sábado, 31 de dezembro de 2011

OS MELHORES DE 2011

Acho que nada melhor (e mais óbvio) para terminar um ano de um cinéfilo do que eleger os seus favoritos do ano. Em 2011 resolvi fazer as coisas de um jeito diferente, por motivo de empate em várias categorias escolhi os seis melhores do ano em minha modéstia opinião. Além disso parei de ficar separando o melhor roteiro original e roteiro adaptado, afinal eu não tenho paciência de ficar entrando em polêmicas do que é isso ou aquilo. Por exemplo, tem gente que diz que o roteiro de Cisne Negro é uma adaptação do próprio espetáculo enquanto outros dizem que é original. Há quem diga que Reino Animal é adaptado de um texto jornalístico enquanto outros dizem que existe mais conteúdo original e blablabla... enfim, isso é o que vou levar cinematográficamente de 2011!

Filme
Cisne Negro
Muitos o consideram a obra-prima de Darren Aronofsky, mas quem conhece o cineasta sabe que trata-se da retomada dos pesadelos em sua cinematografia. A bailarina Nina entrou para a história do cinema nesse drama psicológico de arrepiar as penas de qualquer um. Outros favoritos: (esq.) Árvore da Vida; Meia Noite em Paris; (dir.) Namorados para Sempre; Reencontrando a Felicidade; Rango


Direção
Darren Aronofsky (Cisne Negro)
Considero um bom diretor aquele que consegue deixar a sua marca em nossa memória. Levando em consideração o jeito muito particular de contar uma história, nada mais justo que Aronofsky leve o prêmio pelo filme de balé mais arrepiante da história! Outros favoritos (sentido horário): John Cameron Mitchell (Reencontrando a Felicidade); Terrence Mallick (Árvore da Vida); Woody Allen (Meia-Noite em Paris); Mike Mills (Toda Forma de Amor); Derek Cianfrance (Namorados para Sempre)

Ator 
James Franco (127 Horas)
Um bom ator é capaz de nos capturar para a tela e nos fazer seus reféns por algum tempo. James Franco fez isso e muito mais na performance de sua vida no filme de Danny Boyle. Se o filme funciona é graças à sua força em encarnar o rapaz que fica preso num canyon e precisa fazer uma dolorosa escolha se quiser sobreviver. Sua angústia transborda da tela ao ponto de nos contaminar com sua dor. Outros Favoritos (sentido horário): Colin Firth (O Discurso do Rei); Javier Bardem (Biutiful); Owen Wilson (Meia-Noite em Paris), Paul Giamatti (Minha Versão do Amor); Michael Fassbender (X-Men: Primeira Classe)

Atriz 
Natalie Portman (Cisne Negro)
Sabiamos que Portman era uma grande atriz desde que a vimos aos 12 anos num filme de Luc Besson, mas faltava-lhe um papel em que pudesse mostrar tudo (e mais um pouco) do que é capaz. Aronofsky arranca da boa moça Portman seu lado mais obscuro e mostra que a atriz possui mais nuances do que a maioria de seus papéis lhe pede. Outras favoritas (sentido horário): Kirsten Dunst (Melancolia); Michelle Williams (Namorados para Sempre); Nicole Kidman (Reencontrando a Felicidade); Jennifer Lawrence (Inverno da Alma); Carey Mulligan (Não me Abandone Jamais)

Ator Coadjuvante
Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)
Parece que o passar do tempo só fez bem ao ex-galã Christopher Plummer. A cada ano, suas atuações se tornaram cada vez mais vigorosas, mesmo quando tem que encarnar um homossexual. Construindo o personagem sem frescuras, Plummer empresta seu corpo e a alma para um pai que assume a homossexualidade enquanto luta contra um câncer em estágio terminal. Sem melodramas, Plummer tem uma atuação tão honesta quanto inesquecível. Outros favoritos (sentido horário): Brad Pitt (Árvore da Vida); Geofrey Rush (O Discurso do Rei); Tom Hiddleston (Thor); Christian Bale (O Vencedor); Ben Mendelsohn (Reino Animal)

Atriz Coadjuvante
Jessica Chastain (Árvore da Vida)
Não tenho dúvidas de que Jéssica foi a musa do ano. Com uma penca de bons filmes lançados em 2011, Jessica já escreveu seu nome entre as queridas de Hollywood. O pontapé inicial para sua consagração foi o papel da mãe amorosa do viajante filme de Terrence Mallick. Se o que dá sentido ao filme são os sentimentos, Jéssica é a uma das grandes responsáveis pela aclamação do filme. Outras Favoritas (sentido horário): Charlotte Gainsbourg (Melancolia); Chloe Moretz (Deixe me entrar); Jackie Weaver (Reino Animal); Helena Bonhan Carter (O Discurso do Rei); Delphine Chanéac (Splice - A Nova Espécie)

Melhor Roteiro
Cisne Negro
Foi a categoria em que tive mais dúvidas para votar e entre filmes com narrativas muito próprias escolhi o de meu longa favorito do ano. O texto de Mark Heyman, Andres Heinz e John McLaughlin mistura realidade e fantasia borrando clichês (mãe dominadora, diretor tirano, amiga fingida...) e mesclando a trajetória da protagonista com a de seu papel em O Lago dos Cisnes. Original? Adaptado? Genial? Seja como for, Cisne Negro nos faz mergulhar no trabalho de uma artista e beber um pouco dessa mistura de sangue, suor e lágrimas. Outros favoritos (sentido horário): Reino Animal; Meia-Noite em Paris; Toda Forma de Amor, Reencontrando a Felicidade; Melancolia. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

DVD: Lágrimas de Felicidade

Demi e Parker: trajetórias opostas reunidas em filme comum.

Mais um ano está acabando. Fico cada vez mais impressionado em como o tempo passa rápido, implacável (por mais que os banhos de formol que aprendi com mamãe ainda estarem surtindo efeito). Costumo brincar com meus amigos que depois dos quinze anos tudo passa mais rápido. Exemplo disso é que ontem mesmo eu ganhava meu primeiro walkman (me sinto um dinossauro) e minha maior preocupação era a nota de minha prova final em literatura (adoro ler, mas as provas de Goretti eram um desastre). Eu nem senti que se passaram dezessete anos dos meus quinze anos! Na adolescência eu era apaixonado por Demi Moore, ela era o máximo e tornou-se a mulher mais bem paga de Hollywood para se anabolizar e pagar mico em Strip Tease (1996). A morena foi dona de uma beleza notável enquanto seu talento era bem modesto. A vida acabou nos afastando, ela se separou de Bruce Willis, ficou um tempo sem fazer filmes e retornou em 2003 como a vilã da continuação do blargh As Panteras Detonando (2003). O mais impressionante é que enquanto eu ralava na faculdade, o tempo não passou para Demi. Ela continuava linda e agora com um marmanjo adolescente com nome de goma de mascar (Ashton Kutcher). Traidora! Talvez por isso desde que retomou sua carreira eu só vi um filme de sua retomada (Bobby/2006). Apesar da beleza intacta (às custas de plásticas, musculação e toda variedade de cremes que possa imaginar) Demi está longe de ser a estrela da década de minha adolescência. Eu a reencontrei dia desses nas prateleiras da locadora com a dramédia Lágrimas de Felicidade de Mitchell Lightenstein, filme que chegou a concorrer a prêmios em Berlim em 2010 e que chegou por aqui direto para as locadoras. Antes devo admitir que trai Demi, não aluguei o filme por causa dela, mas por causa de sua parceira de cena: Parker Posey. Enquanto Demi encarava super produções na década de 1990, Parker se consolidava como a rainha dos indies. Apesar de sua carreira nunca ter decolado, Posey tem sua coleção de sucessos e vê-la deixando Demi como coadjuvante é no mínimo curioso. Posey e Demi são duas irmãs de situações financeiras e casamentos bem diferentes, mas estão às voltas com um pai (Rip Torn) que está ficando senil - cuidar dele as leva a rever suas vidas. Enquanto Jayne (Parker Posey) é uma deslumbrada casada com um artista plástico, Laura (Moore)  é meio riponga casada com um massagista e que se ressente de ter protegido a irmã sobre os podres da família (acho que ela chega à conclusão de que lidar com esses percalços teriam tornado Jayne mais madura). As duas atrizes funcionam como água e azeite, nunca se misturando muito bem na tela, mas talvez o efeito desejado fosse esse mesmo. Além disso, os dramas familiares sobre colocar um pai comprometido mentalmente no azilo já foram vistos e melhores explorados em A Família Savage (2007), então o que sobra no filme? O curioso tom datado da narrativa, que parece saída da década de 1980 - com uma ingenuidade que chega ao ápice nos delírios de Jayne envolvendo compras de botas, o filho de adolescente de um amigo da família e a ressurreição de sua mãe. Mas de dez anos se passaram do início do século XXI e Lightenstein faz filme como se vivesse mais de vinte anos atrás. Talvez por isso existam sérias limitações na abordagem do tema (que tenta ser uma espécie de mosaico sobre aquela família comum como tantas outras), mas o elenco faz o que pode para manter o interesse do público. Para terminar, foi bom perceber que mesmo vestindo roupas esculhambadas Demi continua bonita, mas me assustou um bocado ver que Ellen Barkin (que interpreta a enfermeira picareta do pai das moças) virou quase um monstro das plásticas. Banhos de formol não funcionam para todos.

