terça-feira, 31 de julho de 2018

N@ Capa: Família Incrível

Os Incríveis 2: família que vale mais de um bilhão. 
Nossa capa do mês de julho foi em comemoração ao lançamento de Os Incríveis 2, uma das sequências mais aguardadas de todos os tempos - tão aguardada que o filme já levou quase dois milhões de pessoas para assisti-lo nas telas brasileiras. Na bilheteria ao redor do mundo, o filme já rompeu a barreira do bilhão de dólares, uma bilheteria mais que respeitável para uma animação, que já é o filme de animação de maior sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. Tamanho sucesso credencia os heróis da família Pêra para novas aventuras no cinema (e só esperamos que não demore quatorze anos para que um novo filme seja lançado). No entanto, os vários anos de espera colaborou para que a família formada por Sr. Incrível, Mulher-Elástica, Violeta, Flecha e Zezé só aumentasse o fã-clube (assim como os amigos Gelado e Edna Moda). O sucesso do filme de Brad Bird (que também dirigiu o original) o credencia para a corrida do Oscar que se aproxima (e cujo maior oponente também chegou às  telas neste mês, Ilha dos Cachorros de apelo menor perante o público, mas com uma aura de cult irresistível). O pôster superestilizado que ilustrou o blog durante este mês é inspirado nas ilustrações dos créditos finais da animação e faz parte da campanha de divulgação do filme. 

Quando estreia o terceiro filme?

HIGH FI✌E: JULHO

Cinco filmes assistidos no mês de julho que merecem atenção:

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segunda-feira, 30 de julho de 2018

PL►Y: Caninos Brancos

Caninos Brancos: relação entre o animal e o mundo. 

Admito que fiquei admirado com esta nova versão de Caninos Brancos que está em cartaz na Netflix. A animação é baseada no famoso livro de Jack London que já teve algumas versões para o cinema (sendo a mais famosa protagonizada por Ethan Hawke em 1991) e aqui recebe um trabalho de arte bem diferenciado. Embora seja feito com ajuda de computadores, em várias cenas, é perceptível o uso de pinceladas para realçar os traços e detalhes, o que lhe confere um estilo único. Embora o efeito funcione melhor nas cenas mais claras e atribua às expressões dos humanos um detalhamento que nem sempre é bonito de se ver, a opção ressalta que existe um olhar diferente sobre a história, no caso, a do próprio personagem principal: um cão-lobo que vive na floresta com a mãe desde filhote e que tem o seu contato com seres humanos ao longo de sua trajetória. Se contar o que acontece com o bicho durante a trama, acredito que o efeito não será o mesmo para quem gosta de se levar pela surpresa. Particularmente gostei muito da primeira parte, quando não existem diálogos e somos apresentados aos perigos que o protagonista vivencia com a mãe na floresta, depois com a presença dos humanos a história muda de tom e consegue retratar bem a forma como lidamos com os animais tendo uma visão utilitarista na maioria das vezes. O responsável pela animação é o oscarizado Alexandre Espigares, premiado pelo curta de animação Mr. Hublot/2013. Nascido em Bruxelas, o rapaz demonstra aqui um estilo diferente da maiorias das animações produzidas atualmente em Hollywood - o que pode causar estranhamento pelo seu tom quase sempre contemplativo, mas consegue ser cativante pela sensibilidade com que conta a história das desventuras de um cão-lobo ao norte do Alaska ao final do século XIX. Entre índios, mocinhos e bandidos, não falta à jornada de Caninos Brancos momentos interessantes. Vale destacar que o filme foi premiado como a melhor animação do Festival Internacional de Xangai deste ano.

Caninos Brancos (Croc-Blanc / Luxemburgo - França - EUA / 2018) de Alexandre Espigares com vozes de Nick Offerman, Rashida Jones, Paul Giamatti e Eddie Spears. ☻☻☻

domingo, 29 de julho de 2018

PL►Y: O Filho de Jean

Deladonchamps: em busca do pai desconhecido. 

O francês Mathieu (Pierre Deladonchamps) trabalha com vendas de produtos agrários, tem um bom relacionamento com a ex-esposa e é atencioso com o filho pequeno. Sua vida segue sem grandes surpresas, até o dia em que recebe a ligação de um desconhecido canadense comunicando que seu pai morreu - e ele precisa pegar sua parte da herança. No primeiro instante o rapaz fica sem reação, mas depois lembra que sua mãe lhe contou, quando era um guri de quatorze anos, que aquele homem que sempre estava por perto não era seu pai biológico, era seu padrasto. Ao que parece Mathieu nunca conversou muito sobre o assunto. No entanto, o que deixa Mathieu mais instigado de viajar para o Canadá é o fato de ter dois irmãos por lá. Ele vai para o Canadá com um desejo incontrolável de conhecê-los, sendo amparado pelo amigo do falecido, Pierre (Gabriel Arcand), o que entrou em contato com ele e o fez cruzar o Oceano Atlântico pela sua herança (um quadro que vale muito dinheiro) Hospedado na casa junto à família de Pierre, a presença do bastardo desperta a curiosidade dos anfitriões, mas ninguém acha uma boa ideia ele comparecer no funeral se apresentando como alguém que esteve em segredo  por mais de trinta anos. Nesta aventura pessoal, Mathieu precisa lidar com outro detalhe: o corpo do pai, que suspeitam ter sido vítima de um acidente de barco, não foi encontrado. Nesta busca pelo corpo, ele percebe a chance de se aproximar dos dois irmãos, que aos poucos demonstram ter outros interesses e alguns conflitos acabam surgindo. O Filho de Jean é um drama familiar bem simples, mas que envolve o espectador justamente pela capacidade de seu diretor contar a história sem firulas, rasteiras ou grandes truques. Trata-se de uma obra com um bom trabalho de atores que valorizam um roteiro redondinho, onde cada detalhe faz diferença, especialmente quando o desfecho se anuncia. O diretor Phillipe Lioret consegue realizar uma pequena pérola do cinema francês, tão despretensiosa quanto bem cuidada, capaz de deixar a plateia com um nó na garganta ao final da sessão. Conta muito para este resultado as atuações de  Pierre Deladonchamps, que demonstra novamente ser capaz de expressar sentimentos conflitantes sem precisar de muitas palavras, e o veterano Gabriel Arcand que confere ao amigável Pierre camadas bastante interessantes. Os dois foram indicados ao Prêmio César, respectivamente nas categorias de melhor ator e melhor ator coadjuvante (o que foi bastante merecido). 

O Filho de Jean (Le Fils de Jean / França - Canadá / 2016) de Phillipe Lioret com Pierre Deladonchamps, Gabriel Arcand, Pierre-Yves Cardinal, Patrick Hivon, Catherine de Léan, Marie-Thérèse Fortin e Martin Laroche. ☻☻☻☻

§8^) Fac Simile: Rossy de Palma

Rosa Elena García Echave
Nascida em Mallorca, Espanha, em setembro de 1964, Rossy de Palma começou a carreira no cinema em A Lei do Desejo (1987), sua primeira parceria com o cineasta Pedro Almodóvar. Desde então ela não parou de receber convites para filmes e trabalhos na TV. Além de atriz, Rossy também fez vários trabalhos como modelo graças à sua aparência exótica - que caiu nas graças de nomes feito Jean Paul Gaultier. Nosso repórter imaginário, que estava passando férias em Madri, encontrou esta personalidade do cinema mundial e a convenceu a responder cinco perguntas nesta entrevista que nunca aconteceu.

