domingo, 30 de outubro de 2022

#FDS Latino: Argentina, 1985

 
Darín e Lanzani (ao centro): resgate histórico doloroso e necessário. 

Faz um tempinho que já se fala da temporada de prêmios na nação cinéfila, eu por enquanto estou devagar nas especulações, mas talvez no início do próximo mês eu prepare algumas postagens sobre alguns favoritos que já despontam nesta temporada. Um dos que possuem chances reais de indicação é Argentina, 1985 o filme escolhido por nossos hermanos para disputar uma vaga na disputa de Melhor Filme Internacional (é este o nome agora, eu acho) e que está em cartaz no Prime Video. O filme escolhido para fechar este #FimDeSemana Latino tem grandes chances de cravar uma indicação na cerimonia do ano que vem, afinal, não bastasse a precisa reconstituição histórica de um período ainda doloroso da história de nossos vizinhos, o diretor Santiago Mitre consegue construir uma narrativa envolvente em meio à uma costura de testemunhos baseados em personagens reais. Sem fazer firulas, ele pretende deixar que a história real fale por si só através do elenco competente que testemunha no tribunal durante a sessão. Existe aqui um esforço de preservação de uma memória assombrosa de seu país sobre o período da ditadura que foi de 1974 a 1983. Aqui a história é ambientada num período posterior a este (1984 e 1985), em que o promotor Julio Strassera (Ricardo Darín, que bem que poderia ser indicado ao Oscar pelo papel) recebe a tarefa de colocar uma junta de militares no banco dos réus por conta das atrocidades cometidas durante os dez anos de regime militar. O assunto é um verdadeiro vespeiro, mas cabe a Strassera em companhia com o jovem advogado Moreno Ocampo (o ótimo Peter Lanzani) reunir uma equipe disposta a coletar provas e testemunhos. A equipe termina formada por jovens advogados inexperientes, mas dispostos a passar a limpo as histórias que foram colocadas debaixo do tapete. Através do trabalho de Strassera e Ocampo, o filme cutuca um trauma histórico movido à violência, torturas, desaparecimentos e mortes. Entre momentos tensos, conflitos e histórias tenebrosas, o filme resultado bem costurado e bastante coerente ao que se propõe. É impossível assistir ao filme e não fazer um paralelo com a história de nosso país e a necessidade de que seja resgatada para evitar qualquer apologia à tortura ou ditadura. No fim das contas, entre seus méritos cinematográficos e históricos, Argentina, 1985 é um filme necessário perante os tempos sombrios em que vivemos - e desejamos que fiquem para trás o mais rápido possível. 

Argentina, 1985 (Argentina - 2022) de Santiago Mitre com Ricardo Darín, Peter Lanzani, Gina Mastronicola, Francisco Bertín, Alejandra Flechner, Paula Ransenberg, Walter Jakob, Martin Galo e Gabriel Fernández. ☻☻☻☻

sábado, 29 de outubro de 2022

#FDS Latino: Todo Clichê do Amor

 
Eucir e Marjorie: não é o que você está pensando. 

Já escrevi várias vezes aqui no blog que um dos maiores prazeres que tenho é assistir um filme que nunca ouvi falar e ser uma grata surpresa. Um dos casos recentes em que vivenciei esta experiência foi com Todo Clichê do Amor do diretor Rafael Primot (que antes dirigiu o interessante Gata Velha Ainda Mia/2014, que considero o último grande momento da carreira de Regina Duarte). O filme é um caleidoscópio de histórias de amor que tenta lançar um olhar diferente para os arquétipos que utiliza como ponto de partida. Se o início parece meio aleatório, aos poucos o filme começa a encontrar foco encontrar nos personagens que apresenta de forma entrelaçada (por vezes de forma forçada). Assim, se você não se assustar com a rotina do ator pornô vivido por João Baldassarini, você vai ver que o filme tem muito mais a oferecer. Afinal, temos uma dominatrix (Marjorie Estiano) que está preocupada por seu cliente (Eucir de Souza) não parece muito empolgado com suas estripulias sexuais, também temos um rapaz  apaixonado (o próprio Rafael Primot) pela funcionária de uma lanchonete (Debora Fallabella) que está presa num relacionamento não muito legal e, para terminar, conhecemos uma mulher (Maria Luisa Mendonça) que acaba de perder o marido e que o velório se torna uma verdadeira lavagem de roupa suja com a amarga enteada que está grávida (o que não é desculpa para a garota ser insuportável em seu tom teatral que destoa de todo o filme). O roteiro de Primot prende a atenção por sua capacidade de surpreender, ao revirar seus clichês do avesso, assim, a viúva amarga, o bad boy, a prostituta, o astro pornô, o cliente adúltero, a esposa aborrecida, todos eles recebem novas camadas ao longo do filme. Os mais atentos irão perceber que vários personagens fazem alusão à alguma deficiência, como se o diretor ressaltasse a dificuldade sempre presente na humanidade de se relacionar com as diferenças. No entanto, seria bastante reducionista considerar que o filme fala somente de romances, existem histórias de solidão, incompreensão, frustração e tristeza, sempre temperado com muito humor e sacadas bastante espertas para uma produção cem por cento independente (basta ver a geralmente comportada Marjorie Estiano arrasadora como a Dominatrix roubando a cena). Quando o filme terminou, eu só imaginava o que a energia criativa de Rafael Primot teria sido capaz de fazer com a música Eduardo e Mônica, que  se tornou um dos filmes mais insossos do cinema brasileiro. Depois de Todo Clichê do Amor, eu escuto a música da Legião, fecho os olhos e assisto um filme ainda melhor. 

