domingo, 28 de fevereiro de 2021

HIGH FI✌E: Fevereiro

 Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:

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#FDS Robert Altman: Assassinato em Gosford Park

Os anfitriões e seus convidados: a parte de cima.

Sou daquelas pessoas que quando saem os indicados ao Oscar, procuro ver todos, especialmente na categoria de melhor filme. Confesso que às vezes alguns se perdem pelo caminho e outros eu não faço muita questão de assistir. Esta implicância boba foi o que fez com que eu demorasse uma eternidade para assistir Assassinato em Gosford Park de Robert Altman. Eu até comecei a vê-lo há alguns anos, mas confesso que dormi logo no início e nunca mais o retomei. Se me perguntarem o motivo de tanta bobagem eu diria que é a mistura de fatores: um professor que eu não gostava ter recomendado, aquela estética de filme inglês chato e o longa ter ganho o Oscar de roteiro original enquanto eu torcia para Os Excêntricos Tenenbaums do Wes Anderson (que concorria ao lado dos queridos Amnésia, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e o polêmico A Última Ceia). Neste mês encontrei com ele novamente em um destes finais de semana chuvosos e confesso que o azar de não ter visto o filme antes é todo meu, ou então, tentando ser otimista, não deixa de ser um pouco de sorte já que talvez não tivesse apreciado a obra como ela deveria em outros tempos. O fato é que Assassinato em Gosford Park é brilhante em sua proposta e bastante beneficiado pela direção precisa de Robert Altman em um dos seus melhores trabalhos. Se em outros tempos ele já apontou sua câmera para mundos bastante particulares como a guerra (M.A.S.H/1970), a música country (Nashville/1975) e até a indústria da moda (Prét-à-Porter/1994), aqui seu foco é sobre a aristocracia inglesa e seus empregados. Altman mais uma vez utiliza seu status de bom diretor para escalar um elenco impressionante com a nata do cinema inglês para encenar, uma fachada de pompa e elegância que esconde relações não tão bonitas assim, na mansão do lorde William McCordle (Michael Gambon) e sua esposa Sylvia McCordle (Kristin Scott-Thomas). Estamos aqui nos anos 1930 e os amigos irão comparecer à propriedade para um final de semana com jantares, momentos de caça e um bocado de tédio. Junto de todo os convidados chegam seus empregados, que ficarão na parte baixo da casa, sendo responsáveis para que tudo funcione corretamente. Os empregados passam a ser chamados pelo nome de seus patrões e tem seu lugar de importância entre o grupo medida pelo título de nobreza do patrão. O roteiro de Julian Fellowles (baseado numa ideia de Altman e do ator Bob Balaban) constrói então uma engrenagem de relacionamentos interessantíssima de dois mundos distintos, mas paralelos e que se cruzam em momentos bastante reveladores. São destes cruzamentos que nascem os grandes segredos do filme - e não me refiro ao assassinato que acontece quando já passa da metade de sua duração. Por trás daquele mundo de aparências existem histórias um tanto sórdidas sobre patrões e empregados, sejam estas de poder, de gênero, abuso ou afetividade. Existe aqui um humor tão refinado quanto cáustico e pedante  (geralmente transformados em um deleite por Maggie Smith - indicada ao Oscar de atriz coadjuvante). Entre segredos, traições, interesses e egos inflados, existem momentos mágicos como aquele momento ao som do piano ou aquele em que o espectador mais esperto descobre que a discreta governanta vivida por Helen Mirren (também indicada ao Oscar de atriz coadjuvante) construiu toda sua eficiência em antecipar as necessidades de quem se encontra na casa. A ideia é tão boa que Julian Fellowes investiu nela mais uma vez com tom diferente na cultuada série Dowton Abbey (2010-2015). Também lembrado nas categorias do Oscar de filme, direção, figurino e cenografia, a produção aborda as relações de seus personagens de forma tão minuciosa que não envelheceu com o passar do tempo, além de comprovar que Altman era um mestre quando o assunto era explorar vários personagens de um microcosmo e universaliza-lo num equilíbrio impressionante. Coisa de gênio.

Os empregados: a parte de baixo. 

Assassinato em Gosford Park (Gosford Park / EUA - Itália - Reino Unido / 2001) de Robert Altman com Kelly MacDonald, Maggie Smith, Michael Gambon, Clive Owen, Helen Mirren, Emily Watson, Kristin Scott Thomas, Eileen Atkins, Jeremy Northam, Bob Balaban, Tom Hollander, Ryan Phillipe, Richard E. Grant, Charles Dance, Camilla Rutherford, Sophie Thompson e Stephen Fry. ☻☻☻☻

sábado, 27 de fevereiro de 2021

#FDS Robert Altman: O Jogador

 
Tim Robbins: no olimpo das estrelas. 

A primeira vez que ouvi falar do filme O Jogador foi no início dos anos 1990 no programa Vídeo Show (quando ainda era interessante), era uma notícia rápida falando da legião de atores que estavam se oferecendo para uma participação no então novo filme de Robert Altman que aconteceria nos bastidores dos estúdios de Hollywood. A ideia era de encher os olhos e eles encheram ainda mais quando o Festival de Cannes rendeu ao filme os prêmios de melhor direção e melhor ator (Tim Robbins) pelo olhar ácido sobre a capital do cinema americano. O diretor chegava de uma fase ruim depois que sua versão para o cinema de Popeye (1980) foi um verdadeiro desastre (lembro quando assisti em VHS num fim de semana na casa da minha madrinha e a ideia era meio "quem teve a ideia de fazer um filme do desenho?"). Depois de uma década de filmes que ninguém ligava, foi com O Jogador que o cineasta lembrou o quanto poderia ser empolgante, principalmente por pegar as expectativas geradas por uma ideia e vira-las do avesso. Aqui ele conta a história de Griffin Mill (Robbins, perfeito), um executivo de estúdio que está sempre à procura de um projeto que lhe possa render fama e fortuna, mesmo que para isso precise espinafrar alguns roteiros que chegam até as suas mãos. Cheio de poder e considerando que seus inimigos não podem lhe fazer mal, Mill começa a ficar paranoico quando começa a receber ameaças. Ele sente-se tão acuado que acaba cometendo o assassinato de seu principal suspeito - e como se não bastasse isso, acaba se envolvendo com a namorada do falecido (Greta Scacchi). Logo ele é alvo de uma investigação capitaneada por uma detetive que não está nem aí para aquele mundo de celebridades (Whoppi Goldberg). Assim como em outros filmes do diretor, aqui também o crime e sua investigação não chega a ser o motor da história, mas uma espécie de mosaico para as situações que giram em torno dos envolvidos. O filme estabelece um tom noir no início da narrativa e brinca um com ele, seja com os cartazes de filmes antigos que aparecem nas paredes, os closes e tensões temperadas com comentários ácidos com a indústria do cinema (que o cineasta conhece bem e se virou mais do que podia para lidar como vemos no documentário Altman de 2014). É claro que o roteiro de Michael Tolkin baseado em seu próprio livro tem muito daquele tipo de humor que tanto atrai o cineasta (como a cena do banho de lama, o filme dentro do filme e até a namorada que é mais infantil do que uma femme fatale). Apesar de tantos elementos, talvez o melhor do filme seja mesmo o trabalho de Tim Robbins que compõe uma espécie de anti-herói ambicioso e que se percebe numa espécie de olimpo habitado por uma legião de estrelas (com participações especias de Cher até Andy MacDowell, de Julia Roberts até Bruce Willis), geralmente em cenas que se divertem com a percepção que o público tem de suas personas e uma cidade que transpira cinema (e se tropeça em artistas em cada esquina). Visto hoje, o que pode ser mais interessante na Hollywood de O Jogador é a ideia de fazer dinheiro com ideias originais, quando o que mais vemos atualmente são reboots, remakes e continuações. Será que Mill teria mudado sua ideia sobre um bom projeto cinematográfico em 2021? Ele eu não sei, mas Robert Altman continuaria o mesmo. 

