segunda-feira, 30 de outubro de 2017

PL►Y: Demolição

Naomi e Jake: bom só pela metade. 

Jim é um corretor casado com a filha do chefe. Tem uma bela casa, um belo carro, belas roupas e um cuidado quase excessivo com a aparência. Quando ele aparece na primeira cena conversando com a esposa, o maior problema de suas vidas parece ser a geladeira que está pingando. Parece. Após uma armadilha do destino, Jim começa a perceber a vida de uma forma diferente, mas voltando-se cada vez mais para dentro de si, ele se depara com um imenso vazio. Nada do que construiu até ali tem valor, sua formação se deu graças a um amigo que lhe ajudava mais do que devia, a casa confortável se confunde com um conjunto de objetos sem sentido e as relações pessoais no trabalho também não tem muito significado. O estranho é que ao mesmo tempo ele passa a perceber detalhes cotidianos que antes não tinham importância, tornando tudo ao seu redor numa grande metáfora (seja a geladeira que pinga ou uma árvore que foi arrancada pelo vento) o mundo de Jim está prestes a implodir. O campo da metáfora é o território deste último filme de Jean Marc-Valée, diretor que ficou na mira do Oscar com seus trabalhos anteriores (Clube de Compras Dallas/2013 e Livre/2014), que garantiram indicações ao Oscar para seus atores. O papel de Jim não valeu indicação para Jake Gyllenhaal, mas ele precisa dar conta de uma tarefa complicada por aqui, principalmente porque Demolição funciona bem mesmo só na primeira parte. Aos poucos Jim revela uma curiosidade pitoresca por mecanismos, um desejo de saber como tudo funciona, por isso mesmo ele desenvolve uma compulsão por desmontar tudo o que atravessa o seu caminho. Talvez o seu comportamento revele o quanto gostaria de desmontar a si mesmo e perceber o que tanto lhe incomoda, no entanto, é bem provável que não encontre. Essa busca por respostas e motivações é destacada pelo trabalho do diretor e especialmente pela montagem no primeiro ato, com cortes bem encaixados e palavras que se repetem na boca do protagonista como se buscassem sentido numa fluência original da narrativa. O problema é quando Jim começa a amizade com uma mulher que trabalha no serviço de atendimento a clientes de uma empresa. O relacionamento poderia aprofundar as inquietações do personagem, mas faz o oposto, seguindo por caminhos que são bem menos interessantes do que o início da história sugeria. Embora Naomi Watts seja uma boa atriz, ela não tem muito o que fazer com uma personagem mal escrita e sem muito o que fazer em cena além de fumar maconha e ser mãe de um adolescente (que também ainda não sabe direito quem é). Aos poucos Jim parece ser apenas um inconsequente, um homem que recusa-se a crescer e procurar um rumo e o que poderia ser uma, mais uma vez, metáfora sobre a ilusão do bem-estar de uma pessoa bem sucedida, torna-se um filme meio desengonçado. Não há novidade em dizer que Marc-Valée consegue manter bom ritmo na narrativa (embora eu considere que ele leve a sério demais o que deveria ser uma "comédia existencialista maluca"), mas é inevitável a sensação de que a história já tinha acabado na metade da sessão. Assim como seu protagonista, o filme fica sem saber para onde ir ou o que fazer, assim, chega ao final se rendendo a revelações que justificariam a inquietação do personagem (só que não) e o choque provocado pelo mundo real com o que você escolhe ser. Pode ser até um ponto "para emocionar" da trama, mas que não deixa de ser frustrante para um filme que desejava ter o frescor da originalidade. 

Demolição (Demolition/EUA-2016) de Jean Marc-Vallée com Jake Gyllenhaal, Naomi Watts, Chris Cooper, Judah Lewis, C.J. Wilson e Heather Lind. ☻☻ 

PL►Y: Sangue Pela Glória

Teller e Eckhardt: boxeador de respeito. 

A crítica americana sempre se entusiasma quando tem algum filme sobre boxe prestes a estrear na temporada de prêmios. Embora vários tenham passado em branco, sempre que surge na tela um lutador em sua jornada pessoal dentre e fora dos ringues o povo se anima. Ano passado foi a vez do diretor Ben Younger (do bom O Primeiro Milhão/2000) lidar com esta expectativa ao lado do ator Miles Teller. Teller chamou atenção por seu papel no ótimo Whiplash/2014 e desde então tenta se manter como um jovem astro confiável e, pelo que faz aqui, ele realmente merece ser levado a sério. Além de mudar o físico, com o ganho de massa muscular para viver o campeão de boxe Vinny Pazienza, Teller tem bons momentos na pele do lutador que surpreendeu o mundo a se recuperar de um acidente que quase o impossibilitou de andar. Logo no início do filme, o maior desafio de Vinny era se manter com o peso apropriado de sua categoria. Afim de melhorar ainda mais o seu desempenho, ele aceita a proposta de seu novo treinador (Aaron Eckhardt, completamente diferente) de ganhar peso e mudar de categoria. Somente esta ideia já gera conflitos na família do lutador (o pai é vivido por Ciarán Hinds e a mãe por Katey Sagal), mas quando tudo parece voltar aos eixos surge um acidente para mudar o destino de Vinny. Com a coluna fragilizada, ele precisa atravessar um longo período de recuperação (seis meses) com parte do corpo imobilizado e repouso quase absoluto, mas ele não perde a esperança de poder voltar aos ringues. A história de Vinny em si já parece coisa de filme e, se você conhece a história original, já sabe como termina, seja pelo inusitado retorno aos treinos ou dificuldades de voltar às lutas como gostaria. O resultado é interessante, mas Younger faz um trabalho dentro de sua zona de conforto, sem ousadias ou maiores polêmicas sobre o biografado. O foco está totalmente no protagonista e isso ajuda a narrativa a se desenvolver sem maiores problemas, mas o roteiro poderia ser um pouco mais elaborado - assim como as cenas de luta que não chegam a empolgar. Pena que a maioria dos personagens não possui grande funcionalidade, já que não é todo dia que se vê Katey Sagal (a Peggy do antológico seriado Um Amor de Família) num papel sério no cinema. Sorte que Miles Teller consegue carregar o filme nas costas, ou seria no muque? O moço está bem diferente dos tipos adolescentes que vive desde a sua estreia em Reencontrando a Felicidade/2010, conseguindo imitar o jeito e até o sotaque do biografado. Além disso, o ator tem algo em comum com o personagem, já que também se envolveu em um acidente de carro que quase o impossibilitou de andar (e por isso seu rosto ainda possui cicatrizes). Sangue pela Vitória é o primeiro papel de gente grande do rapaz que pode ter ficado de fora da lista de prêmios da última temporada de ouro, mas que prova ter talento para ser lembrado futuramente. 

Sangue Pela Vitória (Bleed for This/EUA-2016) de Ben Younger com Miles Teller, Aaron Eckhardt, Ciarán Hinds, Katey Sagal, Ted Levine, Tina Casciani e Daniel Sauli. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Combo: Canibal

05 Raw (2016) Abordar canibalismo é sempre algo que por si só já pode causar náuseas, mas a diretora estreante Julia Ducournau  se supera e consegue revirar ainda mais o estômago do espectador - mesmo daqueles mais experientes em filmes do gênero. Sua história sobre uma garota vegetariana, que em meio ao estresse da entrada na na faculdade de veterinária, descobre uma estranha atração por carne crua (especialmente a humana) é um primor de ousadia! Tanto que é capaz de tirar o apetite de qualquer um! Apesar de todo o estilo, o filme pode ser visto apenas como um filme sobre auto-descoberta e construção da identidade (ainda que por caminhos inusitados)

04 Somos o que Somos (2013) Este filme só perde pontos por ser uma refilmagem de um interessante filme mexicano, mas que retira boa parte do que tornava o original tão interessante. O filme conta a história de uma família que possui hábitos milenares que precisam ser satisfeitos a qualquer custo, no entanto, com a morte da matriarca, a família perde o equilíbrio e tudo pode ser descoberto quando a polícia local começa a desconfiar do que encontra após uma enchente. Com estilo dark e atmosfera sutil, o filme perde pontos quando descamba para uma obra trash sem vergonha.

03 Canibal (2013) Imaginem um alfaiate educado, de boa aparência, elegante, mas que também é calado, misterioso e recluso. Some a essas características o olhar de quem está sempre à espreita, mas que sempre tenta se conter... um verdadeiro predador domesticado, ou quase? Agora imagine que uma garota que procura a irmã que desapareceu sem deixar vestígios que se apaixona por este alfaiate num jogo de amor platônico e perigoso. Este é o enredo deste drama que ganha contornos de suspense (ou seria o contrário) que hipnotiza pela atmosfera envolvente e excelente atuação de Antonio de La Torre. Imperdível!

02 Somos o que Somos (2010) Este filme mexicano chamou tanta atenção que ganhou uma versão americana sobre a família que mantem a antiga tradição dos ancestrais: alimentar-se de carne humana. A diferença entre o original e a segunda versão é o verniz de crítica social que está sempre presente neste aqui, afinal, no cardápio da família estão sempre grupos sociais marcados pela exclusão (os sem tetos, prostitutas, homossexuais...) e que eles acreditam que jamais terão a ausência sentida (ou se sumirem acreditarão ser por conta do preconceito ou da violência urbana,). Os problemas só crescem quando o patriarca morre e o filho mais velho precisa ser o provedor da casa - e seus gostos começam a atrapalhar a rotina da casa. 

01 O Silêncio dos Inocentes (1991) Se houve um filme que provou que canibalismo pode ser abordado sem cair no ridículo, de forma sutil e realmente assustadora foi esta obra-prima de Jonathan Demme. Inspirado no livro de Thomas Harris, ele marcou a história do cinema por sua abordagem sugestiva e a presença de um dos personagens mais marcantes do cinema: Hannibal Lecter (atuação antológica de Anthony Hopkins). Um verdadeiro gentleman que esconde hábitos bastante estranhos e serve de consultor para o FBI. O filme ganhou os cinco principais Oscars (filme, direção, ator, atriz e roteiro), inspirou toda uma geração de cineastas e deu origem a novos filmes, livros e série de TV (onde Mads Mikkelsen encarnou Lecter de forma saborosa). 

terça-feira, 24 de outubro de 2017

PL►Y: Raw

Garance: batismo de sangue.  

Pode se dizer que os filmes de horror vivenciam uma renovação nos últimos anos, embora continuem existindo os tradicionais filmes de serial killers, existem cada vez mais produções que buscam a construção de climas e atmosferas que se diferem pela sutileza. Raw (ou Grave no título original) é um destes casos. Embora invista em algumas cenas bastante explícitas, Raw investe no horror psicológico sem perder a capacidade de revirar o estômago. Depois de fazer sucesso em alguns festivais (e se fazer muita gente passar mal no Festival de Toronto) e ganhar até alguns prêmios,  A protagonista do filme é a jovem Justine (Garance Marillier), que acaba de ser aceita numa prestigiada faculdade de veterinária - a mesma frequentada pela irmã, Alexia (Ella Rumpf). Não bastasse todo o estresse de ingressar na rotina de estudos, Justine ainda tem que lidar com aquelas brincadeiras estúpidas conhecidas como trote (e o filme é praticamente um inventário de ideias do gênero) e o contato com animais de uma forma, digamos, “ incomodamente técnica”. O fato de Justine ser criada numa família de vegetarianos torna sua inadequação ainda maior durante este período de transição. As coisas pioram de vez no trote em que ela precisa comer um rim de coelho cru e... ela começa a se interessar cada vez mais por carne (sobretudo crua). Dali em diante o apetite de Alexia passa por uma transformação, que afeta sua vida social também - já que o interesse pela carne humana começa a aparecer também. A diretora estreante Julia Ducournau consegue ser bastante ousada no desenvolvimento de sua história, que mistura canibalismo, o ambiente universitário francês e o relacionamento entre duas irmãs que são mais parecidas do que imaginam. Achei muito interessante a opção por sintetizadores na trilha sonora (que parece saída de um filme de vampiro e resulta irônica em vários momentos) e Ducournau consegue construir belos pesadelos narrativos, só que às vezes ela exagera na vontade de criar polêmicas - o que pode cansar um pouco o espectador. Com relação ao elenco, a jovem Garance Miller realiza um belo trabalho ao interpretar uma personagem complicada conciliando sua aparência frágil com a agressividade quase selvagem que domava por tanto tempo. Cheio de detalhes, o roteiro tem algo do mexicano Somos o que Somos (2010), mas a  abordagem de que havia algo adormecido dentro de Justine lembra os conflitos de  Carrie – A Estranha/1976 (e a referência fica mais forte com a cena do “banho de sangue” logo no início do filme). 

Raw (Grave / França - Bélgica - Itália / 2016) de Julia Ducournau com Garance Marillier, Ella Rumpf, Rabah Nait Ofella, Laurent Lucas e Joana Preiss. ☻☻☻

PL►Y: Aliados

Marion e Brad: romance de espionagem. 

Você já teve impressão que alguns diretores entram num processo de crise de identidade? Não estou nem dizendo que precisa ser como aqueles cineastas obsessivos que repetem até as fontes dos créditos de seus filmes (como o Sr. Woody Allen), mas estou falando de pessoas como Robert Zemeckis. O cinema de Zemeckis tinha uma marca bastante específica em filmes como De Volta Para o Futuro/1985 ou A Morte lhe Cai Bem/1992. Seu talento lhe valeu até um Oscar por Forrest Gump/1994 e a oportunidade de repetir a parceria com Tom Hanks em Náufrago/2000. Subitamente ele se rendeu às tecnologias e fez algumas animações que chamavam mais atenção pelas técnicas do que propriamente por suas narrativas. Em 2012 ele deixou a animação de lado e lançou Voo estrelado por Denzel Washington. Embora o filme tenha recebido elogios, aquele não era o Zemeckis dos velhos tempos. Havia ali o esforço de ser denso, de arrancar lágrimas da plateia e ser alguma outra coisa que seu cinema dos anos 1990 não se preocupava tanto. Neste sentido, A Travessia/2015 conseguia ser bem mais próximo do tom jovial do auge da carreira do cineasta, pena que as novas ambições do diretor voltaram no ano passado quando Zemeckis lançou Aliados, filme estrelado por Brad Pitt e   a oscarizada Marion Cotillard. Obviamente que ninguém junta astros deste para nada (juntos eles  somam sete indicações ao Oscar) e o estúdio ficou tão animado que colocou o filme para estrear ao lado dos pesos pesados da temporada de premiações. Não era para tanto. O filme conta a história do agente da inteligência Canadense Max Vatan (Pitt) que é escalado para trabalhar com uma aliada da Resistência Francesa, Marianne Beauséjour (Cotillard) no início da Segunda Guerra Mundial. Os dois precisam fingir que formam um casal enquanto tecem planos para eliminar um ministro nazista. A primeira parte do filme se dedica à missão, bem... mais ou menos, já que está mais preocupado em explorar a atração que surge entre os dois (com direito a uma cena de tempestade de areia que fez muita gente suspirar no cinema). Na segunda parte a coisa complica, já que existe a suspeita de que a francesa é na verdade uma espiã alemã. Deste ponto em diante o filme se enrola em colocar Vatan num dilema (mata a mulher que ama ou não?) e coloca Marianne em frases, caras e bocas ambíguas até a cena final. O interessante é que embora seja bem produzido, a história do casal de espiões que se apaixona e tem o casamento colocado em risco não tem nada demais. Brad Pitt e Cotillard fazem o que podem para deixar o filme interessante, mas a profundidade que Zemeckis desejava nunca se concretiza por ter um roteiro que parece ter sido tão alterado que diluiu boa parte da densidade que existia ali. No fim das contas, Aliados é um romance de espionagem que venderam como uma mistura de Casablanca/1942 e Sr. e Sr.ª Smith/2005 - se a mistura já soa estranha como referência, imagina numa tela de cinema! No geral, o filme tem algumas cenas de ação ambiciosas, uns beijinhos, cenas melodramáticas, boa reconstituição de época, figurinos elegantes (indicados ao Oscar) e bons atores em personagens nem tanto, mas consegue ser um bom filme de entretenimento - e não há problema algum nisso, o problema está mesmo em Zemeckis tentar ser outro cineasta depois de tanto tempo. 

Aliados (Allied / Reino Unido - EUA / 2016) de Robert Zemeckis com Brad Pitt, Marion Cotillard, Jared Harris, August Diehl,Lizzy Caplan e  Matthew Goode. 

domingo, 22 de outubro de 2017

Na Tela: O Filme da Minha Vida

Selton e Johnny: precisamos falar sobre meu pai. 

Quando a comédia Bingo: O Rei das Manhãs/2017 de Daniel Rezende foi o escolhido pelo MinC para concorrer a uma vaga no páreo do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, fiquei surpreso com a quantidade de pessoas que afirmavam estar torcendo para O Filme da Minha Vida, terceiro filme dirigido por Selton Mello. Minha surpresa não tem ligação alguma com as qualidades dos filmes, mas por notar como o filme de Selton é querido. Embora retrate novamente um núcleo familiar, a realidade aqui é bem diferente da que vimos em sua estreia com Feliz Natal (2008) que chamava atenção não apenas por seus maneirismos, mas também pelo tom sombrio temperado com humor agressivo. O Filme da Minha Vida também se mostra um degrau acima de O Palhaço/2011, filme de Selton que foi pré-indicado ao Oscar mas que deve ter causado estranhamento por sua narrativa leve e quase episódica. Desta vez Selton investe numa narrativa mais tradicional, mas não menos envolvente ou interessante ao contar a história de Tony (Johnny Massaro que é um ator bem mais interessante do que eu imaginava), filho de um francês (vivido por Vincent Cassel) com uma brasileira (Ondina Clais); Tony é bastante ligado à família, mas foi para a cidade estudar francês e quando volta formado é para ver seu pai partir para a terra natal sem maiores explicações. Deste ponto em diante, o filme segura a emoção de seus personagens, mantendo uma respiração quase suspensa sobre o que teria acontecido com o patriarca da família. Mas a vida segue quase em círculos com Tony lecionando francês numa escola local e tendo interesse por duas irmãs da região, Petra (Bia Arantes) e Luna (Bruna Linzmeyer) e, de vez em quando instigando a mãe a pensar sobre os motivos do pai ter partido. Agora a figura paterna de Tony é Paco (Selton Mello), uma amigo rústico do pai que está sempre por perto como se fosse realmente parte da família. Ainda que O Filme da Minha Vida tenha um humor discreto (embora destoe sempre que aparece aquele menino querendo ir para o bordel da cidade), trata-se de um filme bastante introspectivo. Embora tudo pareça caminhar para o previsível, o roteiro reserva algumas surpresas que são cuidadosamente bem trabalhadas para evitar a sensação de "reviravolta" e realmente a ajudar a contar a história daqueles personagens, que no fundo, guardam segredos que ninguém imaginava. Tecnicamente o filme é uma beleza! A bela fotografia (de Walter Carvalho) valoriza bastante as locações serranas e a reconstituição de época (anos 1960), os atores estão bem em cena e a trilha sonora sempre traz densidade para as cenas (embora nem sempre ela seja necessária). No fim das contas, acho que o filme agrada por saber contar a história que tem em mãos (baseada no livro Um Pai de Cinema de Antonio Skármeta), ousando, ironicamente, fazer o que Tony afirma desde o início: não poder contar o final desta história. 

O Filme da Minha Vida (Brasil/2017) de Selton Mello com Johnny Massaro, Selton Mello, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Ordina Clais e Bia Arantes. ☻☻

PL►Y: 1922

Thomas Jane: expertise em Stephen King. 

Quem acompanha as versões da obra de Stephen King para o cinema sabe que suas adaptações tem lá os seus favoritos. Na direção Frank Darabonts tem três filmes elogiados no currículo que contam histórias concebidas pelo escritor (O Nevoeiro/2007 e os dois indicados ao Oscar: À Espera de Um Milagre/1999 e Um Sonho de Liberdade/1994). No campo das atrizes Kathy Bates é a favorita com duas personagens incríveis que ajudou a levar para as telas (em Eclipse Total/1995 e Louca Obsessão/1990 - pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Atriz). Quando se trata de ator, parece que Thomas Jane quer levar o título de melhor ator do universo de King. Depois de viver o herói que paga o pato da pior maneira possível em O Nevoeiro (que diga-se de passagem é bem melhor do que a insuportável série inspirada nele), Thomas aparece em outra adaptação do autor em um personagem completamente diferente e alcança o melhor desempenho de sua carreira! O ator vive o fazendeiro Wilfred James, que no ano de 1922 começa a entrar em conflito com a esposa quando esta decide vender as terras herdadas do pai. Arlette James (a ótima Molly Parker) está cansada daquele lugar, ali ela cresceu, casou, cria o filho ao lado do esposo e vê o tempo passar sem grandes alterações. PAra afastar o tédio, ela desenvolve gosto pela costura, planeja vender as terras, ganhar dinheiro suficiente para mudar para a cidade com a família e abrir uma butique. Ela só não contava que Wilfred é radicalmente contra. Nem ele sabe explicar direito o motivo, mas considera um absurdo a esposa determinar os rumos que sua vida tomará dali para frente - além de relembrar que a terra é dela, não dele. Conforme Arlette insiste na mudança, o clima em casa fica mais pesado e até o divórcio é cogitado. As brigas e discussões crescem - e o fato do filho adolescente (o bonitinho Dylan Schmid) começar a namorara a filha de um casal amigo da família só faz com que Arlette esteja cada vez mais solitária em suas ambições. Não chega a ser um SPOILER dizer que o marido começará a bolar um plano para se livrar da esposa e manter seu sonho de se tornar um grande fazendeiro local, mas para sua drástica solução ele irá precisar da ajuda de alguém, no caso, do próprio filho (numa cena difícil de assistir). O diretor Zak Hilditch não é um novato, mas até agora sua fama era restrita ao cinema australiano, aqui ele demonstra saber extrair do conto de mesmo nome (que compõe o livro Escuridão Total Sem Estrelas de 2010) o que há de mais trágico, afinal, o assassinato da esposa é o ponto de partida para uma série de acontecimentos que fogem totalmente ao controle daquele homem  - e que o direciona inevitavelmente para a ruína. No entanto, ironicamente diante de todas as desgraças que se sucedem, seu crime foi perfeito - mas as consequências resultam piores do que  ele imaginava. Prova de que Hilditch (que também assina o roteiro) sabe exatamente o que está fazendo é a forma como insere o sobrenatural na história (o que foi o ponto fraco de Jogo Perigoso/2017 outra recente adaptação da Netflix para um livro de King). Aqui o horror já está mais do que consolidado quando o sobrenatural aparece para ressaltar o que há amargo e deprimente na história. Perseguido pelo cadáver da esposa e roedores (ou seria apenas sua consciência?), Dylan irá remoer as péssimas escolhas que fez até o desfecho - que carrega o tom de uma macabra redenção. 

1922 (EUA-2017) de Zak Hilditch com Thomas Jane, Molly Parker, Dylan Schmid, Brian D'Arcy James, Neal McDonough, Kaitlyn Bernard e Bob Frazer. 

sábado, 21 de outubro de 2017

APOSTAS PARA O OSCAR 2018-CAPÍTULO I

Chegou  a hora de  toda a mídia especular sobre os filmes que ganham cada vez mais força para as premiações de fim de ano - que culmina no Oscar. Alguns filmes que cobiçam indicações já passaram por aqui, O Estranho que Amamos, Okja, Dunkirk, Lady MacbethBlade Runner 2049 tem chances alardeadas por aí, enquanto Logan, Corra!, Em Ritmo de Fuga e até Mulher Maravilha se esforçam para ter reconhecimento dos votantes. Enquanto isso, os grandes favoritos começam a estrear nos Estados Unidos após aclamadas passagens em festivais variados. A partir de hoje o blog irá listar os filmes mais cotados para colher indicações ao maior prêmio do cinema americano:

"A Forma da Água" de Guillermo Del Toro
Grande premiado no Festival de Veneza - 2017, o novo filme do diretor mexicano conta a história de amor de uma mulher (impossibilitada de falar após um trauma) e uma criatura marinha utilizada em pesquisas científicas no ano de 1962. Elogiado pelo tom sensível de uma obra envolvendo monstros,  o filme tem fortes chances no próximo Oscar para além das categorias técnicas, graças à interpretação memorável de Sally Hawkins como protagonista. O elenco ainda conta com Octavia Spencer, Michael Shannon, Richard Jenkins e Doug Jones na pele da criatura. 

"Wonder Wheel" de Woody Allen
Quem também está cotada para o prêmio de melhor atriz é a sempre irresistível Kate Winslet. Em sua primeira parceria com o diretor americano, Kate vive Ginny, a esposa de um operador de carrocel que tem sua história contada por um salva-vidas (papel de Justin Timberlake). Ambientado nos anos 1950, sabe-se muito pouco sobre a história, mas quem viu aprovou a parceria e garante que Kate conseguirá sua oitava indicação à estatueta. No elenco ainda estão Jim Belushi e Juno Temple. 

"Eu, Tonya" de Craig Gillespie
Quem deve aparecer no páreo de melhor atriz pela primeira vez é Margot Robbie, a loura já chama atenção de todo mundo há algum tempo (e alguns consideram que ela merecia uma indicação de atriz coadjuvante por O Lobo de Wall Street/2013 de Scorsese) e colhe elogios fervorosos por sua interpretação como a patinadora Tonya Harding - que se envolveu num caso de polícia escandaloso em 1994. O filme explora com muito humor negro a história de Tonya e, especialmente seu relacionamento com a mãe (Allison Janney) e o esposo abusivo (Sebastian Stan). Celebrado em festivais independentes, o filme promete chamar atenção com a abordagem de uma personagem real marcada por polêmicas.  

"Call me by Your Name" de Luca Guadagnino
Outro artista que tem próxima sua primeira indicação ao Oscar é Armie Hammer. Conhecido pelo seu pé frio nas bilheterias, ele parece ter acertado ao viver o estudante americano que se apaixona por um adolescente  (Timothée Chalamet) ao estudar na Itália no ano de 1983. Aclamado desde a sua exibição no Festival de Sundance, o filme estreia no próximo mês nos EUA após ser um dos mais elogiados pela imprensa em 2017 - tão elogiado que o cineasta Guadagnino já estuda a possibilidade de uma sequência em breve. Baseado no livro de Andre Aciman e escrito pelo renomado James Ivory o filme ganha cada vez mais força para a temporada de premiações. 

"O Destino de Uma Nação" de Joe Wright
Quem já é considerado o favorito na categoria de melhor ator é Gary Oldman por sua atuação neste filme do diretor de Desejo e Reparação/2007. Oldman vive o primeiro ministro Winston Churchill num dos momentos mais delicados de sua carreira: negociar com Hitler durante o início da Segunda Guerra Mundial. Um capítulo delicado da história mundial abordado com toda a pompa que a Academia adora, além de contar com um elenco de peso (Stephen Dillane, Lily James, Ben Mendelsohn, Kristin Scott-Thomas - e ela bem que merecia ser redescoberta pela Academia como a esposa de Churchill, indicação já!). Seria interessante ver Oldman ganhando o Oscar, já que após mais de quarenta anos de bons trabalhos no cinema ele conseguiu somente uma indicação ao prêmio. 

PL►Y: Monsieur & Madame Adelman

Tillier e Nicolas: quarenta e cinco anos de união em duas horas de filme. 

Lançado sem grandes campanhas de divulgação ou atenção da mídia (assim como a maioria dos filmes franceses que chegam por aqui), Monsieur e Madame Adelman garantiu o sucesso por aqui graças à divulgação boca a boca de quem assistiu e ficou instigado com a história do jovem casal que se conhece e vive quarenta e cinco anos de casamento. O que começa como uma comédia romântica cheia de bom humor, começa a ganhar contornos mais dramáticos com o passar do tempo, no entanto, o humor permanece está sempre presente, embora mais agudo e até ácido em vários momentos.  Não é por acaso que o filme começa pelo final, no funeral de Victor Adelman (Nicolas Bedos, que também assina a direção). Neste momento que conhecemos a viúva, Sarah (Doria Tillier) que é abordada por um jornalista interessado em escrever a biografia definitiva de Victor busca informações que ninguém foi capaz de fornecer. Começa então a narrativa de Sarah, desde a frustrante primeira noite que teve ao lado do marido, passando pelos encontros posteriores até o momento em que se tornaram um casal de fato. No decorrer da história, vemos toda a influência que Sarah teve sobre a vida do escritor (e nem vou contar a surpresa do sobrenome do casal), a relação da vida pessoal de Victor com suas obras, o nascimento dos filhos, as traições, a fama, o uso de drogas, as crises... pode até parece clichê os fatos que acontecem com o casal durante o filme, mas a diferença é o tom sempre agudo da narrativa, que consegue ser politicamente incorreto, espirituoso, amargo e romântico ao mesmo tempo. Colabora muito para a atmosfera do filme o cuidado com a trilha sonora, maquiagem e figurinos, que ajudam bastante a situar o filme nas várias décadas que atravessa (sem perder de vista os modismos de cada uma delas), outro destaque são os diálogos espertos do início ao fim até chegar ao final surpreendente (mas que estava presente desde o início). Muito da sintonia vista no filme se deve ao fato do casal de atores também assinar o roteiro, essa familiaridade com as ideias do texto ajuda bastante para que Nicolas Bedos e Doria Tillier transitem com grande naturalidade entre mais de quatro décadas de relacionament com atuações marcantes, sobretudo por parte de Tillier que em seu primeiro trabalho no cinema consegue dar conta de uma das personagens femininas mais complexas já vistas numa comédia romântica (e acredite, quando o filme termina você ficará dias pensando sobre a personagem e as decisões tomadas ao longo da história). Longe das comédias românticas açucaradas de Hollywood, Monsieur & Madame Adelman tem um olhar astuto sobre o que há de bom e ruim nos relacionamentos e por isso mesmo conquistou fãs fieis por onde passou. 

Monsieur & Madame Adelman (França/2017) de Nicolas Bedos com Nicolas Bedos, Doria Tillier, Antoine Gouy, Christiane Millet, Julien Boisselier e Lola Bessis. ☻☻

PL►Y: A Pele de Vênus

Emmanelle e Mathieu: as entrelinhas de um clássico. 

O livro A Vênus das Peles do austríaco Leopold Van Sacher-Masoch foi lançado originalmente em 1870 e foi a primeira obra a detalhar claramente uma relação de submissão sexual, repleta de dor, prazer e servidão voluntária. Com o tempo se tornou um marco na abordagem literária do masoquismo e do fetichismo, muito antes de Freud e seus seguidores. Não por acaso, o livro gera debates até hoje e rendeu até uma peça inspirada na relação de seus personagens. A peça Venus in Fur de David Ives foi montada pela primeira vez em 2010 e amplia as reflexões que o livro pode gerar -com o olhar de quem já a examina no século XXI após todas as revoluções sexuais e movimentos sociais que já existiram. Adaptado da peça de Ives, o filme centra-se nas discussões de um diretor e uma atriz desconhecida em torno do livro e, consequentemente, da montagem teatral. Dirigido por Roman Polanski (que acabava de explorar o humor de outra peça controversa em O Deus da Carnificina/2011), A Pele de Vênus conta com atuações inspiradas de Emmanuelle Seignier e Mathieu Almaric, os dois já trabalharam juntos como o casal divorciado de O Escafandro e a Borboleta (2007) e aqui comprovam, mais uma vez, que possuem uma inegável química juntos em cena. Seigner é Vanda, a atriz que chega ao teatro numa noite chuvosa para fazer o teste de protagonista da peça, já Almaric faz o diretor responsável pela adaptação do livro de Sacher-Masoch para os palcos e que está decepcionado com as atrizes infantilizadas que se apresentaram cobiçando o papel principal. De início ele não parece interessado em deixar Vanda fazer o teste, mas aos poucos ela o convence a lhe dar uma chance. Este é o início de um verdadeiro jogo de  poder e sedução que ora funciona como uma espécie de debate (cheio de ironias) sobre a obra original ora como um flerte agressivo. Essa sensação existe desde o início quando Vanda aparece vestida como dominatrix para viver uma personagem do século  XIX, mas após ser repreendida ela veste uma roupa de época deixando os detalhes da outra veste sempre presente (as meias sete oitavos, o sapato preto de salto alto, as botas que ultrapassam os joelhos, a gargantilha que mais parece uma coleira...), pode parecer apenas um detalhe em cena, mas serve para aumentar o olhar anacrônico sobre a obra de Masoch, que cresce ainda mais quando questiona a forma como a mulher é retratada na obra ou quando o filme subverte os papéis sempre mesclando o que faz parte dos bastidores e do livro. Polanski parece deixar os atores a vontade em cena (mas só parece) e isso confere uma boa dinâmica no que poderia ser apenas um teatro filmado. Com bom uso da iluminação, closes, cortes espertos, alguns efeitos sonoros e uma trilha sonora discreta, Polanski tira qualquer ranço pesaroso que acompanhar dois atores num único cenário pudesse ter. Colabora muito também que ele não tem medo de se arriscar nas provocações do texto, ao ponto de escalar a própria esposa para o papel de Vanda. Emmanuelle e Polanski já trabalharam juntos em outros quatro filmes (a parceria mais falada foi em Lua de Fel/1992), mas aqui eles de fato tem o melhor trabalho juntos, principalmente porque Emmanuelle amadureceu como atriz e aprendeu a brincar com sua beleza nada frágil ou inofensiva (e na época das filmagens ela já estava com quarenta e oito anos). Basta ver o que a atriz faz na última cena para nos convencer de que Vanda não é uma mulher qualquer, talvez seja uma verdadeira deusa pronta para se vingar de quem nunca entendeu o que é uma Vênus de verdade. 

A Pele de Vênus (Venus in Fur/França-Polônia - 2013) de Roman Polanski com Emmanuelle Seignier e Mathieu Almaric.☻☻

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

NªTV: Mindhunter

Holt e Groof: nos labirintos de mentes criminosas. 

O agente John Douglas se tornou pioneiro no FBI por buscar compreender o perfil de assassinos perigosos num tempo onde rotulá-los como loucos já bastava. Nos anos 1970 ele foi o primeiro a tentar entender a lógica por trás dos serial-killers - isto quando eles nem tinham este nome. Para desenvolver seu trabalho, Douglas esteve frente a frente com alguns dos assassinos mais assustadores dos Estados Unidos amparado não apenas pela curiosidade mas pelo foco na ciência comportamental. Douglas fez história e sua experiência foi retratada no livro Mindhunter que inspira esta série produzida por David Fincher. Logo no primeiro episódio fica evidente o que chamou atenção de Fincher para o material, conhecido por seus trabalhos em filmes como Se7en (1995) e Clube da Luta (1999), já que compartilha com o investigador o interesse por mentes, digamos, complicadas. Em cartaz no Netflix desde o dia 13 de outubro, a série (de dez episódios) é um grande acerto ao surpreender por se distanciar da grande maioria dos programas sobre investigação, uma vez que o centro de sua narrativa não é a morte ou a violência, mas o processo em que mergulha seus personagens. Já nos primeiros episódios, o uso de anticlímax deixa claro que a ideia de perseguir "o vilão da semana" ou desvendar "o crime do dia" não é o objetivo por aqui. Valorizando os personagens e os diálogos, Mindhunter demonstra como os protagonistas buscam entender melhor como funciona a mente de um criminoso capaz das maiores atrocidades. Neste ponto, a escolha de Jonathan Groof para viver o agente Holden Ford é excepcional, já que o ator o faz crescer diante da câmera, nos surpreendendo com as qualidades e defeitos do personagem. Trata-se de um belo trabalho do ator que já fizera as séries Glee (2009-2015) e Looking (2014-2015), mas que aqui tem seu trabalho mais notável.  Durante a série, o que vemos é um personagem que começa sendo um negociador de reféns em crise com o que enfrenta em serviço, insatisfeito ele passa a treinar novos profissionais até perceber que entre sua teoria e a prática existe um enorme abismo. Colabora muito para essa mudança de paradigmas seu namoro com uma estudante de Sociologia, Debbie (Hannah Gross) que o faz pensar em aspectos diferentes do trabalho. Ao lado de Ford em suas descobertas está o agente mais experiente Bill Tench (Holt McCallany) e a psicóloga Wendy Carr (Anna Torv da cultuada série Fringe) - que se juntará á equipe como consultora do FBI. Claro que de vez em quando o trio terá problemas entre si, com os meandros do FBI, com autoridades variadas e dilemas próprias da pesquisa que desenvolvem. Um ponto crucial para o andamento da trama são os encontros com versões dos mais assustadores assassinos da história dos Estados Unidos, neste campo obscuro, o destaque fica com Cameron Britton que causa arrepios ao encarnar Edmund Kemper, figura importantíssima no trabalho dos agentes. Com seu jeito desprovido de emoção, fala pausada e postura insuportavelmente controlada, ele funciona de excelente contraponto aos olhos expressivos do agente Holden, cada vez mais confiante e cheio de si perante suas descobertas. Com ótimo roteiro, atuações sólidas e uma estética que remete diretamente a Zodíaco (2007), David Fincher (que além de produtor, dirige quatro episódios da série) conseguiu uma das melhores estreias do ano  - e já aguardo a segunda temporada ansiosamente (enquanto ela não vem, já comprei o livro de Mark Olshaker e John Douglas para conhecer um pouco mais do que vem pela frente).

Torv: foco no método científico. 

Mindhunter (EUA-2017) de Joe Penhall com Jonathan Groof, Holt McCallany, Anna Torv, Hannah Gross, Cameron Britton e Joseph Cross. ☻☻☻☻

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

PL►Y: Sala Verde

Anton (à direita) e sua banda: show de desespero. 

Jeremy Saulnier fez um dos melhores filmes independentes que assisti nos últimos anos, Blue Ruin (2014), onde com um orçamento minúsculo e uma competência narrativa inquestionável, ele prendia o fôlego da plateia numa jornada de vingança das mais dolorosas. Sem rostos conhecidos ou malabarismos estéticos, Blue Ruin foi indicados a vários prêmios indies e levou o prêmio da crítica no Festival de Cannes em 2014. Acho que nem ele esperava que quando lançasse seu filme seguinte, ele já receberia tanta atenção da imprensa internacional - que aclamou e colocou Sala Verde em várias listas de melhores do ano passado. No filme Saulnier demonstra mais uma vez sua capacidade de criar uma obra de tensão absurda, mas, desta vez, se aventura mais pelo terror sanguinolento do que pelo drama. O roteiro conta a história de uma banda punk nada famosa, formada por um grupo de amigos que faz shows em lugares que não primam pelo pagamento. Nessa rotina de glamour zero, eles não tem dinheiro nem para a gasolina (e eles nem estão no Brasil). O grupo formado por Pat (o finado Anton Yelchin), Reece (Joe Cole), Sam (Alia Shawcat) e Tiger (Callum Turner) acabam aceitando a proposta de fazer um show num bar afastado da cidade, no meio de um bosque... no meio do nada. Eles chegam lá sabendo que é uma espécie de point para skinheads, mas pela grana que irão receber eles preferem correr o risco. Depois de perceber que ninguém ali é muito amistoso, eles acabam presenciando um assassinato e são proibidos de sair dali. Trancados numa sala a maior parte do tempo, eles buscam uma forma de escapar da enrascada que se meteram, mas... as coisas se complicam cada vez mais quando eles descobrem que ali não é apenas um espaço para shows. Sala Verde revela seus segredos aos poucos e deixa o público de cabelo em pé com as atrocidades que acontecem ali dentro - que surpreendem justamente pela forma como  Saulnier mantem seu hábito de revirar subgêneros do avesso com seu estilo cru. Aqui a trama de adolescentes perseguidos por um bando de loucos se torna ainda mais arrepiante pelo suspense asfixiante construído pelo diretor. É impressionante como ele mantem o ritmo claustrofóbico da narrativa entre ambientes fechados, armas, facas, extintores, cães famintos e cadarços vermelhos.  Sala Verde não tem medo de ser brutal ou desagradável e revela uma certa obsessão de seu diretor por títulos envolvendo cores (que pode ser identificada em seu novo projeto "Hold the Dark" previsto para o ano que vem). Sala Verde é simplesmente arrepiante, mas, assim como Blue Ruin, não conseguiu espaço nos cinemas brasileiros. 

Sala Verde (Green Room/EUA-2016) de Jeremy Saulnier com Anton Yelchin, Patrick Stewart, Imogene Poots, Macon Blair, Alia Shawcat, Callum Turner, Joe Cole e David W. Thomson. ☻☻

PL►Y: Mundo Ordinário

Selma e Joe: casal Rock'n Roll aposentado. 

Billie Joe Armstrong ganhou fama mundial nos anos 1990 quando o Greenday lançou o famigerado álbum Dookie (que até hoje já vendeu mais de vinte milhões de cópias) - e colocou no mapa das gravadoras o chamado "punk melódico". Formado em 1987, o Greenday deve ser a banda mais bem sucedida entre todas as outras do gênero e, embora a banda nunca tenha interrompido os seus trabalhos, Billie Joe leva uma vida pessoal paralela ao mundo de shows e badalações - já que é casado desde 1992 com a produtora Adrienne Nesser, com quem tem dois filhos. O vocalista deve ter pensado em tudo isso quando foi convidado para viver seu primeiro protagonista no cinema neste Mundo Ordinário, segundo filme do diretor Lee Kirk. Billie vive Perry, homem que vive um hiato na carreira junto à banda punk que lhe rendeu alguma fama e passa os dias numa confortável casa no subúrbio americano, ao lado da esposa (Selma Blair) e o casal de filhos. No entanto, diante do aniversário de quarenta anos, ele atravessa uma espécie de crise de meia idade, já que sente falta da banda punk da qual fazia parte, das festas e todas as loucuras que ficaram para trás. Sendo assim, ele aproveita o dia do seu aniversário para lembrar dos velhos tempos, mas... nem ele havia percebido que tinha mudado tanto nos últimos tempos. Com pouca experiência como ator,  fez e Um Domingo de Chuva (2014) e interpretou a si mesmo em Bem-Vindo aos 40 (2012), Billie se contenta fazer uma versão em si mesmo diante da câmera. É verdade que ele tem lá o seu carisma, o que lhe proporciona um ar natural durante o filme, mas ele não consegue construir um personagem, mesmo que tente criar um tipo com os óculos, alguns fios brancos e auxiliado por sua estrutura física (baixa estatura, pernas curtas, ombros estreitos, o que lhe confere um jeito sempre jovial para um quarentão - e ele tem 45 anos na vida real). BJ escorrega na entonação da voz, apela para caretas em várias cenas e deixa a impressão de que é o ator mediano de uma sitcom água com açúcar. Ele também não precisa fazer muito mais do que isso, já que o roteiro não se aprofunda muito em algumas situações complicadas da vida do personagem (como o relacionamento profissional com o irmão vivido por Chris Messina ou o encontro com uma ex-namorada encarnada por Judy Greer) e lhe rende algumas cenas um tanto sem sentido (a cena derradeira do violão da filha, por exemplo). Os fãs não precisam se desesperar ou ficar ofendidos, Mundo Ordinário é apenas a prova de que Billie Joe quer mesmo ter uma carreira de ator e com um roteiro melhor e um diretor mais experiente pode até lapidar sua atuação nos próximos trabalhos. Para o clima de diversão despretensiosa presente no filme, o rapaz até que não está mal... agora, mudando de assunto, já repararam como a Selma Blair está cada vez mais bonita?

Mundo Ordinário (Ordinary World/EUA-2016) de Lee Kirk com Billie Joe Armstrong, Selma Blair , Chris Messina, Judy Greer e John Doman. ☻☻

domingo, 15 de outubro de 2017

Combo: Adam Sandler Sério

É comum um comediante se aventurar pela seara dos dramas para provar que é um ator a ser levado a sério. Adam Sandler de vez em quando faz isso e são nestes momentos em que percebo que ele talvez tenha salvação. Quem acompanha o blog sabe que o ator está longe de ser um dos meus artistas favoritos (na verdade ele nem é cogitado pela isso), mas não posso ignorar que ele já fez alguns bons trabalhos tanto em comédias quanto em papéis mais dramáticos. Esta lista é para lembrar que Sandler não é mais um comediante, mas um ator:

05 Homens, Mulheres e Filhos (2014) Sempre tenho a impressão que pouca gente entendeu o filme de Jason Reitman - ou será que seu olhar crítico sobre a sociedade americana resultou assustadora demais ao mostrar um grupo de personagens que passam mais tempo ligados em computadores, celulares e tablets do que nas pessoas que estão ao seu redor? Neste cenário que dispensa comentários, Sandler é o marido acima de qualquer suspeita que começa a se envolver com outras mulheres via sites de relacionamento. Pode se dizer que ele não faz nada demais neste filme, mas é justamente sua economia que evidencia ainda mais os conflito do personagem. 

04 Tá Rindo do Quê? (2009) Eu sei, eu sei, o filme de Judd Apatow não é bem um filme sério, na verdade é justamente quando tenta ser que as pessoas começam a reclamar dele, no entanto, deu a Sandler o desafio corajoso de voltar-se para a sua própria persona pública e lidar com todas as críticas que já recebeu. Some isso ao fato dele encarnar um comediante que começa a pensar na vida quando precisa lidar com uma doença fatal e a morte que você terá uma ideia que Sandler não estava para brincadeiras. O problema foi que Apatow acreditou tanto no que tinha em mãos que esqueceu de cortar tudo o que estava sobrando. 

03 Os Meyerowitz (2017) De vez em quando dá uma vontade de rir quando a imprensa vê Sandler num filme mais sério, com diretor badalado e começa a dizer que ele ganhará um prêmio concorrido de atuação. Foi assim quando este novo filme de Noah Baumbach estreou no Festival de Cannes, sinceramente, nunca imaginei que o júri iria premiar o moço pelo seu trabalho como o filho de pendores artísticos de um escultor que vive uma vida um tanto perdida ao lado da família. Sandler está bem em cena e encaixa perfeitamente no universo do diretor, oscilando entre o introspectivo e o desespero com bastante habilidade. Talvez ele seja indicado ao Globo de Ouro de ator de comédia/musical e acredito que já ficará feliz. 

02 Reine Sobre Mim (2007) Contar uma história de traumas sobre a queda das Torres Gêmeas apenas seis anos depois da tragédia não é tarefa para qualquer um. Sandler topou a proposta e encarnou Charlie Fineman, um sujeito comum que se reencontra com seu ex-colega de quarto dos tempos de faculdade (papel de Don Cheadle). Só que Charlie agora é uma pessoa marcada pela dor por perder a família no famigerado ataque em Nova York. O diretor Mike Binder não tem pulso para evitar o melodrama durante a sessão, mas consegue criar uma história bastante deprimente que gira em torno de uma atuação coerente de Sandler fora de sua zona de conforto.  

01 Embriagado de Amor (2002) Para o azar de Sandler ele foi o protagonista do filme mais odiado de Paul Thomas Anderson (embora o cineasta tenha recebido o prêmio de direção em Cannes), mas eu não ficaria surpreso se até o Oscar houesse lembrado dele pela atuação do homem comum, um tanto excêntrico que vive protegido pelas irmãs enquanto coleciona milhas aéreas para dar a volta no mundo. Sua vida parece melhorar quando ele se apaixona (por Emily Watson) e desanda quando se mete num grande problema com o cartão de crédito num site obscuro da internet. Sandler consegue dar conta de um personagem complexo e foi indicado ao Globo de Ouro por seu papel (na categoria de melhor ator de comédia/musical).

PL►Y: Os Meyerowitz - Família não se Escolhe

Grace, Ben, Adam e Marvel: ajustando os laços familiares.  

A Netflix provocou uma grande discussão no Festival de Cannes desse ano por conta de ter duas de suas produções originais entre os concorrentes à Palma de Ouro em Cannes. Houve tanta polêmica pelo fato de um dos seus filmes ganhar o mais prestigiado Festival do mundo que era inútil exaltar as qualidades dos filmes. Quando Okja entrou em cartaz na plataforma foi adorado por público e crítica, agora chegou a vez de The Meyerowitz Stories mostrar que pouco importa para a qualidade de um filme se ele é lançado na Netflix ou na sala de cinema. Dirigido por Noah Baumbach o filme repete vários aspectos da carreira do diretor que desde o sucesso de A Lula e A Baleia (2005) investe em analisar pessoas com pendores artísticos e que são, quase sempre, incompreendidos. Aqui ele reuniu um elenco invejável para formar a família de Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), artista plástico que se prepara para uma retrospectiva em sua carreira. Harold é atualmente casado com a riponga Maureen (Emma Thompson) e tem três filhos, o perdido Danny (Adam Sandler), a discretíssima Jean (Elizabeth Marvel) e o "meio irmão" Mathew (Ben Stiller). Não existe propriamente um fio condutor na história, mas um conjunto de situações que revelam aos poucos as relações daquela família. Assim descobrimos que Danny desistiu de ser músico (e encontra alguma realização com a filha aspirante a cineasta vivida por Grace Van Patten), que a relação de Mathew com o mundo ao seu redor não é das melhores (e as conversas com a esposa e o filho acontecem acidentadas através do celular), embora tenha tentado fazer tudo certinho na vida, além de Jean ser uma personagem bastante incomum (e Elizabeth Marvel a encarna de forma realmente surpreendente). Embora o trio de filhos tenha mais tempo em tela, tudo gira em torno do patriarca e seu relacionamento com os três e, neste ponto, foi uma sábia escolha ter Dustin Hoffman no papel, afinal, ele transita com leveza durante todas as situações do filme, seja um jantar, uma vernissage, uma troca de ternos e um problema de saúde. Por conta dele, nem mesmo os sustos que a família leva no meio do caminho torman o filme um dramalhão. Em termos de narrativa o diretor faz o de sempre, cria personagens curiosos, faz cortes bruscos (que às vezes acontecem no meio de uma palavra), faz gracinhas com os "muderninhos" e mantem o mesmo tom cômico despretensioso de quando começou a namorar Greta Gerwig (e sepultou de vez o pessimismo insuportável que lhe subiu a cabeça em Greenberg/2010). Assim, o resultado é tão interessante, quanto simpático! Bem distante do tom amargo do início de carreira do diretor. Para muita gente o destaque do filme é a atuação de Adam Sandler que de vez em quando mostra que tem salvação. No entanto, seu trabalho chama menos atenção do que a do grande Hoffman e de Marvel, que roubam a cena sempre que aparecem por perto. Desde Cannes os críticos apontam que o filme pode aparecer nas premiações do fim de ano, mas, sinceramente, acho que depois de tantos anos sendo esnobado, Baumbach não está nem aí para isso. Talvez por isso, seu estilo continue o mesmo. 

Os Meyerowitz - Família não se Escolhe (The Meyerowitz Stories: New and Selected/EUA-2017) de Noh Baumbach com Adam Sandler, Dustin Hoffman, Ben Stiller, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Grace Van Patten e Sigourney Weaver. ☻☻☻

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

FILMESD+: Blade Runner + Blade Runner 2049

Hauer e Ford: os replicantes como espelho da humanidade

Quando Ridley Scott lançou Blade Runner em 1982 ele não fez o sucesso esperado, sendo considerado até um fracasso de bilheteria. Adaptado da obra de Phillip K. Dick (Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? lançado em 1968), Scott construiu um verdadeiro mundo banhado em atmosfera noir onde o caçador de replicantes Rick Deckard (Harrison Ford em atuação antológica) perseguia um grupo de andróides super desenvolvidos que fugiram do trabalho intergaláctico e voltaram para a Terra. Considerados rebeldes, o grupo liderado por Roy (Rutger Hauer) se recusava a passar toda a vida produtiva fazendo os serviços que a humanidade não queria fazer. Assim, nos deparamos com o drama existencial dos replicantes,  que com todo o potencial da inteligência artificial pereceriam em apenas quatro anos de existência. A partir dali, Blade Runner demonstrar que a criatura feita pelo homem enfrentava o mesmo dilema de caminhar sempre ao encontro da morte. Por isso mesmo, Roy e seus seguidores queriam estar face a face com o criador (do modelo Nexus 6 ) na esperança de que ele pudesse impedir o fim tão próximo, ou talvez, até lhes oferecer a imortalidade. Este aspecto tão humano da história é o que torna o filme interessante até hoje e alimenta diversas discussões filosóficas acaloradas. Para além da perseguição aos replicantes, Deckard se deparava com a atração que sentia por Rachel (Sean Young no papel de sua vida), que acredita ser humana, na verdade a sobrinha do criador dos replicantes, Dr. Eldon Tyrell (Joe Turkel). Rachel faz com que Deckard comece a questionar seu trabalho e perceba que os replicantes podem ter evoluído para além do que foram projetados. Scott faz algumas das cenas mais belas da ficção científica e cria personagens memoráveis, incluindo os replicantes mais inesquecíveis do cinema. Como esquecer a Pris de Daryl Hannah ou Zhora de Joanna Cassidy? Sem falar em Rachel, Roy e até mesmo Deckard que rendeu inúmeros boatos de que ele mesmo poderia ser um replicante. Scott sempre manteve vivo o desejo de fazer uma continuação, sobretudo depois que o filme se tornou cult com a ajuda das locadoras (nessas horas que cai a ficha que sou do século passado... e até a expressão cair a ficha não faz mais sentido algum), no entanto, não havia gostado de nenhum roteiro que tenha caído em suas mãos. Portanto, devemos agradecer à parceria do roteirista do filme original Hampton Fancher e Michael Green (que foi parceiro de Scott na repaginada de Alien) que escreveram a sequência mais aguardada das últimas três décadas - que ganha vida pelas lentes do canadense Dennis Villeneuve.

Joi e K: amor tecnológico de verdade?

O melhor de tudo desta sequência é a sensação de que sua história sempre esteve presente nas entrelinhas do primeiro filme, parecendo ter sido uma sequência planejada desde sempre. Aqui acompanhamos a história de K (Ryan Gosling), um Blade Runner que atua trinta anos após o desaparecimento de Deckard no primeiro filme. Ele é o responsável por investigar o paradeiro do veterano caçador e de Rachel, mas acaba descobrindo um segredo que pode mudar totalmente os rumos na produção de replicantes - que já estão ainda mais aprimorados e ainda existem outras tecnologias que garantem até um romance na vida de K, desta vez ainda mais fadado ao fracasso que o de Deckard e Rachel. Agora quem comanda a indústria de replicantes é o estanho  Niander Wallace (Jared Leto), que comprou a Tyrell Corporation e inovou ainda mais a tecnologia que encontrou. No entanto, ele quer algo ainda mais ambicioso, algo que acredita já ter sido desenvolvido por Tyrrell anteriormente, mas que se perdeu num desastre digital que apagou todos os dados eletrônicos em escala mundial. Dennis Villeneuve amplia todo o universo do filme de 1982 numa verdadeira homenagem à obra de Phillip K. Dick (reparou que o nome do protagonista vem do nome do meio do autor?) e de Scott. A amplia com tecnologias que tem nomes de sentimentos, hologramas ultra realistas e a sensação de que a humanidade parece mais perdida do que antes. Cria duas novas musas para este universo, Joi (Ana de Armas) e  Luv (Sylvia Hoecks), mostra que Dave Bautista pode ser mais do que mais um fortão engraçado em uma participação pungente e complexifica o trabalho de K ao máximo. Neste ponto, Ryan Gosling merece todos os elogios, já que torna seu personagem realmente comovente. Há de ressaltar ainda toda a estética do filme e parabenizar a coragem de Villeneuve em fazer um filme que contrasta ousadamente longos silêncios com sons ameaçadores, chegando a investir numa trilha que remete à clássica sonoridade composta por Vangelis, mas que se funde com os barulhos de naves, motores e explosões. A cena dos hologramas silenciosos no Cassino, com sonoridades fragmentadas alcança um efeito magnífico no encontro de Deckard com K. É brilhante ao evocar um mundo que não existe mais. É Nostálgico! Arrebatador! Mas ainda assim  nos damos conta de que o filme ainda tem mais a oferecer e Villeneuve provoca arrepios ao criar um (quase) reencontro dos mais lindos da história do cinema - para destruí-lo logo em seguida. Talvez neste universo não exista mais espaço para o amor, independente de quem esteja envolvido... ma, pensando bem, a última cena é exatamente o oposto disso! Blade Runner 2049 é a sequência que esperamos por mais de trinta anos e amplia ainda mais a crise de identidade de pessoas que não estão certas se são humanas e replicantes que não sabem se são humanos. Criadores e criaturas se misturam mais uma vez na telona e o resultado é a melhor ficção científica do ano - e com louvor!

Sean Young: guardando o maior segredo da Tyrell Corporation. 

Blade Runner (EUA - Hong Kong - Reino Unido /1982) de Ridley Scott com Harrison Ford, Sean Young, Rutger Hauer, Daryl Hannah, Joanna Cassidy, Joe Turkell e Edward James Olmos. ☻☻☻

Blade Runner - 2049 (EUA - Reino Unido - Canadá / 2017) de Dennis Villeneuve com Ryan Gosling, Harrison Ford, Robin Wright, Ana de Armas, Sylvia Hoecks, Dave Bautista, Mackenzie Davis, Edward James Olmos e Jared Leto. ☻☻☻☻☻

PL►Y: Nossas Noites

Fonda e Redford: reencontro apóes 28 anos. 

Jane Fonda e Robert Redford já fizeram vários filmes juntos e fazem parte de uma geração que revolucionou a forma como Hollywood fazia filmes. Influenciados pelo cinema europeu, ajudaram a politizar o que antes era apenas entretenimento e abordar temas polêmicos ao lado de cineastas que estavam dispostos a fazer a plateia perceber que o mundo era bem mais complexo do que se via nas telas. Redford nunca parou de fazer filmes (seja como ator, diretor ou produtor) e ainda ajudou a alavancar uma outra revolução no cinema americano ao instituir o Festival de Sundance que evidencia até hoje o trabalho de centenas de cineastas interessantes que viviam à margem da indústria do entretenimento. Já Jane Fonda escolheu dar uma longa pausa (quinze anos) na carreira para se dedicar ao casamento e a família, o que gerou algumas críticas - já que era um símbolo de politização e feminismo, quanto a isso, ela foi categórica de que a liberdade lhe dava o direito de escolher o que considerava melhor para ela dentro de todas as opções que tinha. Em 2005 ela voltou a filmar, privilegiando o trabalho em comédias inofensivas, tão inofensivas quanto este Nossas Noites, produzido por Redford e dirigido pelo indiano Ritesh Batra. Batra ficou conhecido pelo seu trabalho no ótimo Lunchbox (2013), mas aqui, ao adaptar o romance de Kent Haruf ele opta misturar água com açúcar e fazer um filme que se assiste com facilidade, mas que dificilmente ficará na memória por muito tempo. O interessante é que o livro apresenta grande sensibilidade ao abordar temas delicados como envelhecimento, solidão, sexo na terceira idade e morte, mas aqui tudo é apresentado de forma um tanto diluída, sem que os aspectos mais incômodos da história recebam destaque. Resta então curtir Jane e Robert juntos em cena com o carisma intacto depois de tantos anos dedicados ao cinema. Jane é Addie, viúva que mora sozinha desde que o filho cresceu e foi viver a própria vida e Redford é Louis, professor aposentado, igualmente viúvo e que tem uma filha que não mora por perto. Com dificuldade de dormir à noite, Addie convida Louis para dormir em sua casa, mas logo esclarece que não se trata de sexo, apenas de ter companhia para conversar. Ele fica desconfiado, mas acaba aceitando o convite, o que gera alguns comentários maldosos pela cidade e  um relacionamento que se intensifica cada vez mais, especialmente quando chega Jamie (Iain Armitage, que atualmente está em tudo), o irresistível neto de Addie, para passar um tempo na casa da avó. O filme funciona quando  o casal maduro tenta encaixar um na vida do outro e as lembranças do passado também dão ao filme um ar nostálgico que funciona, mesmo que não aprofundando as várias questões sinalizadas apenas levemente - na clara intenção de tornar o filme sempre agradável de ver. No entanto, eu adoraria ver um desenvolvimento mais elaborado dos dois personagens cheios de história para contar... mas esta não é a ideia do filme. As antigas fãs da Jane Fonda vão estranhar o final e a maioria das pessoas irá apenas ficar revoltada no que mais parece uma propaganda de telefonia celular, mas o filme alcança um resultado bem simpático. Pelo menos a exibição do filme no Festival de Veneza deste ano rendeu uma justa homenagem às carreiras de Jane e Redford ao lhes conceder um Leão de Ouro honorário pelo conjunto da carreira. Eles merecem.

Nossas Noites (Our Souls at Night/EUA-2017) de Ritesh Batra com Jane Fonda, Robert Redford, Mathias Shoenaerts, Iain Armitage e Judy Greer. ☻☻☻