Todo Clichê do Amor (Brasil/2017) de Rafael Primot com Maria Luisa Mendonça, Marjorie Estiano, Eucir de Souza, Rafael Primot, Debora Fallabella, Gilda Nomacce e João Baldasserini. ☻☻

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

#FDS Latino: Mariposas Verdes

Kevin e Deivi: filme com jeito de novela colombiana.  

Resolvi fazer um #FDS Latino para encerrar esse tenso mês de outubro. Começarei pelo colombiano Mariposas Verdes do veterano Gustavo Nieto Roa (responsável pela versão original de Entre Lençóis/2007. A Colombia já demonstrou ter uma cinematografia interessante, tanto que já surpreendeu ao ser indicada ao Oscar de filme estrangeiro com O Abraço da Serpente (2016) de Ciro Guerra, mas  Mariposas Verdes é um filme bem mais modesto, o que não impede que tenha sua cota de ambições a serem cumpridas. O filme foi relativamente comentado em sua época de lançamento, principalmente pela abordagem de temas delicados do universo adolescente. O filme mistura a descoberta do amor entre Mateo (Deivi Duarte) e Daniel (Kevin Bury) - como as inúmeras cenas de flashback deixarão claro, os dois são amigos de infância e desde pequenos já perceberam que o comportamento padrão que o mundo exigirá deles. Os pais de Mateo sobreviveram a uma separação e os de Daniel vivem brigando, enquanto o pai do primeiro parece atencioso, o pai do outro é um grosseirão que maltrata a esposa e o filho sem pestanejar. Como a mãe de Mateo viaja muito à trabalho, a presença afetiva mais marcante é da avó que está sempre por perto. A escola dos dois é conservadora, com um código rígido de conduta, mas que não impede que o sobrinho da diretora faça atrocidades com seus colegas - especialmente com Ángela (Victória Ortiz) que é vítima de várias situações de assédio e abuso. Existe um bocado de bullying, gordofobia e homofobia no filme com posturas condenáveis de adultos e adolescentes, deixando a impressão que o diretor e seus parceiros roteiristas queriam fazer uma versão colombiana de 13 Reasons Why com estética de novela colombiana. A impressão é que eu estava vendo uma versão Rebelde mais hardcore e com algumas cenas que sinceramente eu não entendi (aquela de Mateo desenhar um teclado nas costas de Daniel antes de transarem pela primeira vez... se queria ser poética ficou apenas esquisita, a abordagem sobre os direitos humanos fica apenas na superfície e os adultos no filme são muito mal desenvolvidos, rasos mesmo). A trilha sonora também não ajuda, deixando algumas cenas densas com uma conotação brega, tudo melhoraria se o desfecho fosse bem resolvido, mas tudo soa apressado, o desfecho do sobrinho da diretora termina sem maiores explicações e a cena final é um tantinho questionável por recorrer ao mesmo erro de 13 Reasons Why (que já era livro na época de lançamento d filme e virou série da Netflix no mesmo ano). Mariposas Verdes tem a alma de um filme com cara de alerta social e isso pode compensar para alguns os tropeços que faz pelo caminho, ao menos a dupla responsável pelo casal protagonista faz um bom trabalho em cena. 

Mariposas Verdes (Colombia/2017) de  Gustavo Nieto Roa com Deivi Duarte, Kevin Bury, Cecilia Suaréz, Julio Bracho, Maria Helena Doering, Juan Pablo Gamboa e Consuelo Luzardo. 

10+: Jessica Chastain

Vendo o respeitável currículo de Jessica Chastain fica até difícil acredita que a atriz chegou à Hollywood a pouco mais de dez anos. Ela começou a carreira em séries de televisão com participações pequenas em programas como Plantão Médico, Veronica Mars e Lei & Ordem, mas o cinema só lhe deu destaque em 2008 com Jolene (ainda inédito no Brasil). Esta lista é para lembrar dez grandes momentos na carreira desta atriz que já está no patamar das melhores de sua geração.

#10 "Jolene" de Dan Ireland (2008)
Aquela estreia de peso em filme indie para fazer barulho. 

Lobista com causa e sem vida pessoal. 

A esposa cética do profeta do Apocalipse. 

Globo de Ouro de atriz dramática por tensa história real. 

Parece uma obra-prima do final dos anos 1970. 

Corajosa minissérie que atualiza o clássico de Ingmar Bergman. 

A rainha da jogatina na estreia de Sorkin na direção. 

O primeiro Oscar a gente nunca esquece. 

A boa patroa indicada ao Oscar de coadjuvante. 

Uma das mais belas atuações da história do cinema. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

PL►Y: O Enfermeiro da Noite

Eddie e Jessica: crimes verídicos. 

Ainda não tive coragem de ver a minissérie Dahmer na Netfix, mas acabei me deparando com outra produção sobre outro serial killer. Ontem assisti O Enfermeiro da Noite, especialmente pelo encontro de Jessica Chastain e Eddie Redmayne e não fazia a mínima ideia de que é baseado em uma história real. O filme conta a história da enfermeira Amy Loughgreen (Chastain), enfermeira que mantem em segredo um problema de saúde. Trabalhando no turno da noite, ela se sente sobrecarregada e fica feliz quando chega um novo funcionário, Charles Cullem (Redmayne), um rapaz tímido e reservado com quem logo estabelece um laço de amizade. Ele descobre a doença de Amy e promete ajuda-la até que o seguro saúde do emprego entre em vigor e a colega possa ter o tratamento adequado. Amy tem duas filhas pequenas e Charles acabou de atravessar um divórcio e nunca fica muito claro os motivos que levaram à separação. O fato é que quando Charlie começa a trabalhar com Amy mortes começam a acontecer no hospital e Amy começa a perceber que existe algo de estranho no motivo daquelas mortes. Começam a haver investigações internas e uma investigação policial que apontam na direção do aparentemente inofensivo Charles. O filme se concentra bastante na angústia de Amy em perceber que o amigo em que confiava até a companhia de suas filhas poderia ser um assassino e até o desfecho o filme ressalta que tudo era resultado de algo inexplicável. O filme não aprofunda muito a personalidade de Charles, se limitando a transformá-lo aos poucos em um sujeito muito estranho, gradativamente, seu tom atencioso e empático se torna assustador e Eddie Redmayne tem sua melhor atuação em muito tempo ao explorar as interrogações que ficam na cabeça do espectador. Seus olhares e gestos carregam a construção de um sujeito perturbado por seus fantasmas, mas que é incapaz de nomeá-los. Confesso que a curiosidade em torno de Charles me fez procurar algo mais sobre ele no Google já que o filme não concede muitas informações sobre sua história de vida. O Enfermeiro da Noite mostra-se um suspense bastante eficiente por utilizar a relação entre os dois personagens e o horror perante a verdade, banhado de dramas e estranhamento (não por acaso o filme é produzido por Darren Aronofsky) o filme foge de soluções fáceis e deixa a sensação de estranhamento em sua mente por um bom tempo. 

O Enfermeiro da Noite (The Good Nurse/ EUA - 2022) de Tobias Lindholm com Jessica Chastain, Eddie Redmayne, Noah Emmerich e Kim Dickens. ☻☻☻☻

Na Tela: Adão Negro

A Sociedade da Justiça e Adão Negro: recomeço para a DC?

Faz mais de uma década de Dwayne Johnson, mais conhecido como The Rock, queria levar o personagem Adão Negro para as telonas. No entanto, no meio do caos que imperava no Universo DC nos cinemas, nem a sua popularidade empolgou para que o filme saísse do papel. Demorou um bocado para que a situação das produções da editora começasse a dar uma melhorada na Warner e The Rock aproveitou a deixa para fazer suas exigências garantindo que o filme seria um sucesso. Em tempos em que a Marvel anda deixando os fãs um tanto desapontados, o astro do momento provou entender o que o público desejava e o resultado é que os críticos não se empolgaram muito, mas a plateia parece ter gostado de tudo que o filme trouxe. A começar pelas várias cenas de ação, o humor encaixado (em vários momentos) na hora certa e algumas surpresas. Eu por exemplo não fazia a mínima ideia de que A Sociedade da Justiça aparecia antes do filme ser lançado, ver Senhor Destino (Pierce Brosnan), Gavião Negro (Aldis Hodge), Ciclone (Quintessa Swindell) e Esmaga-Átomo  (Noah Centíneo) na telona é grata surpresa para os fãs, especialmente pela dinâmica que se estabelece com o protagonista que é, em sua essência, um anti-herói. Dwayne Johnson faz praticamente o de sempre, mas se esforça para entregar um personagem sombrio cheio de frases de efeito, concebido pela mesma magia que deu os poderes para SHAZAM (2019), mas que seu temperamento explosivo perante a  vida torna seus métodos questionáveis. Ele vive repetindo que não é um herói, após um grupo de rebeldes invadirem o seu templo e o evocarem após cinco mil anos, após tanto tempo, ele não reconhece o país em que nasceu, mas parece identificar que existe uma intervenção militar estrangeira por lá e um grupo de pessoas que  precisa de sua ajuda. O fato é que Amanda Waller (Viola Davis) passou a se preocupar com o que pode acontecer por lá com a vinda de Adão Negro e manda a sociedade da Justiça intervir. Não espere uma trama muito elaborada, aqui você precisa se contentar com certo viés político e as ponderações do que faz uma pessoa um herói ou um vilão. De certa forma isso trabalha a favor do filme, que traz de volta uma narrativa dos tempos em que filmes de heróis eram mais simples e que o importante era apenas nos importarmos com eles perante os desafios que enfrentam. Sendo assim, Johnson, Brosnan e Hodges (favor colocar este moço em outros filmes, obrigado) cumprem seu papel sem maiores problemas, enquanto Noah e Quintessa fazem o que pode com o pouco destaque que possuem na trama, mas não decepcionam como novatos no ofício super-heróico. Com uma surpresa aqui e outra ali, se tornou o filme de super-herói em que vi o público sair mais satisfeito do cinema em 2022, o que não deixa de ser um elogio e um marco positivo para a escaldada DC - que acabou de dispensar seu chefão nos cinemas, o Walter Hamada após vários problemas em sua concepção dos heróis para a telona. Seria um recomeço para o universo cinematográfico da DC? O interessante é que Adão Negro se torna um sinal de esperança na tela e fora dela... os fãs agradecem. 

