domingo, 27 de outubro de 2013

DVD: Rugas

Emílio (de terno cinza): a amizade contra o Alzheimer. 

Não lembro de ter visto muitas animações espanholas e, por isso mesmo, Rugas chamou minha atenção assim que ouvi falar dele. Baseado na HQ de Paco Rosa, o filme tem traço simples, cores serenas, mas sua história tem força suficiente por lidar com temas complicados como envelhecimento, Alzheimer e morte. No entanto, não se trata de um dramalhão, mas um filme bastante sensível, que não me causaria admiração se recebesse uma versão em carne e osso futuramente. Desde a primeira cena sabemos que Emílio apresenta sinais de Alzheimer e quando seu filho resolve colocá-lo num lar para idosos a sensação de abandono é compreensível. Apesar de mostrar-se um lar bastante confortável com enfermeiros bastante atenciosos, existe um certo vazio no dia a dia daqueles idosos. As atividades destinadas para eles não vão muito além de tomar medicamentos, comer, dormir e assistir documentários na televisão. Sendo assim, o melhor é passar o tempo conhecendo os parceiros de jornada. Emílio divide o quarto com o esperto Miguel, que lhe explica o funcionamento daquele lugar (especialmente o temido andar de cima para onde os pacientes com Alzheimer são destinados) e testemunha a deterioração da memória do amigo. Embora Miguel desperte desconfianças, aos poucos se mostrará um bom companheiro. Aos poucos a trama avança e conhecemos as histórias daqueles pacientes, alguns com histórias tristes, outros com momentos mágicos, mas sempre com um tom bastante humanista que me fazia até esquecer que estava diante de uma animação. O fio condutor da trama é o agravamento do estado do protagonista, que gradativamente dá sinais de que sua memória o abandona aos poucos. Ignácio Ferreras constrói um filme bastante melancólico, mas sem forçar os dramas de seus personagens. Intimista e bem humorado, o filme mostra-se um grande acerto na abordagem de temas tão difíceis que costumam assustar o público. A forma cuidadosa como o roteiro constrói a história valeu ao longa o Goya (o Oscar espanhol) de melhor roteiro adaptado (além do prêmio de Melhor Animação). Diante do fime, o tom esperançoso da narrativa deixa a sensação de que poderíamos acompanhar aqueles personagens por várias horas. É interessante perceber como nos últimos anos os idosos voltaram à pauta da produção cinematográfica, filmes como Vênus (2006), A Família Savage (2007) e O Quarteto (2012) mostram não apenas como enxergamos as gerações mais antigas como desconstroem representações mais fruto de preconceito do que realidade. Rugas é mais um exemplo de que boas histórias para contar não faltam a quem viveu por mais tempo - além de ser uma animação bem diferente do que estamos acostumados a assistir.  

Rugas (Arrugas/Espanha-2011) de Ignacio Ferreras com vozes de George Coe, Álvaro Guevara, Matthew Modine, Martin Sheen e Tacho González. ☻☻☻☻

DVD: Os Croods

Guy os Croods: os conflitos entre o novo e o velho. 

Creio que futuramente, quando eu lembrar de 2013, o verei como o ano mais mal humorado de minha vida. Talvez por isso, nenhuma animação lançada durante o ano tenha me empolgado. Nenhuma delas me criou a impaciência de querer assistir. Talvez o problema seja meu mesmo. No entanto, devo admitir que dei boas risadas com a animação da Dreamworks, Os Croods. Apesar da ideia misturar um pouco de A Era do Gelo com Os Flinstones, o filme consegue ser bastante simpático e até estiloso. Além disso, o filme faz clara referência ao Mito da Caverna de Platão, com direito a muitas gracinhas sobre quem gosta de viver na mesmice. O roteiro mostra um período bastante conturbado na superfície da Terra durante o período pré-histórico. Com tantas transformações no planeta, Grug (voz de Nicolas Cage) é enfático em manter sua família vivendo numa caverna. Para isso estabelece poucas horas para que saiam daquele ambiente claustrofóbico e procurem comida (a busca de comida gera um dos momentos mais agitados do filme, uma corrida vertiginosa em busca de um ovo que deve ter sido bastante valorizada pelo efeito 3D nas telonas). Depois voltam para a caverna e aguardam o próximo dia - enquanto Grug conta histórias sobre pessoas que desafiaram a lógica estabelecida e morreram. É óbvio que os conflitos partirão de sua filha adolescente, a marrenta Eep (Emma Stone). Eep tem lá seus medos, mas pensa que o mundo pode lhe proporcionar mais do que a vida numa caverna. Nesse ponto, nem o pai e a mãe carinhosa, Ugga (Catherine Keener), são capazes de fazê-la mudar de ideia. Enquanto os irmãos mais novos e a avó seguem Grug, é Eep que em suas andanças irá se deparar com o moderninho Guy (Ryan Reynolds). Guy já percebeu que algo o faz pensar de forma diferente, lhe dando uma profusão de ideias que podem ajudar Eep e sua família a viver de uma forma melhor - especialmente depois que a vida na caverna fica impossibilitada. Claro que existirá um conflito de delimitação de território entre os machos dominantes do pedaço, ou seria do novo com o velho? Da inovação com a comodidade? Sem aprofundar muito as filosofices que essa ideia sugere, o filme funciona como uma aventura familiar bastante envolvente - e isso garantiu o sucesso nas bilheterias mundiais. A maior originalidade do filme está nos animais híbridos que apresenta e, ao meu ver, o maior problema é o ritmo elétrico da maioria dos personagens. Na empolgação de criar os acontecimentos, às vezes o filme se atropela e torna-se um pouco cansativo, mas isso pode ser a impressão de meu mal humor...

Os Croods (EUA-2013) de Kirk DeMicco e Chris Sanders, com vozes de Nicolas Cage, Emma Stone, Ryan Reynolds, Catherine Keener e Clark Duke. ☻☻☻

NªTV: Behind The Candelabra

Damon e Douglas: plumas, paetês e um pouco de pimenta. 

Não é mais novidade dizer que a televisão americana serve de abrigo para projetos mais ousados do que os estúdios de Hollywood querem bancar. Cineastas renomados como Martin Scorsese (Boardwalk Empire) e Jane Campion (Top of The Lake) são alguns que se renderam ao poder da telinha em fazer mais bonito do que a telona. Quando Steven Soderbergh anunciou que levaria para a HBO o livro de Scott Thorson (Minha Vida com Liberace) todos os ouvidos se voltaram para ele. A polêmica relação do famoso pianista com o órfão garotão já garantiria destaque para produção, mas a coisa ganhou proporções ainda maiores quando os astros Michael Douglas e Matt Damon embarcaram no projeto. Tanta curiosidade e prestígio garantiu uma rara vaga televisiva na disputa da Palma de Ouro no Festival de Cannes desse ano. Vale lembrar que Soderbergh é um dos queridos do Festival, já que bem antes de Hollywood badalar o cinema independente, ele foi premiado por sua estreia em Sexo, Mentiras e Videoteipe (1989). Behind The Candelabra tem um excelente trabalho de reconstituição de época (valorizado ainda mais pela fotografia luminosa) e desde o início deixa claro que parte do olhar de Scott (Matt Damon) para abordar sua conturbada relação com Liberace. Scott era criado por pais adotivos que percebiam que a porta do armário estava aberta. É por intermédio do amigo Bob Black (Scott Bakula) que ele conhece Liberace (Michael Douglas) num show - e nem precisava de um gay radar de última geração para ver que entre plumas e purpurinas havia mais do que um pavão. O incrível é que o público do showman não poderia saber da homossexualidade de seu ídolo. Não demora muito para Scott ser convidado a visitar a casa de Lee (como gostava de ser chamado pelos mais íntimos) e sentir-se atraído por aquele universo quase paralelo (cheio de espelhos, jóias e brilhos), bem diferente da vida que levava na casa dos pais adotivos. Esse é o passo de um relacionamento que irá funcionar até que o egocentrismo de Liberace comece a complicar as coisas. Além de ditar o visual do jovem amante, Lee chega a sugerir cirurgias plásticas para deixar Scott cada vez mais parecido com ele ("Você é o filho de Liberace, não é?"  Pergunta uma fã ao ver o rosto modificado de Scott - e nem precisava saber das alardeadas intenções de Lee adotar o amante). Apesar do roteiro expressar o carinho existente entre os personagens de forma bastante sincera (e nesse ponto Michael e Matt merecem todos os elogios pela disposição em fazer cenas que suas fãs devem estranhar um bocado), fica evidente o apetite sexual de Liberace por rapazes mais jovens. O que parecia um conto de fadas começa a se chocar com a vida real quando o astro não consegue conter suas fantasias (e nem precisaria se não fosse uma figura pública que sustentava mentiras como o relacionamento com uma patinadora que nem aparece no filme). Enquanto isso, Scott mergulha o nariz nas drogas e remédios para emagrecer. Nesse ponto, o papel exige de Matt Damon mais do que costuma fazer nos filmes de ação a que se dedicou nos últimos anos - e o ator prova que não está enferrujado para viver papéis mais desafiadores. Da mesma forma, Michael Douglas está hilário com as afetações de Liberace e o sorriso quase maternal com que aprecia seus obejtos de desejo. Soderbergh mergulha bastante a vontade na complexa relação que se estabelece entre os personagens, sem perder tempo estabelecendo quem é mocinho ou vilão No entanto, não chega a fazer um filme inovador - desculpem, mas cenas homoeróticas não é sinal de inovação.  Ainda assim, a dramédia Behind the Candelabra é bastante reveladora sobre os bastidores de uma das figuras mais pop do século XX.   