Tim, Sidney e Altman: lições de um sobrevivente de Hollywood. 

O Jogador (The Player / EUA - 1990) de Robert Altman com Tim Robbins, Greta Scacchi, Fred Ward, Whoopi Goldberg, Sydney Pollack, Lyle Lovett e Richard E. Grant. ☻☻☻

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

#FDS Robert Altman: Nashville

Barbara Jean: uma diva para lembrar. 

Imagine um filho de corretor de seguros que estudou em escolas religiosas e depois se formou em Matemática. Ele vai para o meio da Segunda Guerra Mundial no ano de 1945 como piloto de bombardeios. Agora imagina que foi no período em que estava em uma base aérea na Califórnia que ele começa a se interessar por cinema, área em que enveredou nos anos 1950 e se consagrou duas décadas depois contando a história de uma equipe médica que atua na Guerra da Coreia. A ideia lhe vale a Palma de Ouro do Festival de Cannes e uma indicação ao Oscar, além de uma conceituada série de TV de sucesso. O filme era M.A.S.H. (1970) e o diretor em questão é Robert Altman, nosso tema deste #FimDeSemana. Os filmes de Altman estiveram longe de ser uma unanimidade, mas deixava claro que ser convencional era o que Robert menos desejava. Seus primeiros filmes causavam estranhamento pelo olhar crítico sobre a sociedade americana, mas também pelo gosto de lidar com vários personagens (às vezes falando ao mesmo tempo) e um senso de humor bastante peculiar que brincava com as próprias convenções do cinema e seus gêneros. Depois de vários trabalhos para televisão, a crítica e o público caíram de amores por seu trabalho somente no seu já citado quarto trabalho para o cinema. Mantendo uma rotina que lhe permitia dirigir até mais de um filme por ano, o diretor conseguiu outro hit somente cinco anos (e seis filmes) depois com o aclamado Nashville. Se antes ele fazia troça com militares em uma comédia que beirava o absurdo, agora ele transformava a música country num cenário apropriado para falar sobre a política americana, ou... quase isso. Desde o início em que o filme é anunciado como um LP promovido pelo diretor, nota-se que o filme foge dos padrões. O filme apresenta uma dezena de artistas que se preparam para participar de um comício do candidato republicano à presidência, mas até lá o que vemos são os bastidores do showbizz e shows com algumas das letras mais estapafúrdias da história do cinema (a única exceção é a bonita I'm Easy que levou o Oscar de melhor canção para casa). Estão presentes o veterano country Haven Hamilton (Henry Gibson), a diva que acaba de sair do hospital Barbara Jean (Ronnee Blakely, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), a intelectual à frente de um coral de música gospel (Lily Tomlin, também indicada como atriz coadjuvante), uma mulher chamada Albuquerque (Barbara Harris) que foge do marido para se tornar famosa e por aí vai... o roteiro indicado ao Oscar de Joan Tewkesbury foge do lugar comum e apresenta os personagens como um verdadeiro caleidoscópio de situações que aos poucos revela bem mais do que parece. Existem momentos hilariantes em que Barbara Jean não sabe se conta histórias ou canta para uma plateia repleta de fãs ou a tentativa frustrada de Albuquerque cantar em meio à uma corrida, mas Altman também sabe a hora de fazer a plateia parar de rir e incomodar-se com as degradantes situações em que a desafinada Sueleen Gay (Gwen Welles) se mete em busca da fama, ou a postura do marido abusivo de uma estrela do country ou a chegada de um estilo mais Rock'n Roll neste universo. No entanto, nenhuma provocação se compara ao show  que não pode parar mesmo diante de um  crime acontecendo em cima do palco. Nashville é Robert Altman no auge de seu estilo inconfundível, com diálogos espertos, piadas escondidas, cenas que parecem soltas (a do acidente na via expressa parece estar ali só para dar um tom absurdo) e uma penca de artistas que se ofereciam para trabalhar com ele por salários modestos. Entre políticos, estrelas e personagens deslumbrados, Nashville constrói um painel humano interessantíssimo que está entre os melhores já concebidos pelo diretor. Fico imaginando como o filme seria recebido se fosse lançado hoje, das críticas que receberia pelo cenário republicano que desenha aqui e o humor bastante crítico de uma showmício que termina com a plateia cantando que não se importa de não ser livre. Nem precisa dizer que Nashville também concorreu aos Oscars de melhor filme e melhor direção, mas não levou nada (e nem precisava). Quando o filme termina, só fica a sensação de como Altman faz uma falta danada.
Robert Altman: humor peculiar. 

Nashville (EUA-1975) de Robert Altman com Henry Gibson, Ronnee Blakely, Lily Tomlin, Gwen Welles, Barbara Harris, David Arkin, Keith Carradine, Geraldine Chaplin, Jeff Goldblum, Shelley Duvall, Barbara Baxley, Ned Beatty, Scott Glenn, Timothy Brown, Allen Garfield, Karen Black, Robert DoQui, Michael Murphy, Dave Peel, Cristina Raines, Donna Denton, Merle Kilgore, Richard Baskin, Misty Mountain Boys, Sue Barton e Elliot Gould. ☻☻☻☻

domingo, 21 de fevereiro de 2021

§8^) Fac Simile: Isla Fisher

AmyIsla Lang Fisher

Antes de começar qualquer texto sobre Isla Fisher o fundamental é deixar claro que ela não é a Amy Adams. As duas atrizes são muito parecidas, mas as semelhanças param por aí. Enquanto Amy já foi indicada ao Oscar seis vezes, Isla segue a vida com seu prêmio de Artista Revelação por sua participação no filme Penetras Bom de Bico (2005). Nesta entrevista online que nunca aconteceu com nosso repórter imaginário, ela comenta um pouco mais sobre ser sósia de Amy, filmes e casamento. 
§8^) Como é a vida de alguém que sempre precisa dizer que não é a Amy Adams?

Isla  "Confesso que é um tanto cansativa, mas por vezes eu já estou tão cansada de dizer que não sou a Amy que já dou logo um autógrafo. Eu escrevo meu nome e os fãs agradecem 'Obrigado, Amy!'"

§8^) Vocês ainda confundiram mais ainda a vida dos fãs quando trabalharam juntas em Animais Noturnos (2017) em que você vivia a versão literária da personagem dela...

Isla "Siiiiim! Foi uma ideia brilhante não acha? Eu achei muito divertido, principalmente com a quantidade de pessoas que assistiam ao filme e se perdiam em quem era quem, ou até imaginando que somente a Amy estava no filme e ela que estava parecida comigo. Deu para entender? Pois é, mais ou menos por aí... foi divertido confundir quem nos confunde de propósito". 

§8^) Tem algum papel que você é orgulhosa de ter feito e as pessoas acham que foi a Amy?

Isla Claro que tem! De vez em quando aparece alguém e fala: "você parece muito com a atriz que fez "Os Delírios de Consumo de Becky Bloom" e eu digo "Sou eu mesma" e a pessoa continua: "Amy Adams, eu te adoro! Sou sua fã" e eu digo que não sou a Amy Adams, que sou a Isla Fisher e eu fiz a Becky Bloom. E escuto: "Para de brincadeira, Amy!". Já passei horas tentando explicar... enfim... também já pensaram que eu, a Isla Fisher, que fiz Encantada...

