domingo, 26 de maio de 2013

GANHADORES CANNES 2013


O franco-tunisiano La Vie d'Adele foi o grande vencedor de Cannes 2013. Percebi vários comentários de surpresa em torno da vitória de um filme que flerta com o cinema erótico e apresenta algumas das cenas de sexo lésbico mais ousadas que já se viu no Festival. Outros destaques - que iniciam aqui as suas respectivas jornadas para  a temporada de ouro - são as novas empreitada dos manos Coen (Inside Llewyn Davis) e o novo projeto de Alexander Payne (Nebraska). A seguir os premiados:


Palma de Ouro: La vie d'Adele
Grand Prix: Inside Llewyn Davis
Melhor diretor: Amat Escalante (Heli)
Câmera de Ouro: Ilo Ilo
Melhor ator: Bruce Dern (Nebraska)
Melhor atriz: Bérénice Bejo (Le passé)
Melhor roteiro: Jia Zhangke (A touch of sin)
Prêmio do júri: Like father, like son
Palma de Ouro - curta metragem: Safe

sexta-feira, 24 de maio de 2013

DVD: Pão Preto

Andreu e Farriol: descobrindo que o pão branco não lhes pertence. 

Pão Negro foi o indicado pela Espanha a concorrer a uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2011. O filme acabou ficando de fora da lista depois de concorrer a 14 estatuetas no Goya (o Oscar da Espanha), dos quais ganhou nove (incluindo filme, direção, roteiro adaptado, atriz, ator revelação, atriz revelação...) e o filme merece atenção pelos seus vários méritos. Embora não seja novidade contar o sofrido período ditatorial da Espanha pelos olhos de uma criança, o filme consegue ter uma atmosfera impecável, especialmente em sua primeira parte. Desde o início quando pai e filho são surpreendidos por uma figura encapuzada na beira de um abismo - e tornam-se vítimas da simulação de um acidente - , sabemos que não estamos diante de um filme leve. O pequeno Andreu (Francesc Colomer) é o primeiro a ver o resultado do acidente e comunica aos seus pais. Esse é o início de uma rede de intrigas repleta de relações suspeitas que chegam à superfície. Desde a brutal sequência inicial o público prende o fôlego e Andreu associa aquelas mortes às últimas palavras da vítima - que faz alusão a uma figura quase folclórica que viveria nas cavernas locais. Seria verdade? Enquanto o pai de Andreu, Farriol (Roger Casamajor) torna-se um suspeito do ocorrido, o pequeno é mandado para a casa da avó e lá, junto aos primos, especula sobre a relação do acidente e o ser que habita a floresta. Não vai demorar para que o olhar quase fantasioso sobre o que está acontecendo evidencie o contexto político da época, não só a perseguição aos comunistas no fascismo franquista (que promete vitimar Farriol como um bode expiatório), como também a troca de interesses que existe entre a classe mais alta e a classe trabalhadora. A narrativa do cineasta Augustí Villaroga contamina gradativamente a ótíca de Andreu (e das outras crianças) sobre o mundo e faz o mesmo com o espectador. O filme, que poderia investir na linha que separa realidade e fantasia, aos poucos se torna cada vez mais denso, pesado, num emaranhado de mentiras e incompreensões que faz até Andreu perceber que seu pai não é o herói que imaginava. Conflitos sobre sexualidade, vida adulta, classes sociais e ideologias parecem sufocar os personagens conforme a trama avança. No fim das contas, Pão Preto mata (propositalmente) toda a poesia que seu roteiro abrigava. Talvez o menino que colecionava pássaros junto ao seu pai tenha descoberto que não havia muita diferença entre prender aquelas vidas e destruir outras. Ao final de Pão Preto (com seus chocolates imaginários em xícaras vazias se transformando em chocolates reais em xícaras caras) o que acontece é uma espécie de morte da esperança. Desfecho amargo para uma trama ambientada na guerra civil espanhola, que ficou conhecida como a última guerra romântica, a última onde o bem e o mal estavam bem demarcados.  A julgar pelo destino de Andreu eu não saberia dizer quem ganhou a batalha.

Pão Preto (Pa Negre/Espanha-2010) de Augustí Villaroga com Francesc Colomer, Roger Casamajor, Marina Comas, Nora Navas e Sergi López. 

CATÁLOGO: O Céu de Outubro

Jake e seus amigos: olhando para fora da caixa. 

Jake Gyllenhaall começou a carreira como ator no cinema aos onze anos, mas só tornou-se conhecido do público dez anos depois quando protagonizou o cult sinistro Donnie Darko (2001) de Richard Kelly. Antes de viver o rapaz problemático assombrado por um coelho gigante que anuncia o fim do mundo, Jake protagonizou o simpático O Céu de Outubro de Joe Johnston que pertence a um subgênero do cinema que raramente funciona: o filme motivacional. Os americanos adoram a história de perseguir-um-sonho-até-que-ele-se-realize (como se realizá-los dependesse somente disso). Poucos são os longas que conseguem driblar as armadilhas dessa proposta, por isso, o jeito nostálgico de Johnston dirigir (foi ele que concebeu a primeira aventura do Capitão América/2011 para a telona) cai como uma luva na história dos quatro amigos que resolvem construir um foguete quando a Guerra Fria dava seus primeiros passos. Era a década de 1950 e o fato dos russos lançarem o seu satélite artificial Sputnik causava medo e admiração entre os habitantes do planeta Terra. Afinal, da noite para o dia, havia um objeto voando na órbita da Terra e havia suspeitas de que servia para fins de espionagem e até um ataque espacial (!), parte do horror e admiração que emerge da situação é mostrada magistralmente no filme quando as pessoas olham para o céu e buscam ver uma luz vermelha brilhando. Imagine esse efeito numa cidade pequena onde a fonte de renda é a produção de carvão e que o destino da maioria dos rapazes é trabalhar nas minas como seus pais. É no ambiente gelado da pequena Coalwood que Homer Hickam (Jake Gyllenhaall) se interessa pela construção amadora de foguetes e convida amigos que são capazes de ajudá-lo a cumprir seus objetivos. Os moradores percebem a ambição do quarteto de mocinhos como uma verdadeira loucura, um devaneio inútil que serve mais para ser ridicularizado do que propriamente incentivado. Até a escola, às voltas com suas aulas e feiras de ciências, percebe aquele interesse como algo problemático, com exceção apenas da professora Riley (Laura Dern, sempre ótima) que motiva Homer a pensar diferente de todo universo que está ao seu redor. Na sua trajetória, o quarteto de amigos encontram dificuldades, mas também pessoas que colaboram para que seus lançamentos de foguetes sejam bem sucedidos. São inúmeros projetos, vários reajustes, muitos acidentes e as coisas pioram quando os experimentos do grupo tornam-se suspeitos de causarem um estrago ambiental.  Some isso ao fato de Homer ter que, subitamente, sustentar a família e veremos que tentar realizar seus sonhos não é uma coisa muito fácil de conseguir. Johnston faz um filme gostoso de assistir. Amparado pela autobiografia de Hickam, conta com apoio de um elenco que consegue valorizar ainda mais a história (destaque para Chris Cooper como o pai grosseirão, tipo que sabe interpretar tão bem). Dosando corretamente humor com os dramas dos rapazes que se rebelam contra o destino que a cidade os reserva, o filme funciona - e ainda deixa aquele gostinho otimista ao contar o que houve com cada personagem depois daqueles experimentos fogueteiros amadores. Vale conferir o filme nem que seja para comparar o ímpeto de um adolescente Jake Gyllenhaall com suas atuações mais recentes. 

O Céu de Outubro (October Sky/EUA-1999) de Joe Johnston com Jake Gyllenhaal, Laura Dern, Chris Cooper, Chris Owen, William Lee Scott, Chad Lindberg e Scott Miles. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

DVD: Frankenweenie

Sparky e Victor: irresistível paródia. 

Foi no ano de 1985 que Tim Burton nasceu para Hollywood. Naquele ano que seu sexto curta metragem concorreu ao Oscar de melhor curta-metragem de animação. Burton fazia curtas desde 1971 e somente mais de uma década depois seu estilo irresistivelmente gótico chamou a atenção da Academia. O impressionante é que precisou passar 27 anos para que o diretor retomasse a obra que voltou os holofotes para sua carreira - decisão tomada justamente no momento em que seus últimos dois filmes foram decepcionantes. Seu Alice no País das Maravilhas (2010), feito por encomenda para a Disney, seria um desastre se não contasse com a inspirada atuação da patroa Helena Bonhan Carter como a Rainha Vermelha. Posteriormente Sombras da Noite (2012) obteve um resultado tão desengonçado que não deve ficar na memória nem de seus fãs mais fervorosos. Parecia que Burton havia depositado toda a sua ousadia em Sweeney Todd (2007), filme vigoroso e surpreendente sobre um barbeiro que assassina desafetos em ritmo de musical. Parece que a animação Frankenweenie fez as pazes do diretor com seu público, com a crítica e com a Academia que o indicou como uma das melhores animações de 2012. A história parte da mesma premissa do curta de 1984, mas ganha novos personagens e camadas, mas a graça continua sendo a  identificação do público com o menino que ressuscita seu cão de estimação. Victor Frankenstein (voz de Charlie Tahan) é um menino que tem como amigo somente o seu cachorrinho, Sparky. Seu isolamento até preocupa seus pais (com vozes de Martin Short e Catherine O'Hara), mas eles tem consciência de que Victor é um bom garoto. O menino ainda tem um interesse especial pela ciência, ao ponto da proximidade da Feira de Ciências da escola fazer sua mente fervilhar de ideias. Quando um acidente vitima seu cãozinho, o jovem Frankenstein cria uma forma de trazê-lo novamente à vida com o uso de relâmpagos e eletrodomésticos. Sparky volta com a mesma fidelidade canina de antes para o seu dono, o problema é esconder o cãozinho que todo mundo sabe que morreu. Ainda que o filme se desenvolva nos coleguinhas de Victor plageando sua ideia para a feira de ciências, fica claro que a alma do filme está na amizade que Victor possui com seu cãozinho - detalhe que foi fundamental para o sucesso de sua arriscada experiência. O filme ainda é mais uma homenagem de Tim Burton aos filmes B e Z (basta lembrar do elogiado Ed Wood/1994 e do capenga Marte Ataca/1996), com tartarugas gigantes, monstrinhos que parecem Greemlins e peixes fantasmas que podem mudar  a vida dos habitantes da cidadezinha de New Holland.  Além dessas referências, ainda existem os colegas de classe de Victor que parecem saídas de filmes de clássicos do terror (como a menina de olhos enormes e seu gato que tem premonições na caixa de areia ou o amigo "quasímodo"), inclusive Winona Rider dando voz à versão infantil de sua personagem em Os Fantasmas se Divertem (1988) de Burton. Do iníco ao fim, Frankenweenie consegue divertir com seu terrir singelo e merecia mais o Oscar do que o xaroposo Valente da Pixar. 

Frankenweenie (EUA/2012) de Tim Burton com vozes de Charlie Tahan, Catherine O'Hara, Winona Rider, Martin Short e Martin Landau. 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

CATÁLOGO: O Melhor do Show

Levy e O'Hara: tinha um tombo no meio do caminho. 

Sei que o diretor Christopher Guest não é muito famoso por aqui, mas ele criou algumas da comédias mais divertidas que já assisti. Recentemente ele criou uma série para a HBO (Family Tree, que ainda não tem data para estrear por aqui, mas que já me deixa ansioso). No cinema ele consolidou sua carreira como diretor de falsos documentários (o mockumentary) geralmente estrelada pelo mesmo grupo de atores que não tem medo  de parecer ridículo em cena. Seus filmes tem fãs tão fiéis que Guest foi até convidado para fazer um curta para a cerimônia do Oscar deste ano - o momento se tornou um dos melhores da última edição. Em 2001 o hilário O Melhor do Show chegou a concorrer ao Globo de Ouro de Melhor Comédia do ano e recebeu o AFI Awards de filme do ano. Guest explora aqui os bastidores de uma competição de cães, mas o foco está sobre seus donos e a forma como encaram a competição e a concorrência. É curioso ver como a linguagem cinematográfica de Guest consegue ser divertida repetindo alguns cacoetes do próprio gênero documental (as frases desarticuladas, os desvios de assunto, os olhares perdidos e sorrisos amarelos) e usando atores que vestem seus personagens sem o mínimo pudor. Se houvesse um prêmio para melhor atriz de seus filmes ele com certeza ficaria com sua musa Catherine O'Hara. A atriz (que ficou conhecida como a mãe de Macaulay Culkin em Esqueceram de Mim/1990) é uma comediante de primeiríssima qualidade e neste filme ela me deu cãibras faciais de tanto rir com o efeito de um desastroso tombo. Ela vive Cookie Fleck que junto com  o marido (Eugene Levy) tem a chance de participar de uma competição nacional de cães quando seu simpático cãozinho recebe o prêmio de uma semifinal. Mais engraçadas do que as músicas feitas para o cãozinho são os reencontros constrangedores de Cookie com seus ex-namorados pelo caminho. Outra atriz que sempre tem bons momentos com o diretor é Parker Posey, que vive a descontrolada Meg Swan. Ela atravessa uma crise com a cachorra de estimação desde que a cadela seus donos fazendo sexo com o uso do KamaSutra. Como se não bastassem essas figuras ainda tem um casal de gays zelosos de sua cadelinha concorrente, um homem travadão com pretensões de ventríloquo (vivido pelo próprio Guest), duas louras com uma estranha amizade (feito pelas ótimas Jane Lynch e Jennifer Coolidge) e um apresentador que não sabe a hora de ficar calado (não, não é o Galvão Bueno). O Melhor do Show é um olhar bem divertido sobre as breguices dos americanos, mas ao mesmo tempo consegue ser bastante revelador ao explorar a forma como os donos lidam com seus bichos de estimação, seja como filhos, companheiros ou  como seres para transferir nossas emoções e gargalhadas. 

O Melhor do Show (Best in Show/EUA-2000) de Christopher Guest com Catherine O'Hara, Eugene Levy, Parker Posey, Michael Hitchcock, Christopher Guest, Jane Lynch e Jennifer Coolidge.   

CATÁLOGO: Simplesmente Feliz

Marsan e Hawkins: os opostos realmente se atraem?

Eu tenho uma estranha relação com os filmes do diretor  Mike Leigh. Geralmente demoro para assistí-los e enquanto degusto suas tramas sou tomado pela ansiedade, uma verdadeira pressa em saber o que acontecerá com aqueles tipos comuns que habitam seu universo. Mas Mike é implacável, ele apresenta seus personagens em situações cotidianas, tempera com um pequeno conflito aqui e outro ali. Às vezes seus sujeitos me irritam, comovem, divertem, outras vezes dão medo... mas não existem mocinhos ou vilões, apenas pessoas que seguem suas vidas que poderiam existir em qualquer lugar do mundo. Quando minha pressa se dissolve é sinal que estou completamente imerso naquele mundo particular do diretor e torna-se quase inevitável a sensação de que cada obra dirigida por ele exercita minha compaixão por aqueles seres tão triviais - e que na cinematografia de qualquer outro diretor seriam meros coadjuvantes de terceiro grau. Durante boa parte do tempo em que assistia Simplesmente Feliz eu não conseguia entender todo o alvoroço que o filme causou ao ponto de merecer o Globo de Ouro de melhor atriz de comédia/musical para Sally Hawkins ou a indicação ao Oscar de roteiro original, mas quando se acirra a dicotomia entre a otimista Poppy (Hawkins) e o amargo Scott (Eddie Marsan) eu me assustei com a forma como podemos perceber o mundo. Poppy é uma professora primária com inabalável otimismo, ela não se irrita nem quando roubam sua bicicleta. Depois que é roubada, ela chega à conclusão de que está na hora de "evoluir na hierarquia" e aprender a dirigir. Por conta deste objetivo ela conhece o instrutor Scott, que observa o mundo numa total oposição à forma de Poppy se comportar. Pessimista, preconceituoso e rabugento, não são poucos os momentos em que ele a chama de irresponsável e infantil, apenas pelo fato dela ser mais alegre do que a maioria das pessoas. A alegria de Poppy, visivelmente,  o irrita. Isso quase acontece com o espectador, até o momento que nos damos conta que é uma opção de vida daquela personagem e que não há alienação alguma nisso. Uma personagem tão bem-humorada poderia se tornar unidimensional demais, mas são nos momentos em que Hawkins expressa apenas com um olhar que manter-se otimista com as coisas desagradáveis que encontramos pelo caminho não é tão fácil quanto parece. Poppy não é uma idiota, ela tem consciência das coisas ruins que acontecem ao seu redor, mas prefere não alimentá-las com comentários desagradáveis ou grosserias. Assim, seu contraste com o mal-humor de Scott cresce até um doloroso desfecho, onde nos damos conta de que as pessoas constroem o mundo que observam, elas agregam valor e características às coisas que as cercam e, sendo assim, um sorriso, a roupa que você veste ou um comentário pode ser compreendido de diversas formas - até ofensivas. Quando a relação entre Scott e Poppy chega a um ponto insustentável, Leigh parece nos propor uma escolha: encarar o mundo como ele ou ela. O perigo dos extremos, dos pré-conceitos, dos ressentimentos emerge ameaçador e ao fim cabe a nós julgar quem consegue viver melhor. Simplesmente Feliz não é um filme sobre seus personagens; é um filme sobre nós. 

Simplesmente Feliz (Happy-go-Lucky / Reino Unido-2008) de Mike Leigh com Sally Hawkins, Eddie Marsan, Alexis Zegerman e Samuel Roukin. ☻☻☻

segunda-feira, 20 de maio de 2013

DVD: Jack Reacher - O Último Tiro

Cruise: "Essa cena não é de Missão Impossível"!