Behind The Candelabra (EUA-2013) de Steven Soderbergh com Michael Douglas, Matt Damon, Scott Bakula, Debbie Reynolds e Cheyenne Jackson. ☻☻☻☻

sábado, 26 de outubro de 2013

N@ CAPA: Astronautas


Eu estava tão eufórico com a estreia de Gravidade que resolvi lembrar de alguns astronautas famosos do cinema. Sendo assim, não poderia deixar de fora o Dr. Bowman (Keir Dullea) no clássico 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick. O filme ficou famoso por sua ideia inovadora de aproximar a ficção científica mais da introspecção do que da ação, mesmo quando o vilão é o antológico robô HAL. Seu nível de abstração filosófica cria várias leituras até hoje. Há várias referências imagéticas do ritmo e silêncio do longa de Kubrick no recente Gravidade (2013), elas ajudam a dar um nó na garganta cada vez que a Drª Ryan Stone (Sandra Bullock) parece cada vez mais distante de voltar à Terra. Outro distante do planeta natal é o solitário Sam Bell (Sam Rockwell) - que tem como companhia a antítese de HAL, o amigável GERTY (voz de Kevin Spacey). No elogiado Lunar (2009), filme de estreia de Duncan Jones (filho de David Bowie), Bell não vê a hora de voltar para casa, mas depois de um acidente, enfrentará uma dolorosa crise de identidade. Crise também é o ponto forte de Solaris (2002), primeira experiência de George Clooney como astronauta! Na pele de Chris Kelvin, o ator enfrenta o isolamento de uma tripulação perante um estranho planeta que gera situações inexplicáveis. Baseado na obra de Stanislaw Lem (que já havia chegado às telas pelas mãos de Andrei Tarkovsky em 1972), Steven Soderbergh cria um filme intimista que fez pouco sucesso nos cinemas, mas que é bastante interessante. Outra obra controversa foi Prometheus (2012), filme que resgata a saga Alien pelas mãos de seu criador, Ridley Scott - mas só nos damos conta disso no finalzinho da jornada da tripulação que busca seu criador. Deus? Longe disso! No elenco, Michael Fassbender vive David que tem presença garantida na sequência (anunciada para 2015) que começa a ganhar forma. Falando em Alien, como esquecer de Tenente Ripley? Sigourney Weaver marcou época quando assumiu um personagem concebido para ser de um homem. Na saga, a Tenente enfrentou o mostrengo alienígena quatro vezes, sempre aprofundando dignamente sua personagem que parece até ingênua em Alien - O Oitavo Passageiro (1979). Entre tantos personagens fictício, temos um personagem real defendido por Tom Hanks em Apollo 13 (1995), longa de Ron Howard sobre a conturbada missão da nave que deveria chegar à Lua - mas por problemas técnicos colocou em risco a vida de sua tripulação. Hanks vive o famoso comandante James Lovell (que escreveu o livro que deu origem ao filme) que tenta manter a calma mesmo quando diz "Houston, We have a problem!". Por último, mas não menos importante, temos Sunshine - Alerta Solar (2007), a saborosa ficção científica de Danny Boyle, escrita pelo badalado Alex Garland, onde um grupo de astronautas de diversas origens e ocupações tem a missão de reacender o Sol num futuro próximo - além de lidar com estranhas prioridades. Apesar de protagonizado por Cillian Murphy, a antológica cena do banho de sol é estrelada por Cliff Curtis. 

FILMED+: Gravidade

Bullock: calando os desconfiados.

É sempre interessante quando acompanhamos a produção de um filme desde que ele era apenas um embrião. Quando ouvi falar de Gravity pela primeira vez, Alfonso Cuarón ainda procurava uma atriz capaz de facilitar a produção de um filme complicado para realizar. Afinal, toda a ação ressaltava como o espaço pode ser desolador. Apesar de ser um diretor bastante elogiado, Cuarón teve como maior bilheteria de seu currículo Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004), terceiro livro do milionário bruxinho que chegou ao cinema depois das morosas adaptações de Chris Columbus. Na época, o filme foi classificado como o melhor da série (e muitos o colocam nesse posto até hoje), mas até os mais otimistas precisam reconhecer que o sucesso ocorreu mais por conta da franquia do que pelo talento inegável de Cuarón. Seu filme seguinte, Filhos da Esperança (2006) recebeu tantos elogios quanto problemas com a distribuição. Por isso, mal arrecadou o que custou para ser feito. Ainda assim, a Academia reconheceu os méritos do filme que rendeu duas indicações ao Oscar (Edição e Roteiro Adaptado), vale lembrar que antes o diretor recebera a indicação pelo roteiro de E Sua Mãe Também (2001), filme mexicano que se tornou cult entre os cinéfilos. Mas (infelizmente) nada nesse currículo capacitava o diretor perante os estúdios para filmar Gravidade. A coisa só começou a andar quando o texto caiu nas mãos de Sandra Bullock. Na época a atriz acabava de colocar o seu Oscar pelo açucarado Um Sonho Possível (2009), e entre tantos comentários que repetiam que sua atuação não era para tanto, ter em roteiro de ficção científica em que você é o centro das atenções mexe com o ego de qualquer um (além de poder servir de ótimo instrumento para calar os mais desconfiados). Ok, Sandra! Você venceu. Seria uma completa maldade creditar todo o espetáculo organizado por Cuarón somente aos efeitos especiais. Gravidade é acima de tudo um filme genial por preencher de humanidade toda a tecnologia que ostenta. Quem for ao cinema para assistir uma aventura de astronauta poderá encontrar só isso, mas quem mergulhar nas camadas de seu roteiro irá perceber que o filme é muito mais do que isso. Além das qualidades técnicas irrepreensíveis, penso que o filme não conta a história de uma astronauta à deriva lutando para sobreviver, mas de como o ser humano precisa lidar com seus fantasmas e medos para prosseguir. A atuação de Bullock mostra isso na medida certa! Contida e introspectiva, podemos sentir o nó que sente na garganta, o desconforto de não coordenar os movimentos, a sensação de que o seu destino não lhe pertence mais... a história poderia se passar num submarino, num cofre, num road movie, mas o espaço amplia o desconfortável isolamento de forma ainda mais devastadora - e dá a chance de Cuarón criar cenas plasticamente inesquecíveis. Os mais xiitas vão reclamar, mas Cuarón bebe diretamente na narrativa de 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, justamente no que ela possuía de mais complicado: a lentidão nos movimentos e os longos silêncios. É visível o cuidado na criação de cada cena, cada emoção de cada personagem, cada efeito visual (em 3D a sensação de ser um astronauta é a mais próxima que poderei ter). É verdade que Cuarón teve a necessidade de criar cenas de ação para captar a quantidade de público necessária para que o filme se pague (afinal é um filme que custou mais de cem milhões de dólares, mas já arrecadou o dobro disso num ano minguado), mas em nenhum momento o longa desafina. Cuarón mostra que cinema pode ser de entretenimento sem perder qualidade artística, prova que um filme para ser bom deve dizer mais do que o aparente. Há quem critique a sucessão de acidentes, a história da filha morta, George Clooney (ótimo em cena) parecer um anjo da guarda, sinceramente, esses devem procurar outro filme para assistir. Vai ser brega eu dizer que todos somos Ryan Stone (e o nome não é unissex por acaso), que contempla o silêncio do vazio até preferir sentir o conforto do lar - que de tão longe parece nem existir mais. Quando o lar parece cada vez mais distante, a voz de um desconhecido, o latido de um cachorro, uma canção de ninar é capaz de  inebriar a alma e até motivar para que possamos caminhar novamente... E a Terra? Imensa. Azul. Nunca emanou tanta segurança, tanto acolhimento, tanto lar.

Gravidade (Gravity/EUA-Reino Unido/2013) de Alfonso Cuarón, com Sandra Bullock, George Clooney e Ed Harris. ☻☻☻☻☻

domingo, 20 de outubro de 2013

DVD: SPRING BREAKERS - Garotas Perigosas

Benson, Hudgens e Franco: fábula amoral. 

Não conheço muito o trabalho do diretor Harmony Korine, mas posso dizer que ele não quer fazer filmes agradáveis. Essa marca já estava presente quando ele estreou com o polêmico Vida sem Destino (1997), onde o tédio de um grupo de pessoas transbordava cenas nauseantes. Dez anos depois seu estilo aparecia mais palatável em Mr. Lonely (2007), para em 2009 embalar uma história de sociopatas em Nashville com Trash Humpers. Talvez pela impressão deixada por esses filmes, Spring Breakers: Garotas Perigosas (2012) seja o seu pior trabalho. Apesar do uso interessante das luzes na fotografia e uma atuação inspirada de James Franco (como o rapper/traficante Alien) o filme parece ter sido feito somente para chocar com a falência do "sonho americano". O roteiro deve caber em frente e verso de uma folha A4. Nada contra o olhar ácido sobre um quarteto de garotas que roubam para viajar no recesso de uma semana que existe nas escolas por volta do mês de março. O chamado Spring Break acontece nas escolas dos EUA e Canadá e geralmente existe uma fuga de alunos para uma semana de curtição em Cancún. Na minha mente posso imaginar o que um grupo de adolescentes em trajes de banho pode fazer quando se reúne sem os adultos por perto, mas Korine repete à exaustão cenas de litros de álcool jorrando, quilos de pó sendo consumidos, danças cheias de libido com seios e bundas balançando diante das câmeras a todo momento. Ele mostra tanto essas cenas que não tem nem o pudor de utilizar várias vezes as mesmas tomadas dos mesmos figurantes. Se tirar a repetição dessas cenas o filme deve durar meia hora com a história de quatro garotas desmioladas: a pseudo-religiosa Faith (Selena Gomez, feiosa e inexpressiva), a maluquete Cotty (Rachel Korine, esposa do diretor) e as louras perigosas Candy (Vanessa Hudgens) e Brit (Ashley Benson). Essas duas últimas parecem ser as duas cabeças do grupo, que convencem as outras a roubar e fugirem para curtir o Spring Break. Chegando lá, elas se veem em meio a uma espécie de Sodoma juvenil e consideram aquilo o melhor momento de suas vidas. Faith vê naquilo uma "busca espiritual", uma "forma de encontrar a si mesmas" e "ser tudo que deveriam ser". Tudo complicam quando terminam presas em uma festinha com consumo de denfreado de drogas lícitas e ilícitas. Nesse momento são ajudadas pelo estranho rapper Alien (Franco, totalmente grotesco) que parece querer algo em troca das meninas por ter pago a fiança. Para fazer de conta que tem uma história nas mãos, Korine faz as garotas se meterem numa espécie de briga de gangues e o filme termina. Além das atuações soarem improvisadas (e diante da proposta as ex-princesinhas da Disney Selena Gomez e Vanessa Hudgens são as piores em cena) o roteiro também parece ser escrito na hora das filmagens. Posso até imaginar os tópicos que o diretor apresentou aos seus atores quando toparam entrar no projeto. No meio desse retrato improvisado da vacuidade dos jovens americanos, fica claro que nem a ideia ou a realização é original (já vimos isso em produções variadas como Kids/1995, Alpha Dog/2006 e o recente Projeto X de 2012). É verdade que o improviso gera algumas cenas interessantes, em sua maioria em torno de James Franco. Franco consegue convencer seja na hora em que mostra seus dotes orais com duas pistolas na boca ou cantando Britney Spears ao por-do-sol no piano. Pena que a experiência dessa nova empreitada do cineasta pareça carente de ideias e tão superficial quanto suas personagens. Em pensar que essa porcaria custou mais de cinco milhões de dólares (e arrecadou três vezes esse valor, ou seja, foi um sucesso!).  O mais engraçado do filme é a impressão que deixa a simbólica presença de Selena Gomez e Vanessa Hudgens (que depois de uma discreta cena do ménage na piscina disse que jamais fará algo semelhante no futuro). Depois dos surtos vulgarizados de Britney Spears, Lindsay Lohan e Miley Cyrus (se eu ver aquela língua comprida de novo sou capaz de chorar) deve haver algo de errado na água do estúdio que torna as princesinhas em bagaceiras quando acaba o contrato. Não seria melhor elas só aprenderem a cantar ou atuar para continuarem fazendo sucesso? Pelo menos, Gomez e Hudgens sentiram (como diria Axl Rose) apetite pela destruição só nas telas - resta aprender a atuar e/ou cantar enquanto ainda tem os holofotes ao seu favor! O filme foi exibido recentemente no Festival do Rio/2013.

Spring Breakers: Garotas Perigosas (Spring Breakers/EUA-2012) de Harmony Korine com Selena Gomez, James Franco, Vanessa Hudgens, Ashley Benson, Rachel Korine, Heather Morris e Gucci Mane.

sábado, 19 de outubro de 2013

DVD: Minha Mãe é uma Peça

Os filhos e Hermínia: colagem histérica de todas as mães do universo. 

O comediante Paulo Gustavo é uma peça. Talvez tenha herdado essa característica da própria mãe que lhe inspirou os trabalhos mais rentáveis e sua carreira. No teatro, Minha Mãe é Uma Peça é um sucesso de público e crítica há seis anos e, diante do desespero dos produtores brasileiros em fazer filmes que ultrapassem um milhão de espectadores, era quase inevitável que o espetáculo virasse um filme. Quem conhece a peça sabe que era um monólogo em que o ator vestia a personagem e contava episódios de sua vida. No palco funciona que é uma beleza - já que o teatro ainda consegue construir uma estrutura surreal que no cinema não costuma agradar. Para fazer o filme, seria menos convincente se aquele homem vestido de mulher com rolos no cabelo falasse para a câmera o tempo inteiro. Sendo assim, para costurar seus causos era importante ter uma intelocutora em cena antes que a narrativa em off embalasse as encenações dos episódios da vida da histérica Hermínia. É verdade que existe uma grande fragilidade nos elos estabelecidos para dar início, meio e fim ao filme, mas o tom elétrico de Paulo Gustavo faz toda a diferença quando a maior pretensão do filme é fazer o público gargalhar - e isso ele consegue com louvor. Dona Hermínia (Paulo Gustavo) tem um jeito hiperativo de ser, que depois do divórcio serviu para deixá-la ainda mais cuidadosa com os filhos Marcelina (Mariana Xavier) e Juliano (Rodrigo Pandolfo). Marcelina parece ter problemas de ansiedade e não para de comer, já o garoto é homossexual e tem que driblar algumas mancadas da mãe. Existe ainda um terceiro filho, que casou e vive em outro estado com a família - para desespero da mãe que sempre considera que ele não a procura como deveria. Apesar de bem intencionada, Hermínia ainda não aprendeu que os filhos cresceram e que suas intervenções causam mais constrangimento do que qualquer outra coisa. Não por acaso, ela descobre que os filhos a consideram uma chata e, magoada, a mãezona vai morara com uma tia (Suely Franco), que serve de confidente para as lembranças e mágoas. Entre ataques aos filhos, ex-marido (Herson Capri), a atual esposa dele (Ingrid Guimarães), vizinhos e entrevistados, Hermínia parece uma colagem de todas as mães do universo. Suas neuroses, paranoias e inseguranças resultam em uma grande caricatura que funciona como se fosse de carne e osso graças ao talento de Paulo Gustavo. Seu jeito acelerado de falar e fazer os comentários mais indiscretos são o que garantem a maior graça do filme. Não existem piadas prontas, apenas um olhar astuto sobre os acontecimentos do cotidiano daquela personagem (que se parece com o de muitas pessoas) - e que basta para a diversão do público. A direção de André Pellenz consegue parecer uma versão tupiniquim televisiva da estética de Pedro Almodóvar (o que tem tudo a ver com um homem travestido como protagonista), alcançando o tom certo quando precisa ser contido ou rasgado. O ponto fraco mesmo é o final da história, que mais parece o anúncio de uma continuação - que será muito bem vinda! Com sucesso no teatro, cinema e televisão, Paulo Gustavo tornou-se o grande comediante do ano. Para provar que não falta coragem ao rapaz, ele ainda ousa terminar os créditos com cenas de sua própria mãe mostrando de onde nasceu a Dona Hermínia.

Minha Mãe é Uma Peça (Brasil-2013) de André Pellenz com Paulo Gustavo, Suely Franco, Herson Capri, Ingrid Guimarães, Rodrigo Pandolfo, Mariana Xavier, Alexandra Richter, Georgiana Góes e Samantha Schmütz. ☻☻☻

DVD: STAR TREK - ALÉM DA ESCURIDÃO

Benedict e Chris: terrorismo intergaláctico. 

Superado o desafio de agradar os zilhões de devotados fãs da série Star Trek/Jornada nas Estrelas, JJ Abrams deixa bem claro que está mais a vontade no segundo episódio de sua repaginada no universo da milionária franquia. O anterior era bacana em sua ideia de apresentar a origem de Capitão Kirk (Chris Pine), Spock (Zachary Quinto, perfeito), Uhura (Zoe Saldana) e sua trupe. Até eu que não era grande admirador da série original me senti realizado em conhecer a construção da Enterprise, a forma como a destruição do planeta Volcano influenciou para sempre a vida de Spock e a forma como lida com as emoções, além de um inevitável Kirk mulherengo e inconsequente que cresce durante a trama. É verdade que para além das apresentações de personagens, os fãs mais ferrenhos estranharam a forma como, na nova concepção, muito da filosofia trekker ficou para trás para favorecer as cenas de ação de tirar o fôlego - mas que tropeçava num senso de humor que muitas vezes, caia no exagero quase caricatural daquele universo. No fim das contas, o filme de 2009 foi um sucesso em arrecadação mundial (mais de 300 milhões pelo mundo) e uma sequência era inevitável. A produção foi cercada de mistérios e boatos, a maior delas foi acerca da escalação de Benedict Cumberbatch na pele de um personagem misterioso, que muitos especulavam ser um disfarce de Khan. Se essa era a estratégia, funcionou muito bem, já que o filme se tornou um dos mais aguardados de 2013. Abrams coloca os personagens em sua missão mais perigosa, enfrentando situações limites que podem destruir não apenas a Enterprise como toda a sua tripulação. A culpa de tudo isso é de Kirk, que está mais seguro de si e percebe que algumas regras podem ser desrespeitadas em nome de um bem maior. Essa ideia aumenta ainda mais os conflitos do Capitão com Spock, que não consegue perceber a lógica nas transgressões do amigo. Para tornar tudo ainda mais perigoso, os dois terão que enfrentar um terrorista que destruiu os arquivos da tropa estelar e planeja ações devastadoras para a organização. O tal terrorista tem total ciência dos limites da organização e se esconde no único ponto em que a tropa tem problemas para visitar. A situação pode provocar uma guerra entre os Klingons com a Terra, especialmente quando o tal vilão (Cumberbatch, saboreando cada segundo da projeção que o papel pode causar em sua carreira) mostra-se disposto a confundir Kirk perante uns mísseis suspeitos que foi obrigado a carregar em sua nave. Cumberbatch constrói um vilão bem mais complexo do que o Nero de Eric Bana do filme anterior (que valeu ao filme o Oscar de maquiagem), além disso, com relação ao primeiro filme, existe um acréscimo considerável das cenas de ação, mas também um tom mais sombrio cercando os personagens durante toda a trama. No entanto, o que prende mesmo a atenção é o crescimento dos personagens, especialmente do relacionamento entre Spock com Kirk. O filme pode ainda não ser perfeito (todo mundo sabe da polêmica cena de semi-nudez de Alice Eve e, não precisa ser um gênio, para notar que sempre depois de uma cena séria existe um corte mirabolante de ação), mas JJ Abrams mostra-se mais uma vez um o sujeito mais competente quando o assunto é fazer filmes para o verão americano. Atenção para a participação de Peter Weller (o Robocop original, um delírio para os nerds) na pele de Marcus - uma espécie de brinde para os fãs. Que venha o novo episódio!