§8^) Como é estar casada com Sacha Baron Coen?

Isla É mais comum do que as pessoas pensam. Nós dois temos uma queda para a comédia e as pessoas acham que somos muito divertidos dentro de casa e falamos piadas o tempo inteiro, com risadas gravadas tipo uma sitcom, mas não é bem assim. Estamos juntos por onze anos e temos três filhos, então você pode imaginar a nossa rotina para equilibrar as coisas. E obrigada por dizer que sou casada com o Sacha, tem gente que fala que sou casada com Borat...

§8^) Tem alguma coisa que o Sacha realiza nos filmes que você considera ter passado dos limites?

Isla Eu poderia passar horas falando, mas a ideia dele acho que é esta mesmo. Se estiver dentro dos padrões de normalidade ele vai lá e piora. Eu ainda fico chocada quando ele usa aquela sunga de suspensórios florescente lá em casa. Tenho pesadelos até hoje por conta daquilo. Haja terapia...

PL►Y: Greed - A Indústria da Moda

Coogan: dentes inconcebíveis...

O inglês Michael Winterbottom começou sua carreira na televisão dirigindo séries e documentários no final dos anos 1980. Em 1995 teve sua primeira experiência ao fazer cinema e desde então manteve a rotina quase inquebrável de lançar um filme por ano. Pode se dizer que ele já fez todo tipo de filme, do erótico (9 Canções/2004) até o drama mais convencional (O Preço da Coragem/2007), mas sua marca mesmo é quando mistura realidade e ficção em longas que podem ser dramas (Bem-Vindo à Sarajevo/) ou comédias (A Festa Nunca Termina/2002). Fazia tempo que eu não me empolgava com um filme dirigido pelo moço, mas o que ele faz neste Greed está entre os seus melhores trabalhos, não apenas por repetir com maestria sua mistura de ficção com algo documental, mas por misturar risos com temas sérios, além de debochar um tanto de si mesmo com as filmagens de um reality show e um documentário dentro do próprio filme. Parece complicado? Nas mãos de outro diretor a ideia seria uma confusão só, mas com Winterbottom demonstrando toda sua energia, o filme é bastante empolgante. O filme conta a história de Sir Richard McCreadie (Steve Coogan, o ator favorito do cineasta) que desde bem jovem construiu um verdadeiro império da moda. Entre grandes magazines à marcas disputadas por artistas ele fez muito dinheiro ao longo dos anos. Ele está prestes a celebrar sessenta anos de vida e uma grande festa é organizada para servir de uma espécie de fachada para todos os escândalos financeiros envolvendo seu nome. A celebração ainda inclui a presença de um escritor (David Mirchell) que está preparando um livro sobre a vida de McCreadie e passa a ter contato com os bastidores da festa, além de funcionários e familiares do empresário. Cada um deles tem algo a contar sobre Richard, a mãe (Shirley Henderson) que não faz questão de entender como o filho se tornou milionário, a ex-esposa (Isla Fisher) que ainda é bem próxima do ex-marido e mostra-se grande parceira de maracutaias, o filho inconformado (Asa Butterfield), a filha (Sophie Cookson) que tem seu próprio reality show (e que de vez em quando se confunde sobre o que é sua vida e o que é mentira). Misture tudo isso com humor ácido, imigrantes sírios, sósias, mão de obra barata, cenários gregos e um pouco de vingança e o filme se constrói de forma surpreendente. O mais interessante é como Greed (o apelido de Richard que em inglês significa ganância) constrói sua casca engraçadinha e um tanto frívola para escancarar mesmo a miséria que se esconde por trás de toda uma indústria milionária, tendo Coogan em um ótimo trabalho que vai do flerte com o glamour à personalidade mais desagradável. Assim, da comédia passa-se para o drama e depois até para um certo suspense. Greed é Winterbottom em sua melhor forma. 

Greed - A Indústria da Moda (Greed / Reino Unido - 2019) com Steve Coogan, Isla Fisher, Asa Butterfield, Shirley Henderon, David Mitchell, Shanina Shaik, Sarah Solemani, Dinita Cohil, Jonny Sweet e Stephen Fry. ☻☻☻☻

Pódio: Oscar Isaac

Bronze: o empresário honesto.
3º O Ano Mais Violento (2014) Nascido na Guatemala em 1979, o ator começou a trabalhar no cinema em 1996, mas ganhou destaque na telona quase dez anos depois. Depois de chamar atenção em filmes que não foram muito bem de bilheteria, papéis melhores e mais sérios começaram a chegar como este do empresário imigrante que tenta fazer tudo certo em uma Nova York marcada pela violência. O diretor J.C. Chandor faz bonito em emular a Nova York tão retratada em filmes do final dos anos 1970 e início dos 1980, com  o trunfo de ter uma atuação introspectiva na medida de Oscar e Jessica Chastain como o casal principal. 

Prata: o gênio ambíguo.
2º Ex-Machina (2014) Com versatilidade suficiente para transitar entre tipos heroicos e outros nem tanto, o ator está espetacular como o gênio da tecnologia que vive afastado da sociedade e trabalha numa forma revolucionária de inteligência artificial. Ele atrai um jovem funcionário ambicioso para sua pesquisa, mas a ambiguidade de Isaac sempre deixa no ar se o rapaz também é um rato em seu laboratório. Marcando a estreia do escritor Alex Garland na direção, Ex-Machina levou para casa o Oscar de Efeitos Especiais e também foi indicado a melhor roteiro original, mas bem que Oscar Isaac poderia ter sido lembrado na categoria de coadjuvante (assim como Alicia Vikander que levou o Oscar pelo filme errado no mesmo ano). 

Ouro: o cantor fracassado.
1º Inside Llewyn Davis (2013) Foi com este filme dos irmãos Coen que Oscar recebeu o aval  de se tornar protagonista de peso em produções aguardadas. Pena que logo depois foi absorvido por produções muito ambiciosas e menos interessantes. Aqui, o ator vive o cantor folk Llewyn Davis que tem encontrar o caminho do sucesso enquanto sua vida financeira vai nada bem. Banhado em  melancolia e com linda fotografia, o filme está entre os meus favoritos dos diretores e o artista entrega um trabalho comovente. Até hoje sinto vontade de chorar ao lembrar daquela cena do gato no carro... pelo trabalho o ator foi indicado ao Globo de Ouro, mas ele ganhou um somente pela minissérie Show me a Hero em 2016. 

PL►Y: A Vida em Si

 
Olivia e Oscar: tudo bem até as tragédias começarem.