Adão Negro (Black Adam / EUA - 2022) de Jaume Collet-Serra com Dwayne Johnson, Pierce Brosnan, Aldis Hodge, Noah Centineo, Quintessa Swindell e Viola Davis. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

PL►Y: Cidade Perdida

 
Sandra e Channing: tudo por uma tumba. 

Fazia tempo que Sandra Bullock não aparecia em uma comédia (fui procurar no IMDB para tirar a dúvida e de fato a última vez em que apareceu em um filme de humor foi em 2009, ano em que realizou o divertido A Proposta e o drama que lhe rendeu o Oscar, o mediano Um Sonho Possível. Naquele ano ela também fez um filme que lhe rendeu o Framboesa de Ouro de pior atriz, o esquecível Maluca Paixão ao lado de Bradley Cooper). Com 58 anos (!?) completados em julho, Sandra está mais do que conservada, mas tem consciência de que fica complicado bancar a heroína desmiolada ou a romântica sonhadora com a idade que possui. Em Cidade Perdida ela escolheu um papel que lhe cai muito bem, no caso ela é Loretta Sage uma escritora de romances carregados de aventura e erotismo, mas que está em crise após o falecimento do marido. As primeiras cenas do filme deixam claro o quanto seu ânimo e criatividade já tiveram dias melhores, mas sua agente (a ótima Da'Vine Joy Randolph) está disposta a fazer o livro um verdadeiro sucesso, mas nem imagina que a escritora não pretende seguir com sua série de livros. Eis que no lançamento fica notável o desconforto entre Loretta e o modelo que serve para personificar Dash, o seu herói literário, na capa dos livros - só que na verdade, Alan (Channing Tatum, outro que andava sumido) é tão fortão quanto bocó. Portanto, as coisas complicam quando Loretta é sequestrada por um empresário maluco e resta a Alan a missão de resgata-la. Obviamente que o filme irá brincar com a tensão sexual existente entre o casal, vai usar ao máximo o humor físico de Sandra e explorar o corpo de Channing o quanto pode, no entanto, o que faz mais graça no filme é a aventura estapafúrdia em que os dois se metem (com participação especial de Brad Pitt). Com Sandra convincente como a escritora que precisa se virar com salto alto e lantejoulas no meio da floresta (enquanto foge de Daniel Radcliffe brincando de ser ameaçador em busca da cidade presente no título) e Tatum fazendo o seu trivial o filme lembra muito aquele clima de aventura divertida de Tudo por Uma Esmeralda (1984) estrelado por Michael Douglas e Kathleen Turner, o que lhe custa o sabor da originalidade que nem finge possuir com suas soluções simplistas. Se algumas piadas funcionam e outras não, o que me chamou atenção foi o olhar triste que Bullock utiliza a maior parte do filme, como disse meu filho caçula: "ela parece cansada". Talvez por isso ela já anunciou que não irá participar somente de filmes que valham muito a pena... será que o sucesso do filme vale uma sequência?

Cidade Perdida (The Lost City/EUA  - 2022) de Aarom Nee e Adam Nee com Sandra Bullock, Channing Tatum, Daniel Radcliffe, Da'Vine Joy Randolph, Brad Pitt, Oscar Nuñez, Stephen Lang e Thomas Forbes Johnson. ☻☻

terça-feira, 25 de outubro de 2022

PL►Y: Lobisomem na Noite

 
Gael: boa estreia no universo Marvel. 

Apresentado como um especial de Halloween da Marvel no Disney+, Lobisomem na Noite é a versão para a telinha de um personagem que já ocupou espaço de destaque nos quadrinhos da editora - e a repercussão de Cavaleiro da Lua ajudou ainda mais a impulsionar o interesse pela produção. A direção ficou por conta do compositor Michael Giachino que optou por reproduzir uma estética dos clássicos do terror para contar uma história bastante simples, mas que ganha pontos por não enrolar (o filme tem pouco menos de uma hora de duração) e agrada por não deixar aquela sensação dos últimos filmes da Marvel de que está andando em em círculos. Aqui temos o encontro de vários caçadores de monstros que vieram disputar o posto de maior caçador do mundo, já que o anterior acaba de falecer. No entanto, não basta o número de mortes que o caçador carrega em seu currículo, eles terão que realizar uma disputa durante uma noite que se torna uma verdadeira guerra entre os participantes. No meio de tudo isso, ganha destaque o renomado Jack Russell (Gael Garcia Bernal), que não parece muito interessado naquilo tudo e está mais preocupado em ajudar uma criatura do qual é próximo. Outro personagem que se destaca é Elsa Bloodstone (Laura Donnelly) que preferia passar por nada disso e pegar logo um artefato familiar que lhe interessa. Os outros personagens conseguem ser apenas tipos interessantes (e bastante peculiares em suas caracterizações) que parecem ainda melhores na bela fotografia em preto e branco. Se o roteiro é uma grande brincadeira (para adultos, registre-se, já que existem membros amputados, sangue, jorros, mordidas e tudo mais), o filme chamou principalmente minha atenção pelas suas qualidades de evocar os clássicos dos gêneros de terror. O uso de closes e sombras (inspiradas no impressionismo alemão), a trilha sonora cheia de tensão, os segredos que aos poucos se revelam e, principalmente o fato do lobisomem aparecer não como uma criatura de CGI, mas como um autêntico homem vestido de criatura peluda. Feito para assustar à moda antiga, Lobisomem na Noite não faz questão de explicar ao que se presta na rede entrelaçada de personagens da Marvel, mas gera especulações sobre uma futura participação na nova temporada de Cavaleiro da Lua e até o novo longa metragem de Blade que está a caminho. Feito para divertir, o filme alcança seu objetivo se você entrar na brincadeira proposta. 

