Suzume: por trás dos terremotos japoneses. |
quarta-feira, 17 de abril de 2024
PL►Y: Suzume
domingo, 14 de abril de 2024
PL►Y: Viver
Bill: pensando sobre a vida que resta. |
Bill Nighy é um rosto bastante conhecido dos cinéfilos. Com 74 anos de vida e mais de quatro décadas de carreira, o ator inglês já participou de inúmeras produções para teatro, cinema e televisão. Apesar de ser mais conhecido por seus trabalhos em comédias, Bill tem uma cota de personagens sérios respeitáveis, mas que o Oscar parecia não dava muita bola até que em 2022 ele atuou neste filme de Oliver Hermanus. Viver conta a história de Sr. Rodney Williams (Nighy), burocrata de Londres que chefia um grupo de funcionários que são responsáveis por obras na cidade. Sisudo e fleumático, Williams não é muito aberto a intimidades com seus colegas e parece aquele tipo de pessoa que passou todo o tempo agarrado em seus compromissos - enquanto a vida passava junto aos ponteiros do relógio sem que ele se desse conta. Sua rotina rígida é quebrada quando ele descobre que possui câncer e alguns meses de vida. Naquele momento ele percebe que a vida não poderia ser só aquilo que fez até ali e deseja fazer algo diferente no tempo que lhe resta. O roteiro segue então pelo caminho mais óbvio, que é inserir o personagem por noitadas, com mulheres, bebidas e gastos que não caberiam na vida de um sujeito tão regrado. A diferença é que mesmo nesses momentos, Sr. Williams não parece encontrar satisfação, deixando que algo mais se revele em momentos mais intimistas, como aquele em que toma coragem para bancar um projeto que há muito tempo é barrado no trabalho ou nos momentos em que passa a se encontrar com uma jovem colega de trabalho, a senhorita Margaret Harris (Aimee Lou Wood), momentos em que a suspeita de um romance tardio ganha menos espaço do que a sensação de tempo perdido ao longo da vida. São nos detalhes que a atuação de Bill Nighy se revela merecedora de espaço entre os indicados ao Oscar de melhor ator de 2023, seu trabalho é sutil, preciso e consegue transparecer a sensação de quem está no fim da vida e não há muito mais o que se fazer além de aproveitar o tempo que resta. O filme só me parece curto demais para dar conta das nuances do personagem junto aos outros que o cerca, isso acontece tanto com Margaret quanto com o novato Peter (Alex Sharp), que parece ser o dono do olhar sobre o protagonista oferecido pela produção. Viver é na verdade uma adaptação da adaptação, já que é baseado em Ikiru (1952) de Akira Korosawa que é pautado pela obra A Morte de Ivan Ilich de Tolstói. O texto aqui ficou por conta do romancista Kazuo Ishiguro, que é craque em sutilezas e transporta o dilema do protagonista num encaixe perfeito para a realidade britânica. Mesmo que você não a considere uma produção empolgante, Viver deixará a sensação de uma reflexão sobre a forma que encaramos a vida ao indagar se entre nosso compromissos cotidianos estamos realmente a viver.