Antes de ficar conhecido como o criador da série This Is Us, Dan Fogelman fez carreira no cinema como roteirista de sucessos como Carros (2006) e Amor à Toda Prova (2011). Em 2015 ele dirigiu seu primeiro filme, Não Olhe Para Trás estrelado por Al Pacino e que não chamou a atenção desejada. Em 2018, no auge do sucesso do seu seriado, ele se aventurou novamente como diretor e lançou este A Vida em Si, mas e a sensação deixada é que Fogelman tem uma dificuldade gigantesca de dosar o drama em suas obras. Se na televisão este artifício pode até funcionar ao estender a vida de seus personagens por vários episódios, num filme de duas horas de duração a coisa complica. Também não ajuda o fato do filme começar de forma bastante confusa com uma narração de Samuel L. Jackson sendo engraçadinho até que uma tragédia acontece e você descobre que é tudo um roteiro do personagem de Oscar Isaac. Se a ideia era ser descolado ou engraçadinho, a coisa mais desanda a apresentação dos personagens do que prende a atenção do espectador. A sorte é que depois o filme encontra um ritmo agradável ao contar a história do casal Will (Oscar Isaac) e Abby (Olivia Wilde), que flui de forma bastante agradável e convincente, se tornando a melhor parte do filme até que percebemos que aquele início esquisito na verdade revelava o truque narrativo que a o roteiro perpetuará até o seu desfecho: as coincidências. Nada contra este tipo de recurso, ele pode até ser convincente de acordo com a habilidade do diretor lidar com isso, mas Fogelman se atrapalha um bocado, especialmente pela sobrecarga de histórias tristes em torno de seus personagens. Alguém avisa para ele que os personagens não precisam sofrer tanto para nos comover. Depois de acompanharmos o casal por um bom tempo, temos a história de Dylan (Olivia Cooke) e seu avô (Mandy Patinkin), além de uma família espanhola que aparentemente não teria nenhuma relação com os outros personagens. Com tudo girando em torno de um acidente do destino, o acaso recebe destaque em uma trama que ainda tem uma discussão acadêmica que relaciona narradores não confiáveis e a vida em si. Parece confuso? Nem tanto, é apenas coisa demais para quase duas horas de projeção. O roteiro parece uma colagem de problemáticas (e dado o grande número de personagens nem todos os problemas tem a chance de serem desenvolvidos de forma eficiente, são reduzidos quase a detalhes da história). Parece um novelão condensado na duração de um filme e que poderia alcançar um resultado melhor se fosse mais organizado e enxuto em seu rosário de tragédias. Acho que em uma série a ideia até funcionaria bem, mas num filme... você precisa pensar diferente Dan Fogelman. 

A Vida em Si (Life Itself/ EUA - 2018) de Dan Fogelman com Oscar Isaac, Olivia Wilde, Antonio Banderas, Olivia Cooke, Annette Bening, Mandy Patinkin, Sergio Peris-Mencheta, Jean Smart, Laia Costa e Àlex Monner. 

PL►Y: A Febre

 
Rosa e Regis: um mundo entre dois. 

Recentemente escrevi uma postagem sobre o documentário Honeyland (2019) e o quanto me impressionava sua capacidade de nos transportar para um lugar completamente diferente do que estamos acostumados. Tive a mesma sensação ao assistir recentemente ao premiado A Febre da diretora Maya Da-Rin. O filme brasileiro rodado em Manaus está em cartaz na Netflix e vale a pena procurar o filme para ter contato com uma Manaus para além da que temos contato com as recentes notícias sobre a pandemia (ou em qualquer outro tempo). A produção consegue transmitir aquela atmosfera de uma cidade entre dois mundos, a Amazônia ancestral de natureza marcante e a outra marcada pelo crescimento urbano com seu movimentado porto e longos caminhos de asfalto. Esta mistura está presente no filme através da sonoridade (do maquinário do porto aos grilos e pássaros que ficam logo ali do lado), da linguagem (fala-se português em alguns momentos e a maior parte do tempo o que ouvimos é tukano, língua de grupos indígenas da região) e das relações entre  os moradores da região, todos estes elementos emolduram a vida de Justino (Regis Myrupu premiado como melhor ator no Festival de Locarno). Justino trabalha no porto de Manaus, vive entre os sons metálicos do trabalho e os comentários de um colega que insiste em fazer comentários pejorativos sobre sua origem. Fora de casa, o protagonista fala português e está incorporado ao mundo urbano de uma sociedade que se diz desenvolvida. Dentro de casa, ele só conversa em tukano com a filha Vanessa (Rosa Peixoto) e os parentes que aparecem para visitar. Uma rotina tranquila que a cineasta explora de forma quase documental (e sua origem cinematográfica é realmente o documentário), as coisas mudam para Justino quando sua filha é aprovada para cursar medicina na Universidade de Brasília e partirá em breve. Entre um comentário e outro, ele é tomado por uma febre que não passa e começa a afetar seu rendimento no trabalho. A ideia do "o que eu estou fazendo aqui" é uma constante durante o filme que aborda esta situação de forma bastante sutil e que pode incomodar a maioria dos espectadores que apreciam uma narrativa acelerada ou de explosões dramáticas. Tudo aqui é contido e a diretora Maya Da-Rin prefere os detalhes: os comentários que fermentam na cabeça do protagonista, o contraste entre os sons urbanos e os da natureza, além de onde termina seus objetivos e começa os do outro. Além de nos apresentar uma vivência que nos parece tão distante, Maya escreve por entrelinhas e por isso mesmo o seu filme é tão interessante ao fugir dos clichês. 

A Febre (Brasil - França - Alemanha /2020) de Maya Da-Rin com  Regis Myrupu, Rosa Peixoto, Eró Cruz e Suzy Lopes. ☻☻☻☻

sábado, 20 de fevereiro de 2021

FILMED+: Vá e Veja

Aleksei (ao centro): uma guerra sem enfeites

Vá e Veja está sempre presente na lista de melhores filmes de guerra da história do cinema e também aparece naquelas dedicadas às produções mais difíceis de se assistir. O motivo de todo o culto em torno dele é a narrativa realista sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial ambientada no território da União Soviética e o motivo para o filme ser tão difícil nasce exatamente daí, já que o diretor Elem Klimov destrói qualquer ideia do filme de guerra como entretenimento para contar uma história sem concessões que coleciona vítimas ao longo de suas duas horas de duração. O filme segue a trajetória do adolescente Florian (Aleksei Kravtchenko), um rapaz comum que vive num vilarejo na Bielorrússia com  a mãe e suas irmãs. No início do filme, ele e um amigo cavam o chão em busca de artefatos de guerra e acabam encontrando uma arma. Um avião cruza o céu e é como se um verdadeiro pesadelo começasse. O que antes poderia ser vivenciado como uma brincadeira, mostrará que Guerra é coisa séria e devastadora. Logo ele se alia aos partisans, um movimento clandestino que lutava contra os invasores alemães. Enquanto a mãe se desespera com as possibilidades em vista, Florian mostra-se até entusiasmado com seu recrutamento. No entanto, logo uma série de acontecimentos o farão se perder do grupo e vivenciar o inferno na Terra. São tantas atrocidades que o garoto testemunha que compreendo perfeitamente a desistência de parte do público durante o filme. Embora Vá e Veja condense os acontecimentos em pouco mais de duas horas (o que é mais do que suficiente para cumprir seus objetivos) não existe qualquer exagero no que vemos diante da câmera. Cenas chocantes (e a pior delas é a do celeiro) foram bastante comuns na Bielorrússia. Ao todo foram 628 cidades queimadas junto com seus moradores durante a invasão nazista e o filme não poupa o espectador de vivenciar as angústias presenciadas por seu protagonista (que começa o filme como um rapaz comum e termina magro, envelhecido e à beira da loucura num trabalho impressionante de Aleksei). Outro destaque da produção é a fotografia com uso de luz natural que deixou tudo ainda mais realista diante da câmera, além de um impressionante trabalho de som. Ainda existe toda uma mítica em torno do filme, já que o diretor Elem Klimov vivenciou o período da Segunda Gurra Mundial quando era menino e se inspirou nesta experiência para criar o filme, além disso, seu co-roteirista, Ales Adamovich, era adolescente durante a Guerra e lutou ao lado dos pais entre os partisãos, vivenciando testemunhando histórias muito semelhantes as de Florian. Todas estas experiências trazem uma autenticidade impressionante para o filme que tem seu título retirado do texto bíblico do sexto capítulo do Apocalipse. Com seus diálogos ásperos e suas cenas cruas, trinta e cinco anos após seu lançamento, o retrato da guerra em Vá e Veja continua incômodo e insuperável. 

Vá e Veja (Idi i Smotri / União Soviética - 1985) de Elem Klimov com Aleksey Kravchenko, Olga Mironova, Liubomiras Laucevicius, Vladas Bagdonas e Jüri Lumiste. ☻☻☻☻☻

PL►Y: Eu me Importo

Eiza, Dianne e Rosamund: nobres intenções de fachada. 

Sem dar maiores detalhes poderóamos imaginar que Marla Grayson (Rosamund Pike) tem um dos trabalhos mais nobres da história do cinema. Afinal, todo dia quando acorda pela manhã, Marla tem a missão de cuidar de idosos indefesos que recebem dela o apoio incondicional para cuidar de suas vidas pessoais e financeiras. Esta casca de boas intenções convence o juiz Lomax (Isiah Whitlock Jr.) que confia plenamente na boa índole de Marla e, obviamente, não acredita em qualquer pessoa que indique que no coração da loura existe algo mais do que bondade. Marla é um destes monstros que sabem utilizar as brechas do sistema para se dar bem, para isso conta com a ajuda de Fran (Eiza González) e outras pessoas dispostas a ganharem uma grana sem ter que se preocupar com escrúpulos ou coisa parecida. Com a tutela judicial para cuidar de seus clientes, Marla faz o que quiser e tudo indica que ela acaba de receber uma grande cereja no topo do seu bolo profissional: Jennifer Peterson (Diane Wiest), uma senhora que lhe é apresentada como alguém que não possui filhos ou familiares, mas que tem rendimentos consideráveis. Jennifer não precisa da ajuda de ninguém, mas nada que um diagnóstico médico adulterado não resolva. Existe algo de arrepiante quando Marla bate à porta de Jennifer e a vida daquela senhora vai pelos ares sem muita esperança de voltar ao normal - pelo menos até que apareçam personagens preocupados com Jennifer e dispostos a dar uma lição na ambiciosa Marla. Eu Me Importo é uma comédia de humor maldoso que se assiste com um riso nervoso diante das atrocidades que o roteiro reserva. Existe aqui uma disputa cada vez mais absurda envolvendo personagens que não valem muita coisa, mas o espectador tem plena liberdade de escolher com quem ele simpatiza um pouco mais e torcer por ele até o final. É neste ponto que os trabalhos de Rosamund Pike (indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia), Diane Wiest (que vale lembrar tem dois Oscars na estante)  e Peter Dinklage se tornam fundamentais para fazer as engrenagens do roteiro do diretor J. Blakeson funcionarem que é uma beleza. São tantas reviravoltas em personagens que pretendem dar uma rasteira nos outros que as quase duas horas de filme passam bem rápido amparados pelo trabalho dinâmico do cineasta. Depois de tanta confusão, o filme expande aquela história sobre pessoas que transformam a fachada das boas intenções em interesses pessoais bastante escusos. Eu Me Importo bem que poderia ter recebido mais atenção nas premiações até agora (como ter conseguido uma vaga na categoria de Melhor Comédia ou Musical no Globo de Ouro ou até estar cotado para prêmios de roteiro original), mas talvez o problema seja o finalzinho, que não combina com a esperteza e a sagacidade tóxica de todo o resto (mas nada que estrague a produção).

Eu Me Importo (I Care a Lot/EUA-2020) de J. Blakeson com Rosamund Pike, Eiza González, Diane Wiest, Peter Dinklage, Chris Messina, Isiah Whitlock Jr. e Macon Blair. ☻☻☻☻

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

NªTV: Cidade Invisível

 
Alessandra e Pigossi: nana neném, que a Cuca vem pegar...

A Netflix se tornou uma produtora de séries brasileiras muito interessantes. É verdade que embora Samantha! (2018-2019) e Ninguém Tá Olhando (2019) fossem muito divertidas, ambas já foram canceladas pelo público não ter comparecido na audiência (uma pena, sou órfão das duas). Recentemente o sombrio Bom Dia, Verônica (2020) se tornou um grande sucesso e talvez chegue a ter várias temporadas como o sucesso mundial 3% (que rendeu quatro anos de audiência para a Netflix e terminou no ano passado). Lançada recentemente, Cidade Invisível chamou atenção do público e da mídia com seu potencial ao misturar trama policial com figuras do folclore brasileiro. Sei que dito assim a mistura pode até parecer um tanto estranha, mas funciona bem dentro da proposta de seu criador, o cineasta brasileiro Carlos Saldanha (famoso pelos seus trabalhos em A Era do Gelo/2002 e Rio/2011 e indicado duas vezes ao Oscar). O programa começa com a morte de Gabriela (Julia Konrad), que estava em uma festa numa vila de pescadores na noite em que um misterioso incêndio acontece nas redondezas. Para o desespero de seu esposo, o policial Eric (Marcos Pigossi), não existem maiores investigações sobre o caso. A situação só piora quando os peixes daquela região da cidade do Rio de Janeiro aparecem mortos e uma construtora está de olho naquela área em nome de um grande empreendimento imobiliário. Não bastasse os próprios moradores se dividirem entre os que estão dispostos a se desfazer de suas casas e aqueles que preferem continuar onde estão, acontecimentos estranhos continuam ocorrendo - com direito até a um boto-rosa aparece morto nas areias da praia. Intrigado, Eric começa a desenvolver uma investigação que brinca com seu imaginário e, também com sua própria identidade. Embora a trama policial não tenha nada de original à primeira vista, o mais legal é ver como ela se mistura com sereia, curupira (numa criação visual interessantíssima), um primo do bicho papão, o saci, a cuca em pessoa e outros personagens que remetem diretamente ao nosso folclore. Confesso que fiquei muito satisfeito com a forma que estes personagens são inseridos na história e a tornam cada vez mais interessante, sobretudo pelo bom trabalho do elenco (e não vou escrever quem interpreta o que para não estragar a surpresa que senti ao assistir) e efeitos especiais. O grande desafio do roteiro era atualizar estes personagens para o século XXI, trazendo-os para um centro urbano sem perder as características principais destas entidades que andam esquecidas em nossas produções audiovisuais. Se existe uma reclamação a se fazer sobre a série são os poucos episódios (apenas sete) com duração de pouco mais de meia-hora, mas pelo menos termina com aquele gancho para uma segunda temporada capaz de reconfigurar alguns pontos importantes da trama (só espero que haja compensações por conta das baixas da primeira temporada, adoraria ver algumas ressuscitarem). Cidade Invisível é puro entretenimento e, de quebra, ainda faz as nossas pazes com parte de nossa cultura nacional que anda pouco celebrada ultimamente. 

Cidade Invisível (Brasil/2021) de Carlos Saldanha com Marcos Pigossi, Alessandra Negrini, Jimmy London, Jéssica Córes, Fábio Lago e Wesley Guimarães. ☻☻☻☻

10+: As Fantasias Segundo Gary Oldman

Com 72 anos e prestes a receber sua terceira indicação ao Oscar, o inglês Gary Oldman demorou muito para ser levado à sério por Hollywood. Ótimo ator ele sempre foi, mas por um bom tempo foi preso a um tipo bem específico nos filmes: o de vilão, além disso, foi chamado a maior parte do tempo para dar conta de personagens que cairiam no ridículo na mão de outros atores, Gary não se importou muito e fez alguns clássicos no decorrer de sua carreira. Ponto alto de sua carreira são suas caracterizações impressionantes que sempre fizeram questão de ressaltar seu talento e versatilidade. Esta lista é para lembrar dez vezes em que o ator desapareceu em personagens com sua figurinos, perucas, maquiagem e interpretações marcantes. A lista está organizada por gosto pessoal pelas suas caracterizações mesmo e, com certeza, você poderia ordenar de outro jeito:

#10 Pôncio Pilatos (Jesus - A Maior História de Todos os Tempos/1999)
Ele vive o maior vilão do cristianismo nesta minissérie para TV. 

Tem como esquecer desta armadura vermelha para as cruzadas?

A vítima com sede de vingança do canibal mais famoso do cinema. 

Reconhece o malvado deste roteiro do Tarantino?

#06 Zorg (O Quinto Elemento/1997)
Não basta ser vilão, tem que ter o visual mais estranho da galáxia.

#05 Sid Vicious (Sid & Nancy/1996)
No quarto filme para o cinema que Gary ganhou o mundo. 

Não resisto aos visuais do filme do Coppola. 

#03 Beethoven (Minha amada Imortal/1994)
O dia que acreditei que Olman era reencarnação de Ludwig.

Debaixo de tudo isso tem um ator. Resultado: Oscar. 

Confesso, quando falam de Gary Oldman lembro logo deste filme!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

FILMED+: Honeyland

Hatidze: registros de um mundo particular. 

Hatidze Muratova é o que costumava ser chamada de caçadora de abelhas, uma especialidade cada vez mais rara no mundo. Nascida e criada nos recantos da Macedônia, ela tem pleno entendimento sobre a vida destes seres fascinantes. Sabe onde vivem e do que precisam para produzir mel frequentemente e é desta produção que ela tira seu sustento ao vender potes de mel para uma feira local. Hatidze produz pouco e consegue apenas o necessário para sua sobrevivência ao lado da mãe acamada numa casinha isolada entre as montanhas. No entanto, seu amor, cuidado e respeito pelo que faz é visível numa vida simples que logo muda com a chegada dos novos vizinhos. Se a vida de Hatidze era tranquila, com a chegada da numerosa família que passa a viver no quintal ao lado a coisa muda de figura. Se no início ela gosta de ter pessoas por perto (e especialmente crianças por perto, sendo que uma delas se interessa pela coleta de mel) por outro lado, as ambições do novo vizinho gera conflitos sérios não apenas com Hatidze, mas também com a natureza local. As consequências serão drásticas. Este registro feito no documentário Honeyland (disponível na GloboPlay) impressiona pela simplicidade e forma com que consegue contar uma história muito particular que ecoa na forma como nos relacionamos com o mundo, a natureza e a produção de riquezas. No entanto, o mais especial no trabalho dos diretores é conseguir nos transportar para um outro universo. Por noventa minutos somos imersos em um mundo diferente e sofremos as angústias de sua protagonista. Indicado aos prêmios de melhor filme estrangeiro e melhor documentário do Oscar 2020, Honeyland é o filme de estreia da dupla Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov que conseguiram colocar a Macedônia no radar da Academia depois de muito tempo (a primeira e única vez foi em 1994 com Antes da Chuva de Milcho Manchevski). O trabalho dos diretores segue uma linha de não interferir no ambiente que registram (ao menos quando a câmera está ligada), ao ponto de que durante o filme é difícil lembrar que havia outras pessoas presentes naquele local (e quando eu lembrava eu só repetia "eles não vão fazer nada?"). É evidente que o filme borra a divisão entre a realidade e a ficção (assim como vemos em O Agente Duplo que também tenta sua indicação ao Oscar deste ano) e isso torna tudo ainda mais interessante. Emocionante do princípio ao fim, Honeyland bem que poderia ter levado para casa o Oscar de melhor documentário (categoria em que perdeu para o mais quadradinho Indústria Americana). Fruto de um trabalho de três anos com mais de 400 horas de filmagem, quando pensamos em como foi realizado e a profundidade de sua mensagem, Honeyland se torna um triunfo ainda maior. 

Honeyland (Macedônia/2019) de Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov com  Hatidze Muratova, Nazife Muratova e Hussein Sam. ☻☻☻☻☻

domingo, 14 de fevereiro de 2021

PL►Y: Nova Ordem Espacial

 
Jin, Kim, Tae-ho e o robô: campeão mundial de audiência.

É interessante como enquanto a Netflix está animada com seus filmes que marcam presença nas grandes premiações, seu grande campeão de audiência ao redor do mundo é uma ficção científica com cara de matinê produzida pela Coreia do Sul. Claro que vários fatores ajudaram para que Space Sweepers se tornasse um campeão de audiência: a Netflix diversificou o gosto do espectador com seus filmes de nacionalidade diferenciadas, o cinema coreano está em alta, a secura por um Blockbuster em tempos sombrios de corona vírus e cinemas fechados. Batizado por aqui com o título de Nova Ordem Espacial, o filme chama atenção pelo seu visual com bons efeitos especiais e pela simpatia dos personagens perante uma história que debaixo de toda correria e cenas de ação mirabolantes é até simples. Alguns apressados já chamaram o filme de Star Wars coreano, mas está bem longe do universo concebido por George Lucas, está mais para um Guardiões da Galáxia com seu estilo bagunceiro e bem humorado (e a estética sucateira da nave). A trama conta a história de um grupo de catadores de lixo espacial que se deparam com uma visitante indesejada em sua nave: a menina chamada Dorothy (Ye Rin-Park), que é na verdade uma androide procurada pelas autoridades por ter acoplada a si uma bomba de grande capacidade de destruição. No decorrer da história a realidade sobre o interesse em torno da menina (que ainda desperta a atenção de um grupo vilanesco chamado Black Foxes) começa a se revelar bem diferente. Claro que Dorothy é uma graça e os personagens durões logo estarão dispostos a desafiar todo universo para defendê-la - isso sem falar que cada um deles tem suas histórias pessoais para acertarem também. Se não basta a história do filme, vale destacar que ele faz o favor de construir um universo próprio em que a Terra não se difere muito de um depósito de detritos, que os mais ricos vivem numa estação espacial (em formato de Terra Plana, desculpa, não resisti...) enquanto o planeta Marte se prepara para ser colonizado num projeto milionário de um papa da tecnologia (Richard Armitage, provocativamente emulando o Steve Jobs do filme de Danny Boyle). O resto é correria, ação, explosão, tiros, naves supervelozes, bombas e segredos, muitos segredos... o diretor Sung-hee Jo consegue criar um filme de aventura envolvente, com bom  ritmo e que sabe parar para respirar quando necessário (e que acelera bastante quando quer), se fosse um pouco mais curto (mais de duas horas soa um exagero) seria ainda melhor. Não duvido que no futuro o filme será rebatizado de Space Sweepers: A Nova Ordem Espacial para enfatizar ainda mais o nome de uma possível franquia milionária da Netflix. Potencial tem e a audiência é garantida!

Nova Ordem Espacial (Seungriho / Coreia do Sul - 2021) de Sung-hee Jo com  Song Joong-Ki, Kim Tae-ri, Seon-kyu Jin, Richard Armitage e Mu Yeol-kim. ☻☻☻

PL►Y: Bliss - Em Busca da Felicidade

 
Owen e Salma: mundos paralelos em colisão. 

A vida de Greg Wittle (Owen Wilson) não anda nada boa. Divorciado e preso à um emprego que não lhe proporciona qualquer tipo de motivação, as coisas só poderiam piorar se ele perdesse o emprego e não tivesse mais dinheiro para pagar as contas. As coisas pioram bem rápido para Greg no início do filme e ele acaba conhecendo a estranha Isabel Clemens (Salma Hayek), que tem plena ciência do estágio em que a vida dele chegou e, mais ainda, tem provas de que toda aquela realidade que os cerca não passa de uma simulação. Como ela mesma costuma dizer, somente ela e Greg são reais, todo o resto é um mundo de mentirinha, uma espécie de realidade virtual em que estão mergulhados. Se no início Greg desconfia de que Isabel tem alguma problema, logo esta impressão se dissipa e ele passa a ver o mundo como ela, sobretudo com o uso de cristais amarelos que lhes abrem as portas da percepção e proporciona super-poderes. Mas se este mundo é falso, como seria o outro? Bem, no outro, Greg e Isabel são cientistas renomados, responsáveis por avanços tecnológicos de uma civilização que já estava em declínio e descobriu novas formas de desenvolvimento e riquezas. É o mundo dos sonhos de Greg, mas que devido a um problema na transição entre o real e o imaginário tudo pode ser posto a perder. O terceiro longa de ficção de Mike Cahill demonstra mais uma vez o gosto do cineasta se debruçar sobre a ficção científica para falar da melancolia de seus personagens (ele já fez isso antes em A Outra Terra/2011 e O Universo no Olhar/2014). Filmes sobre realidades simuladas são bons pontos de partida, mas faltou ao diretor estabelecer o tom certo do filme, que investe numa comicidade exagerada temperando a sessão. Parece até que ele sentiu mais necessidade de fazer gracinhas do que aprofundar suas ideias que são até interessantes (principalmente quando nas entrelinhas pode se fazer tantas analogias com problemas sociais, depressão, além do uso de remédios e drogas para fugir da realidade). Owen Wilson faz o que pode com seu personagem perdido enquanto Salma Hayek tem a missão de explicar o que está acontecendo para ele e para a plateia (mas às vezes nem a personagem entende direito o que está havendo). Cahill parecia querer promover até uma reflexão de cunho filosófico na plateia (e inclui até a participação especial do filósofo pop Slavoj Žižek), mas infelizmente se perde no meio do caminho. Se você resistir à primeira parte bastante dura de engolir, poderá até curtir a segunda parte em que alguns pontos são esclarecidos e outros começam a se complicar até o desfecho pouco motivador.

Bliss - Em Busca da Felicidade (Bliss / EUA - 2021) de Mike Cahill com Owen Wilson, Salma Hayek, Nesta Cooper, Ronny Chieng, Madeline Zima, Jorge Lendeborg Jr. e Joshua Leonard. 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

FILMED+: Stalker

O trio: pelos caminhos desconhecidos de Tarkovsky. 

Oitavo e último filme do diretor Andrey Tarkovsky na União Soviética, Stalker se tornou com o passar do tempo uma de suas obras mais cultuadas. Em termos pessoais o filme foi bastante marcante para o cineasta, já que por muito tempo seus filmes foram alvos da censura soviética, que solicitavam cortes ou limitavam sua distribuição por conta do estilo do diretor, no entanto, este aqui foi exibido em todo o território de sua terra natal e não houve indicações de alterações na montagem final proposta pelo diretor. Além disso o filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 1980, o que é uma recompensa ao diretor que enfrentou muitos problemas na produção, ao ponto de perder rolos de filmagens, sofrer um infarto durante a produção e refilmar o material novamente. O filme conta a história de três homens que embarcam numa jornada de um território chamado A Zona, um lulgar proibido em que vinte anos anos antes caiu um meteoro e se tornou envolto em mistérios e uma certa sacralidade. Por todos os enviados para lá jamais retornarem, a localidade acabou sendo cercado e vigiado enquanto as lendas em torno dele cresceram através do tempo. No entanto, alguns homens se aventuram a explorar aquela área de forma clandestina guiada por Stalkers, espécie de guias que levam visitantes para aquele lugar. Aqui os personagens não tem nome e o Stalker (vivido por Aleksandr Kaydanovskiy) do título é  contratado para levar um escritor (Anatoliy Solonitsyn) e um  professor (Nikolay Grinko) para visitar o local. Driblar a vigilância para chegar até lá é apenas o primeiro passo do trio, que depois começam a vivenciar a atmosfera única daquele lugar, no entanto, a viagem até lá não é por acaso, já que ambos querem se tornar famosos com os relatos gerados a partir da visita - e quem sabe até receber prêmios (como o início do filme revela). Embora seja bastante contemplativo com longos silêncios e diálogos reflexivos, Tarkovsky constrói sua tensão em torno das belas paisagens com suas construções abandonadas e vestígios de que uma guerra foi travada ali. A paisagem fala por si só no imaginário do espectador (cortesia das ambientações que hoje pertencem à Estônia). O resultado estimula o tom enigmático e ressalta  melancolia das ideias ancoradas por pensamentos sobre vida, morte e fé. Existe a sugestão o tempo inteiro de que trata-se de um local vivo, que interage com seus visitantes e que pode ser bastante traiçoeiro (fique atento à importância da água na construção da narrativa e de signos sagrados), ou talvez tudo não passe de uma grande ilusão. É neste ponto que o filme cresce ainda mais, ao questionar sobre o que acreditar, o que rende ao final da jornada posturas surpreendentes do trio principal. Stalker não deixa de mostrar a ideia de um desejo redentor presente em Solaris (1972) e no posterior Nostalgia (1983), ponto que ainda revela muito sobre a história do cineasta. Outro ponto que chama atenção no filme é a mudança na fotografia nas cenas filmadas no mundo exterior e na Zona para retratar um mundo sem esperança e outro ainda com seus caminhos a serem desvendados. A cena final com toques fantásticos, retoma o foco de que existe algo diferente naquela realidade e mostra o motivo de Tarkovsky ser considerado até hoje um dos maiores cineastas da história do cinema. Brincando com o imaginário da plateia com elementos sutis, não é todo mundo que consegue apreciar a cadência do diretor no mundo acelerado de hoje (e que a edição frenética deixou de ser uma escolha para se tornar sinônimo de qualidade para a maioria do público), mas quem aprecia um cinema repleto de ideias não irá se arrepender. 

 Stalker (União Soviética / 1979) de Andrei Tarkovsky com Aleksandr Kaydanovskiy, Alisa Freyndlikh, Anatoliy Solonitsyn e Nikolay Grinko. ☻☻☻☻

PL►Y: Sonhos de Uma Vida

Javier e Elle: pai, filha e um labirinto. 