§8^) Você participou de cinco filmes em 2017 e está em seis projetos para o próximo ano, você acha que a passagem do tempo ajudou na sua carreira?

Rossy Sí, sí! Lo tiempo te ensina muita coisa. Estou prestes a completar 54 años e na minha idade a maioria das atrizes está preocupada com driblar os efeitos do tiempo e conservar o rosto fofo e atraente. Eu nunca tive este problema. Sempre fui fora dos padrões. Recebo convites para papéis cada vez mais interessantes e eles não param de chegar de toda parte! Soy una diva  mais do que nunca. 

§8^) Você é uma das musas do cineasta Pedro Almodóvar, com quem você já fez sete filmes. Como lida com este status na história do cinema?

Rossy Pedro é um grande amigo e sou muy grata por todos los trabajos que fizemos juntos, mas eu adoraria ser personagem principal em seus filmes algum dia. Ele me elogia, mas sempre prefere colocar a Penélope (Cruz) ou alguma atriz mais bonitinha em destaque. Acho que las personas ainda não estão preparadas para me ver beijando Javier Bardem... se bem que eu já fui noiva do Antonio Banderas em Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos/1988 , e eu dormia a maior parte do filme... mesmo assim, a Madonna morreu de inveja! Ela não tinha como competir comigo... coitada. 

§8^) Como lida com a imprensa ressaltando que você é uma atriz de "traços cubistas"?

Rossy No início eu estranhei, não estava certa de que eram elogios. Existe essa mania de rotular que você é isso e aquilo, mas ser cubista é algo realmente para poucos! Imagina, ter os traços de Picasso no meio da cara? Não é para qualquer uma. Eu vi recentemente Me Chame Pelo seu Nome (2017) e vi o rostinho do Timothée Chalamet e imaginei "este niño tiene una bela cara renascentista". É lindo! Perfecto! Esculpido delicadamente pelo tiempo... o meu é o oposto, és um antônimo. 

§8^) Você estará em "O Homem que Matou Dom Quixote"  de Terry Gillian... ao lado de outro ator que se impõe fora dos padrões, o Adam Driver...

Rossy Sim! Adam és guapo, no és? Me encantó vê-lo naquele seriado Niñas (Girls)! Essa coisa de aparência és muy relativa, conheço tanta gente que mudou a cara por vaidade eparece um extraterreste! Precisam parar com estas bobagens e se concentrar no que importa: la esencia. Eu descobri a mi esencia e la mantenho desde então.  Creo que é isso que faz la diferencia en personas como Adam e yo.  

§8^) E qual o segredo para lidar bem com a aparência, Rossy?

Rossy É algo que deve partir de você, cariño. Se usted não se ama, quem amará? Mira lo tamaño de mi napias! Mi auto-estima és muy maior!

PL►Y: Madame

Toni e Rossy em destaque: interessante comédia de costumes.  

O milionário americano Bob Fredericks (Harvey Keitel) casou com a professora de golf, Anne (Toni Collette), e em uma temporada em Paris - para acertar a venda de um cobiçado quadro - os dois resolvem organizar um jantar para doze pessoas influentes na comunidade local. Para organizar este momento, o casal conta com a fiel empregada Maria (Rossy de Palma), mas a visita inesperada do do enteado de Anne, o escritor Steven (Tom Hughes), pode colocar tudo a perder. Não que o rapaz seja problemático ou grosseirão, mas porque agora sentarão treze pessoas na mesa e, segundo os princípios da anfitriã isto é um mal sinal. Como medo do jantar ser um fracasso, Anne convence Maria a fingir ser uma convidada. Tudo poderia sair como o esperado se Steven não contasse uma mentirinha para um dos convidados, David Morgan (Michael Smiley) -  por acaso o responsável pelas negociações em torno do quadro. Desde o primeiro momento existe algum interesse de David por Maria e o sentimento só cresce no decorrer do filme, deixando Anne inconformada. Madame é uma comédia de costumes que utiliza de leve os conflitos de classe, afinal, qual seria o motivo para Anne ficar tão incomodada com a vida amorosa da empregada? Apesar do bom-humor a diretora Amanda Sthers demonstra uma visão bastante ácida sobre as relações humanas, já que a amizade, o casamento e a fidelidade são problemas para os personagens - e o desfecho pode deixar a plateia sedenta por um final alternativo. O grande destaque do longa é o elenco, que veio de toda parte do mundo. A australiana Toni Collette já é um rosto conhecido, mas aqui constrói um tipo bem diferente do que conhecemos, está altiva, arrogante e não perde uma oportunidade de humilhar e atrapalhar a vida de Maria, mas o personagem enfraquece por ser unidimensional demais. O americano Harvey Keitel  também não tem muito o que fazer em cena, mas sua presença já contribui para que Bob funcione (o mesmo não se pode dizer do inglês Tom Hughes, que vive um personagem autocentrado em demasia e sua presença se torna indiferente na história). O melhor ficou para a espanhola Rossy de Palma que está ótima como Maria e torna impossível não torcer por ela. Famosa por seus trabalhos com Almodóvar, tenho a impressão que a idade fez muito bem a dona de um dos rostos mais marcantes do cinema europeu. Antes ela era convidada para encarnar personagens caricaturais, agora, a atriz dá conta de personagens mais palpáveis como a amarga Marian (em Julieta/2016) ou a senhora com transtorno obsessivo compulsivo de Toc Toc (2017). Rossy está arrasadora em Madame e desenvolve uma química interessantíssima com seu parceiro de cena, o irlandês Michael Smiley, que oferece um charme irresistível ao personagem. Rossy e Michael são atores com tipos que fogem do padrão e convencem ainda mais como um casal que precisa muito da torcida da plateia para que funcione. Com bons atores, direção de arte e figurinos bem cuidados, faltou apenas para a cineasta francesa perceber que o desfecho poderia funcionar bem no papel, mas com o trabalho de seus atores, ele destoa de todo o resto do filme. O filme foi lançado diretamente on demand no Brasil. 

Madame (França/2017) de Amanda Sthers com Toni Collette, Rossy de Palma, Harvey Keitel, Michael Smiley, Tom Hughes e Stanislas Merhar. ☻☻☻

sábado, 28 de julho de 2018

Na Tela: Do Jeito que Elas Querem

Diane, Candice, Jane e Mary: cinquenta tons desbotados. 

