domingo, 31 de maio de 2015

§8^) Fac Simile: Jason Trost

Jason Trost
Para muitos o ator, diretor e roteirista Jason Trost é um ilustre desconhecido, mas nosso repórter imaginário encontrou com ele nas ruas de Los Angeles e o identificou pelo seu indefectível tapa-olho. Trost faz filmes de super-heróis com baixo orçamento e depois de Todos os Super-Heróis Devem Morrer, está preparando a continuação (The Last Super Hero). Feliz por ter sido reconhecido ele respondeu as cinco perguntas dessa entrevista que nunca existiu:

§8^) Seu amigo Lucas Till já garantiu vaga no universo dos X-Men, se ele arranjasse uma vaga para você na franquia como um mutante, qual gostaria de ser? 
Jason: Eu curtiria ser a versão jovem do Cable! Mas eu ficaria feliz mesmo se eu conseguisse convencer o Hugh Jackman a investir parte de seu pagamento em um dos meus filmes. Com um décimo do que ele ganha eu conseguiria fazer uns três longas, ou pelo menos, um mais caprichado. 

§8^) As pessoas não pensam que é um descendente de pirata ou coisa parecida?
Jason: Nunca me disseram isso, mas de vez em quando pensam que estou fantasiado de algum personagem, tipo o filho albino do Nick Fury.

§8^) Confessa que você usa isso só para chamar a atenção...
Jason: Não mesmo, sou cego do olho esquerdo, eu poderia usar outros recursos, mas descobri que sempre dá um estilo diferente e as garotas curtem... você não vê muitas pessoas com o olho tampado por aí e eu tenho uma coleção desses acessórios... 

 §8^) O que é mais chato em ser um diretor de filmes independentes em busca de reconhecimento?
Jason: Não ter reconhecimento...

§8^) É mais chato do que ter que ficar explicando porque usa um tapa olho?
Jason: kkk acho que é algo equivalente!

PL►Y: Todos os Super-Heróis Devem Morrer

Till, Lee, Trost e Sophie: heróis de baixo orçamento. 

Lançado nos EUA em 2011, o indie Todos os Super-Heróis Devem Morrer, pode parecer uma ironia com as adaptações milionárias de personagens de HQ, mas está bem longe disso. Imagine um capítulo do desenho Liga da Justiça em que Lex Luthor consegue tirar os poderes dos heróis e consegue eliminá-los um a um... agora você troca os heróis da liga por desconhecidos, substitui Luthor por um vilão menos interessante e estenda a duração do episódio para quase oitenta minutos e você perceberá as limitações do filme. O início é promissor com algo que parece ter devastado os cenários em que os heróis Cutthroat (Lucas Till), Shadow (Sophie Merkley) e Wall (Lee Valmassy) acordam sem os seus poderes. Apenas Charge (o também diretor e roteirista Jason Trost) parece ter permanecido com os seus (superforça), então eles descobrem que o vilão Rickshaw (James Remar) elaborou um plano para eliminar todos eles, na verdade é um jogo, onde terão de salvar alguns inocentes em situações de risco, onde, cada vez que não conseguirem cumprir a missão, um herói morrerá. Não deixa de ser interessante perceber a forma como Jason Trost busca driblar as limitações orçamentárias (a própria ausência dos poderes serve como boa justificativa para ausência dos efeitos especiais), fazendo o que pode com a montagem do material que tem em mãos e os poucos figurantes que embarcaram na empreitada. Embora os vilões sejam risíveis (além do personagem canastrão de Remar, o filme ainda conta com Sean Whalen como o bizarro Manpower - que se veste feito Tio Sam - e Nick Principe como o grandalhão Sledgesaw), Trost tem o cuidado de criar heróis humanos em situações limites, que sofrem um bocado na enrascada em que se meteram. Sugere um triângulo amoroso com a heroína Shadow, uma tensão entre Cutthroat e Charge, um segredinho aqui e ali e o filme fica parecendo o piloto de uma série de TV da década de 1990 de produção modesta. O roteiro pode não ser grandes coisas em apontar, mas nunca aprofundar os conflitos de seus personagens, mas se o desfecho fosse mais elaborado o resultado poderia ficaria acima da média. O final é um tanto preguiçoso e óbvio demais (a cena de Charge cruzando os dados num papel amassado para descobrir onde está o vilão é de uma ingenuidade sem tamanho). As ideias interessantes aos poucos se contenta na mistura confortável de filmes de heróis com a série Jogos Mortais - e essa limitação se mostra uma armadilha em si mesma. Ainda assim, admiro a disposição de Jason Trost que segue em sua carreira ainda á margem dos estúdios, em 2014 o jovem diretor colheu elogios com a mistura de suspense e ficção científica How To Save Us e prepara para esse ano The Last Superhero, onde volta a criar um cenário sombrio para os super-heróis lado do amigo Lucas Till (o Destrututor de X-Men - Primeira Classe/2011). 

Todos os Super-Heróis Devem Morrer (All Superheroes must die/EUA2011) de Jason Trost com Jason Trost, Lucas Till, Sophie Merkley, James Remar, Lee Valmassy e Sean Whalen. ☻☻

sexta-feira, 29 de maio de 2015

BREVE: Blue Ruin

Macon Blair: fome de vingança. 

Lançado em 2013 no circuito independente americano, o longa Blue Ruin ainda aguarda seu espaço nos cinemas brasileiros - embora seja melhor do que a maioria dos filmes que entraram em cartaz esse ano. O segundo longa de Jeremy Saulnier é um primor de economia e concisão para contar sua história numa narrativa que mantém a tensão do início ao fim. Trata-se de um filme de vingança, tecnicamente irrepreensível, com edição primorosa e uma atuação memorável do desconhecido Macon Blair. Blair interpreta Dwight, um sujeito de olhar vazio que ainda vive devastado pelos fantasmas do passado. Sua passividade se alimenta de restos e da invasão de casas para se lavar. A percepção de sua aparência como a de um pacato sem teto irá ruir quando uma policial lhe der a notícia que "o assassino do casal"será libertado. A partir daquele momento, Dwight se torna um personagem ainda mais complexo, com  sede de vingança e sem limites para chegar ao seu objetivo - que aos poucos, revela-se ter mais alvos do que ele imagina. Saulnier lida com um orçamento modesto (420 mil dólares) e prova que ter ideias bem executadas são o mais importante para realizar um ótimo filme. Não existe firulas em sua narrativa, não existe glamourização da violência, redenção ou piadinhas para aliviar a tensão da plateia. Desde a cena em que Dwight encontra seu algoz num banheiro fedorento, sabemos que Blue Ruin irá realizar uma contagem de mortos maior do que aquela. Saulnier está espetacular em cada cena, seu desespero e olhar de quem apenas vaga pelo mundo em busca de um sentido é perfeito, especialmente quando ele retira a barba e vemos um homem comum que tenta curar suas feridas pelos tortos caminhos da vingança -  mas encontra apenas o reflexo de sua outra vida que morreu anos atrás. Até o final irônico (onde sabemos que a causa de toda aquela tragédia era o amor entre duas pessoas), Blue Ruin cumpre o seu papel de ser um filme direto, agressivo e tenso que desarticula nossa mente com sua violência crua. O longa concorreu a vários prêmios da crítica e do cinema independente após ser exibido no Festival de Cannes e receber o cobiçado prêmio da Quinzena dos Realizadores em 2014.

Blue Ruin (EUA/França - 2013) de Jeremy Saulnier com Macon Blair, Devin Ratray, Amy Hargreaves, Kevin Kolack, Eve Plumb e David W. Thompson. ☻☻☻☻

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Pódio: Juliette Lewis


Juliette L Lewis
Juliette Lewis está prestes a completar 42 anos no dia 21 de junho. Ela começou a carreira ainda na adolescência na década de 1980 e tornou-se uma das atrizes mais requisitadas dos anos 1990. Sabendo expressar uma sensualidade quase selvagem, foi logo considerada uma rebelde entre as jovens estrelas de Hollywood. A partir do ano 2000 ela também ganhou fama como cantora (ao lado da banda Juliette and The Licks, onde parece uma versão feminina de Iggy Pop). Sua última aparição nas premiações foi ao lado de Meryl Streep e Julia Roberts na categoria de melhor elenco por Álbum de Família no Screen Actor's Guild de 2014. Vale lembrar outros bons momentos da carreira dessa indomável hollywoodiana. 