Indicado ao Urso de Ouro no último Festival de Berlim, Sonhos de Uma Vida teve sua estreia nos cinemas prejudicada por conta da pandemia, mas pode ser assistido no Amazon Prime Video. O filme conta um dia na vida do escritor Leo (Javier Bardem) e sua filha, Molly (Elle Fanning) que é jornalista e tenta conciliar sua rotina entre o trabalho e o pai que sofre de uma doença mental degenerativa. Desde o início vemos que Leo tem dificuldades para articular sua fala e movimentos, mas a diretora Sally Potter não se contenta com isso e quer apresentar o que se passa na cabeça dele (e explica muitas vezes seus movimentos, reações e palavras aparentemente sem sentido). É assim que o filme cria sua narrativa em torno do que acontece naquele dia e o que pode ser imaginação ou lembrança sobre a vida do protagonista. Assim, o que poderia ser um dia comum em que Molly precisa leva-lo ao dentista e ao oftalmologista se torna um grande desafio, cheio de percalços e desafios, além de cenas que não sabemos ao certo se aconteceram de fato ou não. Assim, resta ao espectador tentar entender o que está acontecendo enquanto somos apresentados à Dolores (Salma Hayek) e Rita (Laura Linney) e desvendamos um pouco mais da vida daquele homem. Filmes com narrativas calcadas nos labirintos da mente são sempre interessantes e dependem muito da habilidade da montagem em criar uma cadência atraente para os dramas dos personagens. Em Sonhos de Uma Vida, curiosamente, a graça não está no início ou no desfecho, mas sim em sua metade, onde começamos a entender a vida daquele homem. Javier Bardem tem um bom desempenho nas várias camadas de Leo, mas quando Sally opta por ter o foco total sobre o personagem, os coadjuvantes acabam ficando unidimensionais, isto é sentido muito no personagem de Salma Hayek que está bem em cena, embora o seu texto seja dramático demais de forma que Laura Linney se sai melhor em uma participação pequena e bastante sintética de sua personagem. No entanto, confesso que tive problemas sérios com Elle Fanning. A queridinha do cinema indie americano não me convenceu como a filha preocupada entre o dilema de viver se equilibrando entre o trabalho e o cuidado ao pai, sua atuação me parece fora do tom e um tanto improvisada na falta de química com Javier. O que poderia ser só um detalhe se torna um problema quando o desfecho revela que deveria haver uma grande reconexão entre os dois, mas do jeito que está parece que o filme não chega ao lugar que desejava. Embora tenha seus tropeços, Sonhos de Uma Vida pode agradar quem procura uma narrativa diferente. 

Sonhos de Uma Vida (The Roads not Taken / Reino Unido - EUA - Suécia - Polônia - Espanha / 2020) de Sally Potter com   Javier Bardem, Elle Fanning, Branka Katic, Salma Hayek e Laura Linney. 

PL►Y: Relatos do Mundo

Hanks e Helena: o mundo pós-guerra civil. 

News of the World é um livro escrito por Paulete Jiles que ganhou fãs fervorosos pela habilidade com que a escritor relata um mundo em transição com base em dois personagens totalmente deslocados. Um encontro improvável que é narrado através de encontros e diálogos ásperos nos idos de 1870, cinco anos após o fim da Guerra Civil nos Estados Unidos. O livro nunca foi traduzido para o Brasil, o que pode ser bastante positivo para a nova obra do diretor Paul Greengrass, já que a maioria das pessoas não vão poder repetir que o livro é melhor. Em cartaz na Netflix Relatos do Mundo conta a história do Capitão Jefferson Kyle Kidd (Tom Hanks), um veterano da Guerra Civil que mesmo depois de tanto tempo hesita em voltar para casa. Ele ganha a vida passando de vilarejo em vilarejo lendo jornais para a população local que lhe paga com moedas a experiência de saber o que acontece fora daqueles lugares inóspitos. No meio do caminho ele irá encontrar uma menina (Helena Zengel) que não sabe falar uma palavra em inglês, é bastante desconfiada e até agressiva. Logo ele irá descobrir que a menina foi criada por uma tribo kiowa e que um acidente atrapalhou o caminho de quem a levava de volta para sua família. Kidd então assume a missão para si enquanto permanece parando em vilarejos para ler suas notícias. Óbvio que esta jornada não será fácil, não apenas pelas diferenças e atritos que existem entre os dois, mas também pelos interesses variados que a menina desperta em pessoas que encontram pelo caminho. Vale ressaltar que na estética de faroeste impressa pelo diretor existem outros perigos variados como abismos, penhascos, tiroteios, tempestades de areia... se a ideia da trama nasce da sobreposição de dois personagens com trajetórias tão diferentes (ao mesmo tempo tão semelhantes no ponto em que se encontram) o antes ousado Paul Greengrass consegue fazer um filme bastante convencional com o que tem em mãos. Existem momentos de aventura e cenas dramáticas no filme, além de bons momentos em que os dois personagens se alinham, mas tudo é bastante previsível. Bem produzido (não há o que reclamar da fotografia, trilha, figurino e elenco de apoio), o grande destaque do filme fica por conta dos trabalhos corretos de Tom Hanks e principalmente de Helena Zengel (que foi lembrada no Globo de Ouro e no prêmio do sindicato na categoria de atriz coadjuvante e tem chances de repetir a dose no Oscar), são os dois que ajudam a manter o interesse quando a monotonia toma conta da tela. 

Relatos do Mundo (News of the World / EUA - 2020) de Paul Greengrass com Tom Hanks, Helena Zengel, Tom Astor, Mare Winningham, Elizabeth Marvel e Ray McKinnon. 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

.Doc: Time

 
Sybil e Robert: separados por uma ideia infeliz. 

Lançado por aqui no Amazon Prime Video em outubro do ano passado, o filme Time é uma das grandes apostas para os prêmios de melhor documentário da temporada (já foi premiado pelo National Board of Review, o Gotham, está indicado ao Independent Spirit Awards...) O longa conta a história do casal Sybil Fox Richardson e Robert Richardson, os dois se conheceram na adolescência e se casaram em 1997, juntos abriram uma loja de roupas de hip-hop em Shrevenport na Louisiana e diante dos percalços da vida tiveram a péssima ideia de assaltarem um banco. Sybil, que dirigia o carro de fuga, fez um acordo judicial e foi liberada em três anos e meio da prisão, já Robert foi condenado a sessenta anos e fez com que a vida de Sybil nos anos seguintes se transformasse em uma luta por sua libertação. Boa parte do que relatei acima você descobre lá pelo meio da sessão, já que o trabalho do diretor Garrett Bradley revela a história aos poucos para prender a atenção do espectador, motivado especialmente pelas cenas de abertura - uma colagem de vários vídeos que Sybil realizou ao lado de seus filhos ao longo do tempo em que o marido está preso. Já mãe de dois filhos é diante da câmera que Sybil dá a notícia que foi libertada grávida de gêmeos e com a família numerosa teve que batalhar para seguir a vida. Além de trabalhar para sustentar a família, ela ainda realiza palestras motivacionais calcada em sua história, as consequências familiares daquele ato e da injustiça que considera pairar sobre o caso de seu esposo. Para além da história criminal retratada, o formato do filme consegue ser ainda mais interessante, já que como o título em inglês revela, o longa está mais interessado na passagem do tempo e suas transformações. Para isso houve um árduo trabalho de montagem que mescla passado e presente graças à contribuição das mais de cem horas com registros feitos pela própria senhora Richardson e entregues ao diretor Garrett Bradley, que depois passou a filmar cenas mais recentes da família. Assim, as crianças cresceram, Sybil (que também gosta de ser chamada de Fox Rich) amadureceu, mas a ausência do pai está sempre lá (por vezes representada por um cartaz de papelão em tamanho natural). Esta ideia de uma família sobrevivendo a um buraco que perdura por décadas é o maior foco de interesse da produção. Existem nas entrelinhas comentários sobre o peso do  preconceito no momento da sentença, mas não recebe muito destaque na produção (confesso que senti falta de maiores detalhes sobre o assalto que é mencionado muito rapidamente, além de detalhes que revelassem que não houve vítimas ou maiores consequências por conta do assalto, o que fez com que a sentença de sessenta anos gerasse grande controvérsia). Entre a trilha sonora (um tanto excessiva) e os comentários em contraponto da mãe de Sybil o filme termina com uma mensagem de esperança (e de que assaltar um banco nunca é uma boa ideia). Trata-se de um filme bastante particular e íntimo e que chama atenção pela sua narrativa que sobrepõe passado e presente (costurados pela fotografia em preto e branco). 

Time (EUA-2020) de Garrett Bradley com Fox Rich, Freedom Rich, Justus Rich e Robert Richardson.