilheterias (ironicamente como aconteceu com o primeiro de 1982, mas o filme custou 170 milhões e rendeu pouco mais de 400 milhões ao redor do mundo). Se você não viu o filme no cinema, vale dar uma conferida em DVD.

TRON - O LEGADO (Tron Legacy - EUA/2010) de Joseph Kosinski com Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde e Michael Sheen. ☻☻

DVD: Os Vampiros que Se Mordam


Jenna Broske: bom motivo para ver o filme.

Se você já leu alguns comentários aqui no blog deve imaginar que não sou grande fã da saga Crepúsculo, acho até a premissa da série de Stephanie Meyer interessante, mas a realização é um desastre completo. Não precisa ser nenhum gênio para saber que se o filme fosse encenado sem cenário e só com Robert Pattinson e Taylor Lautner sem camisa o resultado nas bilheterias seria o mesmo. Fico só com pena dos adolescentes que são submetidos a uma produção tão rasteira para se entreter e ainda votam nessa esculhambação nas premiações da MTV! Acho que por ter tantas restrições ao romance da aguada Bella (Kirsten Stewart, cada vez pior) e o pálido vampiro Edward Cullen (Robert Pattinson) que dei boas risadas com esta paródia acéfala. Não sou fã das paródias que Hollywood vem fazendo desde que  Todo Mundo em Pânico provou que não precisava de muito capricho em sua execução, precisava apenas de atores baratinhos, piadas chulas, umas cenas recicladas da forma mais ridícula possível e o sucesso estava quase garantido. Não precisa nem se preocupar com o roteiro, ao ponto de ser posto em discussão qual seria o limite da cópia e da paródia. Pelo menos no caso de Os Vampiros de se Mordam eu sei a diferença: muito do que eu penso quando vejo Crepúsculo é dito aqui. Claro que o filme tem o problema das piadas grosseiras a que o gênero se rendeu atualmente, mas existem sarros consideráveis sobre a trama da saga. Para começar, a maior de todas as piadas é com a mocinha Bella, a desconhecida Jenn Broske faz o possível para imitar Kirsten Stewart, repetindo boa parte dos seus tiques (a boca  entreaberta ou tendo os lábios mordidos, os olhos vazios ou desviantes...), seu pai no filme chega a dizer: "Você não é uma garota bonita! É cheia de tiques, isso é irritante!" quando ela termina com o vampiro que se protege do sol usando toneladas de pó de arroz. Fora isso tem a cena da pirraça em meio a floresta, os lobisomens descamisados atacando um vampiro no meio do mato e piadinhas com astros pop (a cena em que Bella diz para Edward: "Você é pálido, se veste na moda e não faz sexo, eu sei o que você é: um Jonas Brother" ou quando os vampiros do mal são confundidos com o Black Eyed Peas são de rolar de rir), mas nada se compara realmente ao esforço de Broske ser tão inexpressiva quanto a Bella de Stewart - mas não consegue, ainda assim o resultado de seu trabalho é hilariante. Pena que a atriz não é seguida por seus parceiros Matt Lanter (que faz Edward) e Christopher N. Riggi (o lobisomen indígena Jacob) que acabam ficando na imitação sem muita originalidade ou destaque. Claro que o roteiro só se dá ao trabalho de salpicar piadinhas sobre Crepúsculo, tudo tosco e seguindo a cartilha da avacalhação da cultuada série. Obviamente que não é um clássico do gênero, mas o empenho de Broske me fez rir um bocado tornando esta paródia mais assistível que as outras dos diretores - a mesma dupla que é culpada pelos mais grotescos Super-Herói: O Filme (2008) e Espartalhões (2008).

Os Vampiros que se Mordam (Vampires Sucks/EUA-2010) de Jason Friedberg e Aaron Seltzer com Jenn Broske, Matt Lanter e Christopher N. Riggi. ☻☻

CATÁLOGO: Na Mira do Chefe

Gleeson para Farrell: "Essas sobrancelhas são de verdade?"