Star Trek: Além da Escuridão (Star Trek: Into Darkness/EUA-2013) de JJ Abrams com Chris Pine, Zachary Quinto, Benedict Cumberbatch, Zoe Saldana, Karl Urban, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Bruce Greenwood, Alice Eve e Peter Weller. ☻☻☻☻

Star Trek (EUA-2009) de JJ Abrams com Chris Pine, Zachary Quinto, Zoe Saldana, Eric Bana, Simon Pegg, Winona Rider, Leonard Nimoy, Karl Urban, John Cho, Anton Yelchin, Bruce Greenwood, Chris Hemsworth e Rachel Nichols. ☻☻☻

APOSTAS PARA O OSCAR 2014: CAPÍTULO II

Grace, de Mônaco (Grace, of Monaco)
Grace Kelly era um ícone de Hollywood. Linda, loura e elegante ela é vivida por Nicole Kidman (um ícone de Hollywood. Linda, loura e elegante). Dirigido por Olivier Dahan (o mesmo de Piaf/2007) o filme conta o período em que Grace largou a carreira de atriz aos 33 anos para casar com o príncipe Rainier III (Tim Roth) num período conturbado politicamente entre a nobreza de Mônaco e o líder francês Charles Degaulle (André Pervern).  Falado em inglês e Francês, o filme conta ainda com Paz Vega, Milo Ventimiglia, Frank Langella e Parker Posey no elenco. Especula-se muito sobre uma indicação de Nicole ao prêmio de atriz, mas, como de costume, o páreo de atriz já está acirrado.  

Diana
Será que o Oscar irá colocar duas princesas no páreo? Ou melhor, duas amigas de longa data na disputa? Naomi Watts e Nicole Kidman são amigas desde a adolescência e correm o risco de disputarem prêmios de melhor atriz na temporada de ouro que se anuncia. Eu nunca entendi muito bem como o alemão Oliver Hirschbiegel (A Queda/2004) foi se interessar em biografar Lady Di no cinema, mas diante das críticas que o filme já recebeu, eu entendi. Oliver se preocupou em fundir a Diana real com uma que se tornou produto da mídia nos últimos anos de sua vida. Evocando símbolos de contos de fada, o filme tem sua alma na atuação de Naomi que interpreta as várias nuances da personagem longe ou diante das câmeras de forma camaleônica.

Álbum de Família (August: Osage County)
Não uma, mas duas divas de Hollywood prometem disputar uma vaga no páreo de melhor atriz por dividirem a tela. Meryl Streep e Julia Roberts estão nessa dramédia assinada por John Wells (A Grande Virada/2010). O filme conta a história de três irmãs -  Barbara (Roberts), Karen (Juliette Lewis) e Ivy (Julianne Nicholson) - que precisam se reencontrar para cuidar da mãe (Meryl) depois que o marido a abandonou. Poderia ser um reencontro doloroso comum se a mãe não fosse viciada em drogas. Baseado na peça de Tracy Letts (mesmo autor de Killer Joe/2012) a trama aborda uma família disfuncional de forma bastante ácida - e já colhe elogios de estar entre os melhores filmes do ano. Ainda no elenco: Ewan McGregor e (o queridinho do momento) Benedict Cumberbatch.

O Mordomo da Casa Branca (The Butler)
Quem também tem fortes chances de ser indicada é Oprah Winfrey. Vale lembrar que antes de se consagrar como uma das mais influentes apresentadoras do mundo, Oprah foi revelada como atriz em A Cor Púrpura que lhe valeu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante. O filme de Lee Daniels (Preciosa/2009) conta a história real de Cecil Gaines (Forrest Whitaker) que durante os anos de luta pelos direitos civis, torna-se contratado para trabalhar na Casa Branca. Ele servirá oito presidentes de 1952 até 1986. Mais sobre a questão racial nos EUA do que sobre o personagem, o filme se ampara principalmente no casal protagonista (Oprah interpreta a esposa de Cecil) que garantiu boa bilheteria nos cinemas americanos. 

Balada de Um Homem Comum (Inside Llewyn Davis)
Depois de tantas atrizes, vamos falar do novo filme dos irmãos Coen - que ganha força para disputas desde que foi exibido no Festival de Cannes. O filme acompanha por uma semana a vida de Llewyn Davis (o bom Oscar Isaac), talentoso cantor e guitarrista da Nova York da década de 1960 que sofre para alcançar o devido reconhecimento. Vale ressaltar que alguns dos obstáculos enfrentados por Davis são produzidos por ele mesmo. Os Coen se inspiraram vagamente em Dave Van Ronk, músico que era amigos de várias estrelas e que nunca decolou na carreira. No elenco estão Carey Mulligan, Justin Timberlake e John Goodman - todos elogiadíssimos. 

All is Lost
Ninguém duvida que Robert Redford é um dos veteranos mais queridos de Hollywood, por isso mesmo, ele pode cravar uma indicação ao prêmio de Melhor Ator no próximo Oscar, afinal ele é o maior recurso em cena na aventura náutica dirigida por JC Chandor. Chama atenção o fato de quase não haver diálogos no roteiro sobre um homem que enfrenta uma tormenta sozinho num barco. O vigor de Redford na atuação deve empolgar os votantes da temporada de ouro. 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

FILMED+: Jogo de Cena

Coutinho e Torres: nudez interpretativa. 

O renomado documentarista Eduardo Coutinho mostrou mais uma vez seu brilhantismo quando teve a ideia de realizar Jogo de Cena. Partindo de uma ideia tão simples, quanto genial, ele colocou um anúncio de jornal pedindo para que mulheres que tivessem histórias para contar entrassem em contato com a produção para participação em um filme. A partir desse convite, existem desdobramentos incríveis. Além de contar com as mulheres que responderam ao anúncio, Coutinho pede para que algumas atrizes se dediquem a interpretar essas mulheres reais durante seus depoimentos. Além das histórias serem interessantes por si só, a plateia ainda tem o acréscimo de ver o desafio das atrizes em transformá-las em personagens diante dos nossos olhos. No fundo a experiência é muito mais do que isso, revelando-se um verdadeiro jogo para as atrizes e os espectadores (já que as atrizes buscam aproximar-se da realidade e o espectador tenta captar o que é interpretação e o que é real). Ciente de que o filme poderia ficar cansativo, Coutinho capricha na edição, deixando sempre um fator surpresa para o público, fazendo com que o filme continue em seus desdobramentos muito tempo depois que assistimos. Quando o filme começa com Mary Sheila falando sobre o envolvimento com o projeto Nós do Morro pensamos se é um depoimento pessoal da atriz, ou uma interpretação. Somente depois iremos conhecer uma personagem real que poderia ser sua matéria prima interpretativa. Mas nem só de rostos conhecidos se faz Jogo de Cena, atrizes não familiares ao público conseguem momentos sublimes que são revelados por uma frase ("foi isso que ela falou", diz uma acima de qualquer suspeita), gestos, dicção, postura em cena... além disso temos a oportunidade de ver as famosas Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra falando um pouco do processo de criação das personagens. É mais do que interessante ver Andréa sucumbindo às lágrimas ao interpretar uma personagem real - serena e que não chora diante de seus próprios dramas. Se ela dá a impressão que seu processo de criação está nu diante de nossos olhos, Fernanda Torres chega a ser pornográfica na forma como expõe suas dificuldades para o diretor (relata que é como se a personagem real "esfregasse na cara" que ela não estava atuando corretamente). Divertido mesmo é ver o desafio de Marília Pêra em interpretar o discurso multifacetado de Sarita Houli Brumer. Marília parece se perder entre o emaranhado de lembranças da personagem - mas ao mesmo tempo, poderia estar mais preocupada em aprofundar alguns traços que a própria Houli tenta ocultar com a fala, aparentemente, desarticulada. Talvez nos escape da primeira vez todas as nuances do filme, mas vale a pena sentir aquele momento em que as atrizes se desconectam da personagem e se expõem diante da câmera com suas próprias histórias. Jogo de Cena é um dos melhores filmes sobre interpretação que já vi e, ao mesmo tempo, consegue ser revelador ao enfileirar histórias onde temas familiares estão sempre presentes na vida de mulheres que se revelam tão interessantes quanto atrizes que nos parecem tão próximas. Coutinho borra as fronteiras entre realidade e ficção com uma ousada naturalidade (que é invejável )e prova que a velha máxima de que a vida de qualquer um poderia virar um filme. 

Jogo de Cena (Brasil-2007) de Eduardo Coutinho com Andréa Beltrão, Fernanda Torres, Mary Sheila, Fernanda Torres e Eduardo Coutinho. ☻☻☻☻☻

DVD: A Guerra Está Declarada

Juliette, Gabriel e Romeo: tragédia iminente. 