Lobisomem na Noite (Werewolf by Night/EUA-2022) de Michael Giachino com Gael Garcia Bernal, Laura Donnelly, Harriet Samson Harris, Eugenie Bondurant, Leonardo Nam, Daniel J. Watts e Carey Jones. ☻☻

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

PL►Y: Mammal

Rachel e Barry: romance complicado. 

A primeira vez em que assisti um filme com a australiana Rachel Griffiths foi em O Casamento de Muriel (1994) em que ela vivia a melhor amiga da protagonista de Toni Collette. O tempo passou e ela foi indicada ao Oscar de coadjuvante por seu trabalho em Hillary & Jackie (1999) e colecionou prêmios por seus trabalhos nas séries A Sete Palmos (2001-2005) e Brothers & Sisters (2006-2011), mas atualmente ela pode ser vista em The Wilds na Amazon Prime Video. Como se percebe o cinema a deixou de lado faz tempo, mas ela não se importa desde que de vez em quando um papel interessante apareça para vermos como os holofotes nem sempre se voltam para os grandes talentos. Mammal é um desses, um pequeno filme irlandês que colheu elogios em alguns festivais e até concorreu a alguns prêmios em seu país de origem, mas bem que merecia um tantinho mais de atenção por conta dos trabalhos de Rachel e de seu parceiro de cena, o sempre interessante Barry Keoghan. Ela vive Margaret, uma mulher melancólica que trabalha em uma loja modesta e aluga um quarto vazio de sua casa para ganhar algum dinheiro extra. Logo no início já imaginamos o motivo da tristeza que transborda da personagem, por conta de uma cicatriz e da casa solitária em que vive, tentamos imaginar a triste história que se esconde por trás de sua rotina - que parece encontrar algum alento somente nos dias em que utiliza a piscina de um clube das redondezas. A mesma piscina é frequentada por Jo, um adolescente um tanto perdido e que cruza o caminho de Margaret enquanto ela recebe uma sucessão de notícias preocupantes. Tanto Rachel quanto Jo precisam de ajuda e os dois se agarram um ao outro como uma tábua de salvação. A diretora Rebecca Daly não se inibe ao embaralhar as emoções de sua protagonista, que ora observa Jo com olhar maternal e aos poucos passa a desejá-lo - e a câmera da diretora faz questão de criar uma transição física da vulnerabilidade e a sexualização do corpo do rapaz, por vezes em ângulos que revelam o quanto Keoghan é de fato um ator destemido. Vale ressaltar que a diretora utiliza aqui uma verdadeira subversão aos romances intergeracionais que costuma chegar nas telonas. Rachel tinha 48 anos durante a estreia do filme, enquanto Barry tinha metade de sua idade (embora aparente bem menos). Por mais estranho que pareça, a desenvoltura de ambos em personagens complicados são o grande trunfo do filme que por vezes abusa da cadência silenciosa. Obviamente que para além da questão da ausência a ser preenchida na casa de Margaret, o relacionamento entre ambos irá gerar um bocado de incompreensão. Não por acaso o longa (que se chamaria Mamífero, caso fosse traduzido) é repleto de simbologias sobre a maternidade, mas em sua essência, o filme de Rebeca Daly é apenas um filme sobre duas pessoas que precisam ser amadas com todas as cicatrizes que carregam. 

Mammal (Irlanda - Países Baixos - Luxemburgo/ 2016) de Rebeca Daly com Rachel Griffiths, Barry Keoghan, Michael McElhaton, Joanne Crawford e Johnny Ward. ☻☻☻☻ 

domingo, 23 de outubro de 2022

Pódio: Luca Marinelli

Bronze: O namorado triste. 
 3º Entre Tempos (2018) Tudo bem, eu confesso que sempre que vejo um filme com o italiano Luca Marinelli eu tendo a colocar entre minhas atuações favoritas do moço, porém... vou tentar justificar colocar Ricordi? por aqui, afinal, ele precisa dar conta de duas versões do Lui - o presente nas memórias da namorada e a impressão que ele tem de si mesmo. Nem vou considerar as oscilações de humor do personagem para não parecer papo de fã. O fato é que depois de tudo que rola no filme, quem resiste a ele ajoelhado com um buquê de flores e sorrindo deste jeito? (e isso não é um SPOILER). 

Prata: O Escritor Ambicioso.
2º Martin Eden (2019) O mundo caiu de amores por Marinelli quando ele foi eleito o melhor ator no Festival de Veneza por seu trabalho neste épico histórico de Pietro Marcello baseado no livro de Jack London. Ele vive o personagem título, com origem humilde e sonho de ser escritor. Com o tempo, Martin começa a se envolver com a causa socialista, entrando em conflito com sua amada e o estilo de vida que ambicionava ter. O filme foi tão elogiado que cogitaram até indicações ao Oscar, incluindo para o ator, mas ficou só na vontade, mas, pelo menos o filme fez Hollywood notar o moço que o escalou para The Old Guard (2020) estrelado por Charlize Theron em cartaz na Netflix. 

Ouro: O Matemático Platônico. 
1º A Solidão dos Números Primos (2010) Confesso que o fato do filme de Saverio Constanzo estar entre os meus favoritos de todos os tempos pesa muito sobre esta escolha, mas posso dizer que a primeira impressão é a que fica. Luca Marinelli começou sua carreira aos quatorze anos em programas de televisão, mas chamou atenção nesta sua estreia no cinema interpretando o introspectivo Mattia, melhor amigo de Alice (Alba Rohrwacher) com quem vive uma relação platônica desde menino. Com poucas palavras e tristes olhos azuis enormes, Luca se tornou rapidamente um dos nomes mais cobiçados do cinema italiano pela sua capacidade de viver personagens complexos. Luca tinha 26 anos na época do lançamento do filme. 

FILMED+: Entre Tempos

 
Luca e Linda: memórias de um casal. 

Tenho alguns problemas com filmes românticos, talvez eu já esteja um tanto velho e desiludido para ser convencido por um casal que discute um filme inteiro e fica junto no final, ou aquele casal que come o pão que  o cupido amassou para acreditar que depois do The End tudo ficará bem. Nem vou citar aqueles filmes em que torcemos pelo casal e um deles morre no final... enfim, por coisas assim que quando me deparo com uma verdadeira joia rara como o italiano Entre Tempos acho que ainda tenho solução. Dirigido por Valerio Mieli o filme conta a história de dois opostos que se atraem numa festa, Lui (Luca Marinelli) é todo melancólico e um tanto sombrio, mas se aproxima meio sem jeito de Lei (Linda Caridi) falando sobre lembranças ruins. Ele coleciona várias, ela lembra apenas do seu avô doente debaixo de sombra de uma árvore conforme, mas ela nem lembra se aquilo realmente aconteceu ou se é alguma lembrança que sua mente produziu ao longo do tempo perante a lembrança do avô. Começa assim um romance pautado nas lembranças individuais do casal que se complementa nos anos que seguem. No entanto, o texto e a direção (ambos de Mieli) não se contenta em quebrar o filme em duas partes, uma com a versão dele e outra com a versão dela, o filme resolve colocar as duas versões sobrepostas o tempo inteiro. Percebemos isso quando oscila entre uma fotografia mais clara e outra mais escura, ou quando as roupas e penteados de um e outro mudam durante a mesma cena como se fosse um equívoco do continuísta. No entanto, o diretor sabe que utilizar somente este truque não deixaria o filme interessante por toda a sua duração e investe numa espécie de troca de personalidade entre os dois na metade da narrativa, o que parte nosso coração já que o desejo de ver os dois juntos felizes para sempre já se instaurou na plateia. Bem, na verdade, desde o início o filme deixa claro que a noção de felizes para sempre é bastante questionável (ainda que perseguido por ambos). Ganha destaque durante a história o peso que o antigo lar de Lui tem sobre ele crescido, da mesma forma, o luto de Lei lhe causa mudanças drásticas de temperamento. Ainda assim o filme caminha corretamente para o seu desfecho deixando os espectadores com aquele frio na barriga. Para além do mérito do diretor/roteirista é preciso elogiar as performances de uma luminosa Linda Caridi e do sempre competente Luca Marinelli que não se contenta em ser lindo e sempre prova ser um bom ator. Falando nisso, não sei se a intenção de escalar o Luca tem a intenção de evocar o magnífico A Solidão dos Números Primos (2010), filme que tem alguma semelhanças com este aqui em sua eficiência em abordar a vida de um casal ao longo do tempo. Tive que resistir à crueldade de comparar os dois, mas por méritos próprios, Entre Tempos merece ser descoberto, apreciado e recordado.  

Entre Tempos (Ricordi? - Itália / 2018) de Valerio Mieli com Luca Marinelli, Linda Caridi, Giovanni Anzaldo, Camilla Diana, David Brandon, Eliana Bosi e Alice Pagani. ☻☻☻☻ 

sábado, 22 de outubro de 2022

PL►Y: Uma Garota de Muita Sorte

Mila: exorcizando o passado. 