Admito que demorei um bocado para ver este filme que rendeu o Globo de Ouro de melhor ator de comédia para Colin Farrell em 2009. Talvez, por ter passado o seu período de estreia eu não tenha visto nada demais nesta estreia do diretor Martin McDonagh em longa metragem. O filme trabalha com o marginal mais glamourizado pelo cinema: o matador de aluguel. Todo mundo tem um profissional desses no currículo e com sucesso: Brad Pitt, Angelina Jolie (tem até duas matadoras no currículo), George Clooney, Bridget Fonda, Antonio Banderas, Silvester Stallone, Steve Buscemi, John Cusack, Pierce Brosnan e até Murilo Benício! Eu poderia lembrar de vários outros nas próximas linhas, mas prefiro destacar o fundamental para a coisa dar certo nas mãos do ator correto: uma crise de consciência. Este é o ponto de partida para este filme que flerta com o humor negro e o drama. Farrell é Ray um assassino de pouca experiência que foge com o seu parceiro Ken (Brendan Gleeson) para uma cidadezinha nos cafundós da Bélgica (a Bruges do título em inglês), o chefe deles os mandou para lá para que algumas poeiras baixassem após um serviço mal sucedido. O chefe (vivido por Ralph Fienes) vive ressaltando que a cidade parece de um conto de fadas, mas pelos enquadramentos e fotografia impressos pelo diretor a coisa parece mais voltada para o Conde Drácula! Chega a ser divertido essa ironia, assim como a inquietação de Ray diante do tédio que a cidade lhe inspira enquanto seu parceiro se sente numa viagem turística. Para passar o tempo, Ray acaba flertando com uma mocinha que conhece numa filmagem e a coisa vai enrolando para divulgar o que muita gente já percebeu logo no início (isso é um SPOILER?), que o protagonista enfrenta uma crise de consciência por ter matado um inocente e que seu chefe está lhe armando uma verdadeira armadilha. O roteiro vai girando cada vez mais em torno do personagem de Farrell, que se comporta como um bocó na maioria das situações em que se mete. A virada "surpreendente" deve ser quando descobrimos as tendências suicidas do rapaz... sinceramente acho pouco para tudo o que se disse sobre o filme (que concorreu ao Oscar de roteiro original). Apesar de algumas partes inusitadas e diálogos bem lapidados o filme tem problemas graves em sua cadência. Arrastado e exagerado em diversos momentos é preciso ter paciência para ver as coisas acontecendo por aqui. Acho que para entender o prêmio de Farrell devo levar em consideração que o cara tentava se recuperar de Alexandre (2004) de Oliver Stone e usou o prestígio que lhe restava para dar projeção a esta produção britânica e independente. Pelo menos o prêmio fez bem a auto-estima do ator, que fez papéis pequenos e elogiados em O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus (2009) e Coração Louco (2009), tanta humildade lhe colocaram novamente na mira dos estúdios, seja para fazer o chefe caricato do recente Quero Matar meu Chefe ou na refilmagem do vampiresco Fright Night -que está prestes a ser lançado. Em Na Mira do Chefe seu assassino em crise raramente ultrapassa as caretas e o destaque fica mesmo para Brendan Gleeson numa atuação sem estardalhaço que consegue explorar todas as nuances de seu personagem. Vale ressaltar ainda o último ato repleto de ironias - inclusive com o expectador - que mostra que McDonagh pode fazer muito mais do que apresenta na primeira hora de filme.

Na Mira do Chefe (In Bruges / Reino Unido-2008) de Martin McDonagh com Colin Farrell, Brendan Gleeson e Ralph Fiennes. ☻☻

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CATÁLOGO: O Oposto do Sexo


Ricci e Sergei: o massacre do melodrama pelas lentes de Don Ross.

Antes de se aventurar na direção, Don Ross ganhou status como roteirista de séries de TV, seu nome pode ser conferido nos créditos do clássico seriado Casal 20 (1981-1984) e The Colbys (1986), mas ganhou o cinema logo em seu primeiro roteiro para a telona com Mulher Solteira, Procura (1992), que se tornou um clássico do gênero ao colocar Jennifer Jason Leigh tentando roubar a vida de Bridget Fonda. O filme deu tão certo que manteve seu nome com crédito mesmo depois de seus textos posteriores (como o bobinho Somente Elas/1995 ou a refilmagem de Diabolique/1996), conseguindo estrear na direção com O Oposto do Sexo, comédia de humor negro e politicamente incorreta até o osso. Embora tenha muitos elementos dramáticos no roteiro, eles parecem servir somente para que sua protagonista faça troça de todos eles. Obviamente que Ross não era bobo e sabia que para tudo funcionar precisava de uma atuação matadora de uma jovem estrela que não tivesse medo de fazer cara feia e posar de bad girl. Para isso, nada melhor do que escalar um ilustre membro da Família Adams, Cristina Ricci (a Wandinha Adams, ainda gorducha) foi indicada a vários prêmios (inclusive ao Globo de Ouro de atriz de comédia/musical) como a sua intragável (e impagável) Dede Truitt, uma viborazinha de cabelos tingidos que é capaz de jogar o que ver pela frente sobre o caixão do pai e ainda destruir a paz de qualquer ser vivo que se aproxime. Depois de ficar de saco cheio das lágrimas de sua mãe, a garota vai morar com seu irmão mais velho, o homossexual bem resolvido Bill (Martin Donovan, em um de seus melhores momentos) - acho que esqueci de dizer que Dede é extremamente preconceituosa e acha que se engravidar do atual namorado (Ivan Sergei) do irmão pode ser um bom caminho para que ele se torne hetero! Como se não bastasse ter que aturar essa praga co-sanguínea, Bill ainda tem que aguentar o azedume da solteirona Lucy (Lisa Kudrow, ótima), irmã de um falecido namorado de Bill e que mal consegue disfarçar sua atração pelo cara. Ross faz uma grande confusão com esses personagens em cena e ainda arrisca uns castos beijinhos homos que não deve escandalizar os mais puristas. O diretor nunca mais debochou tanto dos elementos melodramáticos de um roteiro e o resultado lembra muito a afirmação de que comédia e drama nascem da mesma fonte, a diferença é a forma como se conta a história. Ross, que é homossexual assumido, não poupa nem os gays mais histéricos neste massacre de arquétipos - pena que nem ele ou Cristina encontraram novamente um material tão agradavelmente subversivo em suas carreiras. 

O Oposto do Sexo (The opposite of Sex/EUA-1998) de Don Ross com Cristina Ricci, Martin Donovan, Lisa Kudrow, Ivan Sergei, Johnny Galecki e Colin Ferguson. ☻☻☻  

DVD: As Coisas Impossíveis do Amor


Natalie e Charlie: disputa de megerice.

Natalie Portman atualmente aproveita sua licença maternidade, mas antes desse merecido descanso a garota ralou um bocado. Sempre lembrada como uma das melhores de sua geração após ter estreado aos 12 anos em O Profissional, Natalie apareceu nas telas tupininquins com o sucesso Cisne Negro (que lhe rendeu um dos Oscars mais unânimes do últimos anos), a comédia romântica (que acabou de sair em DVD) Sexo sem Compromisso e a aventura Thor. No meio de tudo isso chegou às locadoras As Coisas Impossíveis do Amor, drama romântico de Don Ross. Ross era um dos diretores que anunciados como um dos mais promissores de Hollywood quando lançou o seu O Oposto de Sexo (1998), mas depois foi se tornando cada vez mais convencional em suas produções posteriores. Este aqui lembra bastante o tom de seu filme seguinte, o choroso Mais que o Acaso (2000) com Ben Affleck e Gwyneth Paltrow, mas acaba sendo melhor realizado por contar com um elenco mais eficiente. O filme tem uma trama simples e até manjada, Emília (Portman, bem mesmo num papel de baixa voltagem) uma jovem advogada que se envolve com o seu novo sócio (Scott Cohen), acaba engravidando fazendo com que este deixasse  o casamento que já caminhava de uma perna só. O problema é que a ex-esposa é uma médica intragável (Lisa Kudrow, musa de Ross) que parece estar educando seu filho (Charlie Tahan) para seguir o mesmo caminho. Não bastasse essas duas pedras no sapato de Emília ela ainda tem que lidar com sua própria culpa de ter perdido a filha que morreu com poucos dias de nascida. Ross se arrisca um bocado em construir um roteiro calcado em personagens pouco simpáticos (mesmo a mocinha Emília é amarga demais para ser adorada pela plateia), mas consegue desenvolver os personagens que tem em mãos (ainda que com alguns exageros e problemas de ritmo). Não chega a ser inesquecível, mas traz duas gratas surpresas. Uma dela é ver Kudrow (embora com os tiques habituais, que já viraram sua marca registrada - como aquela sacudida de cabeça nervosinha) fazendo um papel bem diferente de sua Phoebe no seriado Friends, ela é seguida de perto pelo menino Tahan, que  consegue extrair humor até dos momentos mais insuportáveis de seu personagem megero em miniatura. Embora guarde um segredo até o final e ensaie uma surpresa na conclusão - que não se concretiza - o cinema de Ross se torna cada vez mais previsível e inofensivo. 

As Coisas Impossíveis do Amor (Love and Other Impossible Pursuits/EUA-2010) de Don Ross com Natalie Portman, Scott Cohen, Lisa Kudrow, Charlie Tahan, Lauren Ambrose e Michael Cristofer. ☻☻ 

DVD: Trabalho Interno


Trabalho Interno: desvendando as entranhas do Tio Sam.

É no meado do ano que os filmes que fizeram bonito nas premiações começam a pipocar nas locadoras e um dos mais comentados na última temporada de ouro acaba de ser lançado em DVD. Trabalho Interno foi bem falado desde que estreou em Cannes e suas excelentes credenciais acabaram culminando no Oscar de Melhor Documentário. O filme realmente impressiona na sua abordagem exaustiva de aspectos que culminaram no colapso econômico de 2008, o que abalou não só a economia americana, mas também expôs o quanto uma economia globalizada cria um efeito dominó em escala mundial. Embora tenha meus conhecimentos no campo da economia, devo dizer que para os leigos será difícil entender muito do que se fala no filme, sei que o diretor tomou o maior cuidado para fazer sua obra soar como o mais didático e compreensível possível, mas chega um certo momento que quem não se interessa muito por economês achará tudo meio cansativo, embora possa manter o interesse pelo seu tom de denúncia de que, no fundo, o capitalismo chegou ao seu estágio máximo de acumulação de lucro a qualquer preço. Karl Marx já dizia que "O capitalismo é auto-destrutivo", vendo o filme se entende bem o motivo. Afinal, o objetivo é o acúmulo de maior lucro possível, sem perceber que quanto mais você acumula, outros estão ficando com menos, alguns chegando ao extremo de não ter nada para interagir na chamada lógica  de mercado. Impossibilitado de comprar, torna-se um consumidor a menos, isso multiplicado por algumas centenas de vezes, prejudica a quem produz conseguir vender  e assim sucessivamente. Alguém sai ganhando, mas muitos outros saem perdendo tornando as especulações e sistemas de crédito uma bolha prestes a explodir - já que não existe quem sustente o dinheiro que deveria circular (afinal de contas, quem vive num país como o Brasil onde a inadimplência chega aos extremos, sabe que com as linhas de crédito, a maioria do dinheiro que circula em nossa economia é virtual, ou seja, simplesmente não existe e alguém deverá pagar a conta). Sei que minha explicação é muito tosca comparado ao que aparece no filme, mas o básico do que se precisa entender é isso. O filme é tudo que Capitalismo, uma História de Amor (2009) de Michael Moore quis ser e não conseguiu em meio a metralhadora giratória do popular diretor (que girou, girou e não chegou a lugar algum), os dois tem até em comum mostrar os bairros fantasmas dos EUA após o despejo de moradores. Porém, Trabalho Interno  é muito mais profundo e contundente ao conseguir entrevistas de quem assistiu por dentro a bolha que se construiu, especialmente no mercado financeiro das hipotecas (o que é muito comum nos EUA) após a desregulação dos procedimentos dos bancos para gerarem lucros próprios a partir do dinheiro dos seus clientes. Uma lógica tão estranha onde se é capaz de pedir empréstimos milionários para se comprar dívidas de terceiros, mas não tão estranha para impedir que economistas envolvidos nessas negociações se infiltrem no governo se protejam numa rede que gera especulações, lucros, cotações ilusórias para atrair investidores, financiamento público para maracutaias de banqueiros e outras coisas do gênero. Trabalho Interno assusta um bocado os expectadores e exibe uma lógica que já contaminou até os cursos de economia onde o dinheiro é o valor supremo e não importa o que se faça para consegui-lo. Enquanto documentário é extremamente provocador (impressiona a quantidade de informações conseguidas em entrevistas e como faz os entrevistados dialogarem entre si através da edição, impressiona até quando anuncia que uma peça fundamental do tal sistema não quis ser entrevistado para evitar o inevitável). O filme consegue mostrar o quanto a crise foi fruto de uma verdadeira sociedade secreta que vivia nas entranhas da economia americana (e mundial), regada a muito dinheiro, negociações suspeitas, cocaína e festas com sexo pago (estabelecido em contrato). Curioso é que depois de todo o estardalhaço feito ao redor da crise econômica, muitos envolvidos permaneçam assessores de um governo que se vendia como de ruptura (lembrando ainda que os grandes poderosos do sistema não perderam um tostão devido ao auxílio governamental). Portanto, da próxima vez que quiser defender banqueiros chorões é bom ver Trabalho Interno e ver que de coitadinhos eles não tem nada. Enquanto cinema, penso que o filme poderia ter alguns minutos a menos e ter uma edição mais enxuta, mas as informações que nos traz (embrulhadas de forma ágil e com trilha sonora irônica) valem qualquer sacrifício.