Ando com uma pena danada do Tom Cruise. O cara já foi um dos maiores atores de Hollywood, tem três indicações ao Oscar no currículo, sete indicações ao Globo de Ouro (das quais três se converteram em prêmios), mas depois dos descontroles por Katie Holmes, do seu envolvimento com a cientologia e da boataria que vive aparecendo em torno dele (até que Cruise comeu a placenta!) existe um certo desdém quando falam seu nome. O resultado é que seus filmes andam penando para se tornar sucessos de bilheteria. O musical Rock of Ages (2011) não chegou a se pagar, o recente Oblivion vai pelo mesmo caminho e este Jack Reacher foi melhoror por que foi mais barato que os anteriores. Baseado no livro de Lee Child o filme tem direção de Christopher McQuarrie - que tem um Oscar na estante pelo seu trabalho no texto do cult Os Suspeitos (1995), mas desde então não escreve ou dirige nada tão impactante. Ao que parece McQuarrie e Cruise são amigos (Christopher antes escrevera Operação Valquíria/2008 e está contado para o roteiro de Top Gun 2 - filme que só ressalta o desespero de Cruise), mas a amizade não ajudou muito o filme. Suspense o roteiro tem de sobra ao explorar as investigações em torno de um atirador/ex-militar que mata cinco pessoas de forma aleatória numa manhã qualquer. Quando é encontrado, tudo o que ele escreve em sua confissão é "encontre Jack Reacher". Reacher (Cruise) é um homem misterioso, vive recluso, sem paradeiro fixo, mas que revela uma clareza em perceber detalhes não notados por nenhuma outra pessoa. Ele se junta à advogada do atirador (Rosamund Pike) para descobrir o que se esconde por trás do atentado e se depara com uma conspiração que pode envolver até a promotoria. É até interessante como Reacher monta o quebra-cabeça de forma quase mágica, mas McQuarrie parece não encontrar o tom da narrativa. Há momentos em que as deduções de Reacher são tão solenes que eu o imagino com um cachimbo dizendo: "elementar meu caro Watson". A culpa não chega a ser de Tom Cruise, mas do tom que me pareceu antiquado para um protagonista que guarda alguma rebeldia contra o "sistema". Esse acaba sendo outro problema, já que o papel do destemido é usado à exaustão por Cruise, em alguns momentos parecia que era mais um episódio de Missão Impossível -  Ethan Hunt fica sem apetrechos e lhe sobra somente o cérebro. Talvez por isso, a produção deveria ter investido em outro ator e deixado que Cruise se dedicasse ao porto seguro de sua carreira (Missão terá seu quinto episódio em 2015) que ainda está sem diretor. Com mais de duas horas de duração, o filme poderia ser um pouco mais curto e investir mais na estranha figura do vilão vivido pelo cineasta Werner Herzog (excelente) que acaba desperdiçado no desfecho. As boas cenas de ação podem até compensar o falatório investigativo, mas acho que Cruise ainda precisa encontrar um roteiro para renovar seu público e valorizar seus subestimados dotes dramáticos 

Jack Reacher - O Último Tiro (Jack Reacher/EUA-2012) de Christopher McQuarrie com Tom Cruise, Rosamund Pike, Richard Jenkins, Werner Herzog, Jai Courtney, Joseph Sikora e Denver Milord. ☻☻

DVD: Loft

Os adúlteros: de amigos a suspeitos de assassinato. 

Enquanto eu assistia esse filme holandês tive a impressão de que ele estava pronto para receber uma versão hollywoodiana. Está tudo ali: o suspense, as reviravoltas, a possibilidade de colocar atores masculinos conhecidos em personagens com alguma complexidade e - obviamente - um roteiro que já está prontinho. O engraçado é que antes de escrever essa postagem eu descobri que o filme já tem uma refilmagem que deve ser lançada no mês que vem nos EUA - com um elenco formado por James Marsden, Karl Urban, Wentworth Miller e Matthias Schoenaerts (que curiosamente participou do original belga em 2008).O filme começa com um assassinato e a partir daí somos apresentados a uma rede de versões, suspeitas e traições. O roteiro explora um grupo de cinco amigos que compartilham um loft para encontros extraconjugais. A ideia parte do arquiteto Matthias (Barry Atsma) que oferece uma chave a cada um dos seus amigos casados, entre eles está o discreto (Fedja Van Huêt) que é oposto do irmão esquentadinho (Chico Kenzari), o tímido Robert (Gijs Naber) e o bobalhão Willem (Jeroen Van Koningsburg). Quando o corpo de uma mulher é encontrado algemado à cama com o pulso cortado e uma frase em latim todos são considerados suspeitos. Enquanto os amigos quebram a cabeça entre si para descobrir quem pode ser o assassino, somos apresentados à investigação policial onde cada um deles conta a sua versão - especialmente Matthias que diz ser tudo uma armação. Antoinette Beumer consegue manter a tensão mesmo quando a coisa parece prestes a desandar com todas as possibilidades que o roteiro possui. Seria mesmo um dos amigos? Será que alguma esposa traída quis se vingar do marido? Quem é a garota encontrada morta? Ela era amante de quem? Ou de quantos frequentadores do loft? Ou seria realmente uma armação de influentes figuras locais que conhecem a patota de Matthias? Não é pouca coisa para embaralhar a cabeça do espectador, mas o resultado consegue ser eficiente graças à clareza com que o diretor revela aos poucos os segredos de suas camadas narrativas (além a investigação policial, das indagações dos amigos no loft, o filme ainda mescla cenas do passado que contem pistas para entender como aquele crime aconteceu). Mesmo lançado em 2010, achei o filme a cara daqueles suspenses multifacetados da década de 1990 (e que um dos exemplos parece ser a inspiração dessa produção: Os Suspeitos/1995 de Bryan Singer). A edição e a fotografia remetem diretamente à essa época, assim como o ritmo de sua narrativa. Apesar do filme ter uma reviravolta maluca em sua última meia hora de duração, ele consegue ser uma boa diversão para quem curte o gênero. Resta saber se a versão americana (a terceira gerada em torno do roteiro de Bart de Pauw) terá fôlego perante o público.

Loft (Holanda/2010) de  Antoinette Beumer com Barry Atsma, Fedja Van Huêt, Chico Kenzari, Gijs Naber e Anna Drijver. ☻☻☻

domingo, 19 de maio de 2013

DVD: 28 Hotel Rooms (28 Quartos de Hotel)

Chris e Marin: a intimidade de um casal de amantes. 