Lágrimas de Felicidade (Happy Tears/EUA-2009) de Mitchell Lightenstein com Parker Posey, Demi Moore, Rip Torn, Ellen Barkin e Christian Camargo. ☻☻

DVD:Maria Antonieta

Dunst: rainha fashion.

Kirsten Dunst ganhou o prêmio de Melhor atriz em Cannes desse ano por sua atuação deprimente em Melancolia (2011), a grande ironia disso tudo é que anos atrás ela foi espinafrada por encarnar a rainha adolescente Maria Antonieta (aquela mesma dos brioches) quando o terceiro filme de Sofia Copolla foi  exibido em Cannes).  Entre um e outro a atriz atravessou um quadro de depressão (que deve ter ajudado a compor sua personagem no recente longa de Lars Von Trier). Antes de trabalhar com Sofia em Maria Antonieta, Kirsten trabalhou com a cineasta em seu filme de estreia, o melancólico As Virgens Suicidas (2003) colhendo elogios e dando projeção a uma diretora estreante que precisava provar ser dona de um estilo próprio, distante da grandiloquência do pai Francis Ford. Depois da aclamação absoluta com Encontros e Desencontros (2006), Coppola retomou a parceria com Dunst em seu filme mais ambicioso. Eu mesmo fiquei assutado quando soube que a diretora iria dirigir uma biografia da rainha francesa. Assim como eu, muitos devem ter pensado que Coppola filha iria se render a mais um filme de época tradicional disposta a ganhar outro Oscar. Não foi bem assim. Quando o trailer foi liberado com trilha rock dos anos 1980, figurinos exuberantes e Marie Antoinette escrito em tons gritantes, percebemos que seria mais um filme com a assinatura estilosa de Sofia. Azar de quem pensou diferente. Baseado na biografia escrita pela historiadora Antonia Fraser, Coppola conta uma história diferente de uma das rainhas mais odiadas dos livros de história. O viés para isso é bem simples: tratava-se de uma adolescente e portanto, imatura para saber o que estava fazendo ao assumir o trono da França - ao casar-se com Luís XVI (o primo Coppola Jason Schwartzman). Ao invés de se concentrar em intrigas palacianas, Coppola se preocupa com a busca de uma imagem mais humana da personagem histórica do século XVIII.. Maria Antonieta é mostrada realmente como uma deslumbrada com seus inúmeros vestidos, cabelos elaborados, festas e quitutes, mas atire a primeira pedra quem for uma adolescente que não faria a mesma coisa ao ser afastada da família na Ucrânia (até do cãozinho de estimação) e ter todas as regalias que uma rainha pode ter? O estilo de vida deliciosamente fútil pode ainda ser interpretado como uma fuga da pressão que Marie sofria em dar um herdeiro para o trono francês diante da, digamos, resistência do rei "praticar" o casamento. A principal ousadia de Sofia não brota do humor que brota de situações como o rei e a rainha sendo acordados por seus serviçais (que inclui uma ótima Judy Davis e um acolhedor Steven Coogan), ou das crianças da corte vestidas feito adultos, mas do fato de adotar um estilo anacrônico para contar sua história. Além da trilha com canções pop contemporâneas (Strokes, Siouxie & The Banshees, New Order...) a diretor chega a colocar um All star entre os sapatinhos de sua rainha. Parecendo ser voltado para os adolescentes e descolados, o filme desagradou um bocado de adultos que buscava um filme mais tradicional. Quem conhece o cinema de Sofia, sabe que de tradicional ele não tem nada. Marcados pelas entrelinhas, seus longas costumam deixar sua mensagem de forma mais sutil, por conta do espectador mesmo, e nesta biografia de direção de arte, fotografia e figurinos exuberantes a mensagem é que apesar de toda essa casca, Antonieta era uma garota da nobreza como outra qualquer do seu tempo. O problema é que ela estava à frente de uma nação ao lado de um rei jovem e não muito apto para o cargo. Sofia evita polêmicas e mostra que a rainha teve apenas um caso extra-conjugal (Conde Versen, vivido pelo galãzinho Jamie Dornan) e era uma mãe atenciosa apesar da fama de ser "fria pela cultura de seu país de origem". Paralelamente a vida dos sonhos vivida no castelo, o filme dedica poucas linhas para a crescente revolução francesa que ocorria fora do castelo e ao chegar a cena derradeira da personagem, Sofia opta por um final elegante e coerente com sua obra. Indigno do massacre, Maria Antonieta é um filme de encher os olhos e os ouvidos e Kirsten Dunst tem uma atuação que pode não ser brilhante, mas é correta como a jovem rainha que se deslumbra e sente-se esmagada pela vida de rainha. Apesar de todos os seus menosprezados méritos (mesmo ganhando o prêmio da Educação para a Juventude em Cannes) o que mais impressiona no filme é o oscarizado figurino de Milena Canonero em tons pastéis. Mesmo sendo de época, trata-se de um dos filmes mais fashion de que se tem notícia (conheço um bando de garotas que usariam facilmente aqueles vestidinhos).

Maria Antonieta (Marie Antoinette/EUA-França-Japão/2006) de Sofia Coppola com Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Judy Davis, Steve Coogan e Asia Argento. ☻☻☻☻

DVD: Melancolia

Ir ver um filme de Lars Von Trier é garantia de se deparar com algum estranhamento durante a sessão. Seja um musical deprimente (Dançando no Escuro/2000), filmes sem cenário (Dogville/2003 e Manderlay/2005) ou terror erótico (Anticristo/2009), mas o estranhamento que senti ao ver Melancolia foi totalmente diferente. Não que as sensações ao ver seus filmes anteriores fossem iguais, mas todos tendiam a uma mesma direção, Melancolia vai na direção oposta de seus irmãos. Talvez por estar ciente de que sua nova criação era tão límpida que Trier criou aquela polêmica toda dizendo ser nazista e que acabou no seu banimento no Festival de Cannes. A brincadeira (de mau gosto) do cineasta apareceu nas entrevistas por conta de sua inspiração no romantismo alemão, especialmente em telas que aparecem quase que reproduzidas em seu brilhante epílogo (ao som da ópera Tristão e Isolda)  que nos conta o que acontecerá durante as próximas duas horas de sessão. Sabendo o que acontecerá de antemão, porque continuar assistindo ao filme? Porque Lars Von Trier é um dos grandes contadores de história do cinema atual, o mais legal é que você nem precisa gostar dele, basta ficar sentado diante de seus filmes e deixar-se hipnotizar por seus personagens cheios de contradições defendido por atuações irrepreensíveis. Digira seus filmes por alguns dias e irá entender o que estou dizendo. Kirsten Dunst que o diga, mesmo com toda a polêmica em Cannes, a apreciação de sua atuação como a maníaco depressiva Justine  saiu ilesa e acabou levando para casa o prêmio de melhor atriz do Festival. Mas Dunst não está sozinha ela conta com Charlotte Gainsbourg (premiada em Cannes em 2009 por sua corajosa atuação em Anticristo e a única atriz que topou atuar novamente sob a batuta do dinamarquês). Elas ainda contam com seus pares, que dão conta de encarnar personagens totalmente opostos a elas, Kiefer Sutherland que deixa Jack Bauer de lado para ser um ricaço cego pela razão científica e o estreante Alexander Skarsgard (filho do ator favorito de Trier, Stellan que está no filme como o chefe boçal de Justine) que interpreta o romântico noivo de Justine. É curioso como todo o filme é organizado em torno de oposições, portanto, nada mais vontrieriano do que dividir o filme em duas partes distintas. A primeira é dedicada ao casamento de Justine, uma festa organizada pela irmã e o cunhado que é, na verdade, um acordo para que ela seja feliz. Justine sorri, mas o único  momento que lhe dá alegria é quando a limusine não consegue fazer as curvas da estrada até a festa - é como se Justine soubesse desde o início que sua festa seria um grande martírio. Seja pela presença do chefe insistente por um slogan publicitário, pela mãe dominadora (a ótima Charlote Rampling, gélida como sempre) que não acredita em toda aquela convenção ou o pai (John Hurt, o narrador de Dogville) que não leva nada a sério. Toda essa combinação pode justificar a tristeza de Justine no dia que poderia ser feliz, mas a ferida de Justine é mais profunda. Talvez por isso ela seja a primeira a ver que existe algo de diferente no céu na noite de seu casamento e que mais tarde descobriremos ser o tal planeta que dá nome ao filme. Trier pode merecer elogios por fazer a festa de casamento mais incômoda da história (e seus humor ácido ajuda muito nisso), acho que por conta desse incômodo que apreciei mais a segunda parte da história dedicada à Claire. Apesar de ser coadjuvante Charlote Gainsbourg tem ótimos momentos como a irmã tão zelosa quanto controladora, que quer o melhor para sua família desde que seja em seus termos. Por isso mesmo enquanto cuida de Justine (que retorna ao lar depois de uma instituição para tratar sua depressão profunda) nega a si mesma que o plante Melancolia irá se chocar com a Terra. O interessante é que Justine não está nem aí para essa colisão, ao contrário, é capaz de contemplar a ameaça banhando-se em sua luz azulada no meio da noite, assim, só para relaxar! A utilização de Justine  e Claire como elementos opostos da narrativa faz lembrar, em devidas proporções, as irmãs de Razão e Sensibilidade (1995) em suas diferentes formas de encarar o mundo. Houve uns debochados que disseram que era o blockbuster de Lars Von Trier por tratar do fim do mundo, mas quem conhece o cineasta sabia que o fim do mundo estaria alinhado com os contornos internos de seus personagem (tal e qual o horror serviu para a tortura física e psicológica do casal de Anticristo), ao mesmo tempo os fãs mais provocadores do cineasta disseram Melancolia é uma alegoria sobre o fracasso do casamento tendo-o visto como o início do fim da vida dos personagens. Eu prefiro ver tudo de uma forma mais ampla, Melancolia é um filme sobre um apocalipse que pode ser a redenção num mundo que tenta se equilibrar entre sentimentos opostos e, por isso mesmo, complementares. É da inabilidade de lidar com esses paradoxos que brota a tristeza tão bem encarnada por Kirsten Dunst, que consegue ser a alma feminina do filme mais singelo de Trier, o resto é puro marketing.

Alexander e Kirsten: a última chance de ser feliz ou o início do fim?

Melancolia (Melancholia - Dinamarca/Suécia/França/Alemanha-2011) de Lars Von Trier com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Sakarsgard, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Cameron Spurr, Udo Kier e Brady Corbet. ☻☻☻☻

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

10+ MELHORES FILMES 2011

Para listar os melhores filmes lançados no Brasil neste ano resolvi utilizar a ordem alfabética. O ano foi preocupante em lançamento cinematográficos, mas entre os lançamentos de 2011 e representantes da safra de 2010 que chegaram atrasados por aqui, a lista ficou assim:

A Árvore da Vida O filme de Terrence Mallick foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes, mas isso não garantia que o filme seria digerido pelo grande público. A Árvore da Vida é uma viagem  sensorial sobre a vida e a morte, a gênese e o apocalipse com base nas memórias de uma família  da década de 1950. As atuações marcantes de Brad Pitt e Jessica Chastain servem de guia nesta jornada de som, imagens, reflexões e alguma fúria de forma pouco vista no cinema recente. O longa de Mallick beira o experimental e torna-se uma das obras mais impressionantes do início desta década.

Cisne Negro Fazia tempo que Darren Aronofsky merecia um arrasa quarteirão no currículo. Obviamente que os mais antenados sabiam da existência do diretor desde Pi (1998), mas foi com este misto de drama e terror esquizofrênico que o diretor realizou o grande sucesso do início deste ano. Na jornada preparatória da boa moça Nina (Natalie Portman, excepcional) para ser a protagonista de O Lago dos Cisnes, ela terá que lidar com seus medos equilibrando seu lado mais doce com o mais agressivo. As consequências podem ser tão libertadoras como trágicas. Indicado a cinco Oscars (ganhou o de atriz) o filme elevou o cinema pesadelesco de Aronofsky ao status de blockbuster. 

Meia-Noite em Paris 2011 ficará conhecido como o ano em que Woody Allen alcançou o seu maior sucesso de bilheteria. Meia Noite em Paris abriu o festival de Cannes deste ano e já era declarado um sucesso. Todo mundo torcia o nariz para a escalação de Owen Wilson para o alter-ego de Allen e depois se rasgaram em elogios para a interpretação do escritor em crise que à meia-noite da capital francesa consegue revisitar o passado da cidade e suas figuras ilustres. O elenco recheado de bons atores (Rachel McAdams, Marion Cotillard, Adrien Brody, Tom Hidleston, Alisson Pill...) conta ainda com a colaboração da primeira dama Carla Bruni em participação especial. Entre a genialidade e a nostalgia o filme é um dos mais cotados às premiações. 

Melancolia Ainda em Cannes Lars Von Trier conseguiu ser declarado persona non grata no festival após desastrosas declarações de que era nazista. Francamente, ninguém aprendeu que Trier é um péssimo piadista? Seja como for, seu filme saiu premiado na categoria de melhor atriz com Kirsten Dunst no papel da noiva que vê seu casamento ameaçado pela colisão de um planeta (que dá nome ao filme) com a Terra. Quem imaginava um filme desastre convencional se surpreendeu com as divagações de Trier sobre a depressão. Entre a aceitação do fim e a resistência, Trier demonstra em seu epílogo que o que importa é seu talento para contar histórias que já conhecemos. 

Namorados Para Sempre Derek Cianfrance exibiu seu Blue Valentine em Cannes2010, mas os cupidos da vida quiseram que o filme chegasse por aqui somente no dia dos namorados deste ano. Muita gente viu o trailer e achou que o filme era uma fofura, bem... pelo menos só cinquenta por cento era. Com a ajuda de Ryan Gosling e Michelle Williams (indicada ao Oscar) o diretor conta a dissolução de um casal ressignificando acontecimentos do passado. Tudo que era doce, agora aparece enjoativo ou sem sabor. Na edição engenhosa e nas atuações vigorosas de seu elenco, Cianfrance conta uma das histórias mais realistas sobre o início e o fim de um relacionamento. O filme ainda conseguiu ser o favorito de minha mãe entre os lançamentos deste ano!

Não me Abandone Jamais Mark Romanek demorou quase uma década para retornar na direção de um longa metragem. Famoso diretor de video clipes ele teve que lidar com a frieza na recepção de seu Não me Abandone Jamais, baseado no livro de Kasuo Ishiguro. Mistura de romance e ficção científica, muitos criticaram a forma como os personagens aceitavam o seu destino. Desde os primeiros anos na escola (ou você acha que o início na escola é por acaso?) percebemos como a vida do trio formado por Carey Mulligan, Andrew Garfield e Keira Knightley não lhes pertence. Mulligan tem uma atuação excepcional e demonstra como a tristeza pode doer de ambos os lados da tela.  

Rango Enquanto Shrek chegava à sua quarta edição sem muito fôlego, Kung Fu Panda 2, Carros 2 e Happy Feet 2 disputavam para ver quem tinha a sequência menos desanimadora. Não fosse pelo camaleão psicodélico de Gore Verbinski as inovações no campo da animação teriam passado em branco nos cinemas de 2011. Rango é um camaleão que se perde no deserto e irá ajudar um vilarejo de animais (não propriamente bonitinhos) a ter sua água de volta. Entre inúmeras citações aos filmes de faroeste (e vertiginosas cenas de ação) o filme é de um deslumbramento visual irresistível. Ainda que possa parecer esquisito demais para os pequeninos, Rango é um dos filmes mais divertidos do ano. 

Reencontrando a Felicidade Ainda não sei como Nicole Kidman conseguiu ligar o diretor de Hedwig (2000) e Shortbus (2006) a esta adaptação de um renomada peça americana. Rabbit Hole deu a chance de John Cameron Mithcell provar que dá conta de filmes sem temáticas sexuais latentes - e de quebra provou que Kidman ainda é uma das melhores atrizes de Hollywood. Sua atuação como a mãe que tenta lidar com a morte do filho lhe valeu indicações a vários prêmios para espantar a má fase de sua carreira. O mais interessante do filme é como o elenco, o roteiro e a direção dão conta das transformações internas de seus personagens enquanto juntam os cacos para prosseguir. 

Toda Forma de Amor Nunca pensei que um filme de Mike Mills ficariam entre meus favoritos, mas seus longas sempre me deram  a impressão que não queriam ser inesquecíveis. Toda Forma de Amor é uma guinada em sua carreira, ainda que não seja perfeito, o diretor dá conta de tantos elementos que é notável a sua habilidade em lidar com os dramas de seus personagens. Christopher Plummer merece fazer bonito nas premiações como o pai que assume sua homossexualidade para o filho (Ewan McGregor, no seu melhor papel em muito tempo) e tem que lidar com o tratamento contra o câncer. Essa proximidade da morte, faz com que o filho pense em sua própria vida amorosa com uma atriz (vivida por Mélanie Laurent) e pense sobre a vida ao ler os pensamentos de um... cachorro. Entre o tocante e o inusitado, Mills fez o seu melhor filme.

Tudo Pelo Poder Por pouco o novo filme de George Clooney não fica para a lista do ano que vem! O filme estreou há poucas semanas no Brasil e contou com o apoio de suas quatro indicações ao Globo de Ouro (filme, direção, ator e roteiro) na divulgação. O filme explora como a política pode ser intoxicante a partir do ponto de vista de um porta-voz (Ryan Gosling) de um governador democrata (Clooney) que acredita estar do lado ideologicamente correto até... conhecer uma estagiária (Evan Rachel Wood) que é capaz de acabar com a carreira política do governador. Ainda que mantendo um tom cético, o filme afirma a todo instante que a política é um campo inerente á constituição do ser humano (o que não é pouca coisa). 

FILMED+: Uma Relação Pornográfica


Baye e López: amantes platônicos.