Bronze: a filha adolescente.
3º Cabo do Medo (1991) 

A atriz tinha dezoito anos quando viveu a filha adolescente de Nick Nolte e Jessica Lange. A família era perseguida pelo psicopata interpretado por Robert DeNiro nesse remake orquestrado por Martin Scorsese. Curiosamente, no meio de tantos nomes consagrados, Juliette foi a que colheu mais elogios (principalmente pela arrepiante cena em que é seduzida pelo vilão do filme). DeNiro foi indicado ao Oscar de melhor ator e Lewis foi lembrada na categoria de coadjuvante pela Academia (só para lembrar, na época ela namorava um aspirante a astro chamado Brad Pitt)

Prata: a namorada ingênua.
2º Kalifornia (1993)
O meu filme favorito do diretor Dominic Sena pode ter vários defeitos na maneira como manipula clichês na criação de seu suspense em forma de road movie. O fato é que o maior acerto do filme foi escalar Juliette para viver a doce Adele Corners, que nem faz ideia que namora um serial killer (Brad Pitt). O elenco ainda conta com David Duchovny e Michelle Forbes como parceiros de viagem do casal, mas é Lewis que eleva o filme a outro patamar, tornando-o mais humano, dramático e triste - afastando sua personagem de qualquer armadilha que o roteiro lhe prepare. Dizem que aqui ela já chegava às gravações com a personagem pronta, não dependendo do diretor para ditar o tom. Funcionou!!

Ouro: serial killer
1º Assassinos por Natureza (1994)
Não fosse tão polêmico, o filme de Oliver Stone teria sido o mais premiado de 1994, mas teve que se contentar com a comoção provocada no Festival de Veneza, onde saiu com três prêmios, sendo dois para Juliette (melhor atriz e menção honrosa) e o prêmio do júri. O filme (com texto de Quentin Tarantino) conta a história de Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis), mais conhecidos como o casal Knox, responsável por vários assassinatos e que se tornam celebridades através da mídia sensacionalista. O filme é um grande delírio visual e Lewis tem aqui a performance mais visceral de sua carreira (o tipo que faz tudo que aparecer depois ficar sem graça)!  

NªTV: Wayward Pines

Lewis, Dillon e colegas: elenco de respeito. 

O cineasta M. Night Shyamalan já tem sua cota de fiascos para lamentar. Depois do sucesso estrondoso de O Sexto Sentido (1999) ele conseguiu manter o interesse do público e da crítica por mais três filmes (Corpo Fechado/2000, Sinais/2002 e A Vila/2004 ), depois foi tudo ladeira abaixo, culminando com o merecido fracasso de Depois da Terra/2013 - que deu uma rasteira até no astro Will Smith. Em 2010, sua assinatura na produção do engenhoso Demônio (2010), onde também assinava o roteiro, demonstrou um caminho provável para a sua carreira. A série Wayward Pines completa sua terceira semana de exibição no Brasil pela Fox e ainda mantem o clima instigante do episódio piloto dirigido por Shyamalan - que assina a produção executiva da série. Apesar do texto parecer a reciclagem de várias outras produções, a série escrita por Chade Hodge (antes roteirista de séries que nem chegaram à segunda temporada, como The Playboy Club - cancelada no sétimo episódio em 2011) e o estreante Blake Crouch, sabe produzir seus próprios segredos ao longo dos episódios, revelando-os em doses homeopáticas ao longo da trama. O cenário é uma cidade pacata numa região montanhosa de Idaho, a cidade aparentemente tranquila serviu de cenário para o desaparecimento de dois agentes do serviço secreto americano. Em busca dos desaparecidos, o agente Ethan Burke (Matt Dillon) chega à cidade por conta de um acidente que vitima mortalmente seu parceiro de investigação. Burke tem motivos pessoais para continuar a busca, afinal, a desaparecida agente Kate Hewson (Carla Gugino) era sua amante. Em seu primeiro dia na cidade, Burke percebe que a (aparentemente) tranquila Wayward Pines tem lá sua cota de esquisitices,  a começar pela misteriosa enfermeira Pam (Melissa Leo) e o doutor Jenkins (Toby Jones), que insistem em mantê-lo no hospital sem que tenha contato com a família (Burke é casado e tem um filho adolescente que não faz a mínima ideia de onde ele esteja). Após contar com a ajuda da garçonete Beverly (Juliette Lewis) ele descobre que a situação na cidade é mais estranha do que imaginava, afinal, os habitantes são proibidos de falar sobre o passado, há indícios de que a passagem do tempo acontece diferente naquela localidade (principalmente depois que reencontra Kate em outro estilo de vida) e, para piorar, a paz do local é mantida pelo xerife Pope (Terrence Howard) com medidas de tolerância zero ao comportamento dissonante de quem vive na cidade. Há referências que vão de A Vila (2004), Dogville (2003) e um forte tempero da revolucionária Twin Peaks (1990-1991) idealizada por David Lynch - incluindo a fotografia, o fato de girar em torno de um agente secreto numa cidade cheia de mistérios, o reflexo do letreiro Pines remete diretamente a TP, inclusive a abertura com paisagens bucólicas e a placa que sinaliza a chegada à cidade. Se conseguir manter o suspense até o final de seus dez episódios, Wayward Pines promete ter vida longa para várias temporadas. Além disso, pode ajudar a Shyamalan a colocar a carreira de volta nos eixos, afinal de contas, prestígio ele ainda tem - porque não lembro de ter visto um elenco com tantos indicados ao Oscar (Dillon, Lewis, e Howard) somados a uma ganhadora da estatueta (Melissa Leo) e talentos reconhecidos (Toby Jones, Hope Davis, Carla Gugino, Siobhan Fallon e o promissor Charlie Tahan) num mesmo programa de TV. Wayward Pines coloca o gosto por mistério de Shyamalan nos eixos e ainda prova que ele é capaz de reunir um elenco invejável para garantir respeito à uma produção. 

Conheço essa placa de algum lugar...

Wayward Pines (EUA/2015) com Matt Dillon, Carla Gugino, Juliette Lewis, Toby Jones, Melissa Leo e Charlie Tahan. ☻☻☻

quarta-feira, 27 de maio de 2015

.Doc: Jodorowsky's Dune

Alejandro: criando uma obra revolucionária. 

Alejandro Jodorowsky é um cineasta chileno, filho de judeus ucranianos que foram viver na América Latina no início do século XX. Alejandro começou a fazer longas na década de 1960 e tornou-se cultuado pelo seu estilo único que apresentou cada vez mais proximidade com o surrealismo e o cinema de vanguarda. Criou polêmica no México com sua estreia em Fando e Lys (1968), ganhou fama mundial com El Topo (1970) e tornou-se cultuado com A Montanha Sagrada (1973), um dos filmes mais vistos na Europa em seu ano de lançamento. Com o sucesso alcançado pelo filme, ele decidiu que seu próximo projeto seria a adaptação do livro de ficção científica escrita por Frank Herbert e que se tornou um fenômeno editorial. O interessantíssimo filme de Frank Pavich é feito a partir de entrevistas com pessoas que compartilharam com Jodorowsky a ambição de realizar o que seria um filme revolucionário, especialmente para a construção de referenciais para a ficção científica mundial. Alejandro conseguiu agregar nomes como Salvador Dalí e Orson Welles para papéis estratégicos, convidou o Pink Floyd para criar a trilha sonora, além de artistas renomados para cuidar dos figurinos, direção de arte e efeitos especiais. O storyboard construído pelo cineasta, trazia todas as suas intenções em mergulhar nas metáforas da trama e ainda gerar algumas alterações ainda mais condizentes com sua concepção sobre o livro. No entanto, como todo cinéfilo sabe, seus planos irão fracassar, já que Duna (1984) foi o pior filme dirigido por David Lynch, um mamute de mais de suas horas de duração, pesaroso, descritivo e totalmente desprovido de sentido (e o comentário de Jodorowsky sobre a versão de Lynch é uma preciosidade de esclarecimento e compreensão de como funciona os mecanismos de Hollywood). Os motivos para o longa de Jodorowsky ter sido engavetado, assim como os frutos da concepção do filme-mais-influente-que-nunca-existiu é o motor do filme. Pavich conduz o filme com grande intensidade, numa costura perfeita do material que tem em mãos, sem deixar de revelar a criatividade sem limites de Jodorowsky e sua decepção em perceber como a indústria cinematográfica o considerava delirante demais para lidar com um filme tão ambicioso e revolucionário (e talvez infilmável para aquele tempo). Ainda assim, o filme Duna idealizado por Jodorowsky colheu alguns frutos que estão espalhados em vários sucessos do cinema e, até, em histórias em quadrinhos (ramo em que o cineasta se aventurou por muito tempo, especialmente ao lado do premiado Moebius). Jodorowsky's Dune tem o mérito de mostrar, através da imagens e entrevistas a reconstrução de um sonho que virou pó. Curiosamente, ainda que seja um documentário, a visão única de AJ diante da câmera, consegue fazer mais jus ao livro de Frank Herbert do que o desastroso longa de Lynch produzido por Dino de Laurentis. Se tiver que escolher entre esse documentário ou a adaptação cinematográfica do livro, escolha o documentário!