Não são poucos os filmes sobre casais de amantes que se encontram entre quatro paredes para viver romances tórridos. 28 Hotel Rooms é uma versão século XXI do clássico Tudo Bem No Ano que Vem (1978), a diferença é que tiraram o bom humor dos encontros e sobrou o estresse de um casal infeliz com seus compromissos amorosos que buscam redenção sempre que se encontram em quartos de hotel. O ator Matt Ross (que já participou de seriados de sucesso como A Sete Palmos, Numb3rs e Big Love) não gasta seu tempo dando nome aos personagens, aos lugares ou a passagem do tempo em seu filme de estreia. Sabemos apenas que o casal é formado por um escritor (Chris Messina) e uma contadora (Marin Ireland) e que aproveitam as viagens profissionais para se encontrarem. Ele parece atencioso e ela sempre distante. Ela é casada. Ele é noivo - e os encontros se sucedem sem culpa no início, até que os questionamentos inevitáveis começam a aparecer. Tenho que elogiar a forma original que Ross escolheu para contar os encontros do casal, nada de contar os meses, as estações do ano ou usar verbetes para expressar uma fase na vida dos amantes, ele prefere algo mais simples: o número dos quartos em que se encontram. O difícil é criar sempre um clímax a cada encontro, crises de ciúme,  culpa, o nascimento do filho, as diferenças ideológicas, o desejo de ser pai enquanto a esposa não quer... nem sempre funciona em termos de desenvolvimento das temáticas (a maioria deixada para trás nos encontros posteriores, porém o resultado é mais caprichado do que o recente Um Dia/2011). Obviamente que existem cenas de sexo no filme, mas nada que possa chocar quem já se acostumou com as novelas de canal aberto. O que pode chocar os mais puritanos são as cenas em que Chris Messina não tem vergonha de aparecer como veio ao mundo. Por mais que a nudez seja apresentada de forma natural, muitos adultos (homens e mulheres) ainda se chocam quando descobrem que um ator tem pênis! Os momentos mais tórridos não garantiram o sucesso do filme que teve bilheteria minguada nos Estados Unidos - além de problemas de distribuição mundo afora. Ainda assim, o filme vale ser visto pela maneira como o diretor e os atores constroem a narrativa em encontros que parecem idílicos até que começam a se tornar sufocantes e até tediosos, como acontece na maioria dos relacionamentos. Lá pela metade o que era uma fuga dos compromissos torna-se um relacionamento sério, com seus códigos próprios para manter-se prazeroso. Sempre acho que um casal de atores que se expõe num filme feito esse merece algum respeito, mas Ireland e Messina merecem mais do que isso. Em alguns momentos me senti como um voyeur espionando a intimidade de um casal de verdade (ao ponto de ver as entranhas desagradáveis de um relacionamento). Acho que essa é  a maior ambição de 28 Hotel Rooms. O resultado pode não ser genial, mas deixa a sensação de um laço amoroso duplo que é difícil de desfazer. 

28 Hotel Rooms (EUA-2012) de Matt Ross com Chris Messina e Marin Ireland. ☻☻☻

Na Tela: Homem de Ferro 3

Downey Jr.: em pedaços (mas sem perder a pose). 

Apesar de ter gostado sei que não, não foram poucos que perceberam que havia algo desengonçado no reino Stark quando assistiram Homem de Ferro 2. Reclamaram das poucas cenas de ação, chamaram o vilão feito por Mickey Rourke de risível, consideraram que havia piadas demais e não vi empolgação com a parte final de tirar o fôlego. A ideia que ficou na cabeça do público era que sem a preocupação de apresentar o universo Iron Man, o diretor Jon Favreau relaxou e pôde explorar o megalomaníaco Stark de forma a deixar Robert Downey Jr brilhar ainda mais. Precisa dizer que o herói salvou a carreira do ator? Acho que não. Enquanto a Marvel divulgava seu calendário de lançamentos ficava claro que Homem de Ferro 3 tinha uma grande incubência: estabelecer um marco inicial para os heróis da editora no cinema pós-Vingadores. De certa forma, se no primeiro o herói se construía, no segundo ele deixava a vaidade dominá-lo ao ponto de em seu encontro com Capitão América em Vingadores dizer que ele não passava de um "playboy mimado com seus brinquedos". Essa  foi a deixa para o roteiro assinado por Drew Pearce e o diretor (amigo de Downey) Shane Black que assumiu o posto quando Jon Favreu se contentou a ser apenas ator neste aquil. Pode-se dizer que Black conseguiu dar novo fôlego para a nova aventura do herói, tanto que elabora um rápido prólogo onde somos apresentados a situações que terão papéis fundamentais na trama. Essa parte inicial só demonstra que a arrogância de Stark só cresceu com o tempo - e o fato de ter se tornado um Super-Herói admirado por todos só alimenta ainda mais seu ego inchado. Stark continua convencido, ao ponto de dar seu endereço em rede nacional quando o mundo teme as ameaças em vídeo de um terrorista conhecido como Mandarim (Ben Kingsley). A diferença é que agora Stark sofre crises de ansiedade (potencializada por aquele problema cardiológico que todos conhecemos) e que a produção não demora para colocá-lo numa cena de ação espetacular. O ataque à mansão Stark é a versão anabolizada daquela festinha boba que vimos no filme anterior. A cena é tão bem executada que pensei que seria difícil o filme criar algo que a superasse. Dado como morto, Stark vai parar numa cidadezinha esquecida até ser perseguido por criaturas estranhas que explodem o que tocam - e que parecem ter relação com o tal Mandarim. Sem a ajuda dos amigos heróis, Stark terá que se contentar com as boas intenções de um garoto (o fofo Ty Simpkins). Claro que o filme não iria deixar de lado o bom humor que virou marca da franquia (com direito até a Joan Rivers comentando o novo visual do Máquina de Combate, agora "Patriota de Ferro") e colocar atores de prestígio para bancar os vilões - Kingsley, Pearce e até Rebecca Hall(?!). Apesar do desfecho da figura do Mandarim ter ficado mal explicada (como assim ele não sabia que pessoas morriam de verdade?), o filme consegue manter um bom ritmo que conduz até o desfecho onde todo o arsenal de brinquedos de Stark aparece para ajudar (não me pergunte de onde eles saíram). Os fãs não terão do que reclamar, as piadas e os efeitos especiais caprichados devem garantir novas aventuras solo do herói na telona. 

Homem de Ferro 3 (Iron Man 3/EUA-2013) de Shane Black com Robert Downey Jr., Guy Pearce, Gwyneth Paltrow, Rebecca Hall, Ben Kingsley e Ty Simpkins. ☻☻☻

CATÁLOGO: Setembro

Mia: misturando depressão, rancores e segredos. 

Gosto muito das comédias de Woody Allen, mesmo as mais toscas sempre conseguem de fazer rir e me sentir leve quando termina. Já os dramas dirigidos por ele conseguem o efeito oposto. Quem conhece o diretor sabe que sua maior inspiração quando muda de gênero é o cinema de Ingmar Bergman com suas mulheres problemáticas, cheias de conflitos e traumas. Nem público e nem crítica costumam ver seus dramas com muito entusiasmo, mas não chegam a ser decepcionantes. Setembro é o sexto filme que Allen fez com Mia Farrow e foi lançado no mesmo ano que o simpático A Era do Rádio (1987), mas o tom é outro. Setembro é irremediavelmente pesado e me parece inspirado no notório caso de assassinato envolvendo a diva Lana Turner e o mafioso Tony Stompanato. Setembro é arrastado com todas as cenas realizadas dentro de uma casa onde nunca é mostrado o seu exterior (o que sempre me parece um recurso que teatraliza demais a história). Aqueles personagens apenas escutam o barulho de insetos e sentem o sol entrar pela casa, mas quando estão juntos parecem presos numa espécie de purgatório. Lane (Mia Farrow) passa uma temporada naquela casa como uma espécie de retiro ao lado da amiga Stephanie (Diane Wiest), no entanto percebemos o seu desconforto quando precisa lidar com a presença da mãe, Diane (Elaine Stritch, que tem as melhores falas do filme). Diane e Lane possuem uma mancha terrível no passado. Diane era uma atriz famosa e de muitos casos amorosos, se agora ela parece sossegada com o novo esposo, a filha ainda tem que lidar com o peso de ter assassinado um dos namorados abusivos da mãe quando era criança. As coisas só pioram quando chega o pretendente de Lane, o escritor Peter (Sam Waterston) que planeja escrever uma biografia sobre Diane e mexer nas feridas torna-se inevitável. É preciso destacar como aquele ambiente acolhedor, aos poucos se torna cada vez mais claustrofóbico e as emoções parecem pequenas para ficar entre quatro paredes - e a câmera, que parece invisível, está sempre a espreita de momentos reveladores. Some isso a tensão sexual crescente entre Stephanie e Peter e você verá que diante do drama que Lane teve que lidar a vida toda, falta apenas algo tão desastroso como ser rejeitada por Peter para que ela exploda. É interessante ver Allen trabalhando com duas de suas divas favoritas (Mia e Wiest) em papéis de amigas rivais, mas diante dos personagens que defendem, não é difícil perceber porque a casada Stephanie é mais interessante. Lane é mais do que frágil, é passiva demais e nunca sabemos até que ponto ela utiliza seus dramas para ser sempre vitimizada, não sei até que ponto vai sua tristeza e começa os seus rancores com relação ao mundo ao seu redor. Somente quando confronta a mãe (que é seu total oposto, forte, corajosa e ao mesmo tempo egocêntrica) que Lane parece que é capaz de mudar a vida que tanto a deprime, mas em poucos segundos ela perde a força novamente. O detalhe que faz de Setembro um filme mais singelo do que a maioria dos dramalhões é seu anúncio esperançoso de que a vida continua e tende a melhorar, embora Mia Farrow (convincente como a protagonista) não nos faça acreditar que depois de toda a catarse vivida no mês de agosto, o mês seguinte seja melhor. 

Setembro (September/EUA-1987) de Woody Allen com Mia Farrow, Diane Wiest, Elaine Stritch e Sam Waterston. ☻☻

sexta-feira, 17 de maio de 2013

KLÁSSIQO: Broadway Danny Rose

Mia e Woody: química cômica no auge. 

Das musas de Woody Allen, foi com Mia Farrow que houve o rompimento mais traumático (pelo motivo que todo mundo sabe). Desde o famigerado episódio de décadas atrás, os filmes realizados no tempo em que estavam juntos ganharam para mim um estranho bônus melancólico, com exceção de Broadway Danny Rose - que deve ser a comédia mais rasgada que os dois fizeram juntos. Não consigo lembrar de outro filme em que apareçam juntos em cena onde a química fosse tão absurda. Curiosamente o filme foi realizado numa época em que Allen parecia obcecado por biografias. No ano anterior ele havia realizado o documentário fake Zelig (1983) e depois fez essa espécie de conjunto de anedotas sobre um agente de artistas, digamos, pouco convencionais. Não por acaso o filme começa com um grupo de amigos comediantes lembrando das proezas de Danny Rose e seus artistas (onde a mais normal é uma mulher que toca copos), até que um deles lembra da grande confusão que Danny se meteu quando resolveu ajudar o seu cliente cantor Lou Canova (o grandalhão Nick Apollo Forte) a se reaproximar da amante, Tina (Mia Farrow). Lou é casado, mas pede para Danny levar a amante a uma apresentação que promete ser a mais importante de sua carreira. O problema é que Tina tem personalidade forte e um noivo com ligações com a máfia. Misture uma premissa dessas com o melhor momento da criatividade do cineasta e você pode imaginar o que acontece. Allen não consegue conter nosso riso nem quando existe uma perseguição com direito a troca de tiros! Tudo é tão absurdo e acelerado que mal conseguimos pensar no absurdo de tudo o que acontece. Além de Allen vivendo o personagem de sempre numa situação complicada, o filme traz Mia Farrow em um dos papéis mais marcantes de sua carreira. Sua Tina de óculos enormes e visual sofisticado lembra pouco as personagens tristonhas que interpretou em sua parceria com o então esposo. Farrow está espetacular e rouba várias cenas com seu jeito elétrico e esfuziante - até quando sente o peso na consciência por uma manobra que deixa Danny Rose deprimido. Não se engane pela fotografia em preto e branco, Allen faz um filme tão despretensiosamente divertido que foi indicado aos Oscars de roteiro original e direção.  Há quem enxergue no filme uma reflexão ética sobre o mundo dos espetáculos, mas eu só vejo uma comédia das boas com pelo menos uma cena antológica da  carreira do diretor (é impagável a cena em que ele e Mia amarrados juntos se contorcem para se livrar das cordas). Broadway Danny Rose é uma delícia de filme e até quem não curte o estilo do diretor deve se divertir bastante com as desventuras do casal protagonista embalado por música italiana...

Broadway Danny Rose (EUA/1984) de Woody Allen com Woody Allen, mia Farrow, Nick Apollo Forte e Milton Berle. ☻☻☻

DVD: Gonzaga - De Pai para Filho

Adélio Lima e Andrade: arrepiante. 

Se Daniel Day Lewis teve a atuação fantasmagórica de Hollywood em 2012, o cinema brasileiro também teve a sua graças ao talento de Júlio Andrade que soube personificar Gonzaguinha para além do que o figurino lhe sugeria. No sucesso Gonzaga - De Pai para Filho de Breno Silveira (o mesmo de Dois Filhos de Francisco/2005 e do recente À Beira do Caminho/2012 que devo comentar em breve), Andrade parece captar a alma do filho de Luiz Gonzaga de forma arrepiante. O modo de andar, de falar, de olhar é de uma perfeição assustadora. Com o personagem em suas mãos, nunca parece uma caricatura ou um ator fantasiado, a primeira vista é como se Gonzaguinha houvesse ressuscitado! A presença de Júlio é tão marcante que mesmo sendo um coadjuvante do personagem paterno, sua atuação é tão forte que ao final da sessão, temos a impressão que ele recebeu tanto destaque na trama quanto o personagem de papai Gonzaga. O filme é baseado em algumas fitas de entrevistas que Gonzaguinha fez com seu pai. Eu não fazia ideia de como a relação dos dois era tão conflituosa e, desde o início, quando o personagem escuta a primeira fita, temos certeza que a catarse familiar será o desfecho da trama. O filme poderia investir no dramalhão ou na lavagem de roupa suja, mas prefere trabalhar o conflito entre pai e filho, que sempre é capaz de elevar uma produção quando é bem escrita (Luke Skywalker e Darth Vader que o diga!). Até a idade adulta, Gonzaga era um total estranho para seu filho e o reencontro de ambos  no sertão nordestino serve para que o pai explique sua história. Do momento em que decide sair da casa dos pais em Exu (Pernambuco) para servir o exército e depois ir tentar a vida no Rio de Janeiro com sua sanfona, bem antes de se tornar conhecido como o Rei do Baião ao vida foi bastante difícil. Até para começar o reinado, Gonzaga teve que escolher entre ficar com a esposa carioca Odaléia (Nanda Costa, que pode não funcionar como protagonista de novela, mas no cinema sempre convence) e com o filho Luizinho. Quando a morte de Odaléia chega, Gonzaga deixa o filho com um casal de amigos e lhe garante o sustento com o dinheiro que manda todo mês, mas Luizinho sempre considera que só isso não é suficiente. Passam os anos e os dois nunca se entendem e a coisa só piora quando Gonzaga casa com Helena (a ótima Ana Roberta Gualda), com quem o relacionamento com Luizinho é ainda mais tempestuoso. Precisa falar que com a chegada da ditadura e o engajamento juvenil de Gonzaguinha a relação com o pai piora mais ainda? Melhor eu parar por aqui. Embora seja bastante convencional, Breno Silveira sabe como contar a história do legado musical da família Gonzaga. Sem exagerar nas idas e vindas temporais, existe tanta dor e ressentimento em suas histórias que é como se pudessemos enxergar o nascimento de seus maiores sucessos e a emoção depositada em cada música. Além da bela fotografia e o cuidado com a direção e arte, o filme tem um fôlego inestimável com as atuações de todos os atores que dão vida à Gonzaga pai e Gonzaga filho, sobretudo o desconhecido Júlio Andrade. Curioso é imaginar que o ator não acreditava em conseguir o papel, ao ponto da esposa inscrevê-lo para o teste. Essa patroa vale ouro!

Gonzaga - De Pai para Filho (Brasil/2012) de Breno Silveira com Júlio Andrade, Adélio Lima, Nivaldo Expedito, Nanda Costa, Silvia Buarque, Ana Roberta Gualda, Domingos Montagner e Cecília Dassi. ☻☻☻☻

DVD: Lincoln

Daniel Day Lincoln: a diferença ente um filme e uma aula de História. 

Já estamos na temporada em que filmes da época de ouro começa a chegar em DVD/Blu-Ray, sendo assim, quem não conseguiu assistir aos nove filmes indicados ao Oscar deste ano, tem agora a chance de ver no conforto do lar - ainda que com as modestas proporções de uma exibição domiciliar. E quem já viu pode revê-los quantas vezes quiser. Lincoln de Steven Spielberg confirma o gosto da Academia em indicar o diretor quando ele se mete a filmar temas épicos. O filme foi o mais indicado ao Oscar deste ano e recebeu duas estatuetas: direção de arte e ator para Daniel Day Lewis. Lewis já era considerado imbatível desde que sua primeira foto caracterizado como o 16º presidente dos EUA. Antes do lançamento eu não queria parecer um estraga-prazer, mas desde que começou toda expectativa sobre o filme lembrei muito do que aconteceu com o magnífico Sangue Negro (2007) de Paul Thomas Anderson, que muitos consideraram (injustamente) que valia somente pela atuação de Lewis. Imaginei que poderia acontecer o mesmo com o esmerado filme de Spielberg - e de fato aconteceu, só que a diferença é que sem Lewis interpretando o fantasma de Lincoln não sei se o filme iria funcionar (ao contrário do filme de Anderson). O filme é irretocável em sua reconstituição de época (tanto que mereceu todos os prêmios que recebeu), os atores são excelentes (se Histórias Cruzadas/2012 era uma coleção de talentos femininos, esse aqui faz o mesmo pelo time masculino - ainda que em papéis de menor escala), mas sem Day Lewis causando arrepios com sua atuação mediúnica a coisa não iria passar de uma sonolenta aula de história. Quero deixar claro que não estou dizendo que o filme é ruim, mas a abordagem dos últimos anos do governo de Abraham Lincoln me parece didática demais no texto de Tony Kushner. São tantos personagens que aparecem em tão pouco tempo (e isso justifica a escolha de atores de presença marcante na tela) que por vezes mal conseguimos identificar quem é quem no jogo de interesses em torno de manter ou não a escravidão na terra do Tio Sam. Em 1865, a Guerra Civil já havia sacrificado vários cidadãos. Os EUA vivia uma crise que dividia seus estados entre norte e sul, baseado nas ideologias construídas desde a sua colonização. A escravidão, o nacionalismo exacerbado do sul, o crescimento da produção industrial e as tarifas interestaduais eram alguns dos motivos que pautavam os conflitos. Lincoln tinha que lidar com todos esses interesses em uma nação dividida e, via na associação entre o fim da escravidão e a paz a sua chance de acabar com a Guerra Civil. Não é fácil desenvolver um filme me torno de uma emenda constitucional e sua trajetória até ser aprovada, sendo assim existem momentos cômicos (como os lobistas da época querendo convencer políticos para a causa) e outros dramáticos que nem sempre funcionam - especialmente o xilique de Sally Fields como e Joseph Gordon Lewitt como o filho que quer ir para a guerra de qualquer jeito. É estranho, mas o filme parece escrito para ninguém fazer sombra à figura do presidente. Sua grandeza histórica merece, mas Tommy Lee Jones (indicado ao prêmio de coadjuvante), David Straitharn, Jackie Earle Halley, Hal Holbrook e John Hawkes (todos com uma indicação ao Oscar no currículo) devem se contentar com participações sutis no decorrer da história, assim como os não menos talentosos Jared Harris, Joseph Cross (desperdiçado como sempre)  e a lista segue. Quem vê o filme deve até notar a curiosidade de ver como o partido republicano e democrata modificaram suas ideologias no passar dos anos... ou será que nem tanto? O que mais me incomodou no filme é que apesar de todo o discurso antipreconceito, o filme nem esbarra num dos maiores motivos de acabar com a escravidão no solo americano: os escravos emperravam o discurso do trabalho pago fruto do capitalismo. Parece pouco, mas não é. Talvez com medo dessa causa parecer menos nobre, ela quase aparece diante das manobras quase equilibristas dos políticos da época. O que importa é que no meio de discursos racistas e outros contrários a ele, Daniel Day Lewis praticamente esmaga o filme com sua presença cênica. Prova disso é que basta seu perfil sombreado contra a luz para nos fazer acreditar que ele não interpreta Lincoln, ele é Lincoln. Sua atuação é o que faz o longa ser um filme e não uma tediosa aula de história americana. 

Lincoln (EUA/2012) de Steven Spielberg com Daniel Day Lewis, Sally Fields, David Straitharn Tommy Lee Jones, Jared Harris e Hal Holbrook. ☻☻☻

quarta-feira, 15 de maio de 2013

FESTIVAL DE CANNES 2013

Nem vou rasgar seda ao Festival de Cannes desse ano, vou me contentar em dizer quais os filmes que serão exibidos em suas mostras e só depois vou me arriscar a dizer quem iremos ouvir falar nesse ano - até o Oscar do ano que vem! Lembrando que a 66ª edição do Festival acontece do dia 15 até o dia 26 deste mês e tem filmes para todos os gostos, de diretores conhecidos como Polanski, François Ozon, os manos Cohen e outros queridinhos do festival como Nicolas Winding Refn e Claire Denis. Confira a lista de filmes - e seus diretores - e escolha os seus favoritos!


FILMES EM COMPETIÇÃO

Inside Llewyn Davis - Joel e Ethan Coen
Nebraska  - Alexander Payne
Venus in Furs  - Roman Polanski
Behind the Candelabra  - Steven Soderbergh

MOSTRA UM CERTO OLHAR
As I Lay Dying - James Franco
Miele - Valeria Golino
Death March - Adolfo Alix Jr.
L' Inconnu du lac - Alain Guiraudie
Bends - Flora Lau
La Jaula de Oro - Diego Quemada-Diez
Anonymous - Mohammad Rasoulof
Sarah préfère la course - Cloé Robichaud
Grand Central - Rebecca Zlotowski
My Sweet Pepperland - Hinner Salem
Tore Tanzt - Katrin Gebbe
Wakolda - Lucia Puenzo


SESSÕES DA MEIA-NOITE
Monsoon Shootout - Amit Kumar
Blind Detective - Johnnie To

SESSÕES ESPECIAIS
Weekend of a Champion - Roman Polanski
Stop The Pounding Heart - Roberto Minervini
Otdat Konci - Taisia Igumentseva


FORA DE COMPETIÇÃO
All is Lost - J.C. Chandor
La Dernier des Injustes - Claude Lanzmann


SELEÇÃO CINÉFONDATION
The Norm of Life - Evgeny Byalo (Rússia)
The Magnificent Lion Boy - Ana Caro (Reino Unido)
O Šunce - Eliška Chytková (República Tcheca)
Duet - Navid Danesh (Irã)
Needle - Anahita Ghazvinizadeh (Estados Unidos)
Waiting for the Thaw - Sarah Hirtt (Bélgica)
Stepsister - Joey Izzo (Estados Unidos)
In the Fishtank - Tudor Cristian Jurgiu (Romênia)
Seon - Kim Soo-Jin (Coréia do Sul)
Babaga - Gan de Lange (Israel)
Contrafábula de una Niña Disecada - Alejandro Iglesias Mendizátabal (México)
Going South - Jefferson Moneo (Estados Unidos)
Danse Macabre - Malgorzata Rzanek (Polônia)
Mañana Todas Las Cosas - Sebastián Schjaer (Argentina)
Asunción - Camila Luna Toledo (Chile)
Exil - Valdilen Vierny (França)
Pandy - Matúš Vizár (República Tcheca)
After the Winter -  Zhi Wei Jow (França)