Ver grandes estrelas reunidas sempre chama atenção - e somadas, as quatro atrizes principais de Do Jeito que Elas Querem acumulam quatro Oscars e treze indicações ao prêmio máximo do cinema americano (o que não é algo para se desprezar). Embora Hollywood tenha uma dificuldade enorme para encontrar espaço para elas em produções voltadas cada vez mais para o público juvenil, elas se juntaram para provar que ainda podem carregar um filme com facilidade. O filme fez sucesso nas bilheterias americanas, graças também à esperteza de colocar quatro senhoras que se aventuram a ler a trilogia Cinquenta Tons. Em outros tempos, elas leriam O Amante de Lady Chaterly, ou a obra de Anaïs Nin ou Henry Miller, mas como o grande público perdeu estas referências faz tempo, o roteiro explora como o best-seller faz com que estas mulheres comecem a repensar a vida sexual e amorosa na terceira idade. Embora as personagens tenham personalidade distintas, acho curioso como um grupo de atrizes que viveram a revolução e sexual e o movimento feminista embarcaram num projeto em que encarnam mulheres que se surpreendem com a escrita pouco original de E.L. James. Enfim, nada que talento e carisma de Diane Keaton, Jane Fonda, Candice Bergen e Mary Steenburgen não sejam capazes de fazer. Elas vivem as amigas que se reúnem em um clube do livro mais para beber e bater papo do que para falar sobre literatura (e não existe problema algum nisso). Em cena temos Sharon (Candice), uma juíza bem sucedida que aposentou a vida sexual desde que se divorciou, a doce Carol (Mary), mulher com a vida sexual em crise ao lado do maridão (Craig T. Nelson, que faz a voz do Sr. Incrível nos cinemas, você sabia?), também conhecemos Vivian (Fonda) a típica a mulher de negócios que não tem tempo para se envolver emocionalmente com os homens que cruzam o seu caminho e a narradora Diane (Keaton), que ficou viúva a pouco tempo e tem que lidar com duas filhas (que pensam que ela agora é a criança da família). O filme começa animado com piadas que funcionam bem, mas perde o ritmo quando se rende a um esquematismo que retira muito de sua energia - afinal todas entram em crise ao mesmo tempo, conhecem seus pretendentes ao mesmo tempo, tem crise na relação ao mesmo tempo e tudo se resolve ao mesmo tempo... uma sincronia impressionante entre as amigas! O roteiro deixa a graça de lado e começa a enveredar por dramas superficiais que revela o quanto suas personagens maduras e experientes podem se comportar como verdadeiras adolescentes... pois é, isso mesmo que você leu. Os fãs dos livros de Christian Grey também irão perceber que as citações ao livro são poucas e nunca tem grande importância na história que está sendo contada. É um filme feito para divertir, mas que escorrega por não abordar suas personagens experientes de forma um tanto contraditória. Em cena são Candice e Mary que conseguem desenvolver melhor suas personagens, já que Fonda e Diane se repetem sem o menor pudor. Ao terminar, fica a sensação de que o longa serviu para passar o tempo, dar algumas risadas, mas não permanecerá na memória por muito tempo, uma pena, já que um elenco deste quilate merecia muito mais. 

Do Jeito que Elas Querem (The Book Club/EUA-2018) de  Bill Holderman com Diane Keaton, Jane Fonda, Candice Bergen, Mary Steenburgen, Andy Garcia, Alicia Silverstone e Richard Dreyfuss. ☻☻

Na Tela: O Amante Duplo

Chloé e Renier: relacionamento complicado. 

Em tempos em que a insossa trilogia Cinquenta Tons é considerada digno de culto por muita gente, torna-se um prazer ainda maior assistir a um filme como O Amante Duplo. Exibido na competição do Festival de Cannes em 2016, o filme mexeu com a libido da plateia que se envolveu no suspense psicológico de François Ozon. Ozon já dirigiu de tudo (comédias, dramas, fantasias, romances de época, musicais...), mas sempre fica mais a vontade quando lida com o lado sombrio das relações humanas. O filme conta a história de Chloé (Marine Vacth), que embora seja a protagonista nunca sabemos muito sobre ela - mas o diretor ironiza isso, explorando o que há por dentro da personagem (e embora sua câmera registre isso fisicamente, o que se passa no interior da protagonista permanece sendo um enigma - até para ela mesma). Angustiada por constantes dores no ventre, ela é aconselhada a procurar ajuda psicológica, uma vez que os médicos não identificaram nada que as justificasse. Acreditando ter origem emocional (repressão sexual? frigidez?), ela procura um psicólogo, Paul (Jérémie Renier), com quem fará acompanhamento por várias semanas. No entanto, ambos não conseguem esconder a atração que um sente pelo outro. Embora tenham algumas diferenças (sobretudo as que envolvem um gato dentro de casa), os dois passam a morar juntos num relacionamento amoroso e sexual bastante intenso. As coisas mudam quando Chloé arecomeça o acompanhamento psicológico com outro profissional, Louis (o mesmo Renier), que ela descobre ser o irmão gêmeo que Paul prefere manter em segredo. Mas será isso mesmo? Seduzida pela personalidade agressiva de Louis - que é totalmente o oposto do cordial Paul -, Chloé e Louis se envolvem cada vez mais, levando a acontecimentos que colocam a sanidade da personagem em dúvida. Existe bastante ousadia em O Amante Duplo (e não estou falando das cenas de sexo), esta ousadia aparece nas cenas delirantes vigorosas, na trilha sonora pesadelesca, além de brincar com fantasias, mitos e curiosidades sobre os irmãos gêmeos. Embora comece como uma fantasia erótica, aos poucos o filme explora o que pode haver de mais complexo em dividir o ventre com alguém, além de sempre lidar com sua forma duplicada. Quanto ao elenco, Marine Vacth está a vontade no papel de uma mulher complicada e convence até quando o filme revela seus segredos (e se torna ainda mais complicado), no entanto, Jérémie Renier está melhor ainda, desenvolvendo dois irmãos de forma tão meticulosa que você até fica em dúvida se são vividos pelo mesmo ator (e quando um finge ser o outro, você é capaz de identificar o farsante). Baseado no livro A Vida dos Gêmeos de Joyce Carol Oates, O Amante Duplo é um filme denso, complexo e sombrio, mas não ao ponto de esconder como Ozon se diverte com este tipo de material (e torna-lo ainda mais interessante).

O Amante Duplo (L'Amant Double/ França - 2017) de François Ozon com Marine Vacth, Jérémie Renier, Jacqueline Bisset, Myriam Boyer e Fanny Sage. ☻☻☻☻

Na Tela: Tully

Davis e Charlize: desvendando a mulher por trás da maternidade. 