Os personagens: concebidos ao lado do quadrinista Moebius. 

Jodorowsky's Dune (EUA-França/2014) de Frank Pavich com Alejandro Jodorowsky, Michel Seydoux, H.R. Giger, Amanda Lear, Devin Faraci e Nicolas Winding Refn. ☻☻

NaTela: Entre Abelhas

Porchat: exercício dramático contra a mesmice. 

Sempre me chama a atenção quando um ator conhecido por comédias resolve investir em um papel dramático. A investida costuma dar conta de uma pendenga antiga no mundo das artes, afinal, pode redefinir uma carreira, fazendo com que o intérprete seja visto como "ator" e não mais como "comediante". Fábio Porchat ficou famoso com o humor do grupo Porta dos Fundos e sua carreira no cinema já rendeu cinco filmes de sucesso em apenas dois anos. O último deles é Entre Abelhas, que se mantem em cartaz há quatro semanas, ainda que o público estranhe o tom do filme.  A verdade é que Entre Abelhas é um filme raro no cinema nacional cristalizado nos últimos anos, afinal, embora tenha algumas doses de humor, trata-se de um drama de tons quase surreais, já que o seu protagonista - depois de uma separação amorosa, deixa de enxergar as pessoas que estão ao seu redor gradativamente - rende algumas situações interessantes que compõe uma história instigante com ares de "Além da Imaginação". Bruno (Porchat) é um jovem editor de filmes, que tenta se recuperar da recente separação de Regina (Giovanna Lancellotti). Ele volta a morar com a mãe (vivida pela sempre inspirada Irene Ravache) e tem o ombro amigo de Davi (Marcos Veras) para lhe dar algum apoio moral - embora Davi seja um machista bem idiota. A vida do personagem segue uma rotina normal até que ele percebe, dentro de um táxi, que o motorista desapareceu. Desesperado, ele desce do táxi que, subitamente, volta a andar como se nada houvesse acontecido. Assim, ao andar nas ruas, ou observar fotos, ele percebe que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo. Além da premissa interessante, o roteiro (assinado por Porchat e o diretor Ian SBF)  explora como, aos poucos, o mundo de Bruno tornando-se cada vez mais solitário - como a cena da foto onde os amigos aos poucos desaparecem, ou com as pessoas que falam com ele sem que possam ser vista ou ouvidas e até a cena do jogo (de torcida minguada na arquibancada e time escasso em campo). Bruno procura uma explicação para o que acontece, mas o filme, sabiamente, escolhe deixar tudo em aberto, sem explicação até o final que pode gerar diversas interpretações (a minha é a mais romântica possível). Entre Abelhas é bem conduzido e serve ao seu propósito de fornecer à Fábio Porchat uma boa interpretação contida (ainda que em alguns momentos ele pareça prestes a explodir - evocando sua persona cômica tão conhecida). Porchat é magistralmente amparado por Irene Ravache e Luis Lobianco (que interpreta o atendente de participação importante na trama, sempre entre o cômico e o estranho), mas alguns personagens parecem negligenciados em sua construção (principalmente Regina e Davi que não colaboram para enriquecer a história como deveriam). No fim das contas, Entre Abelhas é um belo exercício de Porchat para lançar o cinema brasileiro num caminho contra a mesmice. 

Entre Abelhas (Brasil/2015) de Ian SBF com Fábio Porchat, Irene Ravache, Marcos Veras, Luis Lobianco e Giovanna Lancellotti. ☻☻

segunda-feira, 25 de maio de 2015

.Doc: Altman

Robert Altman: ícone do cinema americano.

O cinema de Robert Altman pode não ser para todos os gostos, mas é inegável que o diretor se tornou um dos maiores nomes do cinema americano - ainda que a indústria poucas vezes lhe desse o merecido reconhecimento. Altman foi um dos primeiros cineastas independentes americanos e pagou um preço alto por isso, como deixa claro esse documentário biográfico dirigido por Ron Mann. Altman começou a carreira com curtas e documentários, mas foi na televisão americana que seu nome ganhou maior reconhecimento. Foi em um de seus trabalhos na televisão que conheceu a sua terceira esposa (Kathryn Reed) que o acompanharia até o fim da vida. Mann cria o filme a partir de entrevistas do cineasta com filmagens da família, trechos de sua obra e entrevistas com familiares e amigos - com destaque para alguns de seus artistas favoritos (Elliot Gould, Julianne Moore, Lily Tomlin, o cineasta discípulo Paul Thomas Anderson - senti falta de Kim Basinger que trabalhou várias vezes com o diretor, sendo uma de suas atrizes favoritas) que tentam definir o que seria Altmanesco. Curiosamente, as definições soam sempre provocadoras perante a carreira de um homem que nunca se contentou em seguir os rótulos e padrões. Desde o seu início na telona, ele sabia que teria problemas com seu estilo único de dirigir na busca de um realismo latenta (em seu primeiro trabalho no cinema acabou demitido da Warner Bros por considerarem um disparate o fato dele colocar os atores falando ao mesmo tempo na mesma cena). Do auge de M*A*S*H (1970), que foi premiado em Cannes e se tornou uma febre mundial com seu humor debochado (e um tanto ácido sobre a paixão americana pela guerra), o diretor foi aos poucos sendo mais criticado pelo seu olhar pouco condescendente com o american way of life (o que também rendeu o sucesso de Nashville/1975 e sua mistura de música country e política). Depois do sucesso, ele poderia ter se acomodado e continuar fazendo a plateia rir, mas preferiu lhe oferecer o estranhamento de Voar é com os Pássaros (1970) ou a melancolia do western Onde os Homens São Homens (1971). Os altos e baixos de sua carreira foram constantes, mas não impediram que continuasse trabalhando, seja na TV, em cursos de cinema, na Europa ou nos palcos. Altman sempre foi reconhecido pela sua forma única de lidar com atores e, por isso mesmo, sempre teve os atores de Hollywood se oferecendo para seus projetos, o auge disso foi a disputa por pequenas participações em O Jogador (1992), um de seus maiores triunfos - e que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor em Cannes numa crítica ao que Hollywood tinha de mais alienante. O filme acabou lhe permitindo realizar aquele que talvez seja sua maior obra-prima: Short Cuts (1993), que baseado nos contos de Raymond Carver cria em caleidoscópio humano magnificamente conduzido - sendo premiado no Festival de Veneza, indicado ao Globo de Ouro, Oscar, Independent Spirit e vários outros prêmios do cinema. O documentário ainda aborda os problemas de saúde vividos por ele, seu inconfundível bom humor (mesmo nos piores momentos de sua vida e carreira) e sua sorte surpreendente - que o salvou da falência várias vezes, inclusive quando não tinha dinheiro para terminar o premiado Gosford Park (2001) que foi indicado a sete Oscars (ganhando o de roteiro original para Julian Fellowes, que mais tarde criaria a série Downton Abbey seguindo a mesma cartilha). Ainda que sua carreira nem sempre lhe desse retorno financeiro, Altman sempre demonstrou grande paixão pelo que fazia e uma inquietação que sempre tornou sua obra surpreendente. O reconhecimento da Academia foi tardio, após ser indicado ao Oscar sete vezes, recebeu a estatueta honorária em 2006, oito meses antes de falecer enquanto preparava as filmagens de seu quadragésimo filme. O diretor se foi, mas seu legado permanece uma referência do cinema mundial e, ebora ele considere que fazer filmes é como contruir castelos de areia, talvez, a melhor definição do que seja altmanesco venha de Lily Tomlin: "Altmanesco é construir uma família" - quem ver o filme entenderá. 

Altman (Canadá/2014) de Ron Mann com Robert Altman, Kathryn Reed, Elliot Gould, Lily Tomlin, Paul Thomas Anderson, Julianne Moore, Robin Williams e Bruce Willis. ☻☻☻

GANHADORES FESTIVAL DE CANNES 2015

Dheepan: palmas para Jacques Audiard.

Não foi por acaso que ao fim do Festival de Cannes desse ano, o cineasta Jacques Audiard agradeceu a ausência de Michael Haneke na competição, afinal o austríaco o derrotou duas vezes quando seus filmes entravam no páreo (em 2009, O Profeta perdeu para A Fita Branca e em 2012, Ferrugem e Osso foi derrotado por Amor). A verdade é que o drama Dheepan sobre um ex-guerrilheiro do Sri Lanka que vai para a França pode não ter sido uma unanimidade, mas teve méritos suficientes para ganhar a Palma de Ouro segundo o júri presidido pelos irmãos Joel e Ethan Coen - que premiou o cinema francês ainda nas acategorias de ator e atriz.  Outro que desponta com fôlego suficiente para chegar aos prêmios de fim de ano é o longa Carol de Todd Haynes, que premiou Rooney Mara como melhor atriz do festival - deixando para trás a sua parceira de cena (e favorita) Cate Blanchett. A seguir todos os premiados do maior festival de cinema do mundo. 

Palma de Ouro
"Deepan" de Jacques Audiard

Grande Prêmio do Júri
"Son of Saul" de László Nemes

Melhor Diretor
Hou Hsiao Hsien ("The Assassin")

Prêmio do Júri
"The Lobster" de Yorgos Lanthimos

Melhor Atriz
Rooney Mara ("Carol")
Emmanuelle Bercot ("Mon Roi)

Melhor Ator 
Vincent Lindon ("La Loi du Marché")

Melhor Roteiro 
Michel Franco ("Chronic")

Caméra d'Or
"La Tierra y la Sombra" de Cesar Augusto Acevedo

Palma de Ouro - Curta metragem
"Waves 98" de Ely Dagher

Outras Mostras


UN CERTAIN REGARD

Melhor Filme
"Hrútar"

Prêmio do Júri
"Zvizdan"

Melhor Diretor
"Journey to the shore"

Prêmio Um Certo Talento
"Comoara"

Revelação
"Masaan Nahid"


JÚRI DA CRÍTICA

Mostra Competitiva
"Saul Fia"

Mostra Un Certain Regard
"Masaan"

Semana da Crítica / Quinzena dos Realizadores
"Paulina"


QUINZENA DOS REALIZADORES

Prêmio Art Cinema 
"El Abrazo de la Serpiente"

Prêmio SACD
"Trois Souvenirs de Ma Jeunesse"

Prêmio Europa Cinemas
"Mustang"

Melhor Curta Metragem 
"Rate-me"

Menção Especial - Curta Metargem
"The Exquisite Corpus"


JÚRI ECUMÊNICO

Melhor Filme
"Mia Madre"

Menção Honrosa
"La Loi du Marché / Taklub"

Palm Dog
Lucky
(O poodle maltês espanhol de "As Mil e Uma Noites 2")

domingo, 24 de maio de 2015

Combo: Só pensam Naquilo

5 Na Cama (2005) Provavelmente pouca gente conhece esse filme chileno baratíssimo, mas, acredito que muita gente conhece sua versão brasileira (piorada) estrelada por Reinaldo Giannechini e Paola Oliveira - chamada Entre Lençóis/2008. A ideia é bem simples: Daniela (Blanca Lewin) e Bruno (Conzalo Valenzuela) se conhecem numa festa e resolvem curtir algumas horas num motel. Entre algumas cenas tórridas, o casal conversa sobre amizade, ex-relacionamentos, camisinhas, tempo de "recuperação masculina" e até lendas urbanas sobre esse tipo de estabeleciomento... Às vezes o diretor Matias Bize exagera, mas o longa tem um frescor latino irresistível (bem diferente da insossa versão tupiniquim). 

4 Paixão e Sedução (2000) Jonathan Teplitzky escreveu e dirigiu seu primeiro filme contando com a ajuda de um casal de atores que além de simpáticos também são bastante desinibidos - e o mais importante, deixam tudo tão natural e espontâneo que você nem se dá conta que a maior parte do tempo eles estão sem roupa (diante de uma câmera muito cuidadosa). Josh (David Wenhan) é um fotógrafo australiano que vive em Londres, mas está aproveitando um feriado em Sidney. Lá ele conhece Cin (Susie Porter) e os dois decidem aproveitar o feriado juntos. Durante os três dias em que dividiram o mesmo quarto, os dois irão pensar nos prós e contras de ter uma relação com dia marcado para terminar. 

3 Intimidade (2001) Ele (Mark Rylance) trabalha num bar que tenta ser mais sofisticado que os outros, ela (Kerry Fox) é uma verdadeira incógnita. O fato é que os dois desconhecidos se encontram toda quarta-feira para, digamos, aliviar a tensão da semana... Patrice Chéreau utiliza os textos de Hanif Kureishi para falar sobre a intimidade de um casal que não quer intimidades para além do relacionamento sexual. No entanto, um percebe no outro uma espécie de salvação da monotonia de suas vidas cotidianas. Conforme se aprofunda, o filme revela uma rede de sentimentos complexos que acabam envolvendo outras pessoas - que poderão ser afetadas drasticamente quando o mundo dos casais se revela aos demais. 

2 Uma Relação Pornográfica (1999) Poucos filmes sobre amantes conseguem ser tão envolventes quanto esse. Dirigido por Frédéric Fonteyne, muita gente ficou desapontada quando percebeu que só havia uma cena de sexo no filme e ainda assim, bastante discreta. Porém, o diretor cria uma obra fascinante sobre um homem que responde o anúncio de uma revista e começa a ter encontros sexuais com uma mulher mais velha - sendo que a única regra é não falarem sobre suas vidas pessoais. Aos poucos os dois se apaixonam - e as atuações precisas de Nathalie Baye e Sergi Lopez fazem com que o público sinta o mesmo até o final irônico.

01 O Último Tango em Paris (1972) Bernardo Betolucci lançou um emaranhado psicológico que até hoje rende discussões entre os cinéfilos do mundo inteiro. O encontro entre o maduro  Paul (Marlon Brando) e a jovem Jeanne (Maria Schneider) acontece por acaso quando ambos vão visitar um apartamento em que estão interessados, não demora muito para que a forte atração entre os dois os faça mergulhar numa tórrida relação temperada pelos tormentos de ambos. Dizem que o filme é baseado numa fantasia de Bertolucci (com o próprio Brando, então com 48 anos). O resultado é um filme que tenta se equilibrar entre a obscenidade e a beleza e que deixou seus dois atores atormentados por muito tempo. O Último Tango em Paris é mais do que um clássico polêmico, trata-se de uma verdadeira Caixa de Pandora!

quarta-feira, 20 de maio de 2015

CATÁLOGO: Intimidade

Kerry e Mark: toda quarta-feira...

Lembro com bastante clareza de quando estreou o drama romântico Intimidade e foi gerada uma polêmica danada. A polêmica girava em torno das cenas de sexo protagonizadas pela dupla Mark Rylance e Kerry Fox, dois atores renomados que conferem credibilidade a um filme perigoso. Rylance é pouco conhecido nos cinemas, mas é um dos atores mais premiados do teatro inglês, já a escocesa Kerry ficou famosa como a vertente feminina de Cova Rasa (1994) de Danny Boyle, mas foi aqui que ela ganhou um dos prêmios mais importantes do cinema, o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim. O festival ainda conferiu ao filme os prêmios de melhor filme e melhor filme europeu. Assinado por Patrice Chéreau, o mesmo do excepcional Rainha Margot  (1994), Intimidade causa grande estranhamento em seu início, onde somos apresentados aos amantes que se encontram sempre às quartas-feiras para fazer sexo sem dizer nada sobre si (nem ao menos o nome). Depois de algumas cenas tórridas, somos apresentados às particularidades de cada personagem. Descobrimos que ele chama-se Jay e trabalha num bar enquanto tenta se recuperar do fantasma do divórcio e o distanciamento dos filhos, além de lidar com o fracasso de sua carreira como músico e a presença de um novo funcionário, Ian (Phillipe Calvario) que ainda precisa aprender as manhas da profissão ao balcão. Com o tempo, a distância emocional de sua amante começa a incomodar Jay, que descobre aos poucos a vida paralela que ela sustenta quando não estão juntos. São nesses momentos que o filme alcança seu ponto mais alto, ao desviar-se dos clichês com maestria, constrói um grande abismo emocional entre seus personagens - e não falo só de Jay e Claire. Enquanto Jay se depara com dilemas que nem imaginava, Claire vivencia uma sensação de pânico ao ver seus dois universos colidirem de forma definitiva (e com risco de gerar mudanças não desejadas). O mais interessante do filme é que passado o estranhamento das cenas tórridas iniciais (encenadas de forma desglamourizada, realistas e com jeito quase improvisado), o filme busca emoções mais sutis - e que os amantes hesitavam sentir. Tirando a presença confusa do amigo de Jay, Victor (Alastair Galbraith) - que por um enorme mistério não acrescenta nada de produtivo à trama - o filme funciona muito bem. Intimidade não é para todos os gostos, mas será uma experiência emocionalmente densa para quem assistir (muito se deve aos textos de Hanif Kureishi adaptados por Chéreau e Anne Louise Trividic) e enxergar nele uma ode à necessidade humana de criar vínculos afetivos. 

Intimidade (Intimacy / França - Alemanha - França - Reino Unido / 2001) de Patrice Chéreau com Mark Rylance, Kerry Fox, Timothy Spall, Phillipe Calvario e Marianne Faithful. ☻☻☻

CATÁLOGO: Distrito 9

Copley: camarões espaciais e discurso engajado. 

Quando Neil Blomkamp surgiu para o mundo com a ficção científica Distrito 9 houve um consenso que se estava diante de uma obra capaz de injetar novas cores ao gênero para o século XXI. Fazia tempo que um filme não conseguia inserir tantos comentários sociais num universo com seres espaciais. Blomkamp criou um alegoria sobre a exclusão social, sendo que ao invés de mostrar pobres vivendo em condições degradantes, ele utiliza alienígenas para falar da nossa sociedade globalizada e a exploração da pobreza (assim como as desastrosas medidas utilizadas para mantê-la à margem). Contado num formato quase documental, o filme conta como a sociedade (não por acaso em Johannesburgo, na África do Sul, terra do diretor e a cidade mais violenta do mundo na época) mudou diante da chegada de uma gigantesca nave espacial na década de 1980 - e que permanece parada sobre a cidade, enquanto seus passageiros extraterrestrs vivem entre os humanos no chamado Distrito 9.  Apresentado como uma grande favela, o 9 serve de abrigo para os aliens impossibilitados de voltar para seu planeta natal - ali vivem alimentando-se de comida para gatos e despertando a cobiça de traficantes sobre seus apetrechos intergalácticos. Diante da grande confusão que se tornou a convivência dos "camarões" (apelido nada carinhoso dedicado aos visitantes espaciais), o governo decide que eles devem ser removidos para um outro lugar, o Distrito 10 (quem conhece a história da Cidade de Deus ou de Nova Sepetiba no estado do Rio de Janeiro reconhece fácil essa medida governamental). Encarregado desse procedimento, o funcionário da Multinational United chamado Mikus van der Merwe (Sharlto Copley), termina contaminado no meio da desapropriação do Distrito 9 e seu corpo passa a sofrer transformações que farão com que ele sinta na pele as dificuldades de ser excluído socialmente. Curiosamente, o filme foi lançado no mesmo ano de Avatar (e ambos concorreram ao Oscar de melhor filme), os dois partem de um ponto semelhante, ainda que sigam direções opostas. Embora os dois filmes caminhem para o espetáculo, o filme de Blomkamp tem a vantagem de criar uma ficção científica ultrarrealista, seja em sua fotografia digital e nos efeitos especiais crus que dão incrível credibilidade às cenas ou à abordagem de uma temática inusitada que consegue ser bastante pertinente diante do que vemos nos telejornais todos os dias. Há de se exaltar ainda a atuação de Copley - que é muito mais interessante que a apresentada em seus trabalhos posteriores (que nunca valorizam a sua versatilidade ou carisma). Ao final, Blomkamp deixa o caminho aberto para uma sequência que ainda não saiu do papel (e talvez nem esteja nele), mas que permite aos dessa pérola o desejo de ver um pouco mais dessa alegoria socialmente engajada. 

Distrito 9 (District 9 / EUA - Nova Zelândia - Canadá - África do Sul/2009) de Neill Blomkamp com Sharlto Copley, Jason Cope e John Summer. ☻☻☻

segunda-feira, 18 de maio de 2015

NaTela: Chappie

Chappie: melhor deletar...

Recentemente o diretor sul africano Neill Blomkamp recebeu aval para dar prosseguimento à saga Alien com direito à tenente Ripley e todo o resto. Essa é uma ótima notícia para os fãs do monstrengo, já que faz tempo que o personagem anda merecendo respeito. Além disso, por mais que eu curta Prometheus (2012), compreendo a frustração dos fãs com a ficção científica apresentado por Ridley Scott como prequel da série. Existe um consenso de que Blomkamp tem tudo para realizar um bom trabalho, já que, dos diretores atuais, mostra-se um grande amante de sci-fi. Sempre vale a pena lembrar que o rapaz fez Distrito 9 (2009), um dos melhores filmes do início do século XXI e indicado a 4 Oscars (incluindo Melhor Filme). Neill também não decepcionou em Elysium (2013), deixando evidente sua preocupação de usar o gênero para abordar questões sociais. Em Chappie ele tenta repetir a mesma desenvoltura, mas eu considero o filme decepcionante. Sei que o filme é um dos mais vistos ao redor do mundo atualmente, mas a abordagem de Neill é um desastre, sendo assim, o resultado é, no máximo, desengonçado em suas referências que vão de Short Cirtuit (1986) ao clássico Robocop (1987) - chega a ser engraçado que depois do remake cometido pelo brasileiro José Padilha no ano passado, o filme de Paul Verhoeven ainda tenha que lidar com esse aqui. Ambientado em Johannesburgo num futuro próximo, robôs policiais são responsáveis pela segurança das cidades. Na empresa que os fabrica trabalham o jovem idealista Deon Wilson (Dev Patel) e o agressivo Vincent Moore (Hugh Jackman). Enquanto Deon pensa em criar um robô com consciência para escrever poesia, Vincent tenta vender a ideia de um robô ainda mais poderoso no combate ao crime (cujo até o design parece com do ED-209 do filme de Verhoeven) para a dona da empresa, Michelle Bradley (a tenente Ripley em pessoa, Sigourney Weaver). No entanto, o experimento pacifista de Deon acaba caindo nas mãos de bandidos e sendo batizado de Chappie (algo como "chapa" em inglês). Chappie é inofensivo, parece uma criança descobrindo o mundo ao seu redor, pena que ele conta com a ajuda de Amerika (Jose Pablo Castilho), Yolandi (a rapper Yo-Landi Visser) e Ninja (vivido pelo parceiro de Yo na vida real: Ninja) para lhe mostrar o mundo de crimes e contravenções, ao ponto dele quase ser destruído no seu "rito de iniciação". Assim, o filme mostra uma família incomum, com Chappie sendo treinado para tornar-se um ladrão ou assassino, por aqueles que ele chama de pai (Ninja) e mãe (Yolandi) - por mais que o seu criador o ensine a não agir contra as leis (percebeu as metáforas óbvias do roteiro?). No fim das contas o comportamento de Chappie irá trabalhar a favor do projeto de Vincent no combate ao caos que  a cidade se tornará. Além disso, o filme não decide se volta-se para o público infanto-juvenil (a voz de Sharlto Copley caminha para isso) ou adulto (já que a violência é bastante sanguinolenta), criando um grande desequilíbrio na tela entre dilemas éticos, morais e cinematográficos que nem vou me deter aqui. Porém, posso dizer que fica difícil engolir o trio marginal que cuida de Chappie, já que são tipos barra-pesada demais para merecer a simpatia da plateia (além de Yo e Ninja serem atores bem sofríveis). Para piorar, o roteiro se estende demais para dar um final feliz aos personagens que nem interessam tanto. Ainda que faça sucesso, Chappie é um tropeço na carreira de Blomkamp. Retornando à estética crua de sua estreia em Distrito 9, ele erra justamente ao considerar que o fato de seus personagens serem bandidos pobres tornam-se dignos de torcida.  Talvez se houvesse explorado mais como se organiza uma sociedade dependente de robôs para manter a paz, ele até conseguisse. Nisso, nem a analogia do robô com uma criança abandonada à mercê da bandidagem salva o filme, já que perde a sutileza logo no início e torna-se uma caricatura risível das críticas sociais que o diretor almeja realizar. 

Chappie (EUA-México-África do Sul/2015) de Neill Blomkamp com Charlto Copley, Dev Patel, Hugh Jackman, Sigourney Weaver e Yo-Landi Visser.

domingo, 17 de maio de 2015

CATÁLOGO: Primer

Carruth e Williams: abrindo a caixa de pandora. 

Conheci o trabalho do diretor, ator e roteirista Shane Carruth em Cores do Destino (2013), uma ficção científica que flerta com romance de forma bastante original e um tanto inusitada. Procurei conhecer mais sobre o trabalho do cineasta e descobri que ele dirigiu somente um longa anteriormente: Primer. No entanto, sempre que eu procurava saber mais sobre o filme encontrava mais pontos de interrogação. O fato é que, assim como em Cores do Destino, torna-se praticamente impossível falar do filme sem estragar parte da graça. Primer conta a história de dois jovens cientistas, o soturno Aaron (o próprio diretor) e Abe (David Sullivan), que criam um experimento que eles ainda não descobriram para que serve - em sua própria garagem. Trata-se de uma máquina que produz uma carga de magnetismo tão elevada que eles não fazem a mínima ideia do que ela é capaz de fazer, até que... esse é o máximo que se pode dizer sobre a história. Carruth cria uma história sobre dois sujeitos comuns que acabam se tornando cobaias e seu próprio experimento e terminam prisioneiros dele - o que traz mudanças um tanto assustadoras em suas vidas. Não fique preocupado se por boa parte da sessão você não entender o que está acontecendo, pelo que conheço do diretor, sei que é isso mesmo que ele espera do espectador - afinal de contas, assim como seus protagonistas, aprendemos sobre o experimento a medida que os fatos acontecem na história. Primer é mais enxuto que seu longa posterior, mas é igualmente complexo em sua proposta de gerar uma história de ficção científica genuína sem as concessões de alívios cômicos ou efeitos especiais mirabolantes. Com imagem digital granulada, tons esverdeados e trilha sonora minimalista, Carruth precisa pouco mais do que a edição precisa e a química dos poucos atores em cena para gerar o estranhamento que precisa. Na internet existem vários quadros que procuram explicar a linha temporal em que  ocorre a história (e é melhor conhecê-los somente depois que assistir ao filme) e tudo se torna mais curioso quando descobrimos que o filme custou apenas sete mil dólares (Cores do Destino custou cinquenta mil dólares, ainda uma ninharia até para os padrões indie)! Rodado com a ajuda de parentes e amigos, Carruth provou ser um autor cheio de ideias com sua trama de ficção científica estilosa, ainda que feita no fundo do quintal. Primer tornou-se cult e um grande sucesso em festivais de cinema independente, ganhou o prêmio do júri no Festival de Sundance em 2004, ainda premiando Shane como diretor e roteirista. Depois, o Independent Spirit lhe rendeu quatro indicações (filme, diretor, roteiro e ator estrante para David Sullivan) e serviu para tornar o diretor conhecido no meio. O filme me faz lembrar o caminho que Darren Aronofsky teria seguido se continuasse na linha de Pi (1998) e, da mesma forma, penso o que Carruth seria capaz de fazer com um orçamento de milhões de dólares. Atualmente ele desenvolve seu terceiro longa metragem (The Modern Ocean, ainda sem previsão de lançamento), o que não é nada mal para quem temia que sua estreia provocasse risadas involuntárias na primeira exibição (um risco que Primer está longe de correr sempre que for revisto). 

Primer (EUA-2004) de Shane Carruth com Shane Carruth, David Sullivan e Samantha Thomson. ☻☻☻

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ladies & Gentlemen: Mads Mikkelsen

Nascido em Compenhagen, na Dinamarca no dia 22 de novembro de 1965, Mads presta serviços ao cinema desde 1996. Mads Dittman Mikkelsen é o maior astro do cinema dinamarquês, sendo considerado frequentemente o homem mais sexy do país (e suas conterranêas consideram o homem mais sensual do mundo), sobre esse título ele apenas diz que prefere ser isso do que "o homem mais feio da Dinamarca"! Filho do também ator Henning Mikkelsen com a enfermeira Bente Christiansen, durante a infância e adolescência, Mads desejava ser ginasta e treinou atletismo por vários anos, mas acabou estudando dança na Academia de Balé de Gothenburgo, na Suécia, durante a década de 1980. Ele foi dançarino profissional por mais mais de dez anos, até que em 1996 decidiu ser ator e começou a cursar a Escola de Teatro de Aarhus. Foi no mesmo ano que foi escolhido pelo cineasta Nicolas Winding Refn para viver o amigo drogado do protagonista de Pusher (1996). O sucesso gerou uma trilogia e, no filme seguinte, o personagem dele ganhou o posto de personagem principal (no que considero o melhor filme da trilogia), mas a continuação chegou às telas somente em 2004. Nos oito anos que separam um do outro, Mikkelsen participou de mais de uma dezena de filmes, tornando-se um dos atores mais requisitados de seus país. Em 1998 participou do drama Vildsor (ao lado de outro astro dinamarquês  famoso: Nicolaj Coster-Waldau) e do terror Anjo da Noite, voltando a trabalhar com Refn no ano seguinte em Bleeder (1999). Em 2002 ele participou de dois filmes muito elogiados, I Am Dina de Ole Bordenal (ao lado dos internacionais Gerard Depardiéu e Christopher Eccleston) e Corações Livres, filme considerado por muitos o melhor de Suzanne Bier. No mesmo ano, o ator trabalhou com outra celebrada diretora de seu país, Lone Scherfig em seu primeiro filme falado em inglês: Meu Irmão quer se Matar. As boas escolhas continuaram com The Green Butchers (2003) - uma comédia sobre açougueiros e um acidente... - e o espanhol Da Cama Para a Fama (2003). A carreira do ator cresceu paralela à consagração mundial do cinema dinamarquês e Hollywood não ficaria indiferente. O astro dinamarquês foi convidado para viver Tristão na última versão de Rei Arthur estrelada por Clive Owen e Keira Knightley em 2004. Somente aí a sequência de Pusher estreou - e ele já era um astro internacional (o que ajudou ainda mais na projeção do filme com sua atuação de tintas shakesperianas). Em seguida atuou no drama sobre neonazismo Entre o Bem e o Mal (2005), considerado por muitos críticos uma obra-prima. Ele voltou a trabalhar com Suzanne Bier no drama Depois do Casamento (2006) que se tornou um sucesso mundial e ainda recebeu uma indicação ao Oscar de Filme estrangeiro. Ele também atuou no drama romântico Prag, no suspense Exit - esse ao lado de outro conterrâneo prestes a ser descoberto por Hollywood, Alexander Skarsgaard (filho de Stellan) - e no blockbuster que reconceituaria James Bond no cinema: Cassino Royale, onde interpretou o vilão Le Chiffre. Em 2008, outro drama relacionado ao nazismo foi acrescentado ao currículo do astro: Flammen & Citronen, que reafirmou a boa fase do cinema da Dinamarca. No ano seguinte viveu o compositor Stravinsky no quase experimental Coco Chanel  & Igor Stravinsky (2009) que causou rebuliço por conta das cenas tórridas entre o casal. No mesmo ano voltou a trabalhar com Refn em Guerreiro Silencioso (num papel bem diferente do que o público estava se acostumando a vê-lo) e no suspense surreal A Porta. Depois, Hollywood o escalou para reforçar o elenco dos remakes de Fúria de Titãs (2010) e Os Três Mosqueteiros (2011) que o tornou mais conhecido na Terra do Tio Sam. De volta ao cinema dinamarquês seus filmes seguintes receberam ainda mais projeção mundial, seja em festivais ou premiações. O ator viveu O Amante da Rainha (2012) e A Caça (2012), literalmente, ambos os filmes foram indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A Caça ainda lhe rendeu o maior reconhecimento de sua carreira: o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes pelo professor acusado de pedofilia. Ainda em 2012 ele estrelou o suspense Move On do diretor Asger Leth e no ano seguinte esteve ao lado de Shia Labeouf em Conquistas Perigosas. Em 2013, Mads também começou a viver o famigerado canibal de Hannibal, baseado no personagem dos livros de Thomas Harris que ficou famoso mundialmente com o rosto (e o apetite) de Anthony Hopkins. A série acaba de chegar à sua terceira temporada e a atuação de Mikkelsen  continua irrepreensível. Recentemente o astro apareceu nos cinemas brasileiros com Michael Kohlhaas - Justiça e Honra, drama ambientado no século XVI e baseado numa história real onde um homem luta com um senhor feudal por suas terras. Ano passado ele estrelou o western inédito por aqui A Salvação e para esse ano, faz uma participação especial na comédia de humor negro Homens e Frangos enquanto estrela a terceira temporada do sinistro canibal. 

Pusher II: sem cabelo (mas promovido a protagonista). 

CATÁLOGO: Guerreiro Silencioso

Mads: rumo ao coração das trevas. 

Nicolas Winding Refn é um celebrado diretor dinamarquês que possui verdadeiro fetiche por violência (no sentido de algo a que se atribui poderes quase sobrenaturais, no caso de Refn esse poder quase mágico atribuído à ela é puramente narrativo). Em seus filmes podemos perceber como o diretor vê na violência um elemento narrativo poderoso, já que sua filmografia  prefere utilizar, na maioria das vezes, cenas violentas no lugar de diálogos - e às vezes ele acerta nessa escolha. A ideia funcionou bem na cultuada trilogia Pusher (inaugurada em 1996), ganhou status de obra-prima em Drive (2011) e decepcionou em Só Deus Perdoa (2013), mas é em Valhala Rising que a violência recebe o primeiro plano como em nenhuma outra obra do diretor. O filme quase não possui diálogos e investe pesado em cenas estilosamente agressivas, provavelmente, foram seus longos silêncios que renderam o nome Guerreiro Silencioso em terras tupiniquins. No entanto, o título recebido é um dos capítulos dessa história ambientada no ano 1000 depois de Cristo.  Quando o filme começa, vemos um homem (Mads Mikkelsen sempre impressiona) preso pelo pescoço a um tronco, tendo de lutar para divertir uma plateia de pagãos. Após derrotar seus oponentes, ele volta para uma gaiola de madeira, sobre os cuidados de um menino escravo. Pouco se sabe do passado do personagem, mas após uma fuga sangrenta ele irá vagar por ambientes bucólicos, tendo a natureza como cenário e a companhia do tal garoto que serve para dizer o que o guerreiro - o qual ele passa a apresentar como Um Olho (já que isso é realmente um fato estampado no rosto dele). Eles irão encontrar um grupo de cristãos que, aos poucos, acreditam que estão vagando rumo ao inferno. Refn cria um filme com pouco texto, mas de ritmo preciso e atuações intensas, especialmente de Mads Mikkelsen, que sem dizer uma única palavra tem pleno domínio do filme - especialmente na dinâmica com o garoto Marteen Stevenson. Entre os dois nunca fica claro se o menino realmente entende o que o guerreiro pensa, se o menino apenas diz qualquer coisa ou se guia, às vezes, as ações do guerreiro (e isso torna o filme mais interessante). Além disso, a temporada da dupla junto aos navegantes cristãos torna o filme ainda mais impressionante - e a referência à Valhala (que na mitólogia nórdica significa um salão de Asgard, dominada pelo deus Odin, onde os guerreiros são destinados após a morte) serve de premissa para o que se vê no filme, basta ficar atento a diálogos como "nós temos vários deuses, mas esses homens tem apenas um" para entender o que está por trás dos temores dos personagens. Porém, Guerreiro Silencioso deve soar apenas indigesto para a maioria das pessoas, mas quem curte filmes de bárbaros, vikings e tudo mais irá se deleitar com os climas construídos pelo diretor - e arrisco a dizer que aqui a violência cria uma simbiose cinematográfica deslumbrante com os cenários paradisíacos, tão divinos quanto traiçoeiros. Ao fim da sessão tive a impressão que era um filme hardcore de Terrence Malick!!

Guerreiro Silencioso (Valhala Rising/Dinamarca - Reino Unido/2009) de Nicolas Winding Refn, com Mads Mikkelsen, Marteen Stevenson, Gary Lewis e Alexander Morton. ☻☻☻

quinta-feira, 14 de maio de 2015

NaTela: Um Fim de Semana em Paris

Nick e Meg: discutindo a relação em Paris. 

Considero a carreira do diretor sul africano Roger Michell uma das mais curiosas do cinema recente. Afinal, ele ficou conhecido por sua direção no sucesso Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e depois prestou serviço à Hollywood com o subestimado Fora de Controle (2002) e Um Final de Semana em Hyde Park (2012), no entanto, ele demonstra sua voz nas produções inglesas que dirige , especialmente as escritas por Hanif Kureishi. Foi dessa parceria que nasceram os instigantes Recomeçar/2003 (que conta com uma atuação arrasadora da veterana Anne Reid), Vênus/2006 (que rendeu a última indicação ao Oscar de Peter O'Toole aos 74 anos) e agora esse Um Fim de Semana em Paris/2013. Nos três filmes, pode-se enxergar até uma trilogia onde a dupla explora a terceira idade sobre perspectivas tão intimistas quanto reveladoras. Aqui o foco é um casal que depois de décadas de casamento resolve reviver a lua de mel em Paris - chegando a alugar um quarto no mesmo hotel da ocasião. No entanto, ao chegar lá, a decepção é grande ao perceber que ele sofreu uma reforma - ou talvez, ele fosse realmente bem menos acolhedor do que parecia na confortável lembrança dos tempos idos. Os dois acabam tendo a primeira discussão e a temporada parisiense parece destinada ao fracasso. A verdade é que essa frustrante tentativa de resgate do início do casório, Nick (Jim Broadbent) e Meg (Lindsay Duncan) não sabem se realmente se amam, ou se apenas acostumaram com a companhia um do outro. Longe do conforto do lar, no anonimato de uma terra estrangeira, alguns sentimentos que pareciam abafados resolvem vir a tona - estes chegam desengonçados, num misto de carinhos, ressentimentos e um pouco de crueldade. É engraçado como o filme consegue parecer tão realista ao mostrar como flui os dias do casal banhado em uma intimidade ofensiva, capaz de gerar comentários que só os mais íntimos e queridos são capazes de suportar (até chegar ao limite pouco previsto). Existem diálogos muito divertidos (como o comentário sobre os lençóis usados por Tony Blair, ou quando resolvem encontrar um restaurante na cidade luz) e outros desconcertantes (como o de Meg com a jovem grávida que está prestes a casar), no entanto, nada supera a magnífica catarse de Nick e Meg na casa de um amigo (papel de Jeff Goldblum) que os convidou para jantar junto com um bando de intelectuais. Um Fim de Semana em Paris pode parecer esquisito à primeira vista por seu estilo quase frouxo, mas consegue ser muito revelador por explorar os dilemas de um casal maduro que não sabe se o casamento ainda é sustentado por amor ou comodidade. Da conexão que precisa ser refeita (ou não) entre os dois, o filme se sustenta com as atuações irrepreensíveis do oscarizado Jim Broadbent e da cada vez mais requisitada Lindsay Duncan. Duncan atua em filmes desde 1975, mas somente agora parece receber a atenção que merece. Depois de suas participações em Questão de Tempo (2013) e Birdman (2014), a atriz encontra aqui sua chance de mostrar do que é capaz - tanto que recebeu o British Independent Film Awards numa personagem aparentemente simples, mas que demonstra toda a complexidade de ser a versão mais velha do passado.

Um Fim de Semana em Paris (Le week-end/Reino Unido - França/2013) de Roger Michell com Jim Broadbent, Lindsay Duncan e Jeff Goldblum. ☻☻☻

PL►Y: O Albergue

Barbárie: acredite, esse é o mocinho do filme...

Um dos filmes que sempre ouvi comentários e fiquei curioso para assistir é O Albergue. O assisti recentemente após o comentário de meu amigo Guto França de que era o filme mais nojento que já havia assistido. O diretor Eli Roth já havia causado certo burburinho com Cabana do Inferno (2002), mas aqui, consolidou seu status de ídolo dos fãs de terror com uma orgia de sangue e violência como a muito não se via numa tela. Lançado em DVD o filme tornou-se uma pérola para os fãs de um gênero carente de novidades (e que repete-se cada vez mais pautado em fórmulas gastas). Não que as ideias de O Albergue sejam originais, afinal mistura uma espécie de lenda urbana do leste europeu com alguns aspectos de filmes que já vimos como Jogos Mortais (2004) e até um cadinho de Clube da Luta (1999). A trama procura se sustentar num fiapo de trama sobre dois amigos americanos, Paxton (Jay Hernandez) e Josh (Derek Richardson), que passam alguns dias enchendo a cara e usando drogas em Amsterdam. Junto a um conhecido islandês (Eythor Gudjonsson), eles são instigados a procurar um albergue no leste europeu que possui as garotas mais sexys que já viram, dispostas a fazer de tudo para ter prazer e blábláblá, ou seja, tudo para seduzir os desavisados mais ingênuos da galáxia. Assim, os três partem rumo ao desconhecido, uma cidade esquisita, com personagens estranhos e lugares desertos. O que era para ser só diversão, aos poucos se revela um verdadeiro pesadelo. Primeiro quando o tal islandês some, depois é a vez do tímido Josh e cabe a Paxton descobrir o que está acontecendo. Ele descobre um estranho lugar onde pessoas são submetidas às mais sórdidas torturas em nome da diversão de outras que estão dispostas a pagar alguns milhões para sentir a sensação de torturar alguém até a morte. O filme é isso, um conjunto de torturas de revirar o estômago, cenas grotescas, apelo trash, um pouco de nudez e muita perversão. Roth não perde tempo com explicações, apenas compõe um filme irregular. O início é cretino, os efeitos são toscos, o suspense é capenga, rendendo uma ou duas cenas razoáveis - depois o filme vira uma história de vingança inconsequente e desmiolada com algumas cenas dramáticas que beiram o risível (a cena da oriental e o trem é o maior exemplo disso). No fim das contas, Roth cria um filme tosco, mas que satisfaz quem curte sangue jorrando da tela. Os defensores enxergarão até uma crítica social no filme, verão traços de antiamericanismo, o mal da apatia contemporânea, a coisificação do homem, a banalidade da vida e até um cunho feminista... mas esqueça toda essa presepada. O Albergue é um filme trash, com alma trash e feito para satisfazer um grupo bem específico de pessoas (que curte filme trash), para todo resto é mesmo uma grande bobagem (e é isso mesmo que ele quer ser, sem complexos ou pretensões intelectuais). O filme rendeu até uma continuação em 2007 (que devo assistir em 2017, rs). Produzido por Quentin Tarantino, eu ainda prefiro quando QT banca Eli Roth como ator em Bastardos Inglórios (2009) e Prova de Morte (2007)

O Albergue (Hostel/EUA-2005) de Eli Roth com Jay Hernandez, Derek Richardson, Eythor Goodjonssson e Jennifer Lim.

domingo, 10 de maio de 2015

MOMENTO ROB GORDON: Os 5 Piores Tropeços de Mad Men

Mad Men: o fim de uma era inesquecível. 

Neste mês irá ao ar, pela HBO, o último capítulo de um dos seriados mais cultuados do século XXI, Mad Men já entrou para a história por todas as qualidades já exaltadas ao longo dos oito anos em que esteve no ar. Criada por Matthew Weiner (um  dos roteiristas do outro clássico The Sopranos) em 2007, o programa chegou a ser oferecido para HBO e foi recusada (curiosamente ela que comproou os direitos para exibir em vários países). Considerada arriscada demais por mostrar uma época em que o politicamente correto nem existia, acabou acolhida pela então modesta AMC e tornou-se uma febre na televisão americana com seus diálogos cortantes e personagens complexos desenvolvidos lentamente dentro de uma agência publicitária da Nova York sessentista. Assim fomos apresentados aos segredos do mulherengo Don Drapper (Jon Hamm) e à ascenção da secretária Peggy Olson (Elisabeth Moss) em meio a uma dezena de personagens que transitavam numa época em que assediar no trabalho era algo tão comum quanto tomar bebida alcoólica e fumar. A reconstituição de época impecável emoldura com perfeição os figurinos que viraram moda na terra do Tio Sam. Em vários episódios mergulhamos numa viagem no tempo para acompanhar uma das décadas definitivas para a configuração do mundo como conhecemos: a chegada da TV, o assassinato de John Kennedy, a morte de Marilyn Monroe, a Guerra do Vietnã, a luta pelos direitos civis, a ascensão da mulher no mercado de trabalho, a chegada dos computadores nas grandes empresas... isso e muito mais perpassou a vida dos personagens com suas desventuras profissionais e amorosas ao longo de quase uma década. Em suma, Mad Men fez história na dramaturgia americana com sua cadência própria, lenta de emoções latentes em cada personagem. Ouso dizer que a sétima temporada (dividida em duas partes) foi uma das melhores criadas para o programa, fechando com chave de ouro uma era que deixará saudades na telinha. Porém, entre centenas de acertos houve alguns (poucos) tropeços ao longo das temporadas (e que podem dar dicas sobre como serão os últimos episódios)... aqui eu listei os cinco fatos que eu teria evitado se fosse um dos produtores:

5 Os Diminuídos
Obviamente que houve uma penca de coadjuvantes no seriado, mas Pete Campbell (Vincent Kartheiser) e Ken Cosgrove (Aaron Staton) atravessaram as temporadas tendo importância cada vez menor. Pete ainda ganhou contornos vilanescos nas primeiras temporadas, mas nas últimas, após sua separação e todo mundo descobrir o segredo de Don Draper ele não teve muito o que fazer além de sofrer um doloroso caso de calvície diante das câmeras. Já Ken teve algumas pequenas tramas paralelas, como sua carreira literária, seu casório, perder uma vista, a demissão... mas sempre suas histórias eram pequenas, quase invisíveis no rumo geral da história. Os dois poderiam ter sido mais explorados na quinta e sexta temporada que patinaram no gosto do público. 

4 Saindo do armário seriado
Achei um tanto brusca a saída do personagem Salvatore Romano (Bryan Batt) do programa. O personagem que prometia retratar a forma como os homossexuais se descobriam ao longo da década de 1960 acabou fora do programa depois que Salvatore se envolveu com um camareiro de hotel  - no que o jornalista James Poniewozik da revista Time chamou de "uma cena de beijo gay entre dois gays que se beijaram de uma forma bastante gay". A cena em que o personagem saiu do armário foi acusada de ter errado a mão (sem trocadilhos) e gerou tanta polêmica que acharam melhor demitir Salvatore. Se serve de consolo para os militantes, o ator Bryan Batt oficializou sua relação com Tom Cianfichi em setembro do ano passado após 25 anos debaixo do mesmo teto. 

3 Quem é Dick Whitman?
Eu sei que o universo de Mad Men foi ampliado de tal maneira que pouco importava se Don Draper era realmente quem ele dizia ser, mas a angústia do personagem em esconder sua verdadeira identidade e origem humilde geraram alguns dos momentos mais emocionantes da série - como a antológica cena em que Dick pede para o irmão órfão esquecê-lo definitivamente. O segredo deu material suficiente para uma brilhante construção do ator Jon Hamm na pele de um homem dividido entre o passado tortuoso e o presente glamouroso... porém,o que era um grande segredo foi sendo revelado sem grandes comoções entre os personagens e a narrativa, sem os efeitos catastróficos que eram tão temidos por todos... 

2 Mudando o tom na quinta temporada
 Na quinta temporada Matthew Weiner resolveu mudar o foco da trama e deixar de lado uma trama maior que costurasse os episódios para investir no desenvolvimento individual dos personagens. A decisão que daria novo rumo à série acabou resultando em capítulos pouco coesos e sem o sabor de unidade que fazia o programa funcionar tão bem. O resultado foi que depois de quatro anos ganhando o Emmy de Melhor série dramática, o seriado perdeu em todas as categorias a que concorreu em 2012 e 2013. A mudança também lhe custou as indicações ao Globo de Ouro, que resolveu indicar somente Jon Hamm para melhor ator em 2013 - no que foi a última indicação do seriado ao prêmio desde então. 

01 Esculhambando Betty Draper
Ainda na quinta temporada, por conta de desentendimentos com os produtores da série, January Jones sofreu com o seu papel de Betty Draper quase desaparecendo da história. Está certo que ela se divorciou de Don Draper e acabou casando com um político, mas sua personagem além de aparecer pouco ainda sofreu estranhas mudanças no visual, esteve gorda e até com os cabelos tingidos de preto. Disseram que isso ressaltava a crise de identidade que os personagens sofriam em meados da década de 1960... mas eu tive a impressão que era pura implicância. Betty era essencial ao lado de Don para mostrar o casamento perfeito que revela-se cada vez mais problemático. Com Betty longe de Don o seriado perdeu o seu casal mais interessante - e que melhor retratava o american way of life visto por dentro. O bom é que independente desses cinco aspectos, Mad Men é tão viciante que tornou-se uma das minhas séries favoritas de todos os tempos.