Trabalho Interno (Inside Job/EUA-2010) de Charles Ferguson com narração de Matt Damon. ☻☻☻

terça-feira, 16 de agosto de 2011

PRÉ CANDIDATOS AO OSCAR 2012

Mês que vem começa a temporada dos filmes com declaradas pretensões oscarizáveis, mas no decorrer do ano alguns (poucos) filmes começaram a ganhar pontos para a disputa do careca dourado do ano que vem. Dos que já estrearam por aqui, os que andam sendo apontados (em suas diferentes vertentes) pela crítica especializada são os seguintes:

1- Meia-Noite em Paris 

A maior bilheteria de um filme de Woody Allen não deve ser esquecida pela Academia. Entre as comédias lançadas até aqui é a que reina absoluta (o que deve lhe render o Globo de Ouro na categoria e ampliar seu fôlego no Oscar). A história do escritor (Owen Wilson) em crise criativa - que cruza com nomes que fizeram de Paris uma capital cultural do mundo vem colecionando fãs ardorosos. O roteiro de Allen voltando à fantasia de tempos idos de suas tramas, deve ser lembrado nas premiações e deve sobrar até para alguém do seu elenco formidável - que conta ainda com Marion Cotillard, Rachel McAdams, Adrien Brody e Alisson Pill.

2- Rio 

Até agora a animação do brasileiro Carlos Saldanha é a mais aclamada do ano, seu visual e simpatia devem ajudar ao diretor responsável pelo sucesso da trilogia Era do Gelo que nunca recebeu sua devida atenção em longas-metragens (foi indicado somente a melhor curta por Gone Nutty/2003). A história de amor entre as duas araras azuis em meio ao tráfico de animais silvestres (e outras aventuras) não deve ser esquecida na categoria de animação. Seu maior concorrente, até agora, é Rango. Mas resta saber se a técnica apurada de Gore Verbinski fará a Academia esquecer as esquisitices do filme. Para completar o páreo da categoria só falta o TimTim de Steven Spielberg estrear. 

3- Árvore da Vida 

Fresquinho nos cinemas brasileiros, a saga intimista e delirante de Terrence Mallick faturou a Palma de Ouro em Cannes e já tem o seu lugar garantido entre os candidatos ao Oscar. Com seu estilo reflexivo, contemplativo e existencialista ao contar a história de uma família após a morte de um filho, o filme tem causado admiração por onde passa. O elenco conta com Sean Penn como filho, Brad Pitt, como o pai rigoroso (e sua interpretação de expressão pesada pode ser indicada a coadjuvante) e Jessica Chastain como a mãe amorosa (outra aposta certa como coadjuvante). Já tem eleitores garantidos para ser o filme de arte da cerimônia 2012.

4- Melancolia 

Igualmente recém estreado no Brasil o novo filme de Lars Von Trier é uma das maiores incógnitas da temporada. O filme intimista sobre o eminente fim do mundo tem sido elogiado pela forma radical como opõe as perspectivas de duas irmãs sobre a catástrofe que está por vir. Kirsten Dunst foi premiada em Cannes pelo papel da noiva que descobre que o mundo acabará após seu casamento, Charlote Grainsburg é sua irmã otimista que acredita que o mundo sairá ileso dessa ameaça e Kiefer Sutherland interpreta seu complexo esposo. Triste e filosófico, Melancolia tem como seu maior oponente a língua falastrona de seu diretor que causou polêmica em Cannes por dizer-se nazista numa brincadeira infeliz. Destinado a ser mais um cult do diretor, será que a Academia irá ignorar a atuação da ex-menina prodígio Kirsten Dunst?

5- Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte 2 

Não acho que o desfecho da saga do bruxinho tenha fôlego para tanto, mas há quem acredite que a vaga no páreo de melhor filme seria um reconhecimento pelo sucesso da saga nas telonas. O encontro final de Potter (Daniel Radcliffe) com lorde Voldemort (Ralph Fiennes) pode ser o representante da fantasia entre os indicados à categoria principal - seu maior oponente seria Super 8, mas com chances ainda mais reduzidas. Há quem aposte que acontecerá com o filme o mesmo que ocorreu com O Senhor dos Anéis (quando o episódio final levou o prêmio de melhor filme pela saga inteira em 2004), mas isso já é fantasia demais para minha cabeça.

Na Tela: Super 8


Joel Courtney: o cinema entre dores, amores e fantasias.

O maior problema de Super 8 é a expectativa que foi gerada ao seu redor, afinal, é o encontro de Steven Spielberg com J.J. Abrams. Spielberg dispensa apresentações, já J.J. tornou-se célebre na televisão com programas de sucesso como Felicity, Alias e o recente Lost. De olho em seu poder de envolver a plateia, Hollywood lhe deu a missão de assumir as rédeas de Missão Impossível 3 (2006) e o resultado foi o melhor longa da franquia. Depois lhe deram a missão espinhosa de reciclar a franquia Star Trek (2009) e o cara não desapontou nem os fãs mais xiitas. Já estava na hora de ver o que Abrams seria capaz de fazer com um longa fora da reciclagem de franquias consagradas, soma-se a isso a expectativa de seu nome ao lado de Spielberg e entenderemos porque tem gente que não se empolgou muito com Super 8. Devo dizer que o filme não é ruim e merece destaque num ano de produções sofríveis que só agora começa a ter suas gemas chegando por aqui. Super 8 transborda nostalgia (não por conta da trama ser ambientada no ano de 1979 e ter o nome de uma popular câmera de uma época que a câmera digital era quase uma lenda), além de ter se inspirado em um monte de referências de filmes com alienígenas (ET, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e O Dia que a Terra Parou) para compor a sua trama (e estética), o filme carrega a alma de produções com grupos de crianças aventureiras que faziam sucesso na década de 1980 (de Os Goonies, passando por Conta Comigo e o pouco lembrado Viagem ao Mundo dos Sonhos). O resultado é bem feito, simpático e não deve decepcionar a garotada que sentiu falta de opções nas telas durante as férias escolares. O problema maior do filme é que nem sempre JJ consegue equilibrar todos os elementos de sua trama, embora funcionando, a costura de seus elementos tem pontos frouxos. Uma parte considerável da trama (e esta é a mais interessante) é sobre o grupo de crianças que quer fazer um filme Super 8 para participar de um concurso. É interessante ver os arquétipos da esquipe de produção: o diretor mandão (Riley Griffiths), o ator medroso (Gabriel Basso), a atriz que dilacera corações (a ótima Elle Fanning) e os técnicos que fazem o que podem para o longa não fazer feio (Zach Mills, Ryan Lee e o promissor Joel Courtney). O protagonista do filme é Joe Lamb (Courtney) que recentemente perdeu a mãe e nutre uma paixão platônica pela aspiante à atriz Alice (Fanning) - romance que é prejudicado pelo mal relacionamento entre seus pais. É Joe que é responsável pelas cores dramáticas da trama, esses dilemas que o personagem vivencia compõe o segundo ingrediente do filme, especialmente sua relação ainda tortuosa com o pai delegado (o correto Kyle Chandler). O terceiro é ponto da trama é o mais espetaculoso e começa quando as crianças presenciam um misterioso acidente de trem que mudará os rumos daquela cidadezinha (chamada Lilian, nome da avó de JJ). Acontecimentos estranhos começam a preocupar os moradores: quedas de luz, desaparecimento de habitantes, cachorros somem... A tarefa de JJ é projetar esses elementos de forma harmônica na tela, o que nem sempre acontece. As tramas são atraentes, mas colocadas uma do lado da outra mostram-se desequilibradas, podemos notar isso quando o filme termina de forma apressada e, por mais que seja bem sacada a ideia do relicário, fica-se com a impressão de qual era o papel daquele alienígena esquisito na história. Claro que eu sei que ele está ali pela aventura e chamar a atenção do público para os efeitos especiais (ou, na melhor das hipóteses fazer as crianças vivenciarem aventura parecia com a que filmam)  mas penso que o roteiro merecia uma última lapidada. De resto é um filme bem produzido e filmado, mas está longe de ser o concorrente ao Oscar que todos imaginavam. Trata-se de um filme pipoca de verão americano, só que melhor do que a maioria lançada neste ano. Para os apressadinhos, vale a pena esperar os créditos para desfrutar do filminho trash que a turma realizou.    

Super 8 (EUA/2011) de J.J. Abrams com Joel Courtney, Elle Fanning, Kyle Chandler e Noah Emmerich. ☻☻☻

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CATÁLOGO: Morte no Funeral

MacFadyen (à direita): tentando zelar pela despedida do pai.

Geralmente quando Hollywood inventa de fazer a refilmagem de um filme estrangeiro utiliza o argumento de que a maioria do público americano não gosta de ver filmes legendados. Não basta a dublagem, é preciso refilmar um longa para satisfazer o desejo do público do Tio Sam. Ok, mas e quando o filme é estrangeiro, falado em inglês e recebe uma versão hollywoodiana? Foi isso que aconteceu recentemento com Morte no Funeral (2007), comédia despretensiosa e divertida do craque em comédias Frak Oz. O filme fez grande sucesso no Brasil desde que foi exibido no Festival do Rio com seu humor que mistura fleuma britânica e situações inusitadas no melhor estilo besteirol.  Ainda não vi a versão americana lançada no ano passado -  que substituiu o elenco britânico por afro-americanos sob a batuta de um mórmon (o cineasta Neil Labute, que já foi bom, mas anda devendo um filme bom há tempos). Independente da comparação, a refilmagem foi direto para as locadoras daqui.  A trama é simples: uma família de classe alta inglesa se reúne para o funeral de um parente e uma série de situações inusitadas começam a acontecer. O protagonista é Daniel (Matthew macFadyen, mais conhecido como par de Keira Knightley em Orgulho e Preconceito), o filho bonzinho que vive à sombra do irmão escritor de sucesso (Rupert Graves) que é incapaz de dividir as despesas do enterro do patriarca da família. As coisas não andam fáceis para Daniel, já que ele ainda mora com a mãe e planeja dar entrada num apartamento para aliviar a tensão entre a patroa e sua progenitora. As coisas só tendem a piorar quando fica instigado com a presença de um anão no funeral, que mais tarde irá mostrar provas fotográficas de que era amante do defunto. Se não parece encrenca suficiente, imagine o estrago que algumas pílulas alucinógenas de um certo primo pode fazer no dia em que seu cunhado (Alan Tudyk) será apresentado à família. Junte a isso um tio grosseirão e um grupo de amigos que não primam pelo bom tom e você terá ideia do que acontece durante uma hora e meia de projeção. Oz não ambiciona contar uma história com lições de moral ou significados implícitos, mas apenas fazer rir com uma comédia pautada numa situação que deveria ser marcada pela tristeza. Foi com essa comédia independente e modesta que o veterano diretor espantou sua maré de azar após produções conturbadas como A Cartada Final (2001) e Mulheres Perfeitas (2004) e mostra que ainda sabe fazer o público gargalhar como nos bons tempos de Os Safados (1988), Será que ele é? (1997) e Os Picaretas (1999). O mais bacana do filme é a atuação saborosa de nomes pouco conhecidos como MacFadyen, que está totalmente diferente (não estou falando dos quilos a mais) de quando fez o galã da obra de Jane Austen, contido e de timing cômico preciso, o cara merecia mais atenção dos estúdios. MacFadyen é seguido de perto por Alan Tudyk (que faz o surtado Simon) que consegue fazer graça das situações mais ridículas que um ser humano pode se meter e Peter Dinklage como o anão amante. Situações inusitadas e deboche aos conflitos familiares - que acontecem nas melhores (e piores) famílias - completam a diversão desta pequena jóia do cinema inglês.  Com relação à refilmagem americana, a história é praticamente a mesma, mas executada sem qualquer sutileza. De nada adianta Chris Rock bancar o irmão sério ou colocar nomes famosos como Danny Glover, Zoe Saldaña, Luke Wilson, Martin Lawrence ou James Marsden se as mudanças no roteiro se resumem às piadinhas chulas e um namorico do irmão escritor que não faz a mínima falta na trama. Em meio ao desastre total, Peter Dinklage repete seu papel de anão amante sem a colaboração de seus novos parceiros. A impressão é de que refizeram o filme só para estragar tudo.

Morte no Funeral (Death at a Funeral/Inglaterra - 2007) de Frank Oz com Matthew MacFadyen, Rupert Graves, Alan Tudyk, Daisy Donovan, Ewen Brenner e Andy Nyman. ☻☻☻

Morte no Funeral (Death at a Funeral/EUA-2010) de Neil LaBute com Chris Rock, Martin Lawrence, Danny Glover, Zoe Saldaña e James Marsden.

Lawrence e Rock na versão americana: só para estragar.

DVD: Na Trilha do Assassino


Lori e Eric: juntos e ainda solitários.

É engraçado como um título sem graça pode reservar um grata surpresa perdida nas locadoras. Quando lançaram este Na Trilha do Assassino direto em DVD, lembro de ter lido críticas mornas e declarações que garantiam que se não fosse a presença de Russel Crowe o filme não chamaria a mínima atenção dos distribuidores. Sendo assim, aluguei o filme sem maiores pretensões e apesar de alguns tropeços o filme consegue ser bem interessante, até por conta das soluções nada previsíveis construídas pelo diretor. Curioso como o cara acerta no difícil (o desfecho) e erra no fácil (a apresentação dos personagens). Está certo que Crowe é mero coadjuvante, mas gosto mais de suas atuações intimistas em filmes como este do que sua constante paródia de Gladiador (acho que ele precisa discutir sua relação com Ridley Scott). Crowe (ainda rechonchudo) é um policial que cuida da esposa que sofreu um derrame, nas horas vagas ele vigia o jovem psicopata que é o verdadeiro protagonista do filme. Eric Poole (Jon Foster) é um psicopata acusado de matar os pais e que, pelo seu bom comportamento e argumentações em sua defesa (o uso abusivo de antidepressivos, por exemplo), é considerado apto a viver em liberdade. Sendo assim vai morar com a tia (Laura Dern) enquanto tenta dar um rumo para sua vida. Após um belo dia de chuva ele diz que vai procurar uma faculdade que o aceite, mas na verdade irá se encontrar com uma mulher que conheceu na prisão. É neste momento que sua trajetória se cruza com a de Lori (Sophie Traub), garota de 16 anos que parece ser bem mais problemática do que sua mãe supõe. Lori parece nutrir uma atração há tempos por Eric, ainda que este não se lembre dela num primeiro momento. O filme consegue contruir uma tensão crescente na relação entre o jovem casal, que aos poucos irá descobrir que possuem estranhas semelhanças (ainda que busquem caminhos diferentes para lidar com elas). É um relacionamento estranho que se estabelece entre Eric e Lori, e este não enfraquece nem quando a garota percebe que o rapaz está longe de ser o príncipe encantado tímido que imaginava. Lori nem sabe que um policial (Crowe, em atuação contida e que mostra que não precisa de explosões emocionais para provar que é um bom ator) pretende evitar a tragédia que se desenha. John Polson desenvolve seu filme sem pressa, mais sugerindo a violência do que a mostrando e o resultado consegue estar acima de filmes badalados e enfadonhos como O Assassino em Mim (2010) de Michael Winterbotton, que tem temática parecida mas desenvolvimento totalmente equivocado. Na construção do filme colabora muito a escolha da cara de bom moço de Foster para encarnar Eric (o que faz com que, de início possamos compreender a atração de Lori por ele, para mais tarde termos cada vez mais medo e  decepção). Polson ainda demonstra criatividade em cenas como da tia trancando o quarto antes de dormir (por medo do sobrinho, o qual tenta não ver como um monstro), a angustiante cena de Lori na montanha russa e, especialmente, o desfecho arrebatador que nos faz esquecer qualquer deslize. O final triste, que distancia ainda mais a forma como o jovem casal lida com suas dores pessoais, é um dos mais comoventes que vi nos últimos anos - fato que deve garantir a esta produção alguns fãs em sua trajetória nas locadoras.

Na trilha do Assassino (Tenderness/EUA-2009) de John Polson com Jon Foster, Russel Crowe, Sophie Traub e Laura Dern. ☻☻☻

DVD: A Fita Branca


As crianças: a marca da maldade?

Lembro quando A Fita Branca ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2009 e só acumulou prestígio até o Oscar do ano seguinte. Ter ganho o Globo de Ouro na categoria de Filme Estrangeiro só colaborou para o clima de "já ganhou". Seu maior concorrente era "O Profeta", igualmente nascido para as premiações em Cannes e igualmente celebrado. Mas na hora H, todo mundo se surpreendeu quando o filme cheio de pompa de Michael Haneke perdeu o Oscar para o argentino O Segredo dos Seus Olhos, um filme tão diferente de seus concorrentes que fica difícil de comparar. O fato é que A Fita Branca é um filme lento, em preto e branco, perturbador e que se constrói aos poucos em meio às situações desagradáveis pautadas num mistério que permanece sem resposta ao final. A trama é contada em 1914, antes da declaração da Primeira Guerra Mundial e o cenário é um vilarejo modesto nos cafundós da Alemanha. Este vilarejo começa a sofrer uma série de crimes misteriosos onde todo mundo é suspeito - até se tornar uma vítima.  Logo de início o médico do vilarejo sofre um acidente e fica internado por muito tempo. Dias depois outro acidente vitima a matriarca de uma família modesta que deixa o filho mais velho revoltado pelas péssimas condições de trabalho a que são submetidos na lavoura do Duque da região. Não demora muito para que uma plantação seja destruída, um celeiro seja incendiado, pessoas fiquem desempregadas, um personagem se suicide e duas crianças desaparecçam para que sejam encontradas gravemente feridas. Não bastasse todas essas mazelas, todos os personagens da cidade são submetidos a uma rigidez absurda em suas relações e as maiores vítimas são as crianças. Nas famílias elas são ubmetidas a castigos físicos e psicológicos - o título, por exemplo, se refere aos  filhos do pastor, que depois de umas varadas devem andar com uma fita branca amarrada no braço para lembrar da pureza que devem ter. É uma estrutura social tão sufocante e repressora que qualquer demonstração de prazer deve ser rigorosamente punida (por conta disso, um dos personagens chega a ser amarrado na cama para evitar que se toque durante a noite). Haneke não dá respostas prontas, mas direciona o andamento da trama de forma que pensemos nas consequências de tanta maldade agindo no psicológico das gerações futuras (a qual, conforme relatou, teria abraçado o nazismo durante a segunda guerra e provocado o assassinato de milhões de pessoas que não se enquadravam nos padrões estabelecidos). A Fita Branca é um filme difícil de ver, seus personagens (apesar de defendidos por atores mais do que eficientes) são um bocado desagradáveis, mesmo as crianças em cena refletem a frieza das relações que vivenciam de forma contundente e perturbadora. Claro, que Haneke cria situações e personagens que parecem carregar alguma esperança numa realidade tão árida (como o menino que cuida do pássaro ferido ou a menina que diz sonhar com os maus acontecimentos), mas, entre toda a crueldade, o bom moço do filme é o jovem professor do vilarejo (que rivaliza com Dogville/2003 como um dos piores lugares para se viver). Além de ser o personagem mais simpático do filme (até torcemos pelo seu romance com uma jovem recalcada), trata-se do personagem que percebe que os efeitos daquela rigidez e violência na educação das crianças, está gerando consequências alarmantes. Diretor de filmes provocadores como Violência Gratuita (1997), A Professora de Piano (2001), Caché (2005) e Código Desconhecido (2000), Haneke nunca me pareceu tão elegante na condução de seus atores, mas isso não quer dizer que sua obra tenha se tornado mais agradável de assistir. A Fita Branca pode ser um programa árduo de se conferir, mas traz elementos importantes para pensarmos na forma como a naturalização da violência dita o rumo das gerações futuras.

A Fita Branca (Das Weisse Band/Áustria - 2009) de Michael Haneke, com Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur e Ursina Lardi. ☻☻☻☻

terça-feira, 9 de agosto de 2011

FILMED+: Dogville | Manderlay


Kidman e Bettany: olho por olho na cidade que morde.

Lars von Trier já era conhecido por suas ousadias quando realizou o primeiro episódio de sua trilogia América. Quando Dogville foi lançado o diretor já não era associado somente ao movimento Dogma95, seus filmes lhe já lhe rendiam fama suficiente para chamar a atenção ao redor do mundo. Mas foi  Dogville que transformou cada lançamento seu num evento e isso vitimou até a segunda parte da trilogia: Manderlay. Não vou me deter nas comparações entre um filme e outro, mas pretendo me concentrar na essência que os une, os tornando parte de uma ideia única e genial. Concordo que Lars não é um sujeito fácil e que suas obras beiram a arrogância (especialmente quando se perde em suas críticas aos EUA), mas Dogville é uma das coisas mais impressionantes que já vi. Pra começar é um filme sem cenário, com riscos num tablado e apenas alguns objetos em cena, mas apesar de não ter portas em cena, o barulho das maçanetas está lá. Dogville e Manderlay contam partes da trajetória da mesma personagem: Grace. Em Dogville, Grace é vivida de forma esplêndida por Nicole Kidman, que havia acabado de receber seu Oscar por As Horas (2002) e aqui apresenta um trabalho que muitos consideram o seu melhor momento. Grace aparece na cidade de Dogville durante a depressão americana na década de 1930. Quando aparecem em cena tão bem vestida disputando um pedaço de carne com um cachorro, sabemos que as coisas não andam fáceis. Grace não faz ideia de que servirá de cobaia de um experimento social construído por Tom (Paul Bettany, excelente) que mostra-se esclarecido o suficiente para perceber os preconceitos escondidos pelos habitantes de Dogville. Aos poucos Grace começa a fazer serviços para os habitantes em troca de refúgio e conforme os habitantes percebem que Grace depende do silêncio para permanecer livre começa o abuso. Se antes já era explorada, Grace passará por todo tipo de violência - da humilhação à tortura física e psicológica - em meio aos habitantes miseráveis de Dogville. Neste ponto, a opção de Lars de abolir as paredes de seu cenário é perfeitamente compreensível, uma vez que indica exatamente o que vemos: todos sabem o que acontece com Grace dentro das casas da cidade. A ideia é de uma vigilância constante e sufocadora que cresce em meio à crueldade dos habitantes e a passividade de Grace. Nem mesmo o romance com Tom sairá imune dos acontecimentos que prometem levar Dogville à ruína. Numa simbologia religiosa, o roteiro batiza o cão da cidade com o nome de Moisés, lembrando que a lei que impera ali é a do "olho por olho e dente por dente". Dogville foi o filme mais comentado do ano em que foi lançado, adorado por críticos e cinéfilos, deve ser odiado em igual medida pelos que não apreciam as opções radicais de seu diretor. Por outro lado Manderlay foi recebido com total frieza pela muita gente que adorou Dogville.

Dafoe e Bryce: racismo, chicotadas e ironias.

Se Dogville aborda questões voltadas para o preconceito e as relações de poder, Manderlay radicaliza esse conceito voltando à uma mancha ainda não totalmente digerida pelas sociedades contemporâneas: a escravidão. Após os acontecimentos em Dogville, Grace (agora vivida por Bryce Dallas Howard) parte para  com seu pai (Willem Dafoe no papel que era de James Caan no anterior) para outras terras e acaba se deparando com uma fazenda onde ainda existem escravos. Grace, mais uma vez resolve ajudar um grupo de pessoas a superar suas dificuldades. Sabendo que a dona da fazenda está falecendo (Lauren Bacall) resolve assumir as rédeas dos escravos libertos para que consigam se organizar num regime democrático e livre. Lidar com o racismo exige muito cuidado, mas Lars parece não dar a mínima para isso. Seu roteiro é de uma ironia que muitos o consideraram racista pelo que se vê na tela: os negros só podem se organizar sobre a liderança de uma branca. Engraçado como isso num filme de um cineasta tão provocador soou como uma ofensa aos estômagos mais sensíveis, mas em filmes como Avatar (2009) esta atitude passa como heroísmo. Sem notar as ironias do roteiro, realmente Manderlay ofende, mas é nas entrelinhas que o filme fica ainda mais interessante. Cena que ilustra bem esta missão destinada ao fracasso é quando os ventos destroem a plantação porque Grace ignorou as tradições do lugar, como pode esta visitante saber o que é o melhor a ser feito?  Depois dos fatos ocorridos em Dogville, Grace parece descontrolada,  sua síndrome de dona da verdade está mais aguçada do que antes e não percebe o quanto sua própria postura é arrogante e preconceituosa diante das pessoas que pretende ensinar a democracia. Nessa trajetória sobra situações grotescas, como a cena em que pinta os herdeiros da fazendeira de preto para que sejam ridicularizados ou quando realiza uma votação para que um determinado personagem não incomode mais com suas risadas. "Isto é democracia"! Diz animada, daí para implementar a pena de morte não falta muito... Sem medo de cara feia, Manderlay ainda brinca com estereótipos comuns na relação da sociedade ocidental com os negros ("escravos eram príncipes em sua terra natal", "os negros são sexualmente mais vigorosos"...) e desmonta esses clichês sem receios. Mas a ironia maior é Grace soltando a escravocrata que tem dentro dela após perceber que já havia uma estrutura social ali e que só ela não percebia. Manderlay consegue ser ainda mais provocador do que Dogville, mas entendo que perde pontos por não ter o mesmo impacto visual (afinal, deixou de ser novidade). Outro aspecto que faz muita falta é a atuação de Kidman (por mais que Bryce se esforce ela não tem a potência dos olhos traiçoeiros de Nicole) e o fato do filme ser mais escuro (Lars não se deu conta de que as paredes negras não deixavam a luz se propagar) não ajuda a perceber as nuances da atuação de Bryce. São essas razões que fazem Dogville ser melhor do que Manderlay, mas são razões modestas diante do brilhantismo do cinema de Lars que ambos se completam e repelem com brilhantismo. Ao ver Dogville/Manderlay é impossível não desejar que Lars crie logo a conclusão de sua saga, mas Wasington anda engavetado por tempo indeterminado.    

Dogville (Dinamarca/Suécia/Reino Unido e outros/2003) de Lars Von Trier com Nicole Kidman, Paul Bettany, Lauren Bacall, Chloë Sevigny, Patricia Clarkson, Jeremy Davies e Stellan Skaarsgaard. ☻☻☻☻

Manderlay (Dinamarca/Inglaterra/França e outros - 2005) de Lars Von Trier com Bryce Dallas Howard, Danny Glover,  Willem Dafoe, Jeremy Davies e Chloë Sevigny. ☻☻☻☻