Acho que desde que Bertolucci chocou o mundo com O Último Tango em Paris (1972) que o lançamento de filmes sobre dois estranhos que se encontram apenas para manter relações sexuais ganhou ênfase - e lançamentos recentes como Amizade Colorida e Sexo sem Compromisso dão apenas tonalidades mais engraçadinhas a algo que já conta quase como um gênero cinematográfico. O problema nesse tipo de filme é se equilibrar entre a vulgaridade e o moralismo. Diante deste perigoso desafio, considero que o francês Uma Relação Pornográfica é o que de melhor um filme desse gênero pode oferecer. O mais engraçado é que toda a resenha sobre ele costuma começar com o já clássico: "não se assuste com o título", uma vez que, de pornográfico o filme de Frédéric Fonteyne não tem nada. O título sugere que existe cenas de sexo explícito no longa, mas quem contar com isso vai se decepcionar. O filme acompanha, com um toque documental (os protagonistas são entrevistados entre as cenas flashback) a relação entre uma mulher madura (Nathalie Baye, premiada em Veneza) e um homem mais jovem (Sergi López). Tudo começa quando ela coloca um anúncio em busca de um parceiro puramente sexual, como em todo filme que se baseia neste ponto de partida, os dois pretendem não estabelecer um compromisso, mas manter a tal relação que o título anuncia. Sem o envolvimento emocional os dois consideram que esta relação tem tudo para dar certo, mas enganam-se. A medida que se encontram e trocam uma palavra ou  outra, os dois percebem que a companhia do parceiro pode ser aproveitada de outras formas - e neste momento o roteiro desconstrói os estereótipos que habitavam nossa mente quando conhecemos o amante de origem espanhola e a mulher madura moderninha. Conforme o filme de Fonteyne aprofunda os personagens, se rende ao romantismo sem pudores. Ironicamente, os protagonistas começam a fazer o caminho inverso da maioria dos relacionamentos, descobrindo cada vez mais características que atraem um ao outro, elevando a atração sexual a outro patamar. A graça do filme de Fonteyne é fazer os dois se apaixonarem ao mesmo tempo, mas terem fortes pudores em admitir o que surge entre eles. Ela se considera velha demais para ter ilusões que um homem mais jovem poderá nutrir algum interesse por ela que não seja somente o acordo que há entre eles. Enquanto isso, ele considera que admitir estar apaixonado seria desrespeitar o acordo existente. O dilema "platônico" que se instala entre os personagens é envolvente e culmina em um belo desfecho que é coerente com toda a obra, sem sentimentalismos ou artificialidade. Uma Relação Pornográfica ainda prima por sutilezas como não exibir nenhuma cena de sexo entre o casal (a porta simplesmente se fecha deixando que no espectador a real sensação de que está espiando a vida alheia) até o momento em que se descobrem apaixonados - e ainda tem aquela cena curiosa onde o casal encontra um personagem que faz com que pensem os prós e contras de um compromisso amoroso.  Além do cuidado estético e narrativo, o filme ainda conta com atuações inspiradas de Baye e López como um dos casais mais inesquecíveis do cinema - mesmo que não saibamos os nomes deles. 

Uma Relação Pornográfica (Une Liaison Pornographique/França-1999) de Frédéric Fonteyne com Nathalye Baye, Sergi López, Jacques Viala e Joseph Lignaux. ☻☻☻☻

sábado, 24 de dezembro de 2011

DVD: Ricky

Ricky: o anjo da guarda da família?

Mantendo a média de quase um filme por ano, François Ozon é um dos raros diretores franceses que garantem a chegada de seus filmes em nosso cinemas. Está certo que eles costumam chegar com atraso, mas seu fã-clube (que não é pequeno) agradece. Quem acompanha a carreira do diretor deve ter notado uma mudança de tom em seus filmes mais recentes, quem estava acostumado ao tom ácido de Gotas d´água em Pedras Escaldantes (2003)  e Swimming Pool (2003), ou a tristeza de Sob a Areia (2000) e O Amor em 5 Tempos (2004) tem que se contentar com histórias mais brandas como do recente Potiche (2010) e deste Ricky. Ricky é quase uma fábula, quase porque o diretor sempre imprime um tom realista aos seus filmes, mesmo quando trata do nascimento de um anjo. Ou será que Ricky não é um anjo? Ricky é um lindo bebê que nasce do namoro de Katie (Alexandra Lamy), uma operária francesa, com Paco (um rechonchudo Sergi López). Os dois começam a morar juntos quando ela descobre a gravidez e a pequena filha de Katie, Lisa (Mélusine Mayance) começa a ter seus próprios dilemas diante da nova estrutura familiar - qual será o seu lugar na casa com o nascimento do irmãozinho e a presença do padrasto? A chegada de um bebê sempre mexe com uma família e quando as coisas começam a se ajeitar Ricky começa a aparecer com hematomas nas costas e compromete a estabilidade da família. As coisas só pioram quando descobre-se que não eram hematomas, mas asas que nasciam no bebê. Asas mesmo, como de um frango depenado que aos poucos recebem suas primeiras penugens. Apesar de contar a história com tom de realismo fantástico, o diretor evita que a mãe entre contato com médicos num primeiro momento, como se ela adivinhasse que a imprensa logo saberia da existência de Ricky e algo pior pudesse acontecer. Cenas como do bebê voando pela casa e pelo supermercado podem até dar um contorno de comédia para o filme, mas Ricky é um drama familiar sobre laços que precisam ser fortalecidos. Suas asas e presença angelical funcionam mais para agregar novamente os membros da família do que para o deslumbramento dos espectadores - isso fica bem claro no final quando o bebê surge como uma intervenção divina num momento crucial da vida da mãe e o abraço singelo de Lisa em Paco ao ira para a escola. Só um desavisado acharia que François Ozon deixaria a mão mais leve e entregaria algo convencional, apesar de faltar substância em Ricky, o filme é uma obra despretensiosa na cinematografia de um diretor que adora humanizar as dores de seus personagens, mesmo que sem tanta intensidade como vemos aqui.

Ricky (França/Itália - 2009) de François Ozon com Alexandra Lamy, Sergi López e Mélusine Mayance. ☻☻☻ 

DVD: Os Smurfs

Os Smurfs: sessão natalina de nostalgia

Somente ontem eu vi a adaptação cinematográfica dos Smurfs, antes de escrever qualquer coisa eu devo revelar que quando pequeno era grande fã do desenho animado e minha mãe vive dizendo que ao ganhar o brinquedo dos seres azuis eu fiquei nervoso imaginando que eles pulariam do cogumelo em que estavam embalados. Ainda com gosto de nostalgia, era noite de Natal quando recebi o cogumelo de madeira com os azuizinhos! Acredito que muitos adultos devem ter levado seus filhos aos cinemas para lembrar as sensações que Papai Smurf e sua trupe nos oferecia todas as manhãs. Assim como eu, muitos devem ter ficado desconfiados quando descobriram que o filme não era uma animação, mas mesclava atores reais com os Smurfs e os mais exigentes devem ter sentido arrepios quando viu o nome de Raja Gosnell como responsável pelo filme (precisa lembrar que o cara estragou Scooby Doo?). Sorte que os personagens criados por Peyo inspirado na mitologia belga não perdem o seu carisma nem quando tem um roteiro bobinho nas mãos. Indicado especialmente para as crianças que fizeram do filme um sucesso mundial - e não por acaso o DVD da primeira aventura dos personagens no cinema chegou às lojas algumas semanas antes do Natal. A trama conta a chegada dos Smurfs em (sempre) Nova York após utilizarem uma passagem secreta para fugir do bruxo Gargamel (Hank Azaria, bem exagerado) que precisa dos Smurfs para fortalecer suas magias. O filme conta com a participação dos personagens mais famosos da série, Papai Smurf, Eugênio, Desastrado, Ranzinza, Smurfete (com voz da catora Kate Perry) e o novato Arrojado (?!) que parece escocês. Com esses nomes conhecidos, Raja teve o bom senso de não mudar as características dos personagens (apesar de  Eugênio aparecer mais simpático que no desenho, o que não compromete). Os atores de carne e osso Neil Patrick Harris e Jayma Mays (de Glee) tem como maior desafio interagirem com o que não existe e evitar que tudo caia no ridículo, apesar de todo o esforço seus personagens não tem muito o que fazer na trama. Até a engraçada Sofia Vergara (de Modern Family) tem menos destaque do que merecia. Se tudo o que interessa são os Smurfs, eles fazem suas gracinhas enquanto fogem de Gargamel ou se impressionam no mesmo estilo de Encantada (2007) ao entrarem em contato com o mundo real. Sobra piadinhas com os Smurfs (sobre a musiquinha e a escolha de seus nomes) e com os próprios atores do filme (da canção I Kissed a Girl de Katy Perry à participação de Tim Gunn repetindo seu bordão do reality Project Runaway). Dá para ver, comer pipoca, dar uma saidinha quando a narrativa esfria (especialmente quando lida com os dilemas do casal Winslow diante da chegada do primeiro filho) e ainda assim se divertir com algumas trapalhadas. Está longe de ser um clássico como o desenho animado, mas pelo menos conta com efeitos especiais bem cuidados (que devem ser indicados ao Oscar) e não deixou os personagens principais como coadjuvantes (o grande erro de Transformers).

Os Smurfs (EUA-2011) de Raja Gosnell com Hank Azaria, Niel Patrick Harris, Jayma Mays, Sofia Vergara Tim Gunn e Katy Perry.☻☻ 

CATÁLOGO: Um Lugar Chamado Notting Hill

Anna e Will: O amor é lindo!

