quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

HIGH FI✌E: Fevereiro

 Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque: 

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PL►Y: Ficção Americana

Jeffrey: recusando arquétipos.

Tenho uma impressão estranha de que American Fiction sairá de mãos abanando do Oscar desse ano, mas de vez em quando ela vai embora quando imagino que seu roteiro adaptado pode surpreender. O filme acaba de estrear discretamente no Prime Video mesmo no páreo de cinco categorias da maior premiação do cinema americano: melhor filme, direção, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown), roteiro adaptado e trilha sonora original. A carreira do filme começou super bem quando foi eleito o melhor filme do Festival de Toronto (que ultimamente costuma cravar seu premiado na categoria principal do Oscar) com uma trama amparada em sua provocação bem humorada. O filme conta a história de Thelonious Ellison (Jeffrey Wright), acadêmico e autor de vários livros que nunca receberam o devido reconhecimento. Sem fazer muito sucesso, ele encontra cada vez mais dificuldades para publicar seus escritos, seu próprio agente (John Ortiz) considera que o fato dele ser um autor negro que não escreve "literatura negra" configura um problema para seu status. Mas o que seria "literatura negra"? O rótulo por si só é preocupante e só piora quando vemos que o tal estilo é marcado por tramas com personagens afro-americanos marcados por crimes, drogas, prisões, pobreza, violência, problemas com polícia e morte. Embora saiba que essa realidade existe, Thelonious considera que existe muito sensacionalismo em torno dessas histórias que geram muito dinheiro e uma grande preocupação em torno de como representam a identidade de pessoas negras no mundo o entretenimento. Sendo assim, Monk, o apelido do escritor (afinal, ninguém carrega o nome Thelonious impunemente) tenta remar contra a maré, mas, diante de toda sua insatisfação, resolve escrever um livro com tudo que ele mais detesta nesse tipo história e entrega ao seu agente. Surpreendentemente (ao menos para ele) o texto faz o maior sucesso com as editoras que começam a querer publicá-lo. Monk odeia a ideia, mas uma série de problemas financeiros motivados pela família começam a fazê-lo repensar na proposta. O livro acaba motivando uma grande farsa enquanto o escritor precisa se reconectar com sua família e aceitar a oportunidade de ter uma relação amorosa com uma vizinha de sua mãe, Coraline (Erika Alexander). A trama farsesca do livro ocorre paralelamente aos dramas familiares do personagem, que sempre foi cobrado pela irmã (Tracee Ellis Ross) a ajudar a cuidar da mãe (Leslie Ugamms), já que o outro irmão, Clifford (Sterling K. Brown) vive longe e em uma nova fase após o fim do casamento. Essa mistura gera uma comédia dramática gostosa de assistir, com boas atuações em um roteiro que flui naturalmente e encontra nas mãos do diretor/roteirista Cord Jefferson o amparo perfeito para funcionar em suas alfinetadas mais incisivas. Existem alguns diálogos brilhantes durante o filme e não existe pudor em apresentar situações que colocam Monk em um beco sem saída (como por exemplo a conversa com a escritora de sucesso vivida por Issa Rae). Sendo divertido ao fazer pensar sobre o universo da "lacração cultural", Ficção Americana é a prova que ainda existem novos debates a serem explorados no cinema do Tio Sam. Se o roteiro não for reconhecido no Oscar, ao menos no Independent Spirit, ele foi considerado o melhor de 2023.

Ficção Americana (American Fiction/EUA -2023) de Cord Jefferson com Jeffrey Wright, Erika Alexander, Sterling K. Brown, Tracee Ellis Ross, Leslie Ugamms, Issa Rae, John Ortiz e Adam Brody. ☻☻☻☻

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Premiados Independent Spirit Awards 2024

Vidas Passadas: o melhor indie do ano.

 Particularmente gosto muito de assistir aos premiados do Independent Spirit Awards que este ano pôde ser visto pelo canal da instituição no Youtube. O maior prêmio do cinema independente tem categorias tradicionais e outras que servem de termômetro para conhecermos trabalhos que nem sempre ganham o devido reconhecimento. De vez em quando os caminhos do Spirit e do Oscar se cruzam, neste ano o premiado como melhor filme concorre também no prêmio da Academia, mas está longe de levar o prêmio. Achei ótimo ver uma premiação em que Oppenheimer não era anunciado como melhor filme (já está bastante previsível) e Da'Vine Joy Randolph parece ser a imbatível do ano. A seguir todos os premiados:

   Filme: Vidas Passadas
    Direção: Celine Song, por Vidas Passadas
    Performance principal: Jeffrey Wright, por American Fiction
    Performance coadjuvante: Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados
    Filme de estreia: A.V. Rockwell, por A Thounsand and One
    Revelação: Dominic Sessa, por Os Rejeitados
    Prêmio John Cassavetes: Fremont
    Fotografia: Eigil Bryld, por Os Rejeitados
    Montagem: Daniel Garber, por How to Blow Up a Pipeline
    Roteiro: Cord Jefferson, por American Fiction
    Roteiro de estreia: Sammy Burch, por Segredos de um Escândalo
   Documentário: As 4 Filhas de Olfa
   Filme internacional: Anatomia de uma Queda
    Nova série: Treta
    Principal em nova série: Ali Wong, por Treta

    Coadjuvante em nova série: Nick Offerman, por The Last of Us
    Revelação em  série: Keivonn Montreal Woodard, por The Last of Us

    Nova série documental: Dear Mama

domingo, 25 de fevereiro de 2024

INDICADOS AO OSCAR 2024: Atriz

Annette Bening (Nyad) veterana do Oscar desde sua primeira indicação à atriz coadjuvante por Os Imorais (1990), a atriz bem que poderia ter ganho o prêmio de melhor atriz por Beleza Americana (2000), mas perdeu. Depois foi lembrada por Adorável Júlia (2004), Minhas Mães e Meu Pai (2011) e poderia ter sido lembrada muitas outras vezes por trabalhos marcantes antes de sua quinta indicação pelo trabalho em Nyad, filme em que interpreta a história real de Diane Nyad, a nadadora que aos sessenta anos persiste em sua ideia de nadar de Cuba até a Flórida, uma travessia em águas abertas e mais de 160 quilômetros! Será que Annette finalmente sairá premiada com uma estatueta?

Carey Mulligan (Maestro) no papel de Felicia Montealegre, mais conhecida como a esposa do maestro Leonard Bernstein, a inglesa tem momentos marcantes que fazem muitos notarem que a narrativa por vezes recai totalmente sobre sua personagem. Em mais um trabalho sólido que atravessa vários anos de história, a atriz logo foi cotada para os prêmios de atuação. Será que a aclamação da crítica poderá render uma surpresa no Oscar? Esta é a terceira indicação de Carey na categoria, a primeira foi por Educação (2009) e mesmo com filmes renomados ela foi lembrada novamente pela Academia somente por seu trabalho em Bela Vingança (2020) que a colocou no posto de favorita, mas acabou sendo derrotada novamente. 
 
Emma Stone (Pobres Criaturas) Há quem aposte que Emma levará para casa o prêmio de melhor atriz por seu trabalho como Bella Baxter, um experimento que começa com o cérebro de um bebê no  no corpo de uma mulher adulta. A jornada de desventuras já lhe deram o BAFTA, o Globo de Ouro de atriz em comédia ou musical, o Critics Choice e muitos outros prêmios. Esta é a quarta indicação da estrela ao Oscar. Sua primeira indicação foi de coadjuvante por Birdman (2014), depois foi premiada na categoria de melhor atriz por La La Land (2016) e posteriormente concorreu em coadjuvante por A Favorita (2018), sua primeira parceria com o diretor Yorgos Lanthimos que também dirige este aqui. Uma parceria mais do que acertada. 
 
Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores) quando o filme foi exibido no Festival de Cannes já era quase que oficial que Lily seria lembrada nas premiações. Notável mesmo foi ela conseguir manter o interesse até o Oscar e não como coadjuvante, mas na categoria de atriz principal. A atriz se tornou a primeira atriz de um povo originário dos Estados Unidos a concorrer ao prêmio de melhor atriz e, mais ainda, dado ao seu favoritismo, pode ser a primeira a receber um Oscarna categoria. Lily consegue realmente se impor durante o épico de Scorsese e ofusca até mesmo astros do porte de Robert DeNiro e Leonardo DiCaprio. Pelo trabalho foi indicada aos grandes prêmios da temporada e foi premiada com o SAG Awards e Globo de Ouro.
 
Sandra Hüller (Anatomia de Uma Queda) a alemã teve um ano incrível com dois longas que nasceram para os holofotes com suas estreias premiadas no Festival de Cannes. Zona de Interesse levou o grande prêmio do júri e Anatomia de Uma Queda a Palma de Ouro. Cogitada nas premiações pelos dois filmes, Sandra recebeu sua primeira indicação ao Oscar por seu trabalho colossal como a escritora suspeita de ter provocado a morte do esposo. Com seu trabalho complexo, muita gente ficou fascinado pelo trabalho da atriz que oscila entre ser culpada e inocente ao longo de toda a narrativa. Sandra atua no cinema desde 1999 mas é conhecida da Academia por seu trabalho em Toni Erdmann (2017) que concorreu ao prêmio de filme estrangeiro.
 
A ESQUECIDA: Greta Lee (Vidas Passadas) embora muita gente reclame da ausência de Margot Robbie na categoria por Barbie, existem outras atrizes menos conhecidas que também mereciam ter sido lembradas por aqui, entre elas Caile Spaeeny (Priscila) e a californiana Greta Lee que colheu elogios quando Vidas Passadas estreou nos cinemas e permaneceu com chances até o anúncio das indicações. Em um trabalho sutil e cheio de sentimentos nas entrelinhas, ela vive a coreana que seguiu uma nova vida em outro país e quando adulta reencontra seu amor de infância. O filme foi lembrado nas categoria de melhor filme e roteiro original (para também diretora Celine Song) e espero que Greta apareça em outras produções em breve.

Na Tela: Pobres Criaturas

Emma: criatura questionando o mundo.

Há quem critique o diretor Yorgos Lanthimos estar se vendendo ao fazer filmes cada vez mais diferentes dos que vimos no início de sua carreira. Para estes, resta dizer que o diretor descoberto pelo Oscar com Dente Canino/2009 (um dos filmes mais estranhos a serem indicados na história da premiação) fazia filmes na Grécia com orçamento mínimo em tempos da maior crise econômica de seu país. Ao migrar para Hollywood e espantar a mesmice das produções hollywoodianas, obviamente que chamaria atenção de atores renomados e produtores dispostos a ousar fazer algo diferente. Assim vieram O Lagosta (2015), o soturno O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), o premiadíssimo A Favorita (2018) e agora Pobres Criaturas. Há quem considere este último seu melhor filme, bem... não é para tanto. Pobres Criaturas tem um visual impressionante com um trabalho feito com esmero pelo design de produção, figurinos, maquiagem, penteados, efeitos especiais e fotografia que oscila entre o (extremamente) colorido e o mais clássico preto e branco. Com relação à toda estética não há o que reclamar, afinal ela cai como uma luva em uma história que nasce de uma fantasia: uma mulher grávida se suicida e um cientista (Willem Daffoe) resolve ressuscitá-la após trocar o cérebro dela com o do bebê. O experimento insano serve de pretexto para que ele acompanhe o desenvolvimento da criança em um corpo de adulto. Rebatizada de Bella Baxter (e vivida por dedicação absoluta por Emma Stone) ela cresce isolada em um castelo junto com as outras criaturas do cientista chamado deus God (abreviação carinhosa de Godwin) e seu assistente, Max (Ramy Youssef) que mais tarde se tornará o noivo da experiência. Só que Bella quer mais, ao chegar na puberdade e descobrir o prazer sexual, ela deseja conhecer o  mundo e ter novas experiências - obviamente questionando as convenções sociais que não lhe fazem sentido. É nesse contato com o mundo externo à bolha em que foi criada que Bella vive sua desventuras ao lado do canalha Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), que de início se aproveita da sexualidade livre da moça, mas depois começa a se assustar com a total ausência de pudores de sua parceira. Yorgos utiliza essa história para falar muito sobre nossa sexualidade, pudores e hipocrisias com um senso de humor que sempre lhe foi bastante peculiar, mas que aqui não conseguiu me fazer rir - e nem precisava. Acho que considerei a história da protagonista uma tristeza só (e o último ato reforçou ainda mais isso) em sua releitura de Frankenstein. A diferença é que entre Bella e o monstro clássico de Mary Shelley é que enquanto ele busca por compreensão de um mundo que o rejeita, Bella busca a si mesma. O filme é baseado no livro de Alasdair Gray que foi lançado em 1992 e ganhou roteiro de Tony McNamara que tenta driblar algumas convenções do percurso da personagem (só eu acho clichê que uma mulher liberada sexualmente precisa se prostituir em tramas de época?) com ajuda de diálogos dissonantes e ajuda do visual hipnótico. Pobres Criaturas traz o grego Lanthimos mais uma vez nos fazendo repensar sobre o mundo em que vivemos ao nos transportar para um universo bastante particular, mas embora esteja ali todo seu estilo provocador e ousadia, senti falta de um final mais marcante para Bella Baxter - e vale dizer que ela  tem o primeiro final feliz da carreira do cineasta (e pode ficar mais feliz ainda com Emma Stone levando o Oscar de melhor atriz por sua segunda parceria com o diretor, eles trabalharam juntos em A Favorita e já tem outro filme pronto a ser lançado). O filme concorre ao todo em onze categorias: filme, direção, atriz, ator coadjuvante, roteiro adaptado, figurino, trilha sonora, fotografia, direção de arte, montagem, maquiagem e penteados. 

Pobres Criaturas (Poor Things/ Irlanda - EUA - Reino Unido - Hungria / 2023) de Yorgos Lanthimos com Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Christopher Abbott, Margaret Qualley, Jerrod Carmichael, Suzy Bemba e Hanna Schygulla. ☻☻☻

Premiados SAG 2024

Lily: ainda no páreo de melhor atriz.

Parece que a cerimônia do Oscar já pode começar entregando o prêmio de melhor filme para Oppenheimer. A esta altura beira o impossível o filme de Christopher Nolan perder o principal prêmio de Hollywood. Pelo que vimos no Prêmio do Sindicato (SAG), o favoritismo de Robert Downey Jr e Da'Vine Joy Randolph só se confirma, Cillian Murphy fica cada vez mais na frente de Paul Giamatti... o maior suspense mesmo está no páreo de melhor atriz com Lily Gladstone  demonstrando que ainda está no páreo com Emma Stone, o que para além do trabalho de Lily existe uma narrativa irresistível de ser a primeira atriz nativa dos EUA a receber tanto o SAG quanto, provavelmente o Oscar. Quanto aos prêmios para TV, foi sensacional ver Pedro Pascal reconhecido como ator e a dupla de Treta se consagrar de vez. A seguir todos os premiados e que venha o Oscar!

CINEMA

Melhor elenco de filme: “Oppenheimer”.

Melhor ator: Cillian Murphy / “Oppenheimer”.

Melhor atriz: Lily Gladstone / “Assassinos da Lua das Flores”.

Melhor ator coadjuvante: Robert Downey Jr. / “Oppenheimer”.

Melhor atriz coadjuvante: Da’Vine Joy Randolph / “Os Rejeitados”.
 

TELEVISÃO

Elenco em série dramática: “Succession”.

Ator em série dramática: Pedro Pascal / “The Last of Us”.

Atriz em série dramática: Elizabeth Debicki / “The Crown”.

Elenco em série de comédia: “O Urso”.

Ator em série de comédia: Jeremy Allen White / “O Urso”.

Atriz em série de comédia: Ayo Edebiri / “O Urso”.

Ator em minissérie ou filme para a TV: Steven Yeun / “Treta”.

Atriz em minissérie ou filme para a TV: Ali Wong / “Treta”.

#FDS Justine Triet: Sibyl

Gaspard, Adèle e Sandra: Freud explica?

 Para fechar o #FimDeSemana dedicado à cineasta Justine Triet, temos seu terceiro longa de ficção. Depois de dois filmes que enveredavam pelo tom cômico, a francesa Justine Triet resolveu explorar o campo do suspense com uma história complexa que flerta o tempo inteiro com projeções, transferência, arquétipos, identidades e tudo mais. O resultado estreou no Festival de Cannes2019 e dividiu opiniões, sobretudo pela forma como o roteiro amplia tanto suas possibilidades que depois enfrenta problemas para resolver o que apresentou ao espectador. Sibyl (Virginie Efira) é uma psicoterapeuta que sonha ser reconhecida como escritora. Ela está tão decidida a escrever um romance que chega a interromper o tratamento de trinta pacientes para que possa se dedicar à escrita. Enquanto busca inspiração, ela acaba recebendo a ligação de Margot Vasilis (Adèle Exarchopoulos), uma jovem atriz que está em crise. Desesperada, Margot passa a se consultar com Sibyl e revela que está muito aflita por estar grávida de seu parceiro de cena, Igor (Gaspard Ulliel) que namora a diretora do filme em que trabalha atualmente. Margot pretende fazer um aborto para não comprometer sua carreira e a do amante, mas também não tem certeza se essa é a decisão certa a fazer. O drama da atriz faz com que Sibyl relembre um dilema parecido que enfrentou no passado e considera que ali existe a inspiração necessária para escrever seu livro. Só que Sibyl começa a fazer tudo o que não deve em nome de seu processo criativo, além de gravar as conversas com a paciente sem consentimento dela, se apropria de sua história para construir a trama do livro e, mais tarde, ela mesma começa a ter contato com Igor. Sibyl e Margot tem suas semelhanças, mas também são figuras um tanto antagônicas que se complementam ao longo da história que tropeça aqui e ali enquanto mistura as duas num emaranhado de situações em que a vida de Sibyl começa a entrar em crise e desmoronar no envolvimento com a nova paciente. O filme cria um emaranhado psicológico tão complicado entre seus personagens que por vezes nem se preocupa em colocar sua protagonista em situações que façam sentido (como as duas intervenções diretas de Sibyl na gravação do filme), isso compromete um pouco a credibilidade da história perante o espectador. O melhor mesmo fica por conta das atuações (com participação de Sandra Hüller como a diretora séria e traída) que ajudam o espectador a não saber muito quem de fato são aqueles personagens, além daquelas cenas em que o filme não se leva muito a sério (a cena dos tapas seguidos em Igor soa como uma vingança velada). Triet apresenta aqui mais uma vez seu interesse por personagens femininas em crise, mas começa a enveredar por uma seara mais complexa do que vimos em seus longas anteriores se tornando mais inquieta e ousada na construção de suas tramas. 

Sibyl (França-2019) de Justine Triet com Virginie Efira, Adèle Exarchopoulos, Gaspard Ulliel, Sandra Hüller, Niels Schneider, Arthur Harari e Paul Hamy.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Premiados Festival de Berlim 2024

Dahomey: ganhador do Urso de Ouro em Berlim

Talvez por ter sido realizado tão próximo do Oscar2024 e com todo mundo só comentando os filmes indicados ao careca dourado, a 74ª edição do Festival de Berlim acabou ofuscada. O fato de também não haver lançamentos de diretores badalados também prejudicou os holofotes sobre o Festival que este ano teve como presidente do júri a celebrada Lupita N'Yongo. Embora o filme mais comentado tenha sido A Different Man de Aaron Schimberg, este acabou premiado na categoria de atuação principal para seu protagonista, o eleito como melhor produção do Festival foi Dahomey da diretora franco-senegalesa Mati Diop com seu acompanhamento sobre o retorno de dezenas de artefatos saqueados pela França em 1892 da República de Benin na África Ocidental. Em meio a filmes que procuram projeção para o ano cinematográfico que se inicia, tivemos a consagração da brasileira Juliana Rojas considerada melhor diretora em uma mostra paralela por seu trabalho no filme Cidade:Campo. A seguir a lista de premiados de 2024:

Melhor Filme (Urso de Ouro): Dahomey
Grande Prêmio do Júri: A Traveler's Needs
Prêmio do Júri: The Empire
Melhor Direção: Nelson Carlos De Los Santos Arias (Pepe)
Melhor Atuação em Papel Principal: Sebastian Stan (A Different Man)
Melhor Atuação em Papel Coadjuvante: Emily Watson (Small Things Like These)
Melhor Roteiro: Matthias Glasner (Sterben)
Contribuição Artística: Martin Gschlacht (The Devil's Bath)


#FDS Justine Triet: Na Cama com Victoria

Virginie e Vincent: a vida em caos.
 

Se você um dia encontrasse com a Victoria (Virginie Efira) e perguntasse em que lugar sua vida se tornou um verdadeiro caos, ela talvez dissesse que foi naquela festa de casamento de uma amiga em que um amigo, Vincent (Melvil Paupaud) foi acusado de cravar uma faca na namorada. Depois ela talvez se lembrasse que foi na mesma festa em que retomou o contato com um ex-cliente (Vincent Lancoste) que era acusado de ser traficante de drogas e, que disposto a mudar de vida, quis entrar para o ramo da advocacia e se ofereceu para cuidar das duas filhas dela, só para ficar mais tempo perto da rotina de Victoria. Foi o ex-cliente que disse para ela ficar atenta ao ex-marido, David (Laurent Poitrenaux) que inventou de escrever na internet sobre uma tal advogada chamada Vicky e que mistura alguns fatos reais da vida da ex com outras sandices inventadas para ser pura provocação, ou melhor, autoficção. MAs talvez Victoria não lhe respondesse nada, já que acontece tanta coisa em sua vida que ela nem tenha tempo para processar tudo o que está acontecendo, especialmente quando sua vida profissional e pessoal começou a se misturar de um jeito que ela não consegue mais ter controle sobre uma ou outra. Na Cama com Victoria é o segundo longa metragem de ficção de Justine Triet e já deixa evidente alguns aspectos que se tornaram marcas da cineasta: a protagonista que tem sua vida em julgamento (seja da plateia ou no roteiro), a ideia de que não há um certo e um errado (apenas interpretações sobre o que vemos na telona) e uma avalanche de informações que serve mais para desorientar do que propriamente seguir uma linha reta e segura. Victoria é vivida com gosto por Virginie Efira que consegue deixar visível a constante sensação de uma mulher que precisa respirar em meio ao furacão que sua vida se tornou. O nome da personagem é o título original do filme, mas os distribuidores daqui devem ter se empolgado com a vida amorosa da personagem e resolveram dar um ar mais... "íntimo" no pôster. A vida amorosa da moça vai de mal a pior, além do ex-marido, que se acha no direito de se apropriar da vida da ex como forma de vingança, ela já teve vários parceiros, mas nada parece ser muito empolgante. Pode se dizer que a mulher vai descer até o inferno, chegando a ficar proibida de trabalhar por conta das atribulações que sua vida atravessa. Justine Trier faz um filme ácido, bem humorado e frenético, uma mistura que já desejava em seu filme anterior (A Batalha de Solferino/2013 que guarda algumas semelhanças com a protagonista que vemos aqui), mas aqui o resultado é mais lapidado e organizado em uma estrutura que parece de uma comédia romântica esperta, muito por conta da  química entre Virginie e Vincent Lancoste que desde a primeira cena juntos já desperta torcida na plateia. O filme só decepciona por criar tantas situações em torno da personagem que por vezes não sabe que rumo tomar rumo à conclusão da história. O resultado é eficiente e bom para passar o tempo, evidenciando que a diretora começava a pensar em roteiros mais rebuscados e que tivessem mais a dizer sobre seus personagens. Antes de Anatomia de Uma Queda (2023) este era o filme mais conhecido da cineasta,   

Na Cama Com Victoria (Victoria/França - 2016) de Justine Triet com Virginie Efira, Vincent Lancoste, Melvil Paupaud, Jeane Arra-Bellanger, Arthur Harari e Alice Daquet.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

#FDS Justine Triet: A Batalha de Solferino

Laetitia: o caos no macro e no micro.

Em foco no #FimDeSemana do mês, a cineasta Justine Triet é aclamada mundialmente após Anatomia de Uma Queda levar para a casa a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2023, o primeiro de muitos prêmios que o filme recebeu ao longo do ano de 2023. A aclamação culminou nas cinco indicações ao Oscar recebidas pelo filme (incluindo melhor filme, direção e roteiro) nada mal para uma produção estrangeira que não foi a escolhida por seu país de origem a disputar a vaga de filme internacional. Reza a lenda que um dos motivos para este snob são as falas políticas de Trier na imprensa que critica política cultural do atual governo francês. Esta pegada política da cineasta é muito presente em seu primeiro longa de ficção: A Batalha de Solferino, que de certa forma, retoma o tema de um documentário realizado por ela em 2009 sobre as eleições francesas. Aqui ela mescla o acompanhamento da apuração das eleições francesas de 2012 (na disputa entre Sarkozy e François Hollande que estavam praticamente empatados nas pesquisas) com um dia no cotidiano da repórter Laetitia (Laetitia Dosch) responsável para cobrir a apuração diante da multidão na Rua Solferino, local em que se encontra a sede do partido socialista francês. Se a multidão na rua cria um clima caótico, a vida da protagonista não é muito diferente, já que ela mal consegue se arrumar para o trabalho enquanto suas duas filhas pequenas choram e o namorado pede atenção por se sentir um tanto de lado. Quando o babá chega para ajudar, as coisas não melhoram muito com as crianças e tendem a piorar com a recomendação de que ele não deve de forma alguma deixar que o pai das crianças, Vincent (Vincent Macaigne, eleito melhor ator no Festival de Mar Del Plata) entre na casa para vê-las. Caso isso aconteça, ela pede até para um vizinho (Vatsana Sedone) intervir. Acontece que ela vai para o trabalho e Vincent chega e complica ainda mais o dia daquela mulher. Trier ainda carrega aqui as marcas de seu trabalho documental, sobretudo quando percebemos que as entrevistas com os escolhidos na multidão são reais, seja pelos discursos engajados ou desarticulados que estão no filme. Fica marcado assim uma disputa no campo político mais amplo daquele país, mas que cria uma analogia interessante na disputa que se estabelece entre Laetitia e Vincent pelas filhas, o que por vezes gera decisões absurdas de ambos até envolver a polícia. Trier imprime um tom propositalmente frenético e caótico no filme, trazendo um senso de urgência que por vezes torna até compreensível as decisões equivocadas dos personagens. É tanta discussão, tanta gente falando ao mesmo tempo, tanta gritaria que por vezes beira o insuportável. Curiosamente quando o filme se acalma e se torna mais "domiciliar" o filme perde o ritmo e se torna um tanto redundante. Desta vez a improvisação fica mais evidente, mas não sabe para onde ir, chegando a um final que aspira ser de diálogo e conciliação (ou um pastiche disso) mas que se torna insatisfatório por nunca avançar em sua mistura entre o dramático e cômico. No entanto, esta contraposição entre o micro e o macro estabelecido pelo roteiro serviu para que Triet fosse indicada ao César pela primeira vez na categoria de melhor primeiro filme. Uma estreia longe de ser perfeita, mas bastante promissora. 

A Batalha de Solferino (La Bataille de Solférino/França - 2013) de Justine Triet com Laetitia Dosch, Cincent Macaigne, Arthur Harari, Virgil Vernier, Liv Harari e Vatsana Sedone.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

PL►Y: Pérola

 
Drica: luminosa matriarca do clã Rasi.

Quando Pérola (Drica Moraes) chega para morar em sua nova casa ela deixa claro para toda família que é uma mansão com piscina. Só que ao chegar, a frente estreita para estacionar o carro já deixa claro que a casa não é uma mansão. Entrando e apreciando o quintal se percebe que também não tem piscina, mas para Pérola tudo é uma questão de tempo, já que o espaço para construir a piscina tem de sobra e para deixar o quintal mais amplo, ela deseja que a mãe aceite a oferta de seu esposo para vender a casinha do lado para que o quintal fique ainda maior. Aparentemente estes são os maiores objetivos da personagem que é casada com Vado (Rodolfo Vaz), já que a casa serve de cenário para o crescimento de Mauro (Leonardo Fernandes quando crescido) e Elisa (Valentina Bandeira quando crescida). Contado entre idas e vindas, o filme começa em tom de despedida com Mauro tendo que voltar à casa para o velório de sua mãe. Contado como um álbum de memórias o filme dirigido por Murílo Benício é baseado em um dos maiores sucessos do teatro brasileiro, a peça homônima assinada por Mauro Rasi que foi dedicada à sua mãe e que ganhou os palcos com uma atuação antológica de Vera Holtz. Drica Moraes está irresistível como protagonista, ela diverte e emociona como uma matriarca radiante e é ela que salva o filme no início quando ele demora a engrenar, no entanto, conforme o filme encontra seu ritmo entre as idas e vindas na linha temporal, ele funciona que é uma beleza. Benício demonstra bastante sensibilidade na abordagem das alegrias e dramas cotidianos daquela família que também destaca a presença das famosas tias do Mauro (que virou peça de teatro e quase se tornou programa de televisão com Murilo Benício, mas dizem que não encontrou o tom certo em sua adaptação para a telinha). Gosto muito da forma como o diretor apresenta os conflitos naquela família sem exagerar nos dramas e amparando um clima familiar que parece ajustar por si mesmo os embates. Sim, existem mágoas e alguns ressentimentos, mas que são contornados com delicadeza nas relações entre os personagens. Sem exageros o filme investe num tom quase Almodovariano a maior parte do tempo e constrói um retrato bastante crível sobre as relações daquela família. Particularmente lembrei muito de minha infância e adolescência durante o filme, especialmente da casa que serviu de cenário para tudo e que, assim como no filme, parece impregnada das histórias de minha família. Acho que o maior mérito do filme é esta capacidade de universalizar os sentimentos que estão envolvidos entre os personagens,  que tem lá seus desentendimentos mas que se tornam fundamentais na construção e compreensão do outro como indivíduo. Nascido em Bauru em 1949, Rasi morou no Rio de Janeiro por mais de vinte anos e foi aclamado por suas peças desde os anos 1960. O autor faleceu em 2003 em decorrência de um câncer de pulmão. Quando Benício assistiu Pérola em 1995 conversou com Mauro sobre transformar o espetáculo em um filme, algo que permaneceu na ideia de Benício até que conseguisse concretizar seu segundo longa na direção. Murilo mostra-se mais uma vez um diretor sem firulas com a câmera, mas com um cuidado bastante palpável no trabalho com os atores muito bem escolhidos. Drica arrasa.

Pérola (Brasil - 2023) de Murilo Benício com Drica Moraes, Leonardo Fernandes, Rodolfo Vaz, Valentina Bandeira, Cláudia Missura, Louise Cardoso, Gustavo Machado e Gustavo Scalzo. ☻☻

PL►Y: Pare com Suas Mentiras

Victor e Guillaume: peças de um no quebra-cabeça do outro.
 

Stéphane Belcourt (Guillaume de Tonquédec) é um escritor famoso que após trinta e cinco anos afastado de sua cidade natal recebe o convite para ser embaixador de uma famosa destilaria da região. Após alguns anos sem lançar um romance, ele está promovendo o lançamento de um conto que se tornou um sucesso de crítica e, também por este motivo seu retorno à cidade é bastante aguardado. No entanto, Stéphane sabe que o distanciamento de suas origens tem um motivo que custa caro à toda a sua obra: seu primeiro e grande amor. Quando adolescente, Stéphane se encontrava secretamente com um colega de escola, Thomas Andrieu (Julien de Saint Jean), de forma que os encontros tórridos se transformaram ao longo dos meses em um romance tão secreto quanto proibido. Esta história perpassa as entrelinhas de várias obras do escritor, mas ele nunca falou abertamente sobre isso, uma vez que Thomas sempre pediu segredo sobre aquela relação. Acontece que ao chegar na cidade, Stéphane conhece um dos funcionários da destilaria, Lucas (Victor Belmondo), que não por acaso, carrega o sobrenome de sua antiga paixão. Lucas é filho de Thomas e ao descobrir que Stéphane conhecia seu pai, fica mais próximo dele para saber um pouco mais da história de seu pai quando jovem. Ou pelo menos é isso que o filme apresenta de início, já que Lucas não revela tudo o que sabe sobre a amizade entre os dois personagens. Baseado no livro de Phillipe Besson o diretor Oliver Peyon faz um filme agradável de se assistir sem se distanciar da verve literária da obra, especialmente na organização da estrutura narrativa e no uso de flashbacks (em que o Jéremy Gillet vive o jovem Stéphane). Para envolver o espectador, o diretor cria um verdadeiro jogo entre Lucas e Stéphane que nunca sabem muito bem como dizer ao outro o que precisa ser contado, assim, o filme cria uma espécie de quebra-cabeça sobre os personagens e os sentimentos ambíguos de um pelo outro. Guillaume Tonquédec está muito bem em cena e consegue construir um protagonista muito discreto, já que conforme o roteiro apresenta no passado e no presente, seu personagem sabe que o mundo ainda tem ressalvas a pessoas que sentem atração por pessoas do mesmo sexo. Esta discrição funciona muito bem  a bem ao lado da energia jovial que emana de Lucas, numa ótima interpretação de Victor Belmondo (filho do cultuado Jean Paul) que defende bem as  oscilações do personagem perante as lacunas sobre o pai que precisam ser preenchidas.  Embora Pare com Suas Mentiras tenha um ponto de partida já utilizado diversas vezes, ele consegue se desenvolver de forma bastante satisfatória ao construir personagens que parecem pessoas de verdade com seus fantasmas a serem exorcizados.

Pare com Suas Mentiras (Arrête avec tes mensonges/França-2022) de Oliver Peyon com Guillaume Tonquédec, Victor Belmondo, Jermy Gillet, Julien de Saint Jean, Pierre- Jean Chapuis e Laurence Pierre. ☻☻

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Indicados ao Oscar 2024: Atriz Coadjuvante

America Ferrera (Barbie) confesso que fiquei surpreso ao ver a atriz cravar sua indicação no Oscar. A campanha começou desde a estreia do filme por conta da repercussão daquela famosa cena do discurso em sobre as dificuldades de ser mulher no mundo real. No entanto, conforme as premiações começaram, ela parecia de lado. America ganhou sua primeira indicação por fazer o papel da mulher que era dona da Barbie estereotipada e a faz entender as mudanças que estão acontecendo. A atriz americana, filha de hondurenhos ficou conhecida mundialmente com o sucesso da versão americana da série Ugly Betty (2006-2010) e se tornou um ícone latino na cultura pop.

Danielle Brooks (A Cor Púrpura) quem já viu a atriz na série Orange Is The New Black (2012-2019) sabe que ela é uma estrela das mais cintilantes. Nesta versão musical da obra de Alice Walker, Danielle encarna Sofia, uma mulher que não se cala perante as adversidades de uma mulher negra no início do Século XX. Embora a crítica tenha dividido opiniões sobre o filme, o trabalho de Danielle é visto como um dos pontos altos da obra, tanto que foi indicada ao BAFTA e ao Critics Choice pelo papel. Só para lembrar que na versão feita por Spielberg, Oprah Winfrey foi indicada ao mesmo prêmio. Esta é a primeira indicação de Danielle ao Oscar. 

 Da'Vine Joy Randolph (Os Rejeitados) está no posto de favorita da temporada, se não levar para casa o Oscar será a grande surpresa da noite. Ela já ganhou todos os prêmios da temporada: Gotham, Globo de Ouro, Criticss Choice, BAFTA... na reta final ela chega no auge do favoritismo pelo papel da chefe de cozinha que passa o natal no trabalho para atenuar a solidão após a morte de seu filho na guerra do Vietnã. Misturando humor sutil, com drama e muita emoção, Da'Vine está ótima em cena e surpreende quem a conheceu em seus trabalhos cômicos. A atriz foi lembrada aqui no blog como uma das revelações de 2019 por  por Meu Nome é Dollemite (2019), mas faz aqui sua estreia no Oscar com chave de ouro. 
 
Emily Blunt (Oppenheimer) é até difícil acreditar que está é a primeira vez que Emily Blunt é indicada ao Oscar. Com atuações marcantes em produções como O Diabo Veste Prada (2006), A Jovem Rainha Victória (2009) e Um Lugar Silencioso (2018), Emily viu suas tentativas de indicação sempre naufragarem. Lembrada pelo papel da esposa do cientista que dá nome ao filme de Christopher Nolan, a atriz finalmente teve reconhecimento da Academia. No papel a atriz transpira inteligência (e uma inadequação para a vida doméstica). Por vezes funcionando como auxiliar do esposo nos rumos da vida, Emily já foi considerada a favorita da categoria, mas será que leva?
 
Jodie Foster (Nyad) pode se dizer que a atriz, diretora e produtora é um verdadeiro patrimônio do cinema. Na pele da treinadora e amiga da protagonista, Jodie várias vezes rouba a cena com sua garra motivacional sem sentimentalismos. Ela é a única atriz na categoria que já foi premiada pela Academia, não uma, mas duas vezes como melhor atriz (por Acusados/1988 e pelo clássico O Silêncio dos Inocentes/1991), ela também já concorreu como atriz por Nell (1994) e esteve na categoria de atriz coadjuvante por outro clássico, Taxi Driver (1976) quando tinha apenas quinze anos de idade. A atuação dela em Nyad é tão marcante que até a pessoa real que ela interpreta se confundiu quanto a viu na tela.
 
A ESQUECIDA: Julianne Moore (Segredos de Um Escândalo) desde que o filme estreou no Festival de Cannes, a atuação de Julianne foi considerada uma das favoritas para a temporada de ouro, lembrada no Globo de Ouro e Critics Choice, causou surpresa vê-la fora da disputa no Oscar. O motivo pode ser o caráter polêmico de sua personagem que causou escândalo ao se envolver com um adolescente que depois se tornou seu esposo. A personagem tem tantas camadas e é tão complexa que deve ter confundido alguns votantes. Mas Julianne não deve ter perdido o sono por conta disso, com um Oscar por Para Sempre Alice (2014) na estante e outras quatro indicações no currículo (além de outros 177 prêmios na estante), logo ela será lembrada de novo.

NªTV: True Detective - Terra Noturna

Kali e Jodie: mistérios longa noite adentro.
 

Durante a exibição da quarta temporada de True Detective da HBO ouvi muita gente comentando sobre os haters em torno da temporada, o discurso girava em torno de termos como "lacração", "militância" e o fato das protagonistas serem mulheres. Até o criador da série, Marc Pizzolatto resolveu aparecer para reclamar do programa. Sinceramente, a primeira temporada criada por ele é excepcional, mas aquela segunda temporada foi... traumatizante. A terceira tentou colocar as coisas nos trilhos, mas não me deixou muito impactado. A quarta se tornou a maior audiência do programa e, embora traga muitos elementos diferentes para o universo da antologia, conseguiu criar uma identidade própria e prender bem mais a minha atenção que as duas anteriores. A trama (de seis episódios agora disponíveis na HBOMax) girou em torno de um crime envolvendo cientistas que desenvolviam suas pesquisas no gélido estado do Alasca, justo no início da longa noite que cai sobre a cidade de Ennis ao final do ano. Serão vários dias sem a claridade do dia, o que torna a situação ainda mais sombria. Após o desaparecimento dos cientistas, eles são encontrados nus e congelados no meio do nada. Segue-se então as investigações das detetives Denvers (Jodie Foster) e Navarro (Kali Reiss) que encontram pistas que relacionam a morte daqueles homens com o assassinato de uma mulher nativa americana que nunca foi solucionado por ambas. A temporada faz referência a alguns elementos das temporadas anteriores, mas usa um pouco mais dos elementos místicos que apareciam na primeira temporada (motivada muitas vezes pela cultura dos povos originários da região e a longa noite que recai sobre os personagens). Existem aqui os conflitos das protagonistas, mas também dos coadjuvantes que os cercam, com destaque para os policiais Hank Prior (John Hawkes) e Peter Prior (Finn Bennett), pai e filho que por vezes parecem estar em lados opostos das investigações. Conforme a trama avança, descobrimos como os crimes se relacionam e o desfecho explica quase tudo que aconteceu naquela noite, mas deixa alguns segredos para manter o espectador instigado. Gostei muito da ambientação da temporada naquele lugar gélido, que por vezes parece moldar a personalidade dos moradores locais e os conflitos regionais que o programa apresentou, elementos que afetam o desenvolvimento da história. É verdade que por vezes a temporada parece ser um texto que sofreu ajustes para fazer parte do universo criado por Pizzolatto, mas tem uma explicação para isso, já que a idealizadora da temporada, a mexicana Issa López tinha inicialmente uma proposta de projeto com a HBO que depois os produtores consideravam que poderia ser moldado como uma nova temporada da antologia. Embora eu entenda o descontentamento de alguns por conta disso, não encontrei motivos para reclamar do desenvolvimento do programa. Achei a tensão muito bem trabalhada e a sugestão de que paira algo de sobrenatural sobre tudo aquilo também ajudou a prender minha atenção e, obviamente, fica difícil reclamar de um programa ancorado por outra atuação genial de Jodie Foster. A mulher é um colosso em cena e reservou para o último episódio uma das cenas mais agressivas de sua personagem, mas que me fez chorar por perceber toda a dor que carrega. Se a dupla formada por Matthew McConaghey e Woody Harrelson entraram para a história por conta da primeira temporada, atrevo dizer que a parceria de Foster e Kali Reis merece o mesmo em seus embates de companheirismo e repulsa.

True Detective - Terra Noturna (True Detective - Night Country / EUA - 2024) de Issa López com Jodie Foster, Kali Reiss, Finn Bennett, Fionna Shaw, John Hawkes e Isabella LaBlanc. ☻☻

Sequestro do voo 735

Ganghreia: piloto em apuros na trama real.

Ouvi muitos elogios ao filme O Sequestro do Voo 735 e imaginei que eles eram principalmente direcionados à uma produção que procura olhar para um gênero diferente do que a cinematografia nacional costuma voltar-se. Agora disponível no Star+, pude perceber que o filme tem outros méritos além desse, principalmente por colocar a bordo de um avião a tensão política do Brasil no período em que a história se passa. Em 29 de setembro de 1988, um voo que fazia a rota de Porto Velho ao Rio de Janeiro, um homem armado com um revólver calibre 32 rendeu a tripulação e anunciou que se tratava de um sequestro. Objetivo? Jogar a aeronave com seus 98 passageiros contra o palácio do planalto. A motivação do sequestrador era sua insatisfação com o presidente, na época o maranhense José Sarney, conterrâneo do sequestrador. O motivo? O não cumprimento de suas promessas de campanha. A situação do país é explicada nos minutos iniciais: a saída do período de Ditadura Militar, o falecimento do presidente eleito, a posse do vice, o estabelecimento de uma nova constituição, a tensão da convivência dos novos governantes com o corpo militar do país... o grande diferencial do filme fica por conta destas circunstâncias que constroem uma atmosfera diferenciada do que poderia ser apenas um filme de ação Made in Brazil. Existe aqui uma abordagem da trajetória sequestrador e os percalços de sua vida, mas também da vida do piloto que também tem lá sua cota de problemas com os problemas sócio-econômicos do período. Viver no Brasil nunca foi fácil, ainda mais perante a instabilidade econômica pós redemocratização. A direção de Marcos Baldini é bastante segura, conseguindo criar uma tensão bastante envolvente entre os personagens, especialmente entre o piloto vivido por Danilo Ganghreia e seu algoz encarnado por Jorge Paz, no entanto, vale destacar sua construção de cenas tão imersivas sobre as manobras que o avião precisa realizar que fiquei com a sensação de estar dentro daquilo tudo. São cenas realmente impressionantes que demonstram que nosso cinema tem capacidade de fazer planos e enquadramentos bem mais elaborados do que estamos acostumados a ver por aqui. A reconstituição de época também é bastante competente e achei interessante como o roteiro cita bandas dos anos 1980 para contextualizar o tempo, além da relação de toda a situação com os ataques de 11 de setembro! O Sequestro do Voo 735 é um filme muito bem realizado e que impressiona por sua capacidade de entregar algo mais do que se espera dele, tal e qual Baldini fez com outra história completamente diferente com sua versão de Bruna Surfistinha (2011).

O Sequestro do Voo 135 (Brasil/2023) de Marcus Baldini com Danilo Ganghria, Jorge Paz, César Mello, Roberta Gualda, Juliana Alves, Adriano Garib e Wagner Santisteban. ☻☻

Pódio: Samuel L. Jackson

Bronze: o traficante desconfiado. 
3º Jackie Brown (1997) Nascido em Washington DC, em 1948, Samuel Leroy Jackson começou sua carreira no cinema em 1972, mas ganhou reconhecimento somente nos ano 1990, especialmente por sua parceria com Quentin Tarantino. Foi em sua segunda parceria com o cineasta que foi premiado como melhor ator do Festival de Berlim em 1997 por seu trabalho como o traficante Ordell, sujeito que sente que seus negócios começarem a ficar em risco depois que seu precioso "avião" Jackie Brown (Pam Grier) está na mira da polícia. Oscilando entre o ameaçador e o bem humorado, o papel também rendeu a ele uma indicação ao Globo de Ouro de comédia ou musical.

Prata: o gangster erudito.

2º Pulp Fiction (1994) Neste clássico do cinema, Samuel estabeleceu sua ótima parceria com Tarantino interpretando o gangster Jules Winnfield. Ciente de suas atribuições no mundo do crime e dado a citações preciosas sobre cultura pop, o filme colocou o ator no radar de Hollywood em uma carreira que hoje já acumula mais de 200 produções no currículo. Pelo papel, Sam foi indicado ao Globo de Ouro, Independent Spirit, SAG e ao Oscar de coadjuvante,  onde era favorito e foi derrotado. O ator até hoje mostra-se bastante magoado por não ter recebido o prêmio naquele ano, algo que só cresceu após trinta anos sem reconhecimento da Academia.

Ouro: o oprimido opressor.

1º Django Livre (2012) Tarantino nunca se preocupou em ser politicamente correto, uma prova disso foi a criação do personagem de Samuel neste filme, algo que precisou de coragem de todos os envolvidos, já que Sam vive Stephen, que por ser um escravo muito próximo do escravocrata vivido por Leonardo DiCaprio consegue ser tão opressor quanto seu dono. Um personagem ardiloso, incômodo e desagradável que Jackson faz com muito gosto, mas que devido as polêmicas em torno da abordagem acabou perdendo espaço nas premiações diante da concorrência no próprio filme (além de DiCaprio, Chritopher Waltz estava em alta e acabou levando o Oscar daquele ano). Lembrado muitas vezes por fazer papéis semelhantes, aqui Samuel prova mais uma vez que é um dos grandes atores de sua geração.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Premiados BAFTA 2024

Zona de Interesse: Melhor filme britânico em língua estrangeira.
 
Ainda que o método de escolha dos indicados ao BAFTA seja cheio de polêmicas com seus colegiados, o resultado não é muito diferente do aguardado para a próxima edição do Oscar. Oppenheimer continua fazendo sua limpa na categoria principal nas grandes premiações (e tem visto seu ator se tornar cada vez mais um dos favoritos da temporada). De diferente mesmo foi ver o falado em alemão Zona de Interesse do inglês Jonathan Glazer ser eleito o melhor filme britânico e também ser premiado como melhor filme em língua estrangeira. Quem também merece destaque é Mia McKenna-Bruce lembrada como estrela em ascensão por seu trabalho em How to Have Sex. A seguir todos os premiados nessa jornada até o ápice da temporada de ouro no mundo do cinema.
 
Melhor Filme
    “Oppenheimer”

Melhor Filme Britânico
    “Zona de Interesse”

Melhor Ator
    Cillian Murhy – “Oppenheimer”

Melhor Atriz
    Emma Stone – “Pobres Criaturas”

Melhor Ator Coadjuvante
    Robert Downey Jr. – “Oppenheimer”

Melhor Atriz Coadjuvante
    Da’vine Joy Randolph – “Os Rejeitados”

Melhor Ator ou Atriz em Ascensão
    Mia McKenna-Bruce – “How to Have Sex”

Melhor Direção
    Christopher Nolan – “Oppenheimer”

Melhor Roteiro Original
    Justine Triet e Arthur Harari – “Anatomia de uma Queda”

Melhor Roteiro Adaptado
    Cord Jefferson – “American Fiction”

Melhor Fotografia
    Hoyte van Hoytema – “Oppenheimer”

Melhor Edição
    Jennifer Lame – “Oppenheimer”

Melhor Direção de Arte
    Shona Heath, James Price e Zsuzsa Mihalek – “Pobres Criaturas”

Melhor Figurino
    Holly Waddington – “Pobres Criaturas”

Melhor Cabelo e Maquiagem
    Nadia Stacey, Mark Coulier e Josh Weston – “Pobres Criaturas”

Melhor Som
    Johnnie Burn e Tarn Willers – “Zona de Interesse”

Melhores Efeitos Visuais
    Simon Hughes – “Pobres Criaturas”

Melhor Trilha Sonora
    Ludwig Göransson – “Oppenheimer”

Melhor Elenco
    Susan Shopmaker – “Os Rejeitados”

Melhor Estreia de um Roteirista, Diretor ou Produtor Britânico
    Savanah Lef (roteirista, diretora e produtora), SHirley O’Conner (produtora) e Medb Riorden (produtora) – “Earth Mama”

Melhor Animação
    “The Boy and the Heron”

Melhor Curta Britânico
    “Jellyfish and Lobster”

Melhor Curta Britânico de Animação
    “Crab Day”

Melhor Filme em Língua Estrangeira
    “Zona de Interesse”

Melhor Documentário
    “20 Days In Mariupol”

sábado, 17 de fevereiro de 2024

PL►Y: As Marvels

Teyonah, Brie e Iman: alarme no máximo.

As Marvels parece ter selado a pior fase da Marvel Studios nos cinemas. A coisa já não andava muito empolgante depois de Thor: Amor e Trovão (2022) e Quantumania (2023), mas ainda ganha ares melancólicos quando o mais empolgante do ano passado foi a despedida dos Guardiões da Galáxia - Volume 3 (que também marca a ida de vez de James Gunn para as produções da DC (e imagino o desespero dele com todo mundo dizendo que o gênero dos filmes de Super Heróis ter saturado e depositando nele a esperança de remodelar um estúdio claudicante). Não sei bem se "saturado" é a palavra certa, já que tanto a última aventura de Groot e sua turma quanto (o indicado ao Oscar de melhor animação) Homem Aranha Através do Aranhaverso (2023) demonstraram que este tipo de filme ainda pode render filmes interessantes, desde que os estúdios espantem a preguiça ao fazer mais do mesmo.  Talvez o público esteja cansado da repetição, das tramas emboladas sem muita razão de ser, as piadas que ninguém acha graça, os vilões que parecem concebidos por ChatGPT e as cenas de ação genéricas em cenários artificiais. As Marvels é a soma de tudo isso com o agravante de ser um filme que ninguém pediu. Faz tempo que em se tratando de Marvel todo burburinho gira em torno de quando os filmes irão introduzir o Quarteto Fantástico e X-Men, mas os executivos parecem mais interessados em fazer filmes com os personagens já apresentados anteriormente em tramas ocas e gerar cenas pós-créditos com algo extraordinário que nunca chega. Nos últimos anos a Marvel ampliou ainda mais o seu grupo de personagens no cinema ou na televisão e investiu na mistura destes dois veículos na condução de suas tramas. A pergunta que o público se faz é onde fica a costura de tudo isso? A julgar por As Marvels, a costura fica nas várias cenas de "no capítulo anterior" que emperram ainda mais o filme. A saga do multiverso se mostrou uma grande bagunça frouxa, que vai do nada ao lugar algum em suas voltas em torno de si mesma. A impressão é que a Marvel não sabe para onde ir - e as bilheterias decrescentes só comprovam que o público percebeu isso. As Marvels foi lançado no pior momento do estúdio e poderia ser um momento de redenção se não fosse apenas mais uma amostra de como tudo pode dar errado. A trama é uma zona completa explorando mais uma vez a guerra entre os Kree e os Skrull. A vilã da história é Dar Benn (Zawe Ashton, desastrosa) a nova líder dos Kree que recupera um dos braceletes quânticos e afeta os poderes do outro bracelete que está com Kamala Khan, a Miss Marvel (Iman Velanni). Com outro bracelete em uso, Kamala começa a trocar de lugar com Capitã Marvel (Brie Larson) e Monica Rambeau (Teyonah Parris). As três terão que aprender a lidar com este efeito colateral e trabalhar juntas para derrotar a vilã em uma jornada bocejante. Tudo aqui é genérico. As cenas de ação, os efeitos especiais e até as interpretações. Se Iman Velanni repete a empolgação de sua personagem na série do Disney+, a Brie Larson tem a missão de tirar leite de pedra com esta versão mais careteira da sua personagem, o que faz a atriz parecer ainda mais desconfortável do que em sua aventura solo. Já Teyonah Parris se esforça para trazer alguma dignidade para a personagem, mas o roteiro não ajuda, quanto ao Samuel L. Jackson eu nem vou comentar. Desanimado e sem ter para onde ir, o filme costura piadinhas e cenas de ação sem muita convicção, por vezes beirando o ridículo como o planeta que vive em um grande musical ou os gatos famintos comendo uma tripulação inteira... de tropeço em tropeço o filme chega ao desfecho. Triste também foi ver o filme naufragar  nas bilheterias e ouvir os comentários que era por conta da lacração das personagens femininas. Não é nada disso, é por conta do desleixo com que o filme foi concebido. A diretora Nia DaCosta parece não fazer a mínima ideia do que está fazendo, mas perante as intervenções da Marvel, talvez seja melhor assim para não comprometer o nome de vez. Espero que As Marvels tenha feito soar o alarme no volume máximo no estúdio, principalmente com as cenas pós-créditos e suas promessas de Jovens Vingadores e introdução dos X-Men no universo Marvel, mas até aqui já tivemos tantas promessas que  até isso soa mais do mesmo. Passou da hora de se reinventar, Kevin Feige. 

As Marvels (The Marvels / EUA - 2023) de Nia DaCosta com Brie Larson, Iman Velanni, Teyonah Parris, Zawe Ashton e Samuel L. Jackson.