Desde sua estreia em Obrigado por Fumar (2005) o diretor Jason Reitman deixou claro que queria falar de temas sérios com ironias e profundidade. De vez em quando falta lhe um roteiro para demonstrar o melhor de seu talento. Um dos pontos altos da carreira do cineasta aconteceu com Juno (2007), seu segundo longa metragem que concorreu a quatro Oscars (incluindo de melhor diretor) - mas levou para a casa somente o de roteio original. O roteiro era assinado por uma novata com roupas nada discretas, tatuagens e rodeada por boatos de que trabalhava como stripper em lugares pouco lisonjeiros. Foi assim que começou a relação entre Jason Reitman e Brooke Busey, ou melhor, Diablo Cody, uma relação onde um sabe exatamente como ressaltar o talento do outro. Embora criem dependência entre suas carreiras, os dois de vez em quando se encontram em um filme que revela o quanto são complementares. Foi assim quando se reencontraram em Jovens Adultos (2011) e agora neste Tully. Nestes dois filmes, existe um acréscimo considerável: a presença de Charlize Theron como protagonista. Pelo que vemos na tela, a atriz vê um porto seguro no trabalho de Cody/Reitman para exercitar seu talento em personagens femininas que exploram camadas nem sempre exploradas no cinema. Foi assim quando a loura oscarizada fez a escritora megera que tentava recuperar o namorado de adolescência (numa luta inútil para não amadurecer) e agora ela encarna uma mãe que entra em crise ao ter o terceiro filho. Aqui Charlize interpreta Marlo, mãe de Emmy (Maddie Dixon-Poirier), do problemático Jonah (Asher Milles Falica) e que fica ainda mais cansada em sua rotina de mãe e dona de casa quando dá a luz à  pequena Mia. Marlo está tão exausta em ter que dar conta de tudo sozinha - sim, ela tem um esposo (Ron Livingston) que trabalha o dia todo e quando chega em casa quer descansar e jogar games - que parece sempre cansada. Some a rotina de cuidar de um bebê, da casa e de aguentar reclamações da escola de Jonah e você terá uma ideia de como esta mulher está no limite. É neste ponto que o irmão de Marlo indica para ela uma babá noturna, alguém que seja capaz de cuidar do bebê enquanto a mãe tem uma boa noite de sono. No início ela rejeita a ideia, mas depois aceita, ou pelo menos, parece. Quando a jovem Tully  (Mackenzie Davis) aparece, a protagonista começa a se sentir mais aliviada. Não apenas pela ajuda com o bebê, mas também com a arrumação da casa, das conversas durante a noite e a sensação de que, aos poucos, ela não precisa cobrar tanto de si - além de perceber que cuidar da casa e da família não é tarefa somente dela. Tully e Marlo começam a desenvolver uma cumplicidade quase simbiótica - e que rende um dos momentos mais ousados do filme (mas que perto do desfecho se explica sem maiores esforços). O filme em si tem vários méritos, um deles é lidar com a maternidade de uma forma bastante honesta, sem rancores ou julgamentos, dando-lhe uma leveza que faz o filme caminhar quase que por conta própria. Outro ponto interessante são as camadas de Marlo - o que a faz parecer qualquer mãe que você tenha conhecido. São estes pontos, que já renderiam um bom filme, que sustentam "a surpresa" que o roteiro esconde - mas que algumas pessoas podem descobrir lá pelo meio do caminho. Em termos de cinema, o filme tem outro mérito, alinhar mais uma vez os talentos de Reitman, Cody e Charlize numa sintonia fina sobre personagens comuns que podem ser muito interessantes. 

Tully (EUA-2018) de Jason Reitman com Charlize Theron, Mackenzie Davis, Ron Livingston e Mark Duplass. ☻☻☻☻

sexta-feira, 27 de julho de 2018

10+ Ilha dos atores de Wes Anderson

Wes Anderson
Wesley Wales Anderson nasceu em Houston no Texas em 1969. Filho de uma arqueologista e um publicitário,Wes viu o casal se divorciar ainda pequeno - e o fato influenciou bastante o seu cinema (que começou a tomar forma quando ainda fazia filmes em Super-8 no fundo do quintal). Anderson estreou no cinema profissional aos 35 anos, com o curta Bottle Rocket (1994), que transformou em longa-metragem em 1996. Em sua estreia ele já demonstrava sinais de seu estilo bastante próprio de contar histórias, começando ali a juntar seu grupo de atores favoritos. Na verdade, uma patota cinematográfica que conta com mais de dez atores que fazem parte do seu casting habitual. Esta lista é para lembrar dez artistas que são os mais frequentes nos filmes do cineasta - e que devem aparecer em muitos outros em breve. Para fazer a lista seu desenvolvi um critério de pontuação que acabou deixando de fora da lista Jeff Goldblum e Harvey Keitel, cada um deles com três filmes ao lado do diretor e sempre como coadjuvantes. Houve distribuição de pontos separados por longas, curtas e demais contribuições com o diretor

#10 Willem Daffoe 
A Vida Marinha de Steve Sizou / Fanstástico Sr. Raposo / O Grande Hotel Budapeste
O ator veterano já tem trinta e oito anos de carreira, mas somente três trabalhos com o diretor. A parceria começou em A Vida Marinha de Steve Sizou/2004, prosseguiu sendo a voz do único vilão animal de O Fantástico Sr. Raposo/2009 e depois ainda recebeu destaque como o capanga silencioso de O Grande Hotel Budapeste/2014. Foram três coadjuvantes bastante expressivos no universo do cineasta. 

#09 Tilda Swinton
Moonrise Kingdom / O Grande Hotel Budapeste / Ilha dos Cachorros
Atriz que adora transformações, a irlandesa Tilda Swinton impressionou como a octagenária amante de Ralph Fiennes de O Grande Hotel Budapeste, mas antes havia encarnado a vilanesca assistente social de Moonrise Kingdom/2012. A atriz pode ser vista, ou melhor, ouvida, como Oráculo, a cachorrinha que parece adivinhar o futuro na Ilha dos Cachorros/2018  - que é o  terceiro filme de Tilda com Wes. 

#08 Edward Norton
Moonrise Kingdom / O Grande Hotel Budapeste / Ilha de Cachorros
Famoso por seus papéis densos e personalidade forte, Ed andava em baixa até ser escalado para ser o tenso líder dos escoteiros em Moonrise Kingdom. Sua atuação foi tão elogiada que voltou ao universo do cineasta como o policial de O Grande Hotel Budapeste e, recentemente, empresta a voz para Rex, um dos cachorros protagonistas de Ilha dos Cachorros. Algo me diz que esta parceria vai longe...

#07 Bob Balaban
Moonrise Kingdom / O Grande Hotel Budapeste / Ilha dos Cachorros
A primeira parceria aconteceu em Moonrise Kingdom, onde o ator é o narrador da história. O trabalho funcionou tão bem que ele participou do curta de Wes inspirado no filme. Depois ele apareceu em O Grande Hotel Budapeste e recentemente na pele, digo, no pelo de King em Ilha dos Cachorros. Bob também pertence à outra patota, a do diretor Christopher Guest (reis dos mockumentaries).

#06 Adrien Brody
Viagem à Darjeeling / O Fantástico Sr. Raposo / O Grande Hotel Budapeste
O oscarizado ator já trabalhou com o diretor em três longas, sendo um dos protagonistas de Viagem à Darjeeling/2007 . Ele foi também o ratinho alfaiate de O Fantástico Sr. Raposo e o herdeiro mal intencionado de O Grande Hotel Budapeste. Meio esquecido em Hollywood, o ator também é o personagem principal do curta Come Together/2016 onde vive um fiscal de trem que precisa trabalhar no feriado de natal. 

#05 Luke Wilson
Pura Adrenalina / Rushmore / Os Excêntricos Tenenbaums
O ator texano alavancou sua carreira participando do curta Bottle Rocket/1994, primeira obra profissional do cineasta. Depois o diretor adaptou a história de dois irmãos que enveredam pelo mundo do crime para longa-metragem, lançado por aqui com o nome de Pura Adrenalina/1996. Luke ainda apareceu como o namorado inesperado de Rushmore/1998 e o apaixonado tenista Richie em Os Excêntricos Tenenbaums/2001

#04 Anjelica Huston 
Os Excêntricos Tenenbaums / A Vida Marinha com Steve Sizou / Viagem à Darjeeling
Diva nos anos 70, 80 e 90, Anjelica é a mãe cinematográfica do diretor. Ela foi  a atenciosa matriarca de Os Excêntricos Tenenbaums, a mãe descolada de Owen Wilson em A Vida Marinha com Steve Sizou e ainda encarnou a mãe em busca da espiritualidade (e perdida dos filhos) em Viagem à Darjeeling. Atualmente ela é a voz do poodle de Ilha dos Cachorros, sua quarta parceria com Wes. 

#03 Jason Schwartzman
Rushmore / Hotel Chevalier / O Fantástico Sr. Raposo
Membro da nova geração da família Coppola, Jason é um dos que mais trabalharam com o cineasta. O ator estreou nos cinemas aos dezoito anos como o inesquecível Max Fisher de Rushmore/1998. (filme que revelou os dois para o mundo). De lá para cá também fez Viagem à Darjeeling, O Fantástico Sr. Raposo, Moonrise Kingdom, O Grande Hotel Budapeste, além de estrelar três curtas (incluindo o cult Hotel Chevalier), um comercial e ajudar na escrita de dois filmes do amigo. Outro parceiro fiel de Wes na família Coppola é Roman Coppola, que prefere ficar só atrás das câmeras. 

#02 Owen Wilson
Pura Adrenalina / Os Excêntricos Tenenbaums / Viagem à Darjeeling
Parceiro de primeira hora do diretor, Owen já possui seis longas com o amigo conterranêo, além do  curta Bottle Rocket.  Ele participou de sua versão estendida, Pura Adrenalina.  Em ambos ajudou no roteiro, assim como em  Rushmore e Os Excêntricos Tenenbaums - onde os dois foram indicados ao Oscar de roteiro original (e Owen atuou neste como o escritor Eli Cash). Depois, o ator foi o filho perdido de A Vida Marinha com Steve Sizou, o irmão quebrado de Viagem à Darjeeling, o sobrinho de O Fantástico Sr. Raposo e fez uma ponta em O Grande Hotel Budapeste. Foram seis longas, um curta e quatro roteiros ao lado do amigo. 

#01 Bill Murray
Rushmore / Os Excêntricos Tenenbaums / A Vida Marinha com Steve Sizou
Como dá para perceber, Wes construiu uma grande rede de colaboradores em sua carreira, mas, para muitos, o veterano Bill Murray é seu ator favorito (e reza a lenda que o ator é bem difícil de trabalhar mais de uma vez com diretores, o que só aumenta o crédito do cineata). Bill trabalhou em Rushmore, Excêntricos Tenenbaums, A Vida Marinha com Steve Sizou, correu para entrar em Viagem à Darjeeling, (e não conseguiu), tem voz em Fantástico Sr. Raposo, aparece em Moonrise Kingdom, O Grande Hotel Budapeste e empresta a voz para Boss, um dos cães de Ilha dos Cachorros. Num total de oito filmes com o parceiro, ficando de fora somente do primeiro longa-metragem feito pelo seu cineasta favorito. 

FILMED+: Ilha dos Cachorros

Os cachorros e o menino Atari: o mundo cão da pós-verdade

Desde o início de sua carreira no cinema, Wes Anderson nunca conseguiu disfarçar que o estilo de seus filmes carrega fortes referências do cinema de animação. A forma como o visual é concebido, as atuações, figurinos e interpretações em Os Excêntricos Tenenbaums (2001) ou O Grande Hotel Budapeste (2014) tem muita semelhança com o tratamento dado aos bonecos que apareciam na animação O Fantástico Senhor Raposo (2009). Desde que começou a se aventurar pelo gênero, Wes deixou claro que pensa cinema live action e com bonecos da mesma forma. Portanto, a expectativa quando ele começou a trabalhar em Ilha de Cachorros só cresceu até seu recente lançamento. Já em cartaz no Brasil, o filme está em um circuito restrito, especialmente por não ser um filme voltado para a criançada (as piadas ácidas renderam classificação de 13 anos nos EUA), obviamente que as mais crescidas poderão curtir o filme, mas são os adultos que irão se divertir captando as referências que aparecem na tela. Inspirado na cinematografia japonesa, o filme é um verdadeiro deleite para olhos e ouvidos, conciliando o humor peculiar do diretor com um teor político que não lembro de ter percebido em outros filmes de Wes - um dos poucos que conseguiu criar um universo próprio, com fortes cores de fantasias dentro do cinema americano. Vale ressaltar que a história não ocorre no Japão, mas em Megasaki, uma cidade oriental fictícia que existirá no futuro. Um lugar que, como bem explica o epílogo, tem uma longa tradição na relação entre homens e cachorros, no entanto, com o aparecimento de uma gripe canina, os cães foram banidos para uma ilha que antes servia somente para depósito de lixo. Deixados à própria sorte pela política do prefeito Kobaiashy (voz de Konichi Nomura), que ama gatos e odeia cachorros, a ilha é habitada por cães das mais variadas histórias e grupos que lutam por comida e espalham boatos que ninguém sabe direito a origem. É nesta ilha que vive Chief (voz de Bryan Cranston) e seu bando, que tentam lidar de forma democrática com os desafios que aparecem na ilha (hilariante como tudo é resolvido com votações). O cotidiano destes cães muda quando chega à ilha um menino em busca de seu cachorro perdido, Spots. Os cães irão ajuda-lo a encontrar o bicho de estimação enquanto Kobaiashy inventa novas artimanhas para dizimar os bichos da ilha. A trama é simples, mas impressiona pela forma como o diretor a desenvolve com grande apuro visual, sem deixar de criar algumas analogias interessantes sobre a forma como se produz verdades que se propagam pela mídia (mesmo os fatos mais escabrosos aparecem seguidos de elogios no telejornal que aparece na trama). Obviamente que se trata de uma fantasia (estamos falando de um filme com cachorros falantes, oras!), mas que não dispensa um pé na realidade. Este detalhe consegue dar ainda mais substância a um filme que é tecnicamente impecável. A direção de arte é primorosa, a trilha sonora com tambores é bem marcante e o trabalho com os bonecos é sensacional! Enquanto personagens eles tem personalidades marcantes e vozes ainda mais (o elenco vocal do filme impressiona, contando ainda com Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton e muitos outros membros da já famosa patota do diretor). Ilha dos Cachorros é uma delícia de assistir (ainda que algumas pessoas se incomodem de muitos diálogos japoneses não serem traduzidos - para estes eu recomendo ver A Gangue/2014 que é sem legenda e todo em linguagem de sinais), carrega o humor inteligente de seu realizador e se encaixa perfeitamente bem no cenário conturbado de 2018 - sendo um forte concorrente ao próximo Oscar de animação (além de roteiro original e outras categorias se a Academia entender a brincadeira)!

Ilha de Cachorros (Isle of Dogs/EUA-Alemanha - 2018) de Wes Anderson com vozes de Bryan Cranston, Edward Norton, Jeff Goldblum, Bill Murray, Tilda Swinton, Scarlett Johansson, Koyu Rankin, Akira Takayama, Harvey Keitel e F. Murray Abraham. ☻☻☻☻☻

quinta-feira, 26 de julho de 2018

PL►Y: A Vingança Perfeita

Margot e Max: reviravoltas demais.

Não resta dúvidas de que a australiana Margot Robbie é uma das jovens estrelas mais interessantes de Hollywood. Revelada pelas lentes de Martin Scorsese no sucesso O Lobo de Wall Street (2013) e recentemente indicada ao Oscar de melhor atriz por Eu, Tonya (2017), Margot está cada vez mais interessada em produzir seus filmes. Foi ideia dela levar para as telas a versão da patinadora Tonya Harding para todas as polêmicas em que se meteu. O projeto teve bom humor e ousadia na medida certa, o mesmo não se pode dizer desta outra produção da atriz, A Vingança Perfeita. O filme estreou nos Estados Unidos e recebeu críticas mornas. O público também não se interessou muito pelo filme e, com estas credenciais, o filme nem chegou a passar nas telas brasileiras. O filme é um suspense de humor obscuro sobre um grupo de marginais, algo que já foi visto um milhão de vezes, mas que poderia alcançar um resultado melhor se o roteiro não fosse uma grande confusão. A história acontece numa cidade não identificada, onde todos participam de uma armadilha. Logo vemos uma dupla de bandidos presos num quarto aguardando um serviço - e não demora muito para perceber que o experiente Vince (Dexter Fletcher) e o novato Alfred (Max Irons, o filho do Jeremy) não se entendem muito bem. A espera de ambos é permeada por cenas do encontro de uma garçonete (Margot Robbie) com um homem que acredita estar perto da morte (Simon Pegg) e, para costurar a relação entre os personagens, existe um supervisor do terminal metroviário que funciona como um garoto de recados (vivido por Mark Myers, sempre exagerado e caricato, mas que até convence dado ao personagem). O roteiro é verborrágico e nem sempre acerta em suas tiradas "espertas" que pretendem ser descoladas como nos primeiros filmes de Tarantino e Guy Ritchie. Só isso já bastaria para deixar o andamento da história um tanto emperrado, mas a edição picotada e as atuações cheias de pose não ajudam muito a dar credibilidade para a produção, mas o pior é a mania de criar reviravoltas sucessivas que começam a cansar lá pela metade do filme. Nada contra "revelações surpreendentes", mas, como qualquer artifício narrativo, funciona uma ou duas vezes, mas quando a cada cinco minutos um novo fato muda os rumos de tudo, sempre fica a sensação de que nada faz muito sentido (mesmo quando o filme utiliza a montagem para tentar explicar que tudo se encaixa com perfeição... não é tão simples). O visual do filme abusa da iluminação neon e de trilha sonora esperta, poderia ser até um exercício neo-noir interessante se sua última parte não ganhasse uma forte pegada trash. Margot Robbie parece repetir os trejeitos de sua Arlequina em Esquadrão Suicida (e cheguei a pensar que o texto foi repaginado de um plano de aventura solo da vilã da DC Comics no cinema), sorte que a presença magnética da atriz segura nossa atenção, especialmente quando faz um dueto cômico sombrio com Simon Pegg. A Vingança Perfeita termina pagando o preço de se achar um filme esperto demais, quando na verdade é mais irregular e confuso do que qualquer outra coisa. Margot tem ótimos projetos que farão seus fãs esquecerem logo desta mancada -  em breve ela será a prima Elizabeth I em Mary Queen of Scots/2018, um dos filmes mais esperados da temporada de ouro que vem por aí. 

A Vingança Perfeita (Terminal/EUA-2018) de Vaughn Stein com Margot Robbie, Simon Pegg, Max Irons, Dexter Fletcher, Mike Myers, Nick Moran e Matthew Lewis. ☻☻

terça-feira, 24 de julho de 2018

PL►Y: Minha Prima Raquel

Rachel e Sam: romance e ambiguidades. 

Phillip (Sam Claflin) foi criado por um primo desde pequeno após perder os pais. Considerado um filho por ele, será o herdeiro de tudo. No entanto, em uma viagem, o primo conhece uma parente distante, com quem se casa e viverá distante. De vez em quando Phillip receberá cartas, em que o primo menciona que existe algo de errado com a esposa amorosa que se torna uma megera. Logo ela se torna viúva devido ao estado de saúde complicado do marido. Phillip considera que o primo sofreu um golpe, mas fica satisfeito em saber que a esposa oportunista teve seus planos fracassados por não ter sido mencionada no testamento. Certo de que a viúva não vale muita coisa, o herdeiro a convida para desmascará-la, mas quando ele a conhece, Raquel (Rachel Weisz), é tão bela quanto inofensiva - ou pelo menos, parece. De voz macia, gestos delicados e um senso de humor sutil, ela parece apenas uma vítima de circunstâncias e fatalidades, o que é capaz de mudar o olhar do rapaz sobre ela. Não vai demorar para ele se apaixonar pela prima e tentar agradá-la com pensões e joias, mas sempre com algumas, digamos, limitações. Minha Prima Raquel é uma das obras góticas mais conhecidas de Dauphne Du Marier - também autora de Rebecca e Os Pássaros. A primeira adaptação cinematográfica do livro aconteceu em 1952, sendo estrelada por Olivia de Havilland e Richard Burton e vista como um clássico com fãs fieis até hoje. A nova versão dirigida por Roger Michell (que tem como filme mais famoso Um Lugar Chamado Notting Hill/1999 com Julia Roberts, mas que já fez vários filmes ingleses que são pouco conhecidos por aqui) capricha no tom de romance proibido e trabalha as nuances de Raquel, deixando sua culpa e índole a cargo da plateia - que sempre fica em dúvida sobre o histórico da personagem. Se o diretor não traz nenhuma grande novidade no trabalho de direção, a incerteza diante do caráter da personagem torna o filme mais interessante.  Para cumprir esta tarefa, Michell conta com o talento de Rachel Weisz em uma atuação cheia de ambiguidades - que pode sustentar a impressão de que a viúva é realmente uma mulher ardilosa, ou apenas uma bela incompreendida  numa sociedade centrada nos interesses masculinos. As camadas da personagem nos fazem lembrar que Rachel já fez todo tipo de papel e tem um Oscar da estante (coadjuvante por O Jardineiro Fiel/2005), por isso mesmo, fiquei surpreso com escalação e desenvoltura do promissor Sam Claflin como seu parceiro de cena. O rapaz que ficou famoso com sua atuação em Como Eu Era Antes de Você (2016) demonstra aqui ser capaz de voos cada ambiciosos nos próximos anos. Minha Prima Raquel dificilmente se tornará um clássico, mas pode envolver o espectador que curte romances de época um tantinho mais complexos. 

Minha Prima Raquel (My Cousin Rachel / EUA - Reino Unido / 2017) de Roger Michell com Sam Claflin, Holliday Grainger, Iain Glenn e Pierfrancesco Favino. ☻☻☻

PL►Y: Creep 2

Duplass: o retorno de um serial-killer. 

Acostumado a encarnar papéis serenos e cômicos, Mark Duplass surpreendeu muita gente ao interpretar o psicopata de Creep (2014) e anos depois você não faz ideia do que o ator faz nesta continuação - que surpreendentemente atingiu aprovação de 100% no Rotten Tomatoes (eu nem costumo olhar este site, mas eu ouvi falar da cotação do filme e fui verificar... É VERDADE!!!). Se no primeiro filme o insano Aaron (Duplass) contrata um cinegrafista (vivido pelo diretor Patrick Brice) para registrar sua rotina (sem que ele faça ideia que ele é sua presa), neste aqui, ele faz o mesmo... só que com uma pequena mudança (que faz toda a diferença). Esta continuação mantém o estilo de usar câmera na mão em busca de mais "realismo" (com cenas trêmulas e sem foco), mas o roteiro aqui está mais lapidado e bem mais interessante que o visto no primeiro - principalmente porque desta vez, quem responde ao anúncio de Aaron é uma mulher. Parece um detalhe minúsculo para uma continuação, mas o filme capricha na atmosfera de tensão sexual que se instaura entre os dois personagens e, mais ainda, cria momentos bem humorados realmente divertidos (a melhor delas é aquela do rio minguado com pássaros atrapalhando as filmagens do lunático). Desta vez quem aparece para filmar do doido é a youtuber Sarah (Desiree Akhavan) que criou uma página dedicada a descobrir quem se esconde por trás dos anúncios dos classificados. Desta vez ela irá parar na casa de Aaron, que já se apresenta como um serial killer responsável por 39 mortes e que irá proporcionar a ela uma entrevista inédita sem colocar a vida dela em risco. Sara não acredita nas palavras do anfitrião, que aos poucos revela sua personalidade e história. No jogo de sedução entre os dois personagens (temperado com um pouco da atração que o perigo pode provocar em algumas pessoas). Desiree está convincente como a cinegrafista que percebe ter a chance de sua vida em um projeto arriscado, mas é Mark que está ainda mais a vontade na pele do assassino - potencializado com um sex appeal insuspeito até então (e aquela cena da massagem na banheira funciona mais do que a nudez frontal do personagem). O tom cômico de algumas (onde um nunca pode confiar muito no outro) também funciona bem e só erra o tom no final que se estende mais do que deveria. Com custo modesto e despretensão, Creep 2 passou em branco nos cinemas brasileiros e pode ser visto na Netflix em toda sua aura de terror indie. 

Creep 2 (EUA-2017) de Patrick Brice com Mark Duplass, Desiree Akhavan e Karan Soni. ☻☻☻

segunda-feira, 23 de julho de 2018

PL►Y: As Aventuras de Brigsby Bear

Mooney: contaminado pela fantasia da fantasia. 

Kyle Mooney atua desde 2007 e entre curtas e trabalhos para a televisão americana acabou sendo mais conhecido por seus trabalhos no cultuado Saturday Night Live desde 2013. Penso que este As Aventuras de Brigsby Bear foi sua tentativa de conquistar o cinema, tanto que escreveu para si um dos personagens mais curiosos do cinema recente. Mooney (ao lado do estreante Kevin Costello) criou a história de James, um rapaz que já passa dos trinta anos e que vive num bunker junto aos pais, Ted (Mark Hamill que está ótimo distante do Luke Skywalker de Star Wars) e April (Jane Adams) no meio do deserto. Ao que parece o mundo vive um cenário pós-apocalíptico e que só é permitido sair  dos abrigos utilizando máscaras para não se contaminar com o ar tóxico. Criado isolado do resto do mundo, o passatempo do rapaz sempre foi assistir ao programa do urso Brigsby, um herói de ficção-científica (em tramas um tanto rebuscadas) em forma de bicho de pelúcia gigante. Eis que um belo dia tudo muda e o protagonista percebe que sua vida era uma grande mentira. Revelarei o mínimo possível do filme para que você não perca as surpresas da história.  O longa surpreende não apenas pela sua temática, mas pelo tom humanista da sessão. Diante de sua nova realidade, James terá que aprender a viver de um mundo diferente, convivendo com uma nova família e amigos, uma realidade bem mais complexa a que estava acostumado. Entre conflitos e o acompanhamento de uma psicóloga (vivida por Claire Danes) a maior preocupação dele é o novo episódio do urso Brigsby, um programa que ninguém conhece, só ele. Aos poucos, problemas ainda mais complicados começam a atravessar a vida do pacato James - incluindo problemas com leis que ainda não está acostumado. O roteiro do filme até que poderia aprofundar mais alguns pontos da história, mas não chega a incomodar a forma como apresenta a angústia do personagem para se encaixar num novo mundo, que aos poucos começa a se mostrar bem menos interessante do que se imagina - e lhe instiga somente a indiferença. É interessante como o roteiro apresenta a fantasia do personagem como uma fuga para uma história pessoal complicada - e se torna ainda melhor pela forma como os personagens abraçam a ideia. Kyle Mooney se sai muito bem como um homem crescido que ainda tem um pensamento infanto-juvenil e capricha num roteiro que traz "conselhos" inusitados de um bicho de pelúcia. Essa mistura de ficção científica com nonsense e um certo besteirol torna o filme um tanto imprevisível, misturando aspectos de O Show de Truman/1998 (com relação a um menino que cresce num mundo a parte) e A Garota Ideal/2007 (na medida em que os demais abraçam a fantasia do protagonista). Divertido, comovente e um tantinho subversivo, As Aventuras de Brigsby Bear tem uma habilidade rara de tratar com leveza alguns temas complicados, por isso mesmo foi indicado ao prêmio de Diretor Revelação no Festival de Cannes (para Dave McCary) e ganhou o prêmio do Júri em Sundance no ano passado. Inédito nos cinemas daqui, está esquecido em serviços VOD desde o início deste ano.  

As Aventuras de Brigsby Bear (Brigsby Bear/EUA-2017) de Dave McCary com Kyle Mooney, Mark Hamill, Jane Adams, Greg Kinnear, Matt Walsh, Claire Danes, Michaela Watkins, Ryan Simpkins, Jorge Lendeborg Jr. e Andy Samberg. ☻☻☻☻

domingo, 22 de julho de 2018

FILMED+: Thelma & Louise

Susan e Geena: parceria antológica. 

Louise (Susan Sarandon) é uma garçonete do Arkansas que está prestes a passar uns dias na casa de uma amiga para relaxar. Ela convida sua melhor amiga Thelma (Geena Davis) para participar da viagem e, como jovem dona de casa entediada, ela aceita com bastante animação - embora o esposo grosseirão fosse contra o passeio (afinal, quem iria cozinhar e cuidar da casa durante aqueles dias?). Além de colocarem o papo em dia, as duas param em um bar e Thelma se torna vítima de uma situação de abuso que irá mudar todo o rumo da viagem. Amparado pelo excelente roteiro de Callie Khouri (que levou para casa o Oscar de melhor roteiro original), Thelma & Louise está entre os melhores filmes de Ridley Scott pela capacidade de se comunicar com a plateia e se afinar com um discurso feminista sem cair nos ranços da maioria dos filmes que se aventura por esta seara. Ajuda bastante a criar esta sensação a presença do policial vivido por Harvey Keitel, que enquanto segue os passos das duas amigas, consegue perceber as entrelinhas sociológicas da aventura. Enquanto se tornam fugitivas, as duas começas a resolver alguns pontos pessoais que precisavam de uma revisão, assim, Louise passa a limpo seu relacionamento com Jimmy (Michael Madsen) e Thelma faz história ao se tornar a primeira personagem a se envolver com Brad Pitt nas telas do cinema (Pitt interpreta JD, um ladrãozinho sedutor mequetrefe que complica ainda mais a jornada das duas). Misturando drama e humor numa estrutura de road movie, o filme consegue ser bastante original na sua proposta. Obviamente que colabora muito para a história as atuações inesquecíveis de Susan Sarandon e Geena Davis, que estão plenas em toda cena que aparecem. As duas foram indicadas a todos os grandes prêmios daquele ano e bem que poderiam ter rendido um segundo empate na história do Oscar na categoria de melhor atriz (o que ocorreu somente em 1969 com Barbra Streisand e Katharine Hepburn) - mas seria o primeiro com duas intérpretes no mesmo filme. A sintonia entre as duas atrizes é incrível e a forma como desenvolvem as personagens é sensacional. Outro destaque é a direção de Scott, que assumiu a direção às pressas depois de vários diretores desistirem de levar o filme adiante por ficarem intimidados em lidar com olhar tão centrado em protagonistas femininas. Acostumado a lidar com mulheres fortes em seus filmes (basta lembrar da Tenente Ripley em Alien/ 1979 ou as replicantes de Blade Runner/1982), fica difícil imaginar outro diretor capaz de  fazer desta história uma verdadeira obra-prima. O filme rendeu a ele sua primeira indicação ao Oscar, num ano em que a categoria contava com Oliver Stone (JFK) e o (premiado da noite) Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes). Thelma & Louise ficou de fora do prêmio de melhor filme (e até o mal resolvido Bugsy - filme que não consigo assistir sem dormir longamentefoi indicado naquele ano). Thelma & Louise foi indicado ainda nas categorias de melhor fotografia e montagem. 

Thelma & Louise (EUA/1991) de Ridley Scott com Susan Sarandon, Geena Davis, Harvey Keitel, Michael Madsen, Christopher McDonald e Brad Pitt. ☻☻☻☻☻

Pódio: Geena Davis

Bronze: a repórter durona. 
03 Herói por Acidente (1992)
Virginia Elizabeth Davis começou a trabalhar no cinema com um papel minúsculo em Tootsie (1982) ao lado de Dustin Hoffman, a jovem atriz nem imaginava que dez anos depois ela teria destaque ao lado do astro nesta excelente comédia de Stephen Frears. Ela interpreta uma repórter destemida que foi ajudada por um homem misterioso junto a outros tripulantes de um acidente aéreo. O filme funciona como uma bela crítica à fome do Tio Sam em fabricar heróis e o poder da mídia. Geena está ótima em cena e tem pelo menos uma cena antológica (aquela em que descasca uma cebola em um discurso para fingir que se emociona). 

Prata: a jogadora destemida.
02 Uma Equipe Muito Especial (1992)
A atriz estava no auge quando interpretou a jogadora de beisebol Dottie Hinson no delicado período da Segunda Guerra Mundial. O filme é baseado na história real do período em que a liga de beisebol convidou mulheres para jogarem quando os homens estavam no campo de batalha. Geena está bastante convincente em cena, vivendo uma mulher forte e que não tem medo de cara feia. Entre conflitos com a irmã e saudades do esposo, Dottie revela-se uma atleta memorável. Em tempos de "empoderamento feminino" o filme merece ser lembrado - até para lembrar como o tema pode ser tratado com leveza e naturalidade. 

Ouro: a melhor amiga. 
01 Thelma & Louise (1991)
Entre 1986 e 1996, Geena se tornou uma das atrizes mais conhecidas de Hollywood, ganhando até um Oscar de coadjuvante por O Turista Acidental (1988). A Academia lembrou dela novamente a indicando a melhor atriz (ao lado de Susan Sarandon) por seu excepcional trabalho neste filme de Ridley Scott. Ela vive Thelma, dona de casa insatisfeita que em um passeio com a amiga Louise acaba seguindo por caminhos surpreendentes. Magnificamente realizado e com duas atuações incríveis, Thelma e Louise (Um dos melhores filmes dos anos 1990 e da história do cinema) já seria suficiente para Geena ser lembrada até hoje por todos os admiradores da sétima arte. 

PL►Y: Marjorie Prime

Geena, Jon e Lois: Black Mirror em baixa voltagem. 

Acho interessante quando um autor tem a ideia de uma ficção científica intimista, que se preocupa mais com a relação das pessoas no futuro do que com roupas extravagantes, veículos esquisitos e coisas parecidas. Marjorie Prime bebe exatamente nesta fonte e trabalha com questões essencialmente humanas que  são fáceis de causar identificação na plateia. Questões como morte, saudade, ausência e lembranças estão presentes o tempo inteiro e são estes elementos que sustentam a trama diante de uma tecnologia que nunca consegue ser mais do que um arremedo para as emoções dos personagens. Quando o filme começa vemos Marjorie (Lois Smith) conversando com um homem (Jon Hamm), que na verdade é uma espécie de holograma construído a partir de uma inteligência artificial que serve para suprir a necessidade de ter seu esposo por perto novamente. A família fica intrigada com o fato de Marjorie ter preferido a imagem do esposo mais jovem, por volta dos quarenta anos e especulam que foi naquela fase em que ela o considerava mais atraente e presente nas memórias lembranças. No entanto, o holograma precisa de conversas constantes para nutrir seu banco de dados sobre a personalidade que deve representar, o que faz com que Marjorie mexa em suas lembranças e demonstre que é apenas possível apresentar o seu olhar sobre a personalidade do esposo. Esta parte de enxergar um personagem pelos olhos do outro é o melhor ponto da história, mas, a tentativa deste holograma compreender melhor a personalidade que representa também gera momentos interessantes. Se no início Marjorie e seu esposo tem a atenção do roteiro, com o tempo dois outros personagens ganham destaque, Tess (Geena Davis, que faz muito tempo que não a assistia em um filme) e Jon (Tim Robbins), filha e genro de Marjorie, que apresentam suas impressões sobre aquela tecnologia e representam um pouco dos nosso questionamentos sobre o que vemos. Diante de um ponto de partida tão interessante, o diretor Michael Almereyda (que acertou em cheio no seu filme anterior, O Experimento de Milgram/2015) tem alguns desafios pela frente e nem sempre faz as melhores escolhas. Para começar, desde o início ele não consegue disfarçar que o texto original foi concebido para os palcos (encenado em 2016 com a própria Lois Smith no papel de Marjorie), outro desafio foi se desviar de qualquer semelhança de que seu filme era um filme genérico da série Black Mirror, para isso ele capricha na lentidão e um certo desânimo nas atuações, que se por um lado valoriza o que há de "filosófico" no texto, por outro, causa uma certa sonolência em quem não entrar no clima proposto pelo diretor. Com um bom elenco em mãos, os melhores momentos estão no primeiro ato quando Lois e Hamm estão em cena e personificam brilhantemente o quanto de melancolia e estranhamento seus personagens carregam. A guinada do segundo ato é bem vinda e ressalta como Lois (indicada ao Independent Spirit aos 87 anos pelo papel) é uma atriz que merecia ser mais valorizada no cinema americano. Já a do terceiro não funciona tão bem... sorte que a última cena compensa os deslizes e representa bem como a imortalidade está na memória de quem deixamos por aqui. Marjorie Prime não é tão interessante quanto promete, mas traz reflexões interessantes para um mundo cada vez mais obcecado em nutrir suas carências emocionais com novas tecnologias. 

Marjorie Prime (EUA-2017) de Michael Almereyda com Lois Smith, Jon Hamm, Geena Davis, Tim Robbins e Hana Colley. ☻☻