Quem está acostumado a ler o diáriw sabe que não sou muito chegado a comédias românticas, mas existem algumas que eu realmente gosto muito. Uma delas é Um Lugar Chamado Notting Hill de Roger Michell, que fez grande sucesso ao ser lançada em 1999 e conta com Julia Roberts entre um grupo de atores britânicos que sabem muito bem o que devem fazer. A história é bem simples: uma super estrela hollywoodiana, Anna Scott (Roberts), quer fugir um pouco da badalação de Los Angeles e se refugia na Inglaterra. Nas suas andanças entre os meros mortais ela acaba conhecendo um dono de livraria que só vende livros de turismo, William Thacker (Hugh Grant), que não a reconhece, mas fica impressionado ao vê-la em sua loja. Um encontro aqui e outro ali e você já sabe o efeito que isso terá sobre o casal. A diferença de Notting Hill para os outros filmes do gênero é que o casal protagonista não ficam brigando por besteirinhas até o happy end, os dilemas da dupla giram em torno da (im)possibilidade de uma estrela se envolver com uma pessoa comum - entre todos os empecilhos que possam surgir (o assédio da imprensa, as crises de egocentrismo, o ciúme, a agenda de filmagens...). Conta muitos pontos a favor a opção de Michell por uma narrativa serena e sem histeria que confere seriedade a uma trama que poderia ser vista como improvável (curiosamente depois desse sucesso, Michell acabou realizando filmes sobre amores impossíveis seja da sogra sessentona apaixonada pelo genro Daniel Craig em Recomeçar/2003 ou o octogenário caindo de amores por uma ninfeta em Vênus/2006). Notting Hill ainda tem a embalagem mais do que agradável com a fotografia de cartão postal de um dos bairros mais charmosos de Londres (Notting Hill) e a trilha sonora agradável aos ouvidos. Reza a lenda que Julia Roberts colaborou no roteiro para deixar sua personagem mais engraçada, já que a considerou pedante demais, e sua química funcionou perfeitamente com Hugh Grant em seu último papel de bom moço.Talvez pelo tom de romantismo com que a história é contada, Julia alcance aqui alguns dos melhores momentos de sua carreira - mesmo que eles nasçam de momentos inusitados como a disputa pelo último bolinho no jantar ou quando tenta recuperar o coração de Will.  Além das boas atuações da dupla principal, o filme é auxiliado por um elenco de apoio exemplar formado por atroes ingleses até então desconhecidos do grande público como Rhys Ifans, Gina McKee e Hugh Boneville - os mais famosos Alec Baldwin e Matthew Modine aparecem em participações especiais. Apesar de muita gente achar que se trata de um filme de Julia Roberts como outro qualquee, ele não é. Fique atento aos momentos mais elaborados do diretor, como a passagem do tempo enquanto Will caminha pelo bairro ou o momento em que Anna aparece na tela (em um filme de ficção científica chamado Helix) e parece estar invadindo o coração de Will. Além disso o trato tridimensional que os coadjuvantes recebem é uma raridade em comédias românticas. Sempre que assisto ao filme considero o seu maior trunfo a direção de Michell, afinal o roteiro de Richar Curtis (o mesmo de Quatro Casamentos e um Funeral/1994) quase não sai do lugar comum. No entanto, não são poucos que consideram que se Mike Leigh dirigisse uma comédia romântica, ela não seria muito diferente de Um Lugar Chamado Notting Hill, um desses filmes para ver acompanhado - ou  motivar aquela declaração de amor a plenos pulmões.

Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill/EUA-Reino Unido-1999) de Roger Michell com Julia Roberts, Hugh Grant, Rhys Ifans, Richard McCabe, James Dreyfuss e Gina Mckee. ☻☻☻☻

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

DVD: Uma Manhã Gloriosa

Rachel, Diane e Harrison: os bastidores da manhã televisiva.

A canadense Rachel McAdams é uma das queridinhas de Hollywood, mas sempre que vejo suas participações em bobagens como Uma Manhã Gloriosa lembro de suas discussões com o ex-namorado Ryan Gosling - que vivia dizendo que a moça deveria fazer mais filmes sérios que valorizassem o seu talento. Uma Manhã Gloriosa é um desses longas que você assiste sem muito esforço, não tem novidades ou momentos memoráveis. Você pode rir num momento aqui e outro ali, mas não vai ser o filme favorito de ninguém. O filme passou em branco nos cinemas, recebeu críticas mornas e o bom elenco não atraiu o público. A maior sorte do roteiro (assinado por Alinne McKenna  do bom Diabo Veste Prada/2006 e do péssimo Vestida para Casar/2008) foi ter caído nas mãos de Roger Michell que andou fazendo produções sérias depois do sucesso da comédia romântica Notting Hill (1999), aqui ele deve ter sido convidado para dar a mesma carga simpática ao longa. Pena que o resultado beira a decepção. Becky Fuller (McAdams) é uma jornalista recém formada que é contratada para ser diretora executiva de um falido programa matutino na TV o DayBreak. Ao chegar ela fica sabendo que vários já deixaram o programa por não dar conta de fazer a audiência decolar e suportar o temperamental casal de apresentadores. A parte masculina (vivida por Ty Burrel de Modern Family) é logo demitida e precisa ser substituída. A jovem produtora não faz ideia do que soferá quando conviver com o substituto dele, o renomado jornalista Mike Pomeroy (Harrison Ford) que é mais arrogante e rabugento do que o próprio diretor da emissora. Pomeroy é conhecido como a terceira pior pessoa do mundo (muitos apontaram semelhanças entre o personagem e o próprio Harrison, que tem fama de ranzinza) e tudo piora quando o programa apresenta aqueles quadros inúteis que contaminam as emissoras do mundo inteiro. Entre as boas intenções da produtora e os ideais do veterano jornalista, está a ex-miss Colleen Peck (Diane Keaton) que não se incomoda de passar por situações ridículas para alavancar a audiência do programa que apresenta. O maior problema nos dilemas dos personagens é a total falta de criticidade do roteiro que não percebe o processo de idiotização dos programas de TV (está certo que ninguém quer acordar de manhã e ver tiroteios e assassinatos, mas qual a relevância de ver uma senhora beijando um sapo ou de um jornalista ensinando a fazer omelete?),  isso torna a composição dos personagens bastante unidimensional. Becky sempre aparece com um copo de café e um celular na mão ou uma torrada e um celular na mão correndo de um lado para o outro enquanto seu namorado (Patrick Wilson que tem talento e pinta de galã, mas nunca decola na carreira) é produtor de um programa de sucesso e vive tranquilo (o engraçado é que o romance é só um detalhe na trama, se tirasse daria na mesma). Diane tem que se contentar em ser uma pateta de meia idade e Ford em ser ele mesmo. De glorioso o filme não tem nada, mas serve para passar o tempo sem exigir muito do cérebro. Quanto ao bom elenco, todos deveriam seguir o conselho de Ryan Gosling!

Uma Manhã Gloriosa (Morning Glory/EUA-2010) de Roger Michell com Rachel McAdams, Harrison Ford, Diane Keaton, Patrick Wilson e Jeff Goldblum. ☻☻

Combo : Revelações 2011

Durante todo o ano nossos olhos começam a dar atenção a novos rostos e talentos que são promessas para os anos seguintes. Em meio ao difícil ano que o cinema atravessou neste ano com produções mornas e que se concentraram mais em sequências e refilmagens, novos seres surgiram injetando sangue novo em Hollywood: 

5 Martha Marcy May Marlene (2011) Elizabeth Olsen era só mais uma irmã Olsen (você deve lembrar só daquelas gêmeas cabeçudas e anoréxicas) até aparecer no Festival de Cannes com este longa metragem, dirigido por Sean Durkin, sobre a história de uma adolescente que faz parte de um estranho culto até que as coisas começam a se tornar mais abusivas. As irmãs mais velhas devem estar subindo pelas tamancas de grife, já que Elizabeth conquistou unanimidade da crítica - que a aponta como uma das favoritas ao Oscar de atriz. Presente em várias listas de melhores do ano e indicada a prêmios, a atriz promete ficar em evidência nos próximos anos. 

4 Os Descendentes (2011) Apontado como um dos grande favoritos ao título de melhor filme do ano, The Descendants traz mais do que uma comovente atuação de George Clooney como o pai disposto a estreitar os laços afetivos com os filhos - enquanto a esposa se recupera do acidente. O filme traz ainda a aclamada atuação de uma promessa, Shailene Woodley. Woodley já participou de produções para a TV e de dois outros longa metragens, mas agora aos vinte anos, ela vive a primogênita da família King e aproveita a chance de humanizar um personagem sob a batuta de um diretor acostumado a inspirar boas atuações. Indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante e presente em todas as listas de revelação do ano a jovem de 20 anos é uma das grandes promessas para os próximos anos. 

3 Histórias Cruzadas (2011) Teve gente que ficou surpresa com o sucesso de The Help nos cinemas, mas além da desenvoltura com que o diretor Tate Taylor conta uma história sobre preconceito, ele conta com um elenco excepcional formado por Viola Davis, Emma Stone, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Sissy Spacek e Octavia Spencer. Spencer é apontada como uma das maiores responsáves pelo sucesso do filme. Na trama que gira em torno de um livro sobre empregadas negras em meio à luta pelos direitos civis no Texas, Spencer serve muitas vezes de alívio cômico como Minny Jackson, a empregada que fala o que pensa e encontra vingança em seus dotes culinários. Indicada a vários prêmios de coadjuvante (inclusive ao Globo de Ouro) pelo papel, Octavia deve promover uma disputa acirrada no Oscar. 

2 Thor (2011) Único homem da lista, o britânico Tom Hiddleston está com a medalha de prata por um motivo muito simples: enquanto suas companheiras desta edição de Combo estão em papéis de fortes possibilidades dramáticas e que as colocaram na mira das premiações, Hidleston encarou um papel perigoso: Loki, o irmão traiçoeiro do herói Thor na produção de Kenneth Branagh. Encarnar o deus da mentira poderia ser um desastre para sua carreira. Aquele capacete de chifres enormes e os momentos shakesperianos ao lado de Anthony Hopkins poderiam ter ido por água abaixo se o o ator não encarnasse seu vilão com seriedade absurda! Mas 2011 não ficará marcado somente marcado por esta adaptação da Marvel, Hidleston ainda apareceu como F. Scott Fitzgerald em Meia Noite em Paris de Woody Allen e será um dos personagens de Cavalo de Guerra de Steven Spielberg.

1 Árvore da Vida (2011) Vocês vão enjoar de tanto que irei escrever sobre Jessica Chastain não apenas por ter me apaixonado por ela como pelo fato dela ter feito sete filmes somente neste ano - e a maioria aclamados pela crítica. Há quem brinque que ela mereça até um prêmio pelo conjunto da obra somente pelos filmes que realizou este ano. Mas se no independente Jolene (2009) ela já demonstrava talento, foi em Árvore da Vida  que lhe recebeu alcance mundial como a mãe que é toda amor e compreensão com seus filhos em conflito com a educação rígida do pai (vivido por Brad Pitt). O mais incrível é que Jéssica consegue construir a personagem de forma gradativa em meio a fragmentada edição do longa. Indicada a vários prêmios, incluindo o Globo de Ouro de coadjuvante por Histórias Cruzadas, Jessica é presença certa no Oscar deste ano. 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DVD: Planeta dos Macacos - A Origem

César e Will: encontro entre filho e ...pai?!

Faz tempo que Hollywood estava com vontade de revitalizar a franquia Planeta dos Macacos (iniciada em 1968), afinal, além do filme original ser um clássico, a ideia bem sacada envolvendo contornos apocalípticos sempre chama a atenção. Não vou nem mencionar que considero a série inicial bem amarrada e cumprindo bem o seu papel de ficção científica na década de 1970. Porém, a última tentativa de reciclar a franquia foi pífia. Até o fã mais ferrenho de Tim Burton deve concordar que o cara errou feio quando realizou a refilmagem de Planeta dos Macacos em 2001 (e o resultado só não é o pior filme do cineasta poque recentemente ele fez aquela malajambrada versão de Alice no País das Maravilhas). Apesar de todo o esmero na maquiagem dos atores e os efeitos especiais, o resultado era mais confuso do que empolgante. Curiosamente o novato Rupert Wyatt (que tinha no currículo apenas um filme independente) conseguiu reciclar as ideias da série dando vida própria ao seu Planeta dos Macacos - A Origem. O filme se concentra na vida de César (em impressionante atuação de Andy Serkis a partir da tecnologia de captura de movimentos), um símio nascido em laboratório que carrega os efeitos dos experimentos à que sua mãe era submetida. Ela servia de cobaia para experimentos de combate ao mal de Alzheimer liderados pelo jovem Will Rodman (um compenetrado James Franco) que pretende curar o pai que sofre da doença. No entanto, alguns acontecimentos colocará em risco as pesquisas e a vida do pequeno César que vai viver com Will e seu pai (o veterano John Lithgow), mostrando-se cada vez mais inteligente do que os outros de sua espécie. Conforme César observa os humanos, adquire hábitos semelhantes aos deles (como usar roupas, comer à mesa) ao mesmo tempo que tenta conter seu lado selvagem,  vivendo o conflito entre ser um animal de estimação ou acreditar que Will o trata feito um filho. A partir daí César irá reavaliar o seu lugar no mundo e tornar-se um líder de sua espécie que pretende ser tratada com mais respeito pelos homens. Embora considere que o filme precisa respirar em meio à sua edição frenética repleta de efeitos impressionantes, trata-se de um grande acerto da temporada pipoca deste ano. Acho que muita gente nem se deu conta que o filme funciona perfeitamente como uma fantasia sobre o conceito de intelectual orgânico de Gramsci (não vou me aprofundar em filosofices, mas César é um ser que encontra seu lugar no mundo ao reconhecer as necessidades de seus semelhantes e passa a lutar para libertá-los), mas os carentes de pipoca de qualidade nem precisam saber disso para entender o filme.  O roteiro é bem construído e constrói um protagonista sólido em meio aos dilemas morais de seus personagens - mas não perde de vista a mitologia que lhe deu origem tendo citações à série original (o nome do personagem de Tom Draco Malfoy Felton, a macaca chamada Cornélia, a matéria no jornal sobre astronautas perdidos no espaço...) e um subtexto sutil que permite a continuação da saga (o vírus misterioso) ainda mais amparada pelo sucesso de público e crítica.  Acho que ainda merece ser ressaltada a elegante forma encontrada pelo diretor de encaminhar durante os créditos o pontapé inicial para a sequência, portanto, não desligue o DVD quando achar que a sessão terminou. Com tudo isso, o que mais impressiona é que a saga construída a partir do livro francês de Pierre Boulle permanece forte no imaginário da cultura pop. 

Planeta dos Macacos - A Origem (Rise of the Planet of the Apes/EUA-2011) de Rupert Wyatt com Andy Serkis, James Franco, John Lithgow, Freida Pinto, Bryan Cox e Tom Felton☻☻☻

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DVD: Biutiful

Bardem: o motivo para assistir Biutiful. 

Javier Bardem deve ser o maior astro espanhol que se tem notícia, com vários filmes de sucesso mundial (a começar pelo Almodovariano Carne Trêmula de 1997), um Oscar na estante de ator coadjuvante (por Onde os Fracos não Têm Vez/2007) e duas indicações ao Oscar de melhor ator. Na primeira ele já contava com o prêmio em Veneza em seu primeiro filme em inglês, mesmo com o personagem sendo cubado (o escritor Reinaldo Arenas em Antes do Anoitecer/2000). Para ter sua indicação ao Oscar em sua língua pátria, em colaboração com o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu ele contou com a ajuda de uma amiga do porte de Julia Roberts (com quem atuou em Comer Rezar Amar/2010) que promoveu alguns jantares para membros da Academia que seriam capazes de votar por uma indicação do ator de Biutiful (que já havia lhe rendido o prêmio de ator em Cannes) que tinha chances reduzidas por estar fora do prazo para concorrer a uma vaga na categoria por estar em circuito muito restrito. Todo cinéfilo bem informado sabe que Biutiful está longe de ser um filme qualquer, uma vez que juntas duas potências do cinema latino. O nome de Bardem chama a atenção até quando está em bobagens como as protagonizadas por la Roberts, imagine quando seu nome é somado nos créditos ao do aclamado diretor de Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Babel (2006). A propósito, Biutiful marca uma nova fase na carreira de Alejandro, já que brigado com seu parceiro roteirista (Guillermo Arriaga) teve de procurar dar conta da narrativa (aqui contou com ajuda de Nicolás Giacobone) e driblar os excessos de costume que se equilibravam sobre o fio de uma navalha. O maior sinal de mudança é o fato do filme não contar com histórias paralelas que se cruzam (que chegou à sua enésima potência em Babel) ou edição fragmentada. O filme se concentra em Uxbal (Barden) um homem que precisa dar conta dos filhos pequenos, dos problemas com a ex-mulher bipolar (a esquisita Maricel Álvarez) e com um recém diagnosticado câncer terminal. Esse núcleo familiar já daria conta de um belo filme sobre um homem que vive no limite, mas o diretor amplia ainda mais as mazelas do personagem. Não estou nem me referindo ao fato dele poder se comunicar com os mortos (que aparece na trama de forma sutil, mas em cenas bem elaboradas - especialmente a que os mortos aparecem pendurados nas paredes), mas ao tratamento que o filme dedica ao relacionamento de Uxbal em atividades envolvendo imigrantes ilegais. Se Iñárritu dá conta do lado paranormal como um dilema moral do personagem, por outro a situação da ilegalidade parece mal trabalhada, os personagens ficam sempre pelo meio do caminho, ainda que sejam interessantes (o casal de coreanos, a coreana que serve de babá para os filhos de Uxbal e a imigrante que tem o esposo preso) parecem estar ali somente para ampliar ainda mais a tragédia que se anuncia. É inevitável perceber o quanto o texto de Arriaga fez falta na hora de conduzir a trama e coube a Bardem amarrar todas as pontas que pudessem ficar soltas no cenário apresentado pelo filme. Todo mundo sabe que Bardem é um ator excepcional, mas Iñárritu poderia ter caprichado um pouco mais na cadência de seu filme que está longe de possuir a tensão e até a dramaticidade dos seus longas anteriores. Tudo beira o exagero, até a aparência suja dos cenários não ajuda ao querer imprimir a sordidez do universo que Uxbal transita. Existem muitas boas ideias no filme (incluindo o encontro de Uxbal com seu pai falecido), mas faltou capricho na execução, fica difícil pensar que muito do que está ali não é um emaranhado de clichês de filme sarjeta - e o nome Biutiful (numa leitura oralizada da palavra bonito em inglês) parece mais uma ironia do que propriamente uma relação com a beleza de sua história filme. Mas que fique registrado que o que faz a diferença é a atuação colossal de Bardem - que além de bom ator é casado com  a Penélope Cruz e não deve ter muito do que reclamar!

Biutiful (Espanha/2010) de Alejandro González Iñarritu com Javier Bardem, Maricel Álvarez e Guillermo Estrella. ☻☻☻

domingo, 18 de dezembro de 2011

FILMED+: Desejo e Reparação

Saoirse, Keira e McAvoy: triângulo amoroso.

Joe Wright tinha só um longa no currículo quando encheu o seu currículo com os elogios de Desejo e Reparação, adaptação do romance de Ian McEwan. Se em Orgulho e Preconceito (2005) há quem julque que o diretor fez uma espécie de continuação da estética de  Razão e Sensibilidade (1995), em Desejo e Reparação o que vemos é um diretor que realmente sabia dialogar com a linguagem clássica do cinema e ambições bem modernas. Quem conhece a escrita de McEwan sabe que as situações costumam ser árduas e quando vemos um casal apaixonado na trama já dá pena! Desde o início somos apresentados ao filho da empregada Robbie (James McAvoy) - sei que parece preconceituoso apresentá-lo assim, mas isso é fundamental para o desenrolar da trama - e Cecile (Keira Knightley, magérrima), a bela e fresca filha mais velha da patroa. Mesmo que Cecile evite demonstrar é evidente sua atração por Robbie e sua irmã caçula, Brionny (Saoirse Ronan), também enxerga o rapaz com outros olhos. Os mais maldosos podem até pensar que se trata de uma questão de poder, de fantasias freudianas, mas a verdade é que a atuação de James McAvoy faz de seu personagem um dos sujeitos mais bacanas que já apareceram num filme. Embora o público torça desde o primeiro momento pelo casal Robbie e Cecile, a protagonista da trama é Brionny, afinal, é a partir de seus ciúmes e impressões que a trama se desenrola. Ela é a principal fonte de um terrível mal entendido que interrompe o possível romance de Robbie e Cecile (some a isso uma cena que viu na fonte da mansão e uma carta comprometedora enviada por engano e terá ideia do que vai acontecer). Depois do mal entendido eles só irão se reencontrar na Segunda Guerra Mundial, ele como soldado, ela como enfermeira - assim como Brionny (agora vivida por Romola Garai). Embora trabalhe novamente com Knightley, a musa de seu Orgulho e Preconceito (2005), as melhores atuações ficam por conta de McAvoy e a precoce Saoirse Ronan que pegaram personagens complicados e desaparecem neles conseguindo expressar suas emoções num simples gesto ou olhar. Apesar da trilha ousada que utiliza sons de datilografia nas melodias, o que mais chama a atenção no filme são as cenas grandiloquentes como o magistral plano sequência dos soldados em meio aos destroços esperando ser resgatados por um navio que nunca chega, a esmagadora cena do beijo projetado ao fundo quando Tommy não aguenta a saudade de Cecile, a antológica cena de trás para frente do reencontro do casal e o final de partir o coração. É neste triste desfecho que temos a noção exata do estrago que uma acusação indevida pode provocar,  a ideia de Wright era sobrepor essa ferida íntima a uma em escala mundial. É neste desfecho repleto de culpa que o diretor conta com a ilustre colaboração de Vanessa Redgrave que indaga que tipo de pessoa sentiria prazer em conhecer uma história tão triste. Seja o livro ou no filme, você pode até achar a história uma tragédia, mas é a forma como é contada que nos dá gosto de conhecê-la. 

Orgulho e Preconceito (Atonement/Reino Unido-2007) de Joe Wright com James McAvoy, Keira Knightley,  Saoirse Ronan, Romola Garai, Benedict Cumberbatch e Brenda Blethyn. ☻☻☻☻

DVD: Hanna

Saoirse: não, não se trata de Kick Ass.

É triste ver o diretor Joe Wright perder a mão gradativamente em seus filmes. O jovem cineasta inglês ficou famoso pela forma como conseguia fazer o cinemão clássico rimar com uma narrativa moderna e atraente para o público em geral. Foi assim quando deu à Keira Knightley sua preciosa indicação ao Oscar em Orgulho e Preconceito (2005) e quando ganhou o Globo de Ouro de melhor filme com Desejo e Reparação (2007), além de várias indicações ao Oscar. O problema é que a partir daí o diretor se meteu a fazer o que todo mundo já faz no morno O Solista (2009) e liquida os pontos que lhe sobraram com este sonolento Hanna. Se em O Solista a vontade era ser um drama contundente (e o resultado era apenas chato), desta vez o Wright quis ser moderninho e nada mais - o que é o sepultamento do diretor que era no início. Sobra edição frenética, trilha eletrônica, ação elaborada, mas falta um roteiro que preste para sustentar as atuações de artistas prestigiadas como Saoirse Ronan e Cate Blanchett. A trama gira em torno de uma adolescente criada para ser uma máquina mortífera (Saoirse) pelo pai (Eric Banna, sempre com o tom abaixo do ideal). Vivendo em isolamento, desde o início ficamos sabendo que tanto afinco no treinamento é para uma vingança eminente e o alvo em potencial é a vilã interpretada por Cate Blanchett. Embora as atrizes sejam competentes, o roteiro não ajuda em nada, em algumas cenas até atrapalha com diálogos bobos e citações à obra dos irmãos Grimm que não ajuda em nada o andamento da trama. Os cenários parecem emprestados de algum outro filme que já vimos antes, as soluções do roteiro são apressadas e subaproveitadas e a trilha sonora que deixou alguns críticos babando nada mais é do que mais do mesmo que Chemical Brothers já fez dezenas de vezes. A falta de assunto é tanta que você pode encontrar dezenas de sinopses sobre o filme na internete. Achei uma que dizia que o filme mostrava a dificuldade de uma adolescente criada para ser uma assassina em ter uma vida normal, outro dizia que era uma adolescente em busca de seu passado desconhecido, outra que era uma trama de vingança e espionagem... ao final da sessão Hanna não parece combinar com nada disso. É apenas um emaranhado de música eletrônica, edição picotada e as ideias para um filme arrastadamente pretensioso. Se antes Wright demonstrava que era capaz de conjugar histórias complexas com modernidade, aqui ele demonstra que é capaz de fazer um filme sem história nenhuma. O filme só não é pior por contar com Ronan (que deve ter topado esse mico por gratidão ao diretor que a revelou) e Blanchett como inimigas mortais. Ciente de que anda nos devendo um filme decente, Wright está rodando uma nova versão de Anna Karenina estrelada por Jude Law, Aaron Johnson, Kelly MacDonald, Matthew MacFadyen, Emily Watson, Olivia Williams e sua musa (amuleto da sorte) Keira Knightley no papel título. Juntar um elenco desses prova que, apesar dos tropeços o cara ainda é capaz de se redimir.

Hanna (EUA-Reino Unido- Alemanha/2011) de Joe Wright com Saoirse Ronan, Cate Blanchett, Eric Banna e Tim Beckman.

DVD: Reflexões de um Liquidificador


Ana Lúcia Torre com Selton Mello no colo: naturalmente absurdo.

André Klotzel é um diretor que está na ativa desde a década de 1980 e me impressiona como seu cinema sempre soa original e moderno. Desde o premiado Marvada Carne (um Filmed+ que ando devendo comentários) de 1985 o cineasta já demonstrava sua queda por inserir fantasia em suas narrativas. Ele retomou essa linha em 2010 quando lançou Reflexões de um Liquidificador. A ideia de dar a capacidade de pensar a um eletrodoméstico já é interessante, mas Klotzel insere este elemento fantástico em uma narrativa policial que beira um episódio de Além da Imaginação! Tudo porque o liquidificador em questão é cúmplice de um crime. Isso não chega a ser um SPOILER, já que desde o início da sessão sabemos que existe algum envolvimento da dona de casa Elvira (Ana Lúcia Torre, ótima) com o desaparecimento de seu esposo Onofre (Germano Haiut) após mais de quarenta anos de casamento. Se a trama policialiesca com toques de cinema noir não foge muito do trivial (apesar das ironias como o detetive chamado Fuinha), a grande diferença fica por conta da narrativa do liquidificador com voz de Selton Mello. O eletrodoméstico não sabe explicar como subitamente começou a pensar e perceber o mundo das pessoas que estava ao seu redor, mas acha que tem alguma relação com os inúmeros reparos que sofreu em sua trajetória de liquidificador de lanchonete de vitaminas - especialmente com o acréscimo da lâmina que "parece um escorpião" como diz Dona Elvira. Contando a história de Elvira e seu marido, a roteiro insere personagens que dão tom cômico à trama ao mesmo tempo que insere novos segredos que ajudam a compor o quebra cabeça do desaparecimento de Sr. Onofre - além de ensaiar sustos no espectador (como o liquidificador que funciona quando lhe apetece). Ana Lúcia, mesmo compenetrada, se diverte bastante ao atuar com um eletrodoméstico e chega a ser inusitada a química que existe entre eles desde a primeira cena em que ela o escuta falar e começa a duvidar de sua própria sanidade, além disso a atriz consegue lidar de forma exemplar com as contradições de uma dona de casa pacata que empalha animais para ganhar uns trocados e torna-se suspeita de assassinato.  Além do bom elenco e do roteiro original (com toques de inspiração em Shirley Valentine/1985, onde a personagem conversava com as paredes), Klotzel consegue construir a atmosfera correta mesmo nos momentos mais cruéis. Repleto de humor negro o filme conta com uma direção de arte que impressiona apostando na obscuridade de uma casa suburbana de paredes encardidas, móveis velhos e animais empalhados no porão. Centrado no absurdo tratado como naturalidade, o filme é uma das comédias mais originais do cinema brasileiro. 

Reflexões de um Liquidificador (Brasil/2010) de André Klotzel com Ana Lúcia Torre, Selton Mello, Germano Haiut, Gorete Milagres, Fabíula Nascimento e Aramis Trindade. ☻☻☻☻ 

CATÁLOGO: Ruth em Questão


Dern como Ruth: desajustada memorável.

Um dos filme mais cotados para esta temporada de prêmios é The Descendants, o novo filme de um dos meus diretores favoritos e que só agora me dei conta de que não escrevi no blog sobre nenhum filme dele! Para compensar esse sacrilégio, preparei uma retrospectiva sobre os filmes deste americano descendente de gregos chamado Alexander Constantina Papadadopoulos, ou para os íntimos Alexander Payne. Depois de realizar alguns curtas e um média metragem, seu primeiro longa foi Ruth em Questão. Lembro quando o filme chegou aos cinemas e todo mundo comentava a atuação de Laura Dern como a cidadã Ruth do título original, uma desajustada que se metia entre as cruzadas pró e anti aborto nos EUA. Não, não se trata de um filme edificante com mensagens tocantes ou lições de moral, Payne deixava claro que seu objetivo não era tomar partido sobre o aborto, mas queria nos instigar a refletir sobre uma o grau de histeria que a situação pode alcançar - e o jogo de interesses que está por trás dessas campanhas. Ruth é uma coitada que vive cheirando qualquer produto químico que aparece em sua frente (esmalte, tinta spray, solventes e derivados), além disso gosta de tomar umas biritas de vez em quando. A ironia do roteiro é que enquanto ela faz tudo isso e prejudica a si mesma ninguém se incomodoa. Esse comportamento já lhe rendeu filhos de pais diferentes - e que vivem com seu irmão, sem que Ruth tenha permissão de vê-los. Parece dramático? Espere até ela ser presa e ser absolvida porque descobrem que ela está grávida e com planos de fazer um aborto. Ruth acabará se tornando involuntariamente o símbolo de uma campanha nacional anti-aborto. O problema é fazê-la aceitar esse papel ("eu não quero ser símbolo de nada" ela vive repetindo), já que só precisa de alguns dias na casa de uma família cristã de militantes para mostrar que está longe de ser uma personagem que se redime dos pecados... é quando a campanha pró-aborto a descobre e a vida (ou a morte) do bebê parece ser disputada num leilão (e Ruth sempre penderá para o lado que lhe pagar mais). Payne atira para todos os lados e não tem medo de expor o ridículo de todos os personagens que disputam Ruth para as suas campanhas, até o político vivido por Burt Reynolds (que é mais ambíguo do que propriamente humanista) não é digno de muita credibilidade. O mais engraçado do filme (e que cai muito bem ao tom de farsa que o diretor imprime na narrativa) é a construção que Laura Dern faz de Ruth. Mais conhecida por suas atuações sombrias em filmes de David Lynch ou pela participação saltitante em Jurassic Park (1993), a atriz faz da personagem um fantoche despudorado, pensando de acordo com a causa que é mais vantajosa para o seu bolso (nada mais americano... e por isso cenas como a que fica hipnotizada pela luz de atrair insetos são tão divertidas). Em sua estreia, Payne já deixava claro que não era um diretor de comédias bobinhas e que não tinha medo de enfiar o dedo em algumas feridas da sociedade americana, o roteiro é um primor e a direção segura o suficiente para fazer rir e pensar ao mesmo tempo. Seu estilo traz muito daquele estilo crítico que se tornou marca das comédias da década de 1970  - e isso ficou ainda mais claro quando transportou as disputas políticas para uma escola em Eleição (1999), nosso próximo assunto nesta retrospectiva.

Ruth em Questão (Citizen Ruth/EUA-1996) de Alexander Payne com Laura Dern, Swoozie Kurtz, Mary Kay Place, Kurtwood Smith, Kelly Preston, Burt Reynolds e Diane Ladd. ☻☻☻☻

sábado, 17 de dezembro de 2011

DVD: Toda Forma de Amor

Plummer, Arthur e Oliver: ricos personagens.

Não faz muito tempo que Christopher Plummer foi indicado a vários prêmios por sua atuação em "A Última Estação" e ao que tudo indica o feito pode se repetir neste ano (e com fortes chances de ganhar alguns) por conta de sua comovente atuação neste Toda Forma de Amor, pelo qual está concorrendo ao Globo de Ouro de ator coadjuvante. Embora Mike Mills venda seu filme como comédia, trata-se de um drama bem humorado que merece ser visto nem que seja em DVD. Acho que o filme ainda tem chances de aparecer no Oscar de roteiro original, não que seja perfeito, mas a forma que Mills conta a sua história faz toda a diferença. O roteiro engenhoso mistura três tempos da vida do designer gráfico Oliver Fields (Ewan McGregor em um ótimo momento), sua infância principalmente ao lado da mãe (a desconhecida e excelente Mary Page Keller, veterana da TV), o martírio que atravessou crescido com o pai vítima de câncer (Plummer) e o presente onde estabelece um romance promissor com Anna (Mélanie Laurent). Mills estabelece mais do que uma linha temporal fragmentada, mas linhas narrativas onde o tempo e o espaço são perceptíveis a partir de cada elemento em cena - o que não deixa a trama confusa, ao contrário, impregna cada cena de significados a medida que a narrativa segue rumo ao fim. Claro que não basta pegar a vida de um personagem e embaralhar os momentos aleatoriamente, Mills sabe disso e reforça o crescimento emocional do personagem com alguns toques adicionais. Primeiro é o fato do pai vítima de câncer ter assumido a homossexualidade após a morte da esposa que lhe acompanhou por 44 anos, este personagem vivido por Christopher Plummer, em ótima forma e sem frescuras, faz toda a diferença (a frescura parece ter ficado a cargo do galã Goran Visnjic que não compromete o todo). Plummer faz do personagem um sujeito de carne e osso que não desistiu de encontrar a cara metade, mesmo após ter vivido vários anos num casamento convencional. Isto é o que mais intriga o seu filho, que após vários relacionamentos sempre consegue escapar deles a medida que se tornam mais sérios. Este também parece ser o problema de... e quando os dois decidem viver juntos as coisas acabam não saindo como o esperado. Mills tem o bom senso de não forçar as situações, deixando que tudo aconteça naturalmente entre a melancólica narrativa em off de seu protagonista alter-ego (pois é, o filme tem traços autobiográficos) e não parece ridículo nem quando ilustra o pensamento do simpático cãozinho Arthur com o uso de legendas. Mesmo com alguns toques que poderiam fazer parecer uma comédia maluca, o filme se beneficia de possuir um grupo de personagens interessantes disfarçados de pessoas comuns. Mais engenhoso do que a abordagem humanista sobre os preconceitos que um progenitor homossexual poderia gerar, Mills parece estar mais interessado na forma como a passagem do tempo e de relacionamentos influencia na construção do personagem (daí a utilização de três tempos distintos, da mania de Oliver utilizar referências cronológicas - seja em pixações em locais públicos ou utilizando imagens para contextualizar épocas diferentes). Este interesse  isso é muito bem ilustrado no desenho da pedra chamada passado esmagando um rapaz chamado presente. Buscando sempre o equilíbrio entre o drama familiar e a comédia de costumes, o filme de Mills mostra o quanto ele amadureceu enquanto cineasta desde o seu primeiro filme - ou pelo menos, que sabe que atrás de um sorriso pode haver um bocado de tristeza. Se esta não é sua obra-prima (o ritmo ainda tem aquela cadência perigosa e alguns personagens poderiam ser mais desenvolvidos) ela está bem próxima de chegar - afinal, ser capaz de arrancar uma atuação inesquecível do veterano Plummer merece todo o reconhecimento.

Toda Forma de Amor (Beginners/EUA-2011) de Mike Mills com Ewan McGregor, Christopher Plummer, Mélanie Laurent, Goran Visnjic, Mary Page Keller e Keegan Boos. ☻☻☻☻