Ani Fanelli é considerada uma mulher bem sucedida. Ela trabalha escrevendo artigos para uma revista feminina conceituada, está prestes a receber uma proposta de trabalhar no New York Times e prepara seu casamento com um homem bonitão nascido em berço de ouro. Ah, esqueci de dizer, Ani tem aquela beleza arrebatadora de Mila Kunis (que defende com bastante competência as camadas complexas que a a vida aparentemente perfeita da personagem esconde). Desde o início vemos que a casca de perfeição de Ani esconde um bocado de morbidez, ela parece ter ensaiado a vida toda para saber exatamente o que dizer em cada momento para evitar um conflito ou reação indesejada. As contradições entre o que a protagonista pensa e diz demonstram que existem alguns fatos mal resolvidos em sua vida pessoal. Quando um documentarista a procura para ser entrevistada, o passado desta mulher aparentemente perfeita começa a vir à tona. Ani foi uma das sobreviventes a um destes ataques loucos que acontecem em escolas americanas, mas sua reputação ficou manchada por um tempo por ser apontada como cúmplice por um outro sobrevivente, Dean Barton (Alex Barone), que agora é um deputado que vê na luta anti-armamentista sua plataforma eleitoral. Existe tanta coisa a ser tratada em Uma Garota de Muita Sorte que imagino que ficaria melhor em uma minissérie de quatro episódios, já que um filme de quase duas horas de duração não dá conta de todos os assuntos sérios que a trama aborda. O filme produzido por Kunis, dirigido por Mike Barker e escrito por Jessica Knoll - autora do livro em que o longa se baseia - é cheio de boas intenções em sua missão de fazer com que as mulheres relatem as situações de abuso que vivenciaram, mas não tem tempo para aprofundar todos os desdobramentos de temas tão delicados como estupro, bullying, violência, traumas, relação mãe e filha, casamento e uma penca de outros temas. Baseado em experiências da própria Jessica Knoll, Uma Garota de Muita Sorte é uma jornada que começa como um sonho até mergulhar em pesadelos do passado, ainda que não aprofunde tudo  o  que deseja abordar, o filme merece ser visto pela sinceridade impressa em vários momentos da trama. 

Uma Garota de Muita Sorte (The Luckiest Girl Alive/ EUA - 2022) de Mike Barker com Mila Kunis, Chiara Aurelia, Finn Wittrock, Connie Britton, Scoot McNairy, Justine Lupe, Dalmar Abuzeid, Alex Barone e Jennifer Beals. ☻☻  

NªTV: Ruptura

Scott, Turturro, Cherry e Lower: sem vida pessoal. 

Não sei vocês, mas adoro quando me deparo com uma série feito Ruptura que está na AppleTV+. Eu gostei tanto da série que vi os episódios aos poucos para que não acabasse logo (e eu aguardasse ansiosamente uma nova temporada). A julgar por esta primeira leva de episódios, as expectativas para a continuação ficam ainda maiores, já que o novo episódio finaliza com revelações que deixam vários ganchos para a próxima (a julgar por todos os elogios merecidos que a série recebe, ela deve render mais alguns anos). A ideia do estreante Dan Erickson parte de algo que já deve ter passado pela cabeça de muita gente: estar no local de trabalho e deixar a vida particular do lado de fora. No entanto, aqui a ideia é radicalizada em tempos que nem Black Mirror costuma superar a realidade. Acredito que todo mundo já deve ter  passado por aquele dia difícil e teve que ir cumprir suas obrigações laborais pelo salário no fim do mês - mas que teria sido mais produtivo se a vida pessoal tivesse ficado de fora por alguma horas. A ideia pode parecer boa numa primeira olhada, mas se torna um verdadeiro pesadelo. Aqui estamos diante da Lumen, uma empresa que adota um recurso tecnológico inovador, o procedimento de Ruptura. Um chip é implantado na cabeça do funcionário e assim que ele chega no trabalho, um dispositivo é ativado, fazendo com que o trabalho se torna o único foco de sua vida. Após a jornada de trabalho, ele sai do escritório e volta à sua vida normal. Simples. Funcional e... eficaz? Se você levar em consideração o viúvo Mark (o bom moço Adam Scott), aquelas oito horas são um verdadeiro alento, já que ele não lembra da viúva que faleceu a alguns meses. No entanto, tão logo Mark é promovido ele tem problemas com Helly (Britt Lower), que por conta de uma recepção atrapalhada começa a resistir à ideia de esquecer a vida fora do escritório. Assombrada pela ideia de viver continuamente no local do trabalho (afinal, são as únicas memórias que estes funcionários possuem) ela faz de tudo para convencer seu "eu externo" a pedir demissão, mas a tarefa é mais árdua do que ela imagina. Completam a lista Dylan (Zach Cherry) e Irving (John Turturro), se o primeiro aceita bem sua rotina laboral até que um incidente coloca tudo a perder, o segundo começa a vivenciar um flerte no local de trabalho com um colega mais velho (Christopher Walken), que se torna sua principal motivação para prosseguir. Além dos desdobramentos destes personagens, existe ainda uma penca de mistérios que tornam Ruptura um programa imprevisível em sua forma e conteúdo. Há de se destacar ainda que Ruptura é mais uma parceira para lá de certeira entre Ben Stiller e Patricia Arquette. Stiller deixa de lado sua popularidade como ator e investe mais uma vez em sua verve de diretor interessante, aparentemente é ele que dita a atmosfera misteriosa com certo verniz cômico e crítica social, algo que ele tentou em sua segunda experiência como cineasta (lembra de O Pentelho/1996 com Jim Carrey?) mas que aqui surge tão amadurecida como envolvente. Já a oscarizada PAtricia Arquette atuou ao lado de Ben em Procurando Encrenca/1996 e uma grande afinidade parece ter surgido entre os dois quando ambos tentavam um lugar ao sol de Hollywood. Ainda que tenham seguido caminhos distintos, Patricia voltou a ser celebrada com Boyhood (2014) e retornou à TV, espaço que se tornou seu abrigo quando Hollywood se deslumbrava com outras atrizes. Foi neste retorno que ela e Ben trabalharam juntos em Scape At Dannemora que rendeu a ela o Globo de Ouro, o SAG e o Critic's Choice de melhor atriz de TV, os prêmios continuaram com The Act e não duvido que sua versátil interpretação de gélida chefe e acolhedora vizinha de Mark lhe renda outras estatuetas. Entre estranhezas e mistérios, Ruptura é o tipo de série que faltava a algum tempo, especialmente pelo seu estilo (até agora) redondinho de contar uma história envolta de mistérios. 