Viver (Living / Reino Unido - Japão - Suécia / 2022) de Oliver Hermanus com Bill Nighy, Alex Sharp, Aimee Lou Wood, Michael Cochrane, Zoe Boyle, Hubert Burton e Oliver Chris. ☻☻☻
sexta-feira, 12 de abril de 2024
4EVER: Eleanor Coppola
quinta-feira, 11 de abril de 2024
FESTIVAL DE CANNES 2024
Motel Destino: filme brasileiro disputa a Palma de Ouro. |
The Second Act (Quentin Dupieux)
All We Imagine as Light (Payal Kapadia)
Anora (Sean Baker)
Bird (Andrea Arnold)
Feng Liu Yi Dai (Jia Zhang-Ke)
Emilia Perez (Jacques Audiard)
Grand Tour (Miguel Gomes)
Kinds of Kindness (Yorgos Lanthimos)
L’Amour Ouf (Gilles Lellouche)
Limonov: The Ballad (Kirill Serebrennikov)
Marcello Mio (Christophe Honore)
Megalopolis (Francis Ford Coppola)
Motel Destino (Karim Ainouz)
Oh Canada (Paul Schrader)
Parthenope (Paolo Sorrentino)
The Apprentice (Ali Abbasi)
The Girl With the Needle (Magnus von Horn)
The Shrouds (David Cronenberg)
The Substance (Coralie Fargeat)
Diamant Brut (Agathe Riedinger)
Armand (Halfdan Ullman Tondel)
Gou Zhen (Guan Hu)
Les Damnes (Roberto Minervini)
L’Histoire de Souleymane (Boris Lojkine)
Le Royaume (Julien Colonna)
Boku No Ohisama (Hiroshi Okuyama)
Norah (Tawfik Alzaidi)
On Becoming a Guinea Fowl (Rungano Nyoni)
Santosh (Sandhya Suri)
The Shameless (Konstantin Bojanov)
Viet and Nam (Truong Minh Quy)
The Village Next to Paradise (Mo Harawe)
Vingt Dieux! (Louise Courvoisier)
Who Let the Dog Bite? (Laetitia Dosch)
Furiosa: Uma Saga Mad Max (George Miller)
Horizon: An American Saga (Kevin Costner)
Rumours (Evan Johnson, Galen Johnson, Guy Maddin)
She’s Got No Name (Chan Peter Ho-Sun)
C’est Pas Moi (Leos Carax)
En Fanfare / The Matching Bang (Emmanuel Courcol)
Everybody Loves Touda (Nabil Ayouch)
Le Roman de Jim (Arnaud Larrieu, Jean-Marie Larrieu)
Miséricorde (Alain Guiraudie)
Rendez-Vous Avec Pol Pot (Rithy Panh)
I, the Executioner (Seung Wan Ryoo)
The Surfer (Lorcan Finnegan)
Exibições Especiais
Apprendere (Claire Simon)
Le Fil (Daniel Auteuil)
Ernest Cole, Lost and Found (Raoul Peck)
The Invasion (Sergei Loznitsa)
La Belle de Gaza (Yolande Zauberman)
quarta-feira, 10 de abril de 2024
Pódio: Andrew Scott
Bronze: o vilão doido. | |
3º Sherlock (2010-2017) Nascido em Dublin na Irlanda em 1976, Andrew Scott começou a atuar no teatro até começar sua carreira no cinema em 1995. Apesar de ter participado de muitas produções para televisão e para a tela grande, o grande público parece ter reparado nele somente quando viveu o vilão Moriarty na cultuada série protagonizada por Benedict Cumberbatch que trazia os personagens de Arthur Conan Doyle para os dias atuais. Na pele do grande inimigo do detetive, o ator carrega nos exageros para criar um personagem estranho mas de inteligência inquestionável em suas armações contra o genial protagonista. Pelo papel ganhou o BAFTA de coadjuvante em 2012.
Prata: o grande enganador. | |
Ripley (2024) Tive que resistir muito para não colocar o trabalho do ator na série da Netflix no lugar mais alto do pódio. Acho magnífica a forma como o ator desenvolve o personagem antológico de Patricia Highsmith nos detalhes de sua atuação. Um leve movimento de sobrancelha, um pequeno esboço de sorriso ou até mesmo aquele olhar fixo de quem está estudando seu interlocutor para saber exatamente o que deve ser feito e dito. É um trabalho tão bom que merece aparecer em outras temporadas que explorem as desventuras seguintes de Tom Ripley e sua escalada amoral de golpes, falsificações e enganações variadas. O moço merece todos os prêmios da temporada. Imperdível.
Ouro: o padre gato. | |
NªTV: Ripley
Andrew: Tom Ripley de respeito. |
Em 2024, o ator irlandês Andrew Scott esteve cotado para receber sua primeira indicação ao Oscar pelo filme indie Todos Nós Estranhos, mas apesar de ter colhido indicações ao Gotham Awards e ao Globo de Ouro, não foi dessa fez que o ator caiu nas graças da Academia. Na verdade, apesar de Andrew ter dezenas de papéis no cinema, a impressão é que Hollywood ainda não sabe o que fazer com ele. Será que é por conta do rapaz ter assumido sua homossexualidade em 2013? Se for por conta disso, Hollywood é que sai perdendo. Não apenas pelo preconceito, mas principalmente por perder a chance de ter um baita ator no alto dos créditos. A sorte é que enquanto o cinema não lhe dá a devida atenção, ele coleciona bons papeis na televisão. A última grande conquista do ator foi ser escolhido para viver o antológico Tom Ripley na minissérie Ripley da Netflix (que se tudo der certo, deverá render novas temporadas. Oremos!). Tom é o personagem mais famoso da escritora Patricia Highsmith (1921-1995), que rendeu cinco obras cultuadas e que já foram levadas ao cinema algumas vezes, mas sem a configuração de uma franquia cinematográfica. O público deve lembrar da versão de O Talentoso Ripley (1999) de Anthony Minghella em que Matt Damon viveu o personagem, um filme que aprecio muito, mas sei que trai as origens de seu personagem amoral. Nesta versão da Netflix. Ripley surge em sua essência, um americano que vive de pequenos golpes, mas que tem a grande chance de mudar de vida quando um milionário pede a ele que vá até a Itália convencer que o filho volte para casa. O filho em questão é Richard Greenleef (Johnny Flynn), o herdeiro que foi curtir a vida na Itália enquanto tenta se tornar um artista. No entanto, o que sobra de dinheiro para manter a vida de Richard, ou melhor, Dickie, falta em talento. Ele passa os dias ao lado da namorada Marge (Dakota Fanning) e não faz a mínima ideia de quem é aquele homem que diz conhecê-lo dos tempos de escola. Talvez não conheça mesmo, já que ambos habitam esferas totalmente diferentes. O fato é que enquanto Ripley convive com Richard, começa a desejar aquela vida, ou talvez mais, começa a desejar ser o próprio Dickie. Começa então uma sucessão de situações nem tão planejadas que mudarão a vida dos personagens para sempre, especialmente de Tom que se supera a cada passo para conseguir o que quer. Andrew Scott está estupendo na pele de um personagem desprovido de qualquer senso moral ou culpa, mas dotado de uma engenhosidade impressionante para mentir e enganar quem cruze o seu caminho. Mesmo quando tudo se complica, a impressão é que ele sempre saberá o que fazer para se safar. A adaptação da obra por Steven Zaillian se afasta o máximo possível da adaptação feita por Minghella e acerta ao utilizar o formato de minissérie para ser ainda mais meticulosa ao desbravar as entranhas do personagem. Colabora muito na construção da identidade da produção a magnífica fotografia em preto e branco, que pinta cada cena como um quadro de homenagem ao cinema noir. O jogo de luzes e sombras é impressionante, seja nas cenas internas ou externas, construindo de um espetáculo que merece se repetir em novas temporadas (por favor, Netflix!). Adoraria ver o personagem ser aproveitado com tamanho esmero à obra de Highsmith em novos episódios, além disso, ver Andrew arrasador em um personagem tão complexo é um deleite para os sentidos. Forte candidata à minha série favorita do ano.
Ripley (EUA / 2024) de Steven Zailian com Andrew Scott, Johnny Flynn, Dakota Fanning, Kenneth Lonergan, Margherita Buy, Eliot Summer e Maurizio Lombardi. ☻☻☻☻☻
terça-feira, 9 de abril de 2024
Na Tela: O Homem dos Sonhos
Cage: o verdadeiro Freddy Krueger? |
KLÁSSIQO: O Franco Atirador
Meryl e De Niro: as cicatrizes do Vietnã. |
Mais interessante do que lembrar que filme ganhou o Oscar de melhor filme em determinado ano e ver quem estava na disputa ao seu lado. Em 1979 os indicados eram Amargo Regresso, O Céu Pode Esperar, O Expresso da Meia-Noite, Uma Mulher Descasada e o prêmio foi para O Franco Atirador de Michael Cimino. Muita gente imaginava que Amargo Regresso de Hal Ashby levaria o grande prêmio da noite, especialmente depois que ao longo da entrega dos prêmios havia recebido o de roteiro original, ator e atriz. O Franco Atirador já havia levado duas categorias técnicas (som e edição) além da estatueta de melhor ator coadjuvante, para Christopher Walken por interpretar o personagem mais memorável do filme, quando o longa levou o prêmio de melhor direção era certa sua vitória na categoria principal. Por algum tempo ouvi muita gente acusando o filme de ser um melodrama de guerra e quando fiquei sabendo de sua duração (três horas) fiquei bastante receoso de assistir. Com o tempo o filme passou a ser reconhecido como um marco nos filme de guerra, um dos exemplos de um novo gênero: filme antiguerra. Assim, se firmou cada vez mais como um clássico do gênero, abaixo somente de Apocalipse Now que foi lançado no ano seguinte. Cimino tinha apenas um filme no currículo quando embarcou neste projeto ambicioso que conta a história de um trio de amigos da Pensilvânia que são enviados para a Guerra do Vietnã. Mas ao invés de se concentrar somente na realidade da guerra, o filme prefere expandir esta marca em quatro atos distintos. No primeiro conhecemos a realidade daqueles amigos, cheios de planos e um tanto inconsequentes. Esta parte se concentra no dia do casamento de um deles, Steven (John Savage), mas o destaque fica por conta de Michael (Robert DeNiro) e Nick (Christopher Walken), que são os melhores amigos do grupo. Nick é apaixonado por Linda (Meryl Streep) que precisa lidar com o pai abusivo. O grupo de amigos se completa com Stan (John Cazale), John (George Dzundza) e Axel (Chuck Aspergen), o trio que não foi convocado para ir à guerra. Nesta parte o roteiro apresenta os personagens sem pressa, mas com um tom vibrante, alegre e apesar do clima de que o melhor está por vir, paira sobre Steven, Michael e Nick a ida para a guerra. No segundo ato, os horrores da guerra são apresentados com a intensidade necessária para mudar o trio de personagens para sempre, sobretudo quando se tornam prisioneiros e se tornam alvo de torturas psicológicas envolvendo a prática de roleta russa (algo que se tornou marca do filme). No ato seguinte, Michael tenta voltar a ser ele mesmo após tudo o que viveu, até que precisa cumprir com uma promessa do passado que o leva de volta ao Vietnã no último ato do filme. A proposta é uma verdadeira odisseia que mergulha em traumas de guerra e seu efeito num micro-universo que retrata bastante o fantasma que pairou sobre a sociedade americana por várias décadas. O efeito devastador daquelas histórias são ainda mais valorizadas pelas interpretações de Savage, Walken e DeNiro. Eles dão conta de transições impressionantes em seus personagens, sobretudo Walken que de um charmoso rapaz (tente resistir às cenas do moço enamorado por Streep, especialmente nas cenas em que ele dança - e Walken foi realmente dançarino) se torna uma espécie de zumbi com olhos vazios. DeNiro demonstra aqui mais uma vez a intensidade que o tornou um dos maiores astros de Hollywood, oscilando entre uma aparência de galã e o total descontrole. Não por acaso ele conseguiu sua terceira indicação ao Oscar. Meryl Streep foi indicada ao Oscar pela primeira vez por um papel pequeno, mas que ela soube ampliar muito bem entre os amigos sobreviventes. Quem não se deu muito bem foi o diretor Cimino, que torrou uma fortuna em seu filme seguinte e gerou um fiasco. O Portal do Paraíso (1980) fez os produtores repensarem a autonomia de diretores consagrados com orçamentos inchados e o resto você já sabe. Cimino acabou dirigindo somente outros cinco filmes ao longo de sua carreira até seu falecimento em 2016. O Franco-Atirador é sua obra-prima e o coloca entre os grandes nomes do que era conhecido como a geração da nova Hollywood.
O Franco Atirador (The Deer Hunter / EUA - 1978) de Michael Cimino com Robert De Niro, Christopher Walken, John Savage, Meryl Streep e John Cazale. ☻☻☻☻
segunda-feira, 8 de abril de 2024
PL►Y: Reality
Sydney: atuação de respeito. |
Reality Winner era uma tradutora contratada pelo governo dos Estados Unidos que se tornou responsável por um dos vazamentos de informações confidenciais mais escandalosos da história do país. Ela foi presa por cinco anos e muitos questionaram que sua ação tenha chamado mais atenção do que o fato que ela havia tornado público. A situação chamou atenção da mídia e ao que parece a transcrição do seu interrogatório pelo FBI se tornou público. A dramaturga Tina Satter transformou o interrogatório em peça de teatro e ano passado fez um filme que leva aqueles diálogos na íntegra para a tela do cinema. O filme foi exibido no Festival de Berlim em 2023, recebendo muitos elogios pela atmosfera tensa ao longo de uma hora e vinte de narrativa e a interpretação contundente de Sydney Sweeney como protagonista. Este é o filme de estreia de Satter e ela merece atenção por fazer aquele tipo de filme que é bastante complicado de acertar: uma única locação, poucos atores e ação através de diálogos. Ela não usa muitos outros artifícios para contar essa história, mas ancorada nas atuações e nos diálogos, ela constrói uma pequena joia de tensão cinematográfica. Quando conhecemos Reality em seu contato com o FBI ficamos imaginando que ela seria incapaz de ter cometido um crime. Sua preocupação constante com seus animais de estimação, a forma polida como controla o stresse e a naturalidade com que conta suas atividades nos fazem até imaginar que tudo não passa de um engano. Satter sabe exatamente a hora de revelar o que precisa ser dito e fico imaginando o filme se construindo em sua mente quando leu a transcrição do interrogatório. De ponto em ponto, ela captura o espectador para aquela tensão e por vezes torna difícil até piscar no meio das conversas com o FBI. Muito dessa atmosfera precisa se deve à forma como Sydney Sweeney (que ficou famosa com a série Euphoria da HBO e se tornou uma das atrizes mais badaladas da atualidade) encarna a personagem. A forma como sua espontaneidade aos poucos se torna calculada até que seu controle desmorone perante a acusação que recai sobre ela demonstra um domínio impressionante da personagem, um trabalho de primeira grandeza que revela o quanto ela merece papeis interessantes no futuro. Para além dos méritos de fazer tanto com tão pouco recurso, Reality ainda provoca uma interrogação na mente do espectador sobre o mundo em que vivemos, um mundo repleto de informação, mas que esconde segredos que sequer imaginamos. Na era da pós-verdade e de propagação de fake news, fica a impressão que o conhecimento da realidade pode custar mais caro do que se imagina. O filme está disponível atualmente na MUBI e merece ser conferido.
Reality (EUA-2023) de Tina Satter com Sydney Sweeney, Josh Hamilton, Marchánt Davis, Benny Edledge e John Way. ☻☻☻☻
NªTV: O Regime
Kate e Matthias: atração carnal em meio à crise. |
domingo, 7 de abril de 2024
PL►Y: Meu Nome era Eileen
Thomasin e Anne: uma relação sombria. |
PL►Y: Verdades Dolorosas
Tobias e Julia: quando a verdade dói. |
Beth (Julia Louis-Dreyfus) é uma escritora casada há décadas com Don (Tobias Menzies), um psicanalista. Eles tem um filho, Elliot (Owen Teague) que agora também pretende seguir a carreira de escritor. O trio parece compor uma família feliz, que conta ainda com a companhia constante de Sarah (Michaela Watkins), a irmã de Beth que vende acessórios chiques para residência de gente endinheirada, e Mark (Arian Moyaed), o marido ator de Beth. Todos são apresentados como pessoas comuns, com vidas confortáveis, como todos os outros personagens que já vimos na filmografia da diretora e roteirista Nicole Holofcener. Se você conhece os filmes da diretora, sabe que em algum momento haverá um nó que os personagens precisarão desatar para que seus cotidianos voltem a ser como era antes. Aqui o nó acontece quando Beth escuta uma conversa do esposo argumentando que não gostou muito do último manuscrito dela, um novo projeto que não conseguiu agradar a editora. A partir dali, Beth entra em crise ao imaginar quantas vezes seu esposo mentiu para ela, algo que em sua imaginação se torna um verdadeiro poço sem fundo, que afeta não apenas o cotidiano de seu casamento como a imagem que a personagem possui de si mesma e de sua profissão. Não se contentando em lidar apenas com o efeito da descoberta na vida da personagem, o roteiro de Verdades Dolorosas começa a ampliar a relação de todos os personagens com o trabalho, isso é feito com leveza, mas sem perder a chance de construir alguns momentos com diálogos interessantes. A diretora retoma aqui uma atmosfera bastante parecida com um dos seus filmes mais elogiados, Sentimento de Culpa (2010), demonstrando mais uma vez seu talento para lidar com situações aparentemente pequenas e bastante reveladoras. Ela retoma aqui sua parceira com Julia Louis-Dreyfus com quem havia trabalhado em À Procura do Amor (2013), mas eu só ficava imaginando como teria ficado a versão hollywoodiana de Força Maior/2014 , Downhill/2020 (também estrelado por Julia) se tivesse na direção uma pessoa com o olhar tão astuto sobre as relações de um casal. O papel de Beth parece ter sido escrito para Julia utilizar seu talento nas inseguranças de sua personagem, assim como Don cai como uma luva para Tobias Menzies exercitar sua capacidade de tornar um sujeito comum em algo atraente. Ao final as verdades do filme podem não resultar tão dolorosas assim, mas fica claro que o nível de dor também está relacionado à forma que lidamos com nossas verdades. Um filme simples, bem feito e que pode nos fazer rir de nós mesmos em nossas pequenas tempestades do dia-a-dia.
Verdades Dolorosas (You Hurt my Feelings/EUA-2023) de Nicole Holofcener com Julia Louis-Dreyfuss, Tobias Menzies, Owen Teague, Michaele Watkins, Arian Moyaed e Zach Cherry. ☻☻☻
PL►Y: Zona de Interesse
Friedel: o diretor vizinho de Auschwitz. |
O campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, era visto durante a Segunda Guerra Mundial como um verdadeiro exemplo em como exterminar um milhão e meio de pessoas. O que o tempo provou ser um exemplo do horror do Holocausto, no período era celebrado como um marco de eficiência e inovação. Estas características arrepiantes se devem ao diretor local, Rudolf Höss. Höss morava ao lado do campo de extermínio com sua esposa e filhos, numa casa confortável com jardim paisagístico, horta, piscina, estufa e tudo o mais que a família sempre havia sonhado para ver seus filhos crescerem. No entanto, obviamente, a rotina da família era perpassada pelos odores dos crematórios, tiros, gritos e demais horrores que já vimos em diversos filmes sobre o tema. O escritor Martin Amis imaginou as camadas desse cotidiano em seu livro Zona de Interesse que ganhou uma adaptação no ano passado pelas mãos de Jonathan Glazer, diretor nascido na Inglaterra em uma família judaica. Glazer altera a estrutura do livro para chegar ao que ela possui de mais incômodo: como a família Höss poderia viver na comodidade do lar ao lado das atrocidades praticadas do outro lado do muro? Assim, quando vemos o cotidiano daquela família na tela, com as crianças brincando, as visitas conversando trivialidades, os banhos de piscina e os cuidados com o jardim, o que habita nosso imaginário é tudo o que ocorre próximo dali. O filme, assim como o livro, constrói então uma analogia perfeita sobre a banalização do mal. Obviamente que a família Höss tinha uma particularidade nisso tudo, já que as atrocidades eram marcas para a eficiência de um homem que foi nomeado para transformar um antigo quartel polonês em um campo de extermínio, no entanto, o longa ilustra mais uma vez como tudo aquilo ocorreu devido a adesão de pessoas comuns que compraram o discurso de ódio propagado por führer e seu partido. Jogando isso para os dias atuais é triste perceber como o mecanismo de discurso e convencimento ainda dá sinais de eficiência. Glazer executa o filme com rigor absoluto, misturando situações triviais com detalhes que só ressaltam o horror ao redor da família, dos serviçais que conviviam com a tensão daquele período, das discussões sobre como matar com mais eficiência e até uma visitante que se dá conta do pesadelo que ronda a família. Os desatentos poderão até pensar que em Zona de Interesse nada acontece, quando na verdade, a alma do filme reside justamente nesta sensação de que a vida de algumas pessoas seguia normalmente enquanto um massacre. Neste ponto vale destacar as atuações de Christian Friedel (como Rudolf Höss) e Sandra Hüller (no papel de sua esposa, Hedwig), que constroem personagens que querem apenas manter o patamar de conforto que conquistaram. Glazer coloca sobre eles a sua lente e amplia sutilmente a alma desses personagens, mas encontra dificuldades para arrematar o filme, embora aquela cena em que Höss olha para a câmera e seu legado é apresentado ao espectador se torna um dos cortes mais incômodos da história do cinema. Zona de Interesse ganhou o Grande Prêmio do Júri e foi premiado com os Oscars de Melhor Filme Internacional e Melhor Som, concorreu ainda roteiro adaptado, melhor filme e direção. Porém, o discurso de agradecimento de Glazer no Oscar virou alvo de polêmicas sobre os conflitos envolvendo Israel. Glazer começou sua carreira no cinema em 2000 com Sexy Beast, prosseguiu com Reencarnação (2004) e Sob a Pele (2013), seus filmes costumam dividir opiniões e ganharem admiração ao longo do tempo. Talvez ele aguarde a plateia digerir suas ideias e demore tanto para lançar uma produção. Dez filmes separam seu penúltimo filme de Zona de Interesse, seu longa mais aclamado e premiado, talvez por estar em plena sintonia com o mundo que vemos agora. Mesmo que seu discurso de agradecimento tenha gerado polêmicas, ele revela o espírito do diretor que não pensa em agradar, mas incomodar.
Zona de Interesse (The Zone of Interest / EUA - Reino Unido - Polônia / 2023) de Jonathan Glazer com Christian Friedel, Sandra Hüller, Johann Karthaus, Luis Noah Witte, Lilli Falk, Medusa Knopf, Max Beck e Julia Babiarz. ☻☻☻☻
sábado, 6 de abril de 2024
4EVER: Ziraldo
24 de outubro de 1932✰ 06 de abril de 2024 |
domingo, 31 de março de 2024
sábado, 30 de março de 2024
PL►Y: Wonka
Chalamet: mais docinho que nunca. |
Sou de uma geração que assistia A Fantástica Fábrica de Chocolate em sua versão clássica na Sessão da Tarde. Eu nem imaginava que aquele filme foi lançado oito anos antes de eu nascer. O fato é que o longa dirigido por Mel Stuart se tornou um daqueles filmes que habita a cultura pop por décadas. Stuart fez o filme pouco depois de ter sido indicado ao Oscar pelo documentário Quatro Dias em Novembro (1965) sobre o assassinato de John Kennedy, o que só aponta a ligação inusitada de seu nome ao projeto. Confesso que Willy Wonka (vivido por Gene Wilder) sempre me deixou um tanto assustado em sua relação com aqueles visitantes e os Oompa Loompas. Talvez a obra de Roald Dahl provoque arrepios em alguns guris ainda hoje. Mais de trinta anos depois, Tim Burton investiu em uma versão repaginada estrelada por Johnny Depp. O resultado mais colorido fez sucesso nas bilheterias e, apesar das esquisitices, alcançou um resultado menos denso que o anterior. Foi nessa época que começaram a especular sobre uma produção que contasse as origens do estranho Willy Wonka. Quase vinte anos depois a ideia saiu do papel e chegou aos cinemas conquistando elogios. Wonka conta a história do jovem sonhador Willy Wonka que sonha em fazer sucesso com os seus chocolates peculiares. No entanto, ele descobre que vencer no ramo é algo repleto de desafios. Além de ter que lidar com um verdadeiro cartel de fabricantes de chocolate, Willy ainda precisa lidar com um casal de aproveitadores que pretendem lhe arrancar cada centavo que receba. Vivido por Thimotée Chalamet, o jovem Wonka é dotado de uma ingenuidade irresistível e ganha torcida da plateia desde a primeira cena em que chega na cidade armado somente com seu sonho de produzir chocolates. É difícil reconhecer ali o personagem um tanto bizarro que já vimos em outros filmes, especialmente quando o filme começa a revelar sua verve musical com músicas engraçadinhas e momentos bem orquestrados pelo diretor Paul King (do fofo As Aventuras de Paddington/2014 e sua continuação de 2018). No entanto, conforme a história avançae as maldades em torno do personagem se acumulam, percebi que talvez o que o filme nos revele é como aquele jovem com maior jeito de mocinho de conto de fadas, se tornou num produtor amargurado de chocolates. É neste ponto que retorno ao que me assusta no personagem relatada no início dessa postagem, alguns momentos cruéis trouxeram um grande contraste com a embalagem colorida e adocicada que o filme traz. Esse contrasta acontece muitas vezes nas cenas musicais que parecem embaladas pelos delírios de grandeza de Willy e a realidade maldosa que o cerca, mal comparando, lembrei um pouco da sensação que assistia aos delírios musicais de Dançando no Escuro (2000). No entanto, Wonka pretende ser um filme para cima e otimista, sabendo camuflar o que já de amargo na sua trama. Chalamet me surpreendeu ao encarnar um personagem bastante diferente do que já fez até aqui e acho que posso dizer o mesmo de Hugh Grant como o Oompa Loompa pioneiro. O filme poderia ser um pouco mais enxuto e não se embolar nos mistérios que cria, mas tem magia suficiente para segurar o interesse até o desfecho que deixa a sensação que novos filmes devem ser lançados nos próximos anos. No entanto, só fiquei pensando nas viradas que o personagem poderá ter em suas próximas incursões para o cinema.
Wonka (EUA - Reino Unido - Canadá / 2023) de Paul King com Thimotée Chalamet, Olivia Colman, Calah Lane, Jim Carter, Keegan-Michael Key, Hugh Grant, Sally Hawkins e Matt Lucas. ☻☻☻
sexta-feira, 29 de março de 2024
4EVER: Louis Gossett Jr.
27 de maio de 1936✰ 29 de março de 2024 |
Louis Cameron Gossett Jr. nasceu em Nova Iorque, filho de um carregador e uma enfermeira. Ele começou a atuar aos 17 anos de idade após uma lesão comprometer sua carreira em atividades esportivas. Ao terminar o Ensino Médio, foi estudar na Universidade de Nova York. Com 1,93 de altura, ele poderia ter investido no basquete, mas estava mais interessado em atuar. Foi por sugestão de um professor que ele fez um teste para Broadway e foi selecionado para seu primeiro espetáculo no teatro profissional. Após participar de vários musicais, no final dos anos 1950, o ator começou a realizar trabalhos na TV. Sua estreia no cinema aconteceu em 1961 no filme O Sol tornará a Brilhar, mas na TV ele participou de séries cultuadas como Mod Squad, Bonanza, Os Pioneiros e O Homem de Seis Milhões de Dólares. Embora tenha realizado alguns trabalhos com destaque no cinema, a consagração veio somente em 1982 como o oficial militar que atormenta o mocinho de A Força do Destino. O papel fez história ao lhe tornar o primeira ator negro a receber o Oscar de ator coadjuvante na história da premiação. Após o prêmio, o ator recebeu papéis de prestígio em filmes como (eu adoro) Inimigo Meu (1985), Um Diretor Contra Todos (1987) e a franquia Águia de Aço (1986). Com mais de cinquenta anos de carreira e participação em mais de duzentas produções, seu último papel importante foi na nova versão de A Cor Púrpura lançada no ano passado.
terça-feira, 26 de março de 2024
PL►Y: Dogman
Calleb: talento que merece reconhecimento. |
PL►Y: Nosso Amor
Liam e Lesley: casal impecável. |
Sabe aquele filme que quando lançam você fica interessado em assistir, mas com o tempo ele fica difícil de achar e você acaba esquecendo que ele existe? Isso aconteceu com Nosso Amor, filme estrelado por Liam Neeson (dando uma pausa nos filmes de ação que acumulam em sua carreira atualmente) e uma atriz que gosto muito, embora seus trabalhos sejam raros no cinema, a Lesley Manville (de Um Ano a Mais/2010 e Trama Fantasma/2017 . No último sábado chuvoso, eu procurava algo para ver naquele preguiça de depois do almoço e o encontrei quase de presente na televisão. O filme é dirigido pela dupla Lisa Barros D'Sa e Glenn Leyburn de forma bastante sensível ao acompanhar um casal com décadas de relacionamento e agora às voltas com um tratamento contra um câncer. Joan (Lesley) e Tom (Liam) já passaram por muitas coisas juntos e quando ela descobre um caroço no seio, a rotina de exames, tratamentos e cirurgias se tornam constante na rotina do casal que tenta levar os dias mantendo o companheirismo e bom humor. O filme opta por uma abordagem sincera daquela situação, abordando medos, inseguranças, dores e enjoos. Existe a inevitável cena da queda de cabelo, algumas discussões e pessoas que encontram pelo caminho que precisam lidar com o temor a respeito do que virá pela frente, algo que aflige também os dois. O casal de veteranos está excelente em cena, Liam encarna o esposo que disfarça suas inseguranças com piadas a todo instante, enquanto Lesley é a mulher serena com pé no chão que precisa lidar com o desconhecido. O filme segue sem firulas narrativas e sabe manter todo o sofrimento da situação na rédea curta, evitando exageros. Sabe dosar as cenas que deixam claro que existe um amor forte construído ao longo do tempo entre aqueles dois personagens (de forma que a ideia de um perder o outro se torna um temor para o próprio espectador). É um tipo de filme que se torna diferente justamente pela abordagem que se propõe sobre a vida de um casal que viveu muitos tempo junto e que pretende passar ainda mais tempo um do lado do outro. Um filme discreto, bonito e sincero que é uma raridade nos tempos atuais e que revela como seus atores são ótimos quando tem um bom material nas mãos.
Nosso Amor (Ordinary Love / Reino Unido - 2019) de Lisa Barros D'Sa e Glenn Leyburn com Lesley Manville, Liam Neeson, Esh Alladi, Maleanie Clark Pullen, David Wilmot e Amit Sha. ☻☻☻
segunda-feira, 25 de março de 2024
KLÁSSIQO: Mephisto
Klaus: A arte de ser repulsivo. |