A Guerra Está Declarada tinha tudo para ser um grande melodrama, mas surpreende ao seguir um caminho completamente diferente. No começo parece uma típica comédia romântica quando Juliette (Valérie Donzelli) conhece Romeo (Jérémie Elkaïm), e quase que em uma profecia ele diz que estão fadados a viver uma grande tragédia. Os dois namoram e moram juntos e, com a agilidade da narrativa, logo ela engravida e tem um lindo bebê. De início creditamos à imaturidade de ambos as constantes reclamações de que o menino está sempre chorando. Com um olhar mais atento, eles percebem que a criança não anda como as outras de sua idade. Quando vai para a creche, as diferenças do bebê com os outros ficam ainda mais evidentes, especialmente quando a cabeça do menino está sempre pendendo mais para um lado. Assustados, os pais de primeira viagem vão ao médico e o diagnóstico é cruel: o bebê tem um tumor no cérebro. Diante do tom impresso até aquele momento no filme, é com o mesmo choque dos personagens que recebemos a notícia - e a metáfora anunciada no título faz todo o sentido (de início eu estava pensando que era alguma alusão aos Capuletto e Montechio), já que o câncer invade a vida do casal, mudando suas rotinas, expectativas e esperanças. Baseado na história real vivida pela diretora e protagonista Valérie Donzelli e o ator Jérémie Elkaïm (que assinam o roteiro), o filme fez sucesso perante a crítica pela forma diferente como aborda um tema doloroso, no entanto, parte do público estranhou a abordagem da diretora, que ao invés de cenas chorosas, preferiu mostrar como os pais da criança seguiam suas vidas além do ambiente hospitalar. Valérie sabe que com um bebê doente não precisa de muitos recursos para mostrar que a dor está presente. A doença é um constante subtexto, como um fantasma que assombra a jovem família - e muitas vezes eu ficava pensando se eu aguentaria ver meu filho no hospital passando por tudo aquilo com os médicos sempre me dizendo as piores expectativas. Donzelli constrói cenas interessantes (como a cena trêmula da corrida no corredor, ou o casal dialogando em locais diferentes através de uma canção agridoce) e outras que podem parecer um tanto soltas na narrativa. Existem cenas bastante triviais da realidade entre Juliette e Romeo, mas que expressam como aos poucos a situação que vivenciam juntos corrói o amor. Cheio de floreios criativos inesperados e tilhas sonora esperta, A Guerra Está Declarada foi indicado pela França para concorrer a uma vaguinha ao Oscar de filme estrangeiro em 2012 (é engraçado que os franceses o consideraram mais interessante que oscarizado O Artista), mas ficou de fora. Talvez a Academia - assim como parte do público - não tenha entendido a proposta da diretora em contrapor a tragédia iminente com vidas que teimam em prosseguir.

A Guerra Está Declarada (La Guerre est déclarée/França - 2011) de Valérrie Donzelli com Valérie Donzelli, Jérémie Elkaïm, Brigitte Sy e César Desseix. ☻☻☻

terça-feira, 15 de outubro de 2013

DVD: A Terra Prometida

Damon: versão fictícia de famoso documentário. 

De vez em quando Gus van Sant faz um filme todo redondinho, às vezes ele cai no gosto do Oscar (Gênio Indomável/1997 e Milk/2008) outras vezes torna-se esnobado (Encontrando Forrester/2000). Lançado em dezembro nos cinemas americanos, esperava-se que Terra Prometida garantisse algumas indicações ao currículo do diretor, mas o resultado não foi bem esse. Quem já viu o ótimo documentário Gasland (2010) vai lembrar do tema abordado pelo filme: uma cidadezinha do interior que é assediada por uma companhia de gás natural. Steve Butler (Matt Damon) e Sue Thomason (Frances McDormand) são representantes de uma companhia que tem interesses nos terrenos da região, afinal, eles podem render lucros de milhões com a produção de gás natural. A tarefa da dupla é convencer os moradores a permitirem as instalações da companhia na região. Sempre falando em quantias altas aos moradores, a tarefa parece fácil até que um professor da região (Hal Holbrook) começa a indagar Steve sobre as consequências danosas que a companhia trará para a região. Se Steve já não parece tão seguro em vender os interesses da companhia, a população também começa a ter suas dúvidas quanto os "lucros" que terão com a situação. Para piorar, um ambientalista (John Krasinski)  aparece na cidade contando histórias da tragédia vivida em sua fazenda depois que a companhia contaminou ar, água e solo com o seu processo de produção. Resta à Steve e Sue construírem estratégias de convencimento para a população que começa a relutar diante das propostas milionárias que recebem.  Matt Damon - que confia mais uma vez sua escrita ao amigo diretor (ele também assinou o premiado Gênio Indomável/1997 e o controverso Gerry/2002) - constrói a história lentamente para mostrar o envolvimento do protagonista com aquela população, que, em breve terá sua vida transformada para sempre. Existe o flerte dele com uma professora local (Rosemarie Dewitt), assim como sua parceira flerta com um comerciante (Titus Welliver), provocações entre os moradores, negócios fechados e outros suspensos, tudo encadeado de forma quase esquemática. Terra Prometida está longe de ser um filme ruim, mas parece a versão ficctícia de uma história real retratada de forma muito mais atraente no já mencionado docuementário. Mas nada prejudica o filme como a desvantagem de ter um final excessivamente otimista, o que o faz perder a força narrativa justamente quando mais precisava dela. Dificilmente um personagem real teria aquela atitude redentora depois das situações vividas na cidadezinha (vai me dizer que ele não havia passado por várias situações semelhantes anteriormente?). A plateia pode até respirar aliviada quando assiste a cena, mas quando sobe os créditos não deixa de soar um tanto forçado o desfecho da história. Steve afirma o tempo todo que não é um homem mau, mas sua redenção está longe de ser conquistada de forma tão fácil. Talvez por abordar (levemente) questões ambientais e a lógica do dinheiro a qualquer preço, o filme (cheio de boas intenções) levou para a casa a menção honrosa no Festival de Berlim desse ano.

Terra Prometida (Promise Land/EUA-2013) de Gus Van Sant com Matt Damon, Frances McDormand, Rosemarie Dewitt, John Krasinski, Hal Holbrook, Lucas Black, Titus Welliver e Lexi Cowan. ☻☻☻

Combo: Meus Professores Favoritos

Professores costumam ser pau para toda obra no cinema, podem aparecer em histórias problemáticas (Half Nelson / 2006), egocêntricas (Eleição / 1999), edificantes (Meu Mestre Minha Vida /1989), transformadoras (Escritores da Liberdade /2006), filosóficas (Sociedade dos Poetas Mortos /1989), feministas (O Sorriso de Mona Lisa /2002), debochadas (Professora Sem Classe/2011), inspiradoras (Professor Holland /1995), manipuladoras (A Onda /2008),  ou simplesmente se tornar um marco para várias gerações (Ao Mestre com Carinho /1967). Lembrei de todos os citados quando pensei em fazer esse Combo pelo dia do professor, mas fui bastante sincero na escolha daqueles professores que eu gostaria de ter conhecido em minha trajetória. Alguns me lembram os meus favoritos quando eu era estudante, se equilibrando entre qualidades e defeitos eles garantiram seu lugar nessa lista:

5 Escola de Rock (2003) Dewey Finn é um músico que se tornou professor por acaso ao aceitar substituir um amigo. Dewey, na verdade, era vocalista de uma banda que achou que ele não ajudava muito no progresso comercial da banda. Rejeitado pelo grupo, acaba indo para uma escola e ensinando aos seus alunos como apreciar o som e a atitude rock'n roll! Apesar de ter que driblar o conservadorismo da escola, Finn anaboliza a criatividade e a autoestima de seus alunos sem ser chato. Além dos talentos infanto-juvenis, o filme conta com a atuação da vida de Jack Black na pele de Dewey (beneficiada pela direção mais deliciosamente pop que Richard Linklater já conseguiu). Essa lista seria bem sem graça sem a presença do roqueiro!

4 Verônica (2008) Sempre que assisto ao filme de Maurício Farias penso que a situação extrema vivida pela personagem de Andréa Beltrão é o que a maioria das autoridades gostaria que um professor fizesse. Trabalhando em contato diário com a dura realidade de comunidades abandonadas pelo Estado, Verônica está esgotada e decepcionada com a profissão. As condições de trabalho podiam ser melhores, suas condições de vida também, mas tudo isso parece pequeno quando percebe que um aluno é perseguido pelos bandidos que assassinaram seus pais. Diante de uma sociedade que coloca a escola como principal referência governamental da população, Verônica esfrega na cara do público que a atitude de sua protagonista está longe de ser a ideal, embora todos joguem para o professor o papel de único redentor da sociedade.

3 Garotos Incríveis (2000) Ser aluno do professor de literatura Grady Tripp (Michael Douglas, em seu melhor momento) deve ser uma experiência inesquecível. Afinal, o próprio Tripp era um jovem prodígio quando escreveu seu clássico romance A Filha do Incendiário. Desde então, ele tenta terminar seu novo livro, mas ganha o pão de cada dia ajudando jovens escritores a encontrarem a própria voz. Quando seu editor resolve visitá-lo, tudo acontece: é abandonado pela esposa, seu caso com a mulher do reitor fica exposto, tem problemas com um aluno (Tobey Maguire), é assediado por uma aluna (Katie Holmes), o carro roubado, seus vícios revelados... nesse ambiente caótico bem humorado, o diretor Curtis Hanson cria um personagem inesquecivelmente humano, que pode servir como metáfora para os professores que precisam deixar a vida de aluno para trás.


2 Billy Elliot (2000) Dificilmente o filho de carvoeiro vivido por Jamie Bell teria alguma chance contra os preconceitos se não contasse com as orientações de uma professora do quilate de Senhora Wilkinson (Julie Walters). Além de não ter medo de cara feia, Wilkinson sabe exatamente que para ter êxito é preciso um bocado de sangue, suor e lágrimas. O filme de Stephen Daldry  a relação desse aluno adorável com uma professora severa, que sabe como ensinar ao seu aluno que no mundo não existe lugar para moleza e que a severidade pode ser sinal de carinho, amor e atenção. Julie Walters está excepcional como a zelosa professora que percebe o sucesso de seu aluno como redenção de seus próprios fantasmas do passado (além de perpetuar o seu legado diante de um mundo desacreditado de sonhos e ideais).


1 Entre os Muros da Escola (2008) Nas bordas do século XXI, com escolas atendendo grupos múltiplos em suas identidades, o professor deixou de ser um mediador somente da relação entre alunos e conhecimento para se tornar, também, um mediador das relações humanas. As dificuldade em conciliar tantas diferenças aparece de forma vívida no cotidiano do professor François (François Bégaudeau, autor do livro que inspirou o filme), que precisa lecionar entre os conflitos que aparecem em sua escola. O cineasta Laurent Cantet consegue imprimir um tom assustadoramente realista durante o longa (com a ajuda de atores amadores numa desenvoltura de dar inveja há muitas produções) e impressiona pela sinceridade com que retrata esse pequeno universo afetado por toda a realidade que gira em torno dos seus personagens. Ganhador de onze prêmios internacionais (incluindo a Palma de Ouro em Cannes), indicado ao Oscar e Globo de Ouro o filme é um clássico contemporâneo.  

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

DVD: Beleza

Lutz e Keegan: um filme dentro do personagem. 

Premiado com o Palma Queer em Cannes, o incômodo Beleza é um filme que exige esforço da plateia para acompanhar os dramas de um homem de meia-idade que mantém uma vida dupla. Em uma delas é o senhor pai de família dedicado ao trabalho bem sucedido, à esposa e às duas filhas em uma vida confortável. Em sua outra vida é um homem que tenta sufocar seu desejo por outros homens. Para lidar com isso, participa de um grupo masculino que se encontra para satisfazer desejos secretos e frequenta consultas com um psicólogo. Ainda que seja difícil a vida no armário, quando vemos François (ótima atuação de Deon Lutz) na festa de casamento da filha, percebemos logo seu autocontrole. No entanto, sua alma fica exposta com o olhar de cobiça sobre o jovem filho de um amigo. A direção de Oliver Hermanus deixa claro que já existe uma pré-história quando François reencontra o filho crescido do amigo. Christian (Charlie Keegan) é apresentado numa sexualidade quase ambígua, afinal, mesmo com a atenção de todas as mulheres da festa, aproxima-se de François para demonstrar seu interesse em trabalhar com ele após terminar a faculdade de direito. O que pode ser visto como um interesse meramente profissional do rapaz, na mente sufocada de François se transforma em segunda intenções. É evidente que debaixo dos interesses do jovem Chris, existe um carinho pelo amigo de seu pai, mas François se agarra a isso para desenvolver uma espécie de obsessão pelo moço. Tanto que organiza viagens para visitar os pais de Christian, frustra-se quando descobre que ele não estará presente num churrasco organizado pelos pais, ruma para a praia quando sabe que ele está por lá, sente ciúme da filha ao vê-la fazendo companhia ao rapaz e organiza situações para que possa encontrá-lo sozinho. Hermanus começa seu filme com câmera fixa, numa serenidade que beira a irritação para em seguida chocar a plateia com cenas homoeróticas explícitas. Depois aumenta gradativamente uma tensão silenciosa para podermos ouvir os ruídos do protagonista sendo corroído por dentro... até que o desejo transborda em violência. É essa mudança brusca de tom que torna o filme interessante, é ela que deixa a sensação de que François está prestes a explodir. Beleza é um retrato um tanto perturbador sobre a repressão dos desejos e sobre a vida no armário - quando ele começa a ficar pequeno. Ainda que eu considere uma espécie de covardia deixar uma grande lacuna  no final em que o protagonista parece andar em círculos. O filme consegue fazer um retrato interessante dos sentimentos de seu personagem com o auxílio do trabalho de Deon Lutz, que impregna de sentido cenas como a da lanchonete, onde a demonstração de seu interior aparece na vida de outras pessoas. Adepto de cenas fortes (que o deixa longe de ser um filme agradável de se assistir), Hermanus consegue realizar um trabalho corajoso.  

Beleza (Skoonheid/África do Sul - França - Alemanha/2011) de Oliver Hermanus com Deon Lutz, Charlie Keegan, Michelle Scott, Albert Maritz e Morne Visser. ☻☻☻

DVD: Oz - Mágico e Poderoso

Kunis e Franco: como construir bruxarias. 

Depois que largou a direção dos filmes do Homem Aranha, Sam Raimi me pareceu um tanto desamparado. Tão desamparado que depois de voltar para o gênero que o revelou (com o terror Arraste-me para o Inferno/2009) ele ficou quatro anos sem filmar. Desde que estreou na direção na década de 1970, ele nunca ficou tanto tempo sem lançar um filme. Oz - Mágico e Poderoso é quase um retorno ao ponto em que o herói aracnídeo o deixou -  um retorno à fantasia e ao trabalho com James Franco (seu amigo pessoal). O filme busca dar uma identidade ao célebre Mágico de Oz (aquele mesmo da Dorothy, Espantalho, Homem de Lata, Leão...), afinal, mesmo depois que o clássico filme de 1939 chegava ao fim, Oz mantinha-se um personagem cheio de mistérios. O filme de Raimi se baseia nos outros livros de L. Frank Baum que contam como um sujeito sem poderes mágicos se tornou o bruxo mais famoso da terra de Oz. Desde o início fica claro que Oscar (James Franco) não é propriamente o melhor mágico que trabalhou num circo mambembe. Apesar de seu trabalho ser incompreendido pelas cidadezinhas por onde anda (chegavam a pensar que ele era um milagreiro) e sua carreira beirar o fracasso, o ego inflado garantia o trato pouco gentil a quem estava por perto. Seu temperamento não poupava nem namoradas em potencial ou o assistente Frank (Zach Braff), pois é esse temperamento que terá que domar quando for levado para um mundo mágico onde uma profecia anunciava sua vinda para libertar os vários povos de Oz de temidas bruxas. Não vai demorar para que Oscar conheça a bela Theodora (Mila Kunis), que junto à irmã Evanora (Rachel Weisz) - guardiã e Conselheira Oficial de Oz, tenta conter os avanços de Glinda (Michelle Williams), a bruxa do Sul. Theodora acredita que Glinda assassinou seu pai, o rei de Oz. Em se tratando de um filme com assinatura da Disney, Sam Raimi não teve pudores de contar sua história da forma mais simples possível, com pequenos segredos e sem grandes reviravoltas. Seu interesse parece ser claramente os pequenos - tanto que não me admira de James Franco estar quase caricatural  no papel de Oscar, mas deixando bem claro o quanto está se divertindo. O que eu mais gostei do filme foi mostrar a origem da temida bruxa do Oeste e sua relação com Oz. Cheio de efeitos especiais e um humor pueril, OZ - Mágico e Poderoso ficou longe de alcançar o sucesso que o estúdio esperava, mesmo assim, o sucesso na carreira internacional o coloca em risco de receber uma sequência nos próximos anos. Resta saber se o tratamento limpinho da história terá fôlego para tanto.

Oz - Mágico e Poderoso (Oz - Great and Powerful/EUA-2013) de Sam Raimi com James Franco, Mila Kunis, Michelle Williams e Rachel Weisz. ☻☻☻

domingo, 13 de outubro de 2013

APOSTAS PARA O OSCAR 2014 - CAPÍTULO I

Chega à temporada de outono do final do ano começam as especulações sobre quem terá um lugar na temporada de ouro que se anuncia. Sobre os palpites, vale ressalta que nos primeiros cinco palpites do Oscar 2011, todos os comentados receberam indicações, sendo que eu acertei quatro indicados ao prêmio de Melhor Filme e mencionei quatro futuras indicadas ao prêmio de melhor atriz (incluindo a ganhadora daquele ano). No ano seguinte (2012), minha sorte com as atrizes continuou - e acertei três das cinco indicadas logo de primeira (incluindo a ganhadora mais uma vez), mas o ganhador do Oscar daquele ano só veio no palpite posterior. Já em 2013 o grande vencedor da noite aparecia entre meus primeiros palpites. E para o ano que vem? Será que algum ganhador está nessa lista? As estatísticas parecem dizer que sim:

Gravidade (Gravity) 
Já que é para começar do começo, vamos iniciar do primeiro forte candidato que apareceu nos cinemas brasileiros. Gravidade de Alfonso Cuarón se tornou numa espécie de unanimidade desde que foi exibido no Festival de Veneza. A ficção científica intimista sobre a astronauta que se perde no espaço coleciona elogios - e tem indicação certeira para melhor atriz para Sandra Bullock (o que é bastante merecido já que a presença de uma estrela do seu quilate ajudou a viabilizar um projeto arriscado em 3D). Mesmo que o tom aventuresco espetacular não faça sucesso na votação final da Academia, dificilmente o filme será ignorado (as categorias técnicas já são uma barbada).

American Hustle
Jennifer Larence? Amy Adams? Bradley Cooper? Robert DeNiro? Parece uma reedição dos indicados do ano passado, mas não é. Trata-se de American Hustle, filme de David O. Russell sobre a história real de um golpista (Christian Bale) e sua amante (Amy Adams) que são forçados a trabalhar com um estranho agente federal (Bradley Cooper) para desmascarar mafiosos, vigaristas e políticos corruptos. A confusão está armada com o acréscimos de Jeremy Renner como um político que se envolve na história. Drama, romances, suspense e traições se misturam no decorrer do filme  que tem o maior número de já indicados ao Oscar por metro quadrado da temporada. 

Dallas Buyer's Club
Se alguns colecionam indicações, outros lutam para conseguir a sua primeira consagração. Matthew McConaghey se esforça desde o ano passado e dessa vez, parece que a coisa vai. Ao seu lado está Jared Leto, que retoma seu estilo de transformações físicas para mostrar que não é só um rostinho bonito. O diretor Jean-Marc Vallée conta com esses dois atores de grande apelo ao público feminino para contar uma história ambientada no início da propagação da AIDS na década de 1980. McConaghey é Ron Woodroof, um ninguém que vive de pequenos golpes e que contraiu o HIV no uso de seringas compartilhadas. Woodroof acaba se metendo num esquema de compra de remédios ilegais junto com outros soropositivos - que inclui o travesti Rayon (Leto). Embora o filme corra o risco de descambar para a militância, a dupla central transpira carisma e tem chances nas premiações. 

Doze Anos de Escravidão (12 Years a Slave)
Grande vencedor no Festival de Toronto, 12 Years Slave é a terceira parceria do diretor Steve McQueen com o ator Michael Fassbender. A trama conta a história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um sujeito casado e educado que via para assumir um emprego em Washington é enganado e termina sendo escravizado. Sua liberdade agora depende das cartas que escreve para esposa e que chegam até ela com a ajuda de um abolicionista. Ao contrário dos outros filmes de McQueen, o filme tem a maior cara de Oscar e já está cotado como um dos favoritos ao prêmio. 

O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street)
Leonardo DiCaprio se entrega mais uma vez à direção de Martin Scorsese e comprova a tendência de história reais no Oscar 2014! O filme acompanha a trajetória de um corretor da bolsa de valores que passou quase dois anos preso por delitos de manipulação durante a década de 1990. A seu favor, o longa tem os créditos ilustres - mas o fato de ter que lidar com inúmeros filmes semelhantes sobre o cotidiano de Wall Street, o filme pode perder o fôlego na reta final. Ainda assim, ver Leonardo DiCaprio visivelmente mais envelhecido pode ser interessante - especialmente para esquecer o fracasso de O Grande Gatsby de Baz Luhrman. 

DVD: O Som ao Redor

Jahn: pesadelos urbanos e ameaças constantes. 

Muitos críticos ficaram animados quando o Brasil anunciou que O Som ao Redor seria o nosso candidato a concorrer uma vaga entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro. Considerado a melhor escolha em anos, o filme de Kleber Mendonça Filho foi premiado em festivais e elogiado pela imprensa gringa. O filme me pareceu uma versão brasileira, de acento nordestino, de filmes que já tempos são produzidos no resto da América Latina sobre a ótica da classe média. No Brasil, muitos cineastas já tentaram abordar o cotidiano dos moradores das grandes cidades em que estabilidade é mesclada à insegurança causada pelas diferenças sociais acirradas, no entanto, poucos conseguiram incrementar a abordagem com doses certas de delírio. Muitas vezes o resultado pode ser radical demais, ou abrigar mais pontas soltas do que o público suporta. O grande trunfo de O Som ao Redor é o roteiro bem lapidado que mistura vários personagens em torno de uma mesma história, embora, muitas vezes pareça que as tramas paralelas não se conectam. O início mostra fotos em preto e branco de um Pernambuco que parece ter ficado para trás. A realidade dos coronéis parece logo abandonada quando vemos uma Recife urbana, com as ruas cheias de prédios de classe média, onde a presença de grades e telas parece proteger a população de uma ameaça que está à espreita. O risco está sempre presente no filme, tanto que o roteiro preza por chamar cada parte com um título que remete à proteção (Cão de Guarda, Guarda Costas...), ainda que os moradores levem vidas tranquilas. Ainda que o filme se passe nos dias atuais, utiliza tintas fortes para valorizar o valor da descendência entre um grupo de personagens. Seu Francisco (Waldemar José Solha) seria o dono das terras onde o bairro cresceu com o tempo. Entre filhos e netos o que recebe mais destaque na história é o bom moço João (Gustavo Jahn), que sente o início do relacionamento com Sofia (Irma Brown) ameaçado quando roubam o rádio do carro dela quando dormem juntos na casa dele pela primeira vez. Conhecendo bem a vizinhança, João acredita que foi seu primo Dinho (Yuri Holanda) o responsável pelo roubo. Por uma espécie de coincidência, chega um grupo de homens na rua liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos) oferecendo o serviço de vigiar a vizinhança a partir de um pagamento fixo bancado pelos moradores (milícia?). Paralelo a isso, acompanhamos a vida de Bia (Maeve Jinkings), uma dona de casa aparentemente comum que lida com marido e filhos com grande naturalidade -  mas que possui seus pequenos segredos cotidianos que vão para além dos aborrecimentos com o cão do vizinho. Mendonça Filho opta por um tom realista arriscado numa sucessão de situações sutilmente reveladoras - numa mistura clara de atores profissionais e amadores (e acho que isso deixa algumas atuações beirando a apatia). Talvez pelas cenas iniciais com fotos em preto e branco, me senti instigado a criar relações daquelas imagens com tudo que apareceu na tela. A postura de João como um educado coronelzinho, que quer proteger seus agregados e tem ciência do lado bom de sua herança familiar. Francisco como um grande coronel urbano. Dinho como um agroboy inconsequente e os seguranças novatos como jagunços. É neste ponto que o Som ao Redor surpreende ao deixar claro que o grupo de Clodoaldo não está subjugado ao coronel da região. Aos poucos o que era para gerar segurança, acaba sugerindo ameaça ao se misturar com sons estranhos ouvidos pela vizinhança, pessoas desconhecidas que aparecem pela rua, porteiros que não cumprem seu dever, moleques andando pendurados em lajes e árvores. A tensão se faz tão presente quanto recursos tecnológicos (celulares, rádios, câmeras, notebooks...), ilusões de segurança e paranoias urbanas das mais variadas. É ao traduzir essas nóias em imagens e sons (como o batismo de sangue de João num banho de cachoeira nas terras do avô, o quintal invadido por delinquentes ou a eterna confusão entre barulho de tiros e fogos) que o filme se fortalece numa abordagem do cotidiano de pessoas comuns. É verdade que muita gente irá dizer que durante o filme não acontece muita coisa, mas quem ficar atento verá que o roteiro é um dos mais bem trabalhados do cinema brasileiro durante os últimos anos, principalmente pela forma como evoca referências históricas para dar corpo ao subtexto que se revela o principal ao final da sessão. Não lembro, em nossa produção recente, um filme que conseguisse criar uma tensão crescente com tão poucos elementos. Além disso, eu não poderia deixar de destacar o excelente trabalho com a trilha sonora e os sons que perturbam durante o filme. Mesmo que não seja indicado a prêmio algum, O Som ao Redor tem identidade e estilo fortes, esses fatores que o torna uma obra tão instigante ao ir na contramão que se torna cada vez mais comum no formato enlatado do cinema brasileiro. Talvez por isso, o New York Times o tenha colocado entre os dez filmes mais interessantes exibidos nos EUA no ano passado.

O Som ao Redor (Brasil/2013) de Kleber Mendonça Filho com Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Maeve Jinkings, Waldemar José Solha, Yuri Holanda e Irma Brown. ☻☻☻☻

sábado, 12 de outubro de 2013

DVD: Um Fantástico Medo de Tudo

Pegg: brincando com psicopatas. 

Acredito que na comédia inglesa atual, Simon Pegg é o rosto que mais aparece no cinema. Desde que lançou paródia sobre zumbis Todo Mundo Quase Morto (2004) fez sucesso, aparecer em chacotas de gêneros cinematográficos virou seu campo de trabalho. É verdade que de vez em quando ele aparece em franquias milionárias de ação (como fez em Missão Impossível: Protocolo Fantasma/2012 e o novo Star Trek/2008), porém, mesmo nesses trabalhos o seu ofício é ser o alívio cômico às cenas de ação. Um Fantástico Medo de Tudo pode não ter alcançado o sucesso esperado nas bilheterias, mas rende boas gargalhadas com seu clima de terrir inglês. Pegg faz um autor de livros infantis que quer mudar de público e se aventura em escrever um livro sobre os maiores serial killers da Inglaterra. Ele só não contava que sua vasta pesquisa de campo o deixaria com uma espécie de síndrome do pânico onde tudo é motivo de desconfiar de que existe um psicopata à sua procura. Suas analogias sobre o olhar assassino de quem passa por perto (onde aparece até a foto hilariante de um bebê para exemplificar a teoria) é apenas uma de suas paranoias. O fato de morar sozinho numa casa que mais parece um mausoléu vitoriano (com direito de à vários recortes de jornais, fotos de assassinos e luzes sempre apagadas sobre a bagunça) também não ajuda. Crianças inocentes pedindo doces, gatos andando no telhado, vento e janelas que abrem sozinhas só aumentam o pavor que o escritor tem do mundo. Ele poderia viver confinado em seus medos no tal apartamento se não fosse a proposta de transformar seu livro em filme. O que poderia ser uma guinada em sua carreira passa a ser uma ameaça quando ele percebe que terá de sair de casa, ou pior do que isso, terá que lavar suas roupas para se encontrar com o tal produtor (que ele acredita ser descendente de um psicótico e que o encontro faz parte de um plano para matá-lo). Some isso um trauma de frequentar lavanderias que vem desde a infância do personagem e você pode imaginar o que acontece. Bem, na verdade não pode, já que a lavanderia é frequentada pelo grupo de mulheres mais esquisitas que já apareceram nesse tipo de estabelecimento. Misturando suspense e comédia o filme consegue fazer graça com a velha história de superar os próprios medos - e consegue até ser original ao mostrar que mocinho e vilão podem nascer de formas diferentes de lidar com situações semelhantes. Um Fantástico Medo de Tudo é no fundo um besteirol absurdo, e por isso mesmo muito divertido, o que o faz perder alguns pontos é o formato quase televisivo que os diretores Crispian Mills e Chris Hopewell imprimem à trama. Mas as gargalhadas nos fazem até esquecer desse detalhe. 

Um Fantástico Medo de Tudo (A Fantastic Fear of Everything/Reino Unido-2012) de Crispian Mills e Chris Hopewell com Simon Pegg, Alan Drake, Clare Higgins, Paul Freeman e Mo Idriss. ☻☻☻

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

DVD: Uma História de Amor

Benoît e Laetitia: sadomasoquismo e inversão de papéis. 

Considero filmes sobre amores estranhos sempre interessantes, mesmo quando as ideias não são bem aproveitadas. Uma História de Amor é o típico filme que é classificado como polêmico ao chegar nos cinemas e, embora tenha um roteiro que parece correr atrás do próprio rabo por quase hora e meia de duração, tem alguns elementos que prendem a atenção do espectador. Um que mostra-se fundamental para o interesse na trama é a dupla central encarregada de defender as tintas de um casal adepto de práticas sadomasoquistas - cujo os papéis se invertem entre a vida social e as quatro paredes. A atriz francesa Hélène Fillières foi sábia em escolher Benoît Poelvoorde e Laetitia Casta para protagonizar seu primeiro longa metragem na direção. Poelvoorde interpreta um banqueiro arrogante que coleciona armas e manias de perseguição, para ele o mundo é uma grande conspiração contra sua pessoa milionária. Laetitia é uma mulher que começa a ter um caso com ele após uma festa e inicia um tórrido romance de tintas sadomasoquistas. Na vida social ele é um sádico, pedante e cheio de si, humilhar as pessoas ao seu redor é o esporte favorito - principalmente a modalidade de chamar a amante de prostituta a toda instante. Na cama ele se entrega ao papel de masoquista. Aprecia mordaças, agressões, cordas e toda a sorte de elementos que possam lhe proporcionar dor. Ela, que mostra-se submissa em sua companhia em eventos e restaurantes, mostra-se uma eficiente dominatrix, que debaixo de toda aquela sedução, demonstra um pouco do sabor de vingança nos momentos de prazer que compartilham. Aos poucos percebemos como essa troca de papéis os excita na vida social e íntima, porém, ao mesmo tempo, a relação entre ambos revela traços obscuros de suas personalidades. Afinal, Benoît ressalta a verdadeira obsessão de seu personagem: a morte, enquanto Laetitia sempre deixa uma incógnita sobre seu relacionamento com o outro homem que acreditamos ser seu esposo (ou cafetão?). Apesar de andar em círculos, Uma História de Amor tem seus méritos na forma elegante em contar um romance de traços fortes escondido sob um nome explicitamente lírico (tradução literal do título francês) e desbravar como o amor pode ressignificar ações dentro de uma relação. Nesse processo, fiquei surpreso como Benoît Poelvoorde se afasta de sua aparência quase cômica (vista em várias comédias francesas como o recente Românticos Anônimos/2010) na composição de um personagem que se equilibra entre a sedução e a repulsa com bastante desenvoltura - tanto que encara até uma reveladora cena de nudez aos 49 anos. Da mesma forma, a beldade Laetitia Casta surpreende numa atuação sutil que demonstra seu amadurecimento como atriz depois de longa carreira como modelo. Os dois conseguem encarnar os dois lados de seus personagens com bastante competência, numa química interessante e quase improvável. Considero que os dois conseguem fazer do filme uma experiência melhor do que o roteiro previa. 

Uma História de Amor (Une Histoire D'Amour/2013) de Hélène Fillieres com Benoît Poelvoorde e Laetitia Casta, Richard Bohringer e Reda Kateb. ☻☻

terça-feira, 8 de outubro de 2013

FILMED+: Ferrugem e Osso


Matthias e Marion: boa química em ótimo romance. 

Quase que em 2013 tivemos a chance de ver duas atrizes francesas na disputa do Oscar da categoria. Infelizmente, a Academia reservou lugar somente para a performance irretocável de Emanuelle Riva em Amor e Marion Cotillard ficou de fora. Não que isso importe. Faz tempo que uma atriz francesa não cria tanto rebuliço em Hollywood. Desde que foi celebrada por sua atuação em Piaf - Um Hino ao Amor (2007), onde levou para casa inúmeros prêmios entre Oscar e Globo de Ouro, a  atriz já marcou presença em vários filmes. Seja sob a batuta de Woody Allen ou Christopher Nolan, suas atuações são sempre dignas de elogios, mesmo que suas participações sempre fosse de coadjuvante. Chega a ser irônico que para ser protagonista ela tenha que voltar para a França e provar, mais uma vez que é capaz de carregar um filme - não que alguém tenha duvidado. Assinado por Jacques Audiard (do excelente O Profeta/2009), Ferrugem e Osso é uma história de amor bastante inesperada que é valorizada pelas atuações precisas de Marion e do belga Matthias Schoenaerts (protagonista de Bullhead/2009). Ela é uma beldade que trabalha em shows protagonizados por baleias orcas. Ele é um estrangeiro que tenta a vida como segurança na França depois que ficou com a responsabilidade de cuidar do filho. Apesar de ser um romance, Audiard tempera a trama com bastante brutalidade. Não por acaso, Stéphanie (Marion) e Alain (Matthias) se conhecem em meio à uma briga na boate onde ele trabalha, mas a relação entre os dois personagens só irá aprofundar meses depois, quando um acidente irá mudar a vida de Stéphanie para sempre. O acidente que sacrifica metade das pernas da personagem é o motivo para que os dois personagens se aproximem e descubram que se complementam. Marion está excepcional  ao explorar as transformações de sua personagem após o acidente. As dificuldades de perceber que a vida continua estão estampadas em seus rosto. Suas vaidades e desejos parecem ter sido tão mutiladas quanto seu corpo. É com a companhia e intervenções do rústico Alain que ela irá subjetivar sua nova condição. Ao mesmo tempo em que Alain se mete em arriscadas lutas clandestinas, percebemos outras nuances do personagem conforme ajuda Stéphanie a redescobrir sua sexualidade e autoestima. Nesse ponto, há de se reconhecer que Matthias prova mais uma vez que é expert em mesclar brutalidade e sensibilidade em suas atuações. Não deixa de ser interessante como após um filme extremamente testosterônico (O Profeta), Audiard tenha experimentado tons mais sutis nas relações de seus protagonistas. Stéphanie descasca Alain e Alain descasca Stéphanie durante o filme, explorando o que parecia escondido entre os dramas que sofreram.  É verdade que existem socos e sangue na trajetória de ambos, mas a alma de seu filme é extremamente romântica. Audiard é capaz de construir cenas belíssimas - especialmente quando Stéphanie relembra os gestos que guiavam os movimentos da baleia, além das cenas na praia - e ousa criar um final diferente aos que estamos acostumados a esse tipo de filme. Alguns chamaram o filme de implausível pela forma como mistura os dois mundos dos personagens, mas eu não acho. Ferrugem e Osso é original em suas escolhas e, apesar do exagero no sofrimento do pequeno filho de Alain,  pode ser considerado outro grande acerto na cinematografia de Audiard. O cineasta filma muito bem e constrói um deleite para quem está cansado de histórias pasteurizadas. Além disso, acertou em cheio em sua dupla principal. Schoenaerts deixa claro que não se contenta em ter cara e porte de galã e Marion crava ainda mais fundo o seu lugar no coração dos cinéfilos. 

Ferrugem e Osso (De rouille et d'os/França-2012) de Jacques Audiard com Marion Cotillard, Matthias Schoenaerts, Armand Verdure e Céline Sallette. ☻☻☻☻☻

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DVD: Faroeste Caboclo

Ísis e Fabrício: Maria Lúcia inconcebível. 

Acho que deve existir duas músicas chamadas Faroeste Caboclo. Uma é aquela famosa de letra quilométrica dita por longos minutos da Legião Urbana. Nela podemos ver a história dos personagens se misturar com as diferenças sociais em Brasília, uma cidade de visual futurista, projetada no coração do Brasil, mas que servia de pano de fundo para a saga de João de Santo Cristo, seu envolvimento com o crime, os embates com o traficante Jeremias e o romance com Maria Lúcia. A outra música chamada Faroeste Caboclo deve ser a que o diretor René Sampaio ouviu quando resolveu fazer esse filme. Nada contra uma pessoa querer pegar uma história e transformá-la quando a leva para outra mídia. Essa discussão é velha nas adaptações cinematográficas para obras literárias ou teatrais, mas Sampaio faz um estrago sem tamanho na história que perpassa o imaginário dos brasileiros desde a década de 1980. Tenho a impressão que o diretor queria fazer uma espécie de Cidade de Deus do Planalto Central, mas não sabia para que lado atirar (sem trocadilho). O filme até que começa promissor - apesar de resumir em dois crimes a infância e adolescência de Santo Cristo (Fabrício Boliveira, que às vezes briga com a câmera para não ser uma versão repaginada de Zé Pequeno). Mas quando o personagem chega à Brasília - e o roteiro trata isso como se fosse apenas uma vírgula - o estranhamento é inevitável. Em momento algum Santo Cristo mostra encantamento pela cidade que irá devorar o que lhe resta de inocência. A coisa degringola de vez quando a edição picotada (que é outro ponto fraco do filme) tenta mostrar a história de uma apática Maria Lúcia em paralelo. Penso que o ponto mais rasteiro do filme foi a escolha de Ísis Valverde para viver a heroína na canção. A atriz pode até dar conta de personagens unidimensionais em novelas, pode fazer gracinhas e bancar a Lolita adulta em novelas, mas ela não consegue alcançar um por cento da complexidade da personagem. Sua Maria Lúcia é inconcebível. Sem força e inexpressiva, fica difícil entender como Santo Cristo se apaixonou por ela enquanto Jeremias (Felipe Abib) a cobiçava. Apesar de alguns exageros, Abib consegue compor um Jeremias realmente sórdido e que serve de contraponto para o anti-herói Santo Cristo. Ambos são figuras marginalizadas, mas conseguem compor motivações diferentes para essa essência bandida que carregam. A adaptação perde várias nuances da música que impregnava de poesia uma história que contrastava inocência e violência. Da forma como o filme foi feito parece mais um longa da marginália tupiniquim. Apesar de ter levado mais de um milhão de espectadores nos cinemas, Faroeste Caboclo consegue ser mais decepcionante do que qualquer coisa. Acho que no fundo, Sampaio não achava que a histórica composição de Renato Russo já renderia um bom filme. 

Faroeste Caboclo (Brasil/2013) de René Sampaio com Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Felipe Abib, Flavio Bauraqui, Léo Rosa e Marcos Paulo. ☻☻