Patricia e Tramell: quando o interno é externo. 

Ruptura (Severance - EUA / 2022) de Dan Erickson com Adam Scott, Britt Lower, Patricia Arquette, John Turturro, Zach Cherry, Christopher Walken, Dichen Lachman e Tramell Tillman. ☻☻☻☻ 

domingo, 9 de outubro de 2022

PL►Y: Blonde

 
Ana de Armas: atuação de respeito. 

É preciso ter coragem para viver um ícone como Marilyn Monroe no cinema. Ao longo da história, muita gente bebeu na fonte da estrela , mas algumas atrizes tiveram o desafio ainda maior de interpretar a musa nas telas. Se Michelle Williams colheu elogios e até uma indicação ao Oscar por seu trabalho em Sete Dias Com Marilyn (2011), imagino o que o destino reservaria para Ana de Armas com sua atuação impressionante neste delírio cinebiográfico proposto pelo diretor Andrew Dominik se o filme não causasse tanta polêmica. O cineasta já apresentou anteriormente seu gosto por reimaginar figuras históricas, como vimos em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007), que rendeu à Brad Pitt o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza e a primeira indicação ao Oscar de Casey Affleck. Eu adoraria ver a Academia reconhecer o esmero de Ana de Armas na construção da personagem deste devaneio inspirado no livro de Joyce Carol Oates. Para driblar um pouco as polêmicas, vale lembrar que obra de Oates é uma especulação sobre a vida de Marilyn, ou seja, trata-se do uso da imaginação da escritora sobre algumas situações conhecidas de sua vida. Estão presentes aqui as vezes em que ficou grávida, a mãe problemática, a identidade misteriosa do pai, seus casamentos com o atleta Joe DiMaggio (vivido por Bobby Cannavale) e com o dramaturgo Arthur Miller (um ótimo trabalho de Adrien Brody que nos faz lembrar como ele merece aparecer em mais filmes), mas o filme nem menciona o primeiro casamento com um policial antes da fama, mas oferece destaque ao affair com um certo presidente (que rende o momento mais bizarro do filme). Porém, o filme investe mais no conflito da atriz com uma espécie de dupla personalidade, entre o símbolo sexual cinematográfico e a insegurança da mulher que se escondia por trás de todo glamour, a Norma Jeane. Na verdade, Andrew Dominik prefere desconstruir o glamour na maioria das vezes, fazendo até com que sua estrela vomite na cara do espectador duas vezes. Esta desconstrução do mito é feita cheia de maneirismos, oscila entre vários tipos de fotografia, flerta com a fantasia, com o sonho, com o surreal, com o divino, o mundano, o brega e o soberbo. São tantos apetrechos ao longo de quase três horas de duração que fica até difícil captar a linha condutora da narrativa. Na maioria das vezes parece que o filme gosta de ver Marilyn comendo o pão que Mr. Z amassou. Tem estupro, aborto, violência doméstica, mãe abusiva, um trote de muito mal gosto que lá pelas tantas a plateia já começa a pescar. Nisso tudo, o cinema acabou ocupando pouco espaço, o roteiro não dá a mínima para o outro lado da estrela, aquela que se tornou a primeira estrela a conduzir sua carreira por conta própria, o pendor pela comédia, a vontade de ser respeitada feito atriz, estes aspectos acabam ficando nas entrelinhas das lágrimas de Ana de Armas, que carrega o filme com dignidade até quando parece não sobrar nenhum a durante a narrativa. Blonde é repetitivo, cansativo e um tanto arrastado, a sorte que tem uma atriz que merece cada vez mais o destaque que tem recebido em Hollywood. 

Blonde (EUA-2022) de Andrew Dominik com Ana de Armas, Julianne Nicholson, Bobby Cannavale, Adrien Brody, Caspar Phillipson, Xavier Samuel e Evan Williams. ☻☻