sábado, 30 de junho de 2018

N@ Capa: Jocelyn Muñoz

A obra de Jocelyn Muñoz

A capa do mês foi uma homenagem a série de trabalhos da série Sad Movie Couples realizado pela ilustradora Jocelyn Muñoz. Seus trabalhos podem ser encontrados na internet, especialmente no Pinterest e são fáceis de identificar com o traço de inspiração infantil que torna qualquer personagem de cinema encantador - até mesmo Jack Nicholson e Shelley Duvall em O Iluminado (1980)! Além da ilustração, cada trabalho conta com uma frase antológica dos filme retratado e a identificação do próprio longa-metragem. Claro que Munõz faz algumas graças, como colocar Tom Hanks e o inesquecível Wilson ao seu lado por Náufrago (2000) ou Joaquin Phoenix solitário em sua paixão por um sistema operacional em Ela (2013). Abaixo, destaco todas as gravuras que ajudaram a ilustrar o mês dos namorados aqui no blog - e ainda ouso sugerir alguns que ficaram de fora, como Dick Tracy e Breathless Mahoney, os cowboys de Brokeback Mountain, além de Batman e Mulher-Gato

Edward & Kim (Edward Mãos de Teroura/1990)



Chuck & Wilson (Náufrago/2000)

Leon & Mathilda (O Profissional/1994)








Forrest & Jenny (Forrest Gump/1994)

Gomez & Mortícia (A Família Addams/1991)


Jack & Wendy (O  Iluminado/1980)

Jack & Rose (Titanic/1997)

HIGH FI✌E: Junho

Cinco filmes assistidos no mês de junho que merecem destaque

☻☻☻

☻☻☻

☻☻☻

☻☻☻

☻☻☻

PL►Y: A Ilha Mais Bonita

Ana: experiência assustadora que virou filme. 

Elogiado pela crítica e sucesso em festivais de cinema independente, A Ilha Mais Bonita foi realizado com um baixíssimo orçamento (tanto que concorreu no Independent Spirit deste ano ao prêmio John Cassavetes, destinado a filmes que custaram menos de 500 mil dólares) mas tem engenhosidade suficiente para deixar o espectador com os nervos à flor da pele. Produzido, escrito, dirigido e estrelado pela espanhola Ana Asensio o filme mistura algumas de suas experiências pessoais como um retrato assustador do cotidiano de imigrantes que foram tentar a sorte em Nova York (o próprio nome do filmes remete à alusão deste lugar idílico que só existe nos sonhos). A artista já tinha conquistado algum reconhecimento em sua terra natal quando resolveu tentar a carreira nos Estados Unidos, mas encontrou mais dificuldades do que sucesso. Suas experiências serviram de inspiração para contar a história de Luciana (vivida pela própria Ana Asensio). A melancólica Luciana saiu da Espanha por conta de problemas pessoais e não cogita voltar. Fugindo do passado, ela prefere a solidão e a indiferença da Big Apple,  mesmo que dependa de bicos como cuidar de duas crianças insuportáveis ou distribuir folhetos fantasiada de galinha nas ruas. Quando tenta relaxar na banheira, uma surpresa desagradável ameaça atrapalhar sua experiência, mas a reação da personagem já demonstra o que está por vir. Luciana precisa de dinheiro para se manter e aceita a indicação de uma amiga, Olga (Natasha Romanov), que a encaminha apenas para uma festa e receber um cachê maior do que ela receberia em meses de trabalho (dois mil dólares somente por aparecer e um pouco mais se tiver sorte). Obviamente que Luciana desconfia, mas a conhecida garante que não precisa fazer nada que não queira... é assim que a personagem irá vivenciar a noite mais assustadora de sua vida. Não vale explicar muito o que acontece para não estragar a surpresa, mas vale destacar que além do bom trabalho como atriz, Ana também é uma cineasta de mão cheia. Atenta aos detalhes, ela sabe trabalhar a expressão dos atores de forma sutil, para que revelem somente o necessário. Discípula de David Lynch, ela sabe como utilizar o silêncio, a trilha sonora esquisita e a fotografia  sombria para aumentar a angústia da plateia, além disso sabe o momento exato de revelar os segredos de sua história. Com poucos recursos em mãos, A Ilha Mais Bonita consegue ser realmente assustador, sem investir em sustos fáceis ou recursos manjados, a cineasta/atriz, investe mesmo é na nossa identificação com a personagem rumo ao perigo desconhecido. Entre incertezas e inquietações o filme se desenvolve de forma surpreendente e termina redondinho em uma estreia realmente promissora atrás das câmeras. Ao estimular a imaginação do público, o filme consegue ser realmente sombrio e se torna uma grata surpresa. 

A Ilha Mais Bonita (Most Beautiful Island/EUA-2017) com Ana Asensio, Natasha Romanova, Nicholas Tutti, Anna Myrtha e Larry Fessenden.
☻☻☻☻

sexta-feira, 29 de junho de 2018

§8^) Fac Simile: Jon Hamm

Jonathan Daniel Hamm
Nascido na cidade de St. Louis, no estado americano de Missouri no ano de 1971, Jon Hamm ficou mundialmente famoso na pele do publicitário  Don Drapper na cultuada série Mad Men. Desde que a série terminou o ator continua se dedicando a alguns papéis em séries, mas seu maior interesse é conquistar papéis de respeito no cinema - e com os elogios alcançados por seu trabalho em Beirute ele está no caminho certo. Nosso repórter imaginário o encontrou em um restaurante em Los Angeles e o ator concordou em responder cinco perguntas nesta entrevista que nunca aconteceu.

§8^) Você faz filmes desde o ano 2000, mas sempre declarou que perdia papéis por parecer mais velho do que isso. Isso ainda acontece?

Jon Não mesmo. Agora acho que a aparência e a idade se ajustaram. Realmente nunca tive carinha de adolescente, galãzinho teen... já nasci com o rosto maduro, me considero melhor hoje do que antigamente, tanto que o assédio aumentou, o que é sempre um bom sinal. Além disso, com a idade as pessoas começam a cogitar você para alguns papéis muito interessantes, já criaram boatos sobre eu interpretar James Bond e até o Batman! Já pensou? 

§8^) Você curte filmes de super-herói?

Jon Não muito, mas... quem não gostaria de ser o Batman? Ele tem todas aqueles apetrechos, uma identidade secreta, não tem super-poderes e tem os melhores vilões... é quase um James Bond!

§8^) As pessoas ainda te chamam de Don Drapper nas ruas?

Jon Todo dia, todo tempo, toda hora... mas eu entendo, foram sete anos de trabalho, mais de noventa episódios e a série ainda reviveu o estilo de vida dos anos 1960, as transformações, a vida politicamente incorreta, trocentos cigarros e bebidas no local de trabalho. Sem falar que Don tinha um estilo de vida bastante sedutor para mulheres e homens... 

§8^) E isso não te atrapalha?

Jon Não muito. Tenho recebido convites para papéis bastante variados, não quero ficar preso ao tipo do garanhão em todo trabalho que faço. O que me atrapalha mais é quando as pessoas ficam falando sobre algumas fotos que aparecem na internet sobre... minha anatomia...

§8^) E você já fez as pazes com as cuecas?

Jon É complicado. As mulheres não acham confortável andar com sutiã, já até o queimaram em praça pública. Considero as cuecas o meu sutiã, acho desconfortável e gostaria de incendiá-las numa enorme fogueira. Mas porque estamos falando disso mesmo?

quarta-feira, 27 de junho de 2018

PL►Y: Beirute

Hamm: um filme para chamar de seu. 

Ganhador de dois Globos de Ouro (pela primeira e última temporada da magnífica série Mad Men) e um Emmy (pela última temporada da cultuada série), Jon Hamm tenta um lugar no cinema há dezoito anos. Embora seja um rosto conhecido e com papéis de coadjuvante em vários filmes (sempre bem defendidos), fazia tempo que o ator precisava de um papel de protagonista para que se convencessem de vez que ele pode carregar um filme nas costas. Esta chance veio com Beirute, longa que sofreu críticas por não ter sido filmado na cidade título e não ter atores locais em seu elenco. Tirando isto, Beirute recebeu resenhas positivas e destacou de vez o talento do eterno Don Drapper no cinema, no entanto, o filme recebe lançamento no Brasil somente pela Netflix e merece atenção. O filme é dirigido por Brad Anderson (que já dirigiu o ótimo O Operário/2004 mas já derrapou em bobagens feito Chamada de Emergência/2013) que aqui está em sua melhor forma ao dar vida ao roteiro de Tony Gilroy (famoso pela trilogia Bourne). Hamm vive o diplomata americano Mason Skiles, que viveu na capital do Líbano nos anos 1970 e não guarda boas lembranças. Renomado em sua profissão, ele vivia com a esposa (Leïla Bekhti) e estava prestes a adotar uma criança libanesa quando uma verdadeira tragédia se abateu sobre ele. Desde aquele dia sua vida perdeu o rumo. Entregue á bebida, treze anos se passaram para que a CIA o procurasse e pedisse ajuda nas negociações de resgate de um velho conhecido. A partir dali, Mason coloca sua vida em risco, mas tem a chance de superar alguns desastres pessoais que nunca conseguiu digerir muito bem. Misturando suspense, ação e um pouco de drama familiar, o roteiro de Gilroy é bem amarrado e Brad Anderson consegue apresentar a imagem destruída da cidade nos anos 1980 como uma metáfora perfeita para o seu protagonista despedaçado. Entre marcas de bombas, tiros e explosões, o filme consegue construir grande tensão também através dos diálogos espertos, que dão a chance de Hamm demonstrar sua habilidade perante as oscilações do personagem que tem em mãos. Existe uma certa analogia entre a vida do personagem e as intervenções americanas no Líbano, mas não precisa entender as truncadas relações entre os dois países para compreender a história (basta ver as últimas cenas, após a bandeira trêmula que você entenderá). Com ótima fotografia (que consegue emanar o clima quente da região), ótima atuação de Hamm e narrativa envolvente, eu só senti falta daquela cena do abraço que é sempre adiado... Vale lembrar que o elenco também conta com a inglesa Rosamund Pike (indicada ao Oscar por Garota Exemplar/2014) num papel bastante discreto. 

Beirute (Beirut / EUA - 2018) de Brad Anderson com Jon Hamm, Rosamund Pike, Mark Pellegrino, Douglas Hodges, Leïla Bekhti e Ben Affan. 

PL►Y: O Sentido do Fim

Charlotte e Jim: uma ferida chamada passado. 

Filmes com personagens que se confrontam com o passado sempre me parecem interessantes. Quando escolhem bons atores então... torna-se aquele tipo de filme que fico curioso para assistir. O Sentido do Fim é uma adaptação do livro de Julian Barnes e traz Jim Broadbent como Tony Webster, um aposentado, dono de uma loja de máquinas fotográficas, divorciado e que está com a filha (Michelle Dockery) prestes a dar a luz a um bebê de produção independente. Embora tenha um bom relacionamento com a ex-esposa (Harriet Walter), o grande amor da vida dele foi Veronica Ford (quando jovem vivida por Freya Mavor), que sempre viveu em sua memória (com detalhes que não revelarei aqui), mas que recebe uma nova perspectiva nas lembranças dele quando a amada retorna por conta de um testamento. Trata-se do testamento da mãe de Veronica, Sarah Ford (Emily Mortimet), que deixou para Tony o diário da filha. A situação inusitada faz com que o protagonista relembre o início do romance com Veronica, assim como os ressentimentos por ter perdido seu grande amor para um amigo (e que rendeu uma carta bastante grosseira para o novo casal). A forma como o filme mescla passado e presente (em ótimo trabalho de edição) o torna bastante interessante e constrói um certo suspense sobre o passado do personagem. Com drama e diálogos espirituosos, aos poucos entendemos as motivações dos personagens, assim como seus arrependimentos após tanto tempo. Não sou muito fã de Jim Broadbent (que ganhou um Oscar de coadjuvante por Íris/2001 e fez uma penca de filmes muito conhecidos como O Diário de Bridget Jones/2001 e Moulin Rouge/2001), mas aqui ele está impecável - especialmente quando descobrimos que debaixo daquele senhor simpático existe um segredo bastante amargo (que resiste até ao final do filme). O contraste de seu personagem com a Veronica adulta vivida por Charlotte Rampling (sempre espetacular) é desconcertante! Quando se reencontram, ele está de peito aberto, ansioso para lhe contar tudo o que aconteceu desde que se viram pela última vez, mas ela age de forma completamente indiferente gerando situações que parecem verdadeiros tropeços. O Sentido do Fim é mais acerto do diretor indiano Ritesh Batra (do ótimo Lunchbox/2013 e do simpático Nossas Noites/2017, ele é realmente bom em trabalhar as relações de seus personagens). Batra consegue revelar as angústias de seu protagonista aos poucos e ilustra bem, não apenas o poder da memória construir a nossa versão da história, mas também o peso das palavras ao longo do tempo. Ao final da sessão, Tony irá perceber que ele foi bem menos gente boa do que imagina. 

O Sentido do Fim (The Sense of an Ending/Reino Unido - 2017) de Ritesh Batra com Jim Broadbent, Cahrlotte Rampling, Harrier Walter, Michelle Dockery, Billy Howle, Freya Mavor e Matthew Goode. 

segunda-feira, 25 de junho de 2018

NªTV: Westworld - 2ª Temporada

Dolores (Evan Rachel Wood): heroína sanguinária 

Westworld foi uma das séries mais faladas lançadas em 2016. Desenvolvida por Jonathan Nolan (irmão do Christopher) e Lisa Joy (da meiga Pushing Daisies, acredite...) a série foi a maior aposta da HBO daquele ano. Logo a audiência percebeu que a série queria mais do que contar uma história que misturava ficção científica com faroeste, além das reflexões sobre o homem brincar de Deus e a relação entre criador e criatura, a série ainda tinha como marca caprichar na plasticidade das cenas futuristas, além de nudez e violência. A grande surpresa da série veio no último episódio, onde o espectador se dava conta que na verdade acompanhava aquela história em linhas temporais diferentes - isto pouco antes do caos total se anunciar. Diante das ambições da segunda temporada, a produção contou com doze meses de produção, deixando sua segunda temporada para 2018. Terminada ontem, ela mostrou-se um verdadeiro exercício de paciência para quem acompanhou dez episódios ainda mais ambiciosos e rebuscados. Quero deixar claro que considero a premissa e as ideias da série geniais (baseado no filme de mesmo nome dirigido por Michael Crichton em 1973, que recebeu uma continuação três anos depois chamada Futureword da qual ninguém lembra), mas o seu desenvolvimento sofreu em 2018 com os maneirismos narrativos de Nolan. É compreensível que ele queira ampliar aquele mundo tão cheio de possibilidades, mas durante a maioria dos episódios, o que se viu foram cenas que não acrescentaram muita coisa para o desenrolar da trama, apenas complicaram mais ainda a história na mente do espectador. As ambientações orientais e de safári não mudaram em nada a espinha dorsal da segunda temporada, que passou maior parte do tempo mostrando Dolores (Evan Rachel Wood, desperdiçada com sua personagem tocando uma nota só) e seus seguidores matando todo mundo que viam pela frente – seja anfitrião ou visitante. Mesmo a saga de Maeve (Thandie Newton) se tornou uma trama tão rocambolesca que já nem tinha mais energia ao chegar no último episódio. Com a mania de complicar qualquer subtrama que aparece no caminho, foi exaustivo  acompanhar os diálogos truncados e a matança (um tanto sem sentido) que se alastrou pelos episódios. 

Maeve (Thandie Newton): busca inglória. 

É verdade que havia um segredo que se revelou sem o punch do primeiro ano, já que todo mundo estava preocupado em entender os diversos “tempos” que a história de Bernard (Jeffrey Wright) se ramificou - e que precisou de noventa minutos para desembaraçar o nó que havia feito (e criou uma solução um tanto atrapalhada com o novo corpo de Dolores, algo que era para ser surpreendente e se tornou quase risível). A primeira temporada já proporcionava muito para desenvolver, mas esta veio com novos elementos que deixaram muito do que era esperado para mais tarde. A cada episódio novos personagens apareciam, novas subtramas eram desenhadas e o emaranhado se tornava mais denso em Westworld. O resultado foi tão cansativo que era difícil manter os olhos abertos. Infelizmente alguns dos conflitos mais interessantes receberem desenvolvimento aquém do esperado (como a relação entre o bom moço Teddy e Dolores, que recebeu pouco destaque na história para terminar numa cena bem sucinta), porém, deixou a sensação de que a história foi esticada ao infinito - e corre o risco de se complicar como tantas outras séries que investiam no mistério de suas histórias e depois decepcionaram. Mas qual é o mistério de Westworld a esta altura? Aparentemente nenhum que pareça fundamental para entender a história, mas os episódios já demonstraram que a graça é menos a trama e mais a forma de contar a história. A narrativa é entrecortada, caótica, cheia de digressões, desvios, flashbacks e tudo mais para disfarçar a dificuldade de aprofundar a relação entre a humanidade e  seus sentimentos mais obscuros - e, os anfitriões, enquanto imagem e semelhança, seguem pelo mesmo caminho. Espero que a próxima temporada seja melhor - mas podem deixar a abertura como está, em sua versão 2.0, ela ficou uma beleza, melhor do que 70% desta temporada 

Bernard (Jeffrey Wright): exercício de paciência. 

Westworld - 2ª Temporada (EUA-2018) de Jonathan Nolan e Lisa Joy com Evan Rachel Wood, Jeffrey Right, Thandie Newton, Rodrigo Santoro, Anthony Hopkins, Tessa Thompson, Ed Harris e James Marsden. 

domingo, 24 de junho de 2018

PL►Y: Marshall - Justiça e Igualdade

Gad, Chadwick e Brown: história de um ícone. 

Thurgood Marshall foi um nome importante na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Ativista da NAACP (tranduzindo - Associação Nacional para Avanço das Pessoas de Cor) e que mais tarde se tornou o primeiro negro a ser ministro da Suprema Corte dos EUA (cargo que assumiu em 1967 e deixado somente em 1991 por problemas de saúde), já era hora deste histórico personagem ser lembrado. Antes de assumir o cargo, Thurgood levou 32 casos até a Suprema Corte, dos quais conquistou 29 vitórias, graças ao seu trabalho as universidades foram obrigadas a aceitar alunos negros, os partidos políticos foram proibidos de realizar as "primárias brancas", além de conseguir derrubar cláusulas segregativas em transações como, por exemplo, compra de imóveis. Com uma história tão vasta e interessante, torna-se curioso que os roteiristas Michael e Jakob Koskoff tenham escolhido um caso pouco conhecido do advogado para embasar este filme - mas logo percebemos o interesse da dupla, já que neste caso, Marshall foi proibido de se pronunciar no tribunal, agindo apenas como assistente do advogado principal, o jovem judeu Sam Friedman. Trata-se do caso de estupro de Eleanor Strubing, que acusa o agressor de ainda tentar matá-la, a atirando de uma ponte. A denúncia é contra um dos empregados de sua casa, Joseph Spell (vivido por Sterling K. Brown, famoso pela série This is Us), que desde o primeiro momento afirma nunca ter realizado aquele ato hediondo. A situação ocorreu no início da década de 1940 e ao longo do filme, vários elementos da tensão racial em Connecticut aparecem no longa. Conduzido numa narrativa de tribunal convencional pelo diretor Reginald Hudlin (indicado ao Oscar como produtor do sucesso Django Livre/2012 de Tarantino), que teve a sorte de convencer Chadwick Boseman de encarnar o famoso advogado. O ator de Pantera Negra (2017) havia recusado o papel por não ter o mesmo "tom de pele" que o personagem na vida real, mas Hudlin tinha certeza que o ator tinha talento para fazer público e crítica não lembrarem deste detalhe. Boseman funciona muito bem como o advogado determinado e astuto que junta as peças do caso que envolve racismo e relacionamento abusivo. Boseman é um dos trunfos do filme, mas seria covardia esquecer os demais atores da produção, já que o ator faz uma ótima dupla com Josh Gad, responsável por dar vida à Sam Friedman. Nem vou citar o talento de Sterling K. Brown e o de Kate Hudson, que dão conta de uma situação complicada complicada na tela.  Além das atuações dedicadas, roteiro bem lapidado e valorizado pelo cuidado com a reconstituição de época, fotografia e trilha sonora, o que compensam seu formato convencional (que muitos consideram semelhante ao de um telefime). Sem encontrar espaço nos cinemas brasileiros, o filme merece atenção do público, nem que seja para ver que seu astro fôlego para ser mais do que um super-herói dos quadrinhos, mas um de carne e osso também. 

Marshall - Justiça e Igualdade (Marshall/EUA - 2017) de Reginald Hudlin com Chadwick Boseman, Josh Gad, Sterling K. Brown, Kate Hudson, Dan Stevens, James Cromwell e John Magaro. 

Na Tela: A Morte de Stalin

Buscemi e seus concorrentes: Ianucci ataca novamente.  

Armando Ianucci se tornou um especialista em sátiras políticas, mas nada que se compare à maioria das piadas rasteiras que invadem o Facebook. Para Ianucci, quando se trata de política, nada é sagrado, basta ver o que ele fez em Conversa Truncada (2009), onde mostra trocas de interesses políticos entre britânicos e americanos. Seu humor incomum lhe valeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado (já que o texto era inspirado num programa criado pelo próprio diretor), mas se muita gente estranhou seu estilo, a coisa mudou nos últimos anos, depois que ele criou a premiada série VEEP em 2012. Nas desventuras de uma vice-presidente americana que planeja formas de assumir a presidência (isso te lembra alguma coisa?), o humor de Ianucci se tornou mais popular, especialmente depois do resultado das eleições americanas. Se contarmos o filme de retrospectiva feito para TV em 2004 (carinhosamente chamada de 2004: The Stupid Version), este é o seu terceiro longa. Só que desta vez, o cineasta escocês mexe num verdadeiro vespeiro ao fazer graça com o que o título anuncia. Só que A Morte de Stalin recebeu elogios da crítica, principalmente pela forma como consegue alternar cenas assustadoras com o humor típico do diretor, assim, constrói uma obra inspirada em fatos reais, mas que consegue especificar onde está a dura realidade e a ficção no decorrer da narrativa. Durante o filme,  fica clara a devoção da população ao líder russo, assim como o medo que muitos tinham dele, também estão lá os poderosos que estavam em seu redor (mais preocupados em permanecerem na alta cúpula soviética do que propriamente com a população). O que se vê é um jogo de manobras políticas para ocupar o espaço deixado com a morte de Stalin,  ou seja, durante boa parte da história o que vemos é um grupo de homens e seus planos para ampliar o poder que possuem, ou pelo menos, mantê-lo (e perdê-lo pode significar a morte). Neste jogo vale tudo, silenciar o filho rebelde do falecido (Rupert Friend, numa atuação divertida) ou bajular a filha dele (Andrea Riseborough), criar uma confusão com os civis que gostariam de ir ao funeral, ameaçar uma pianista (Olga Kurylenko) que escreveu a última carta lida por Stalin, desconsiderar uma lista de execuções, lançar outra lista de execuções, salvar amigos, matar outros... Ianucci criou um roteiro bem mais complexo e sério (é verdade, acreditem) do que em suas obras anteriores, sempre destacando o quanto o poder pode cegar as pessoas - o que não depende de ideologias políticas, o cego é cegro e pronto (quer melhor exemplo do que Molotov vivido por Michael Palin?). O elenco é uma atração à parte, tendo Steve Buscemi como um escorregadio Nikita Krushchev, Jeffrey Tambor como um hesitante Georgy Malenkov e um inacreditável Simon Russell Beale como o esperto (mas nem tanto) Lavrenti Beria - para quem viu este senhor como o afetado Ferdinand Lyle da finada série Penny Dreadful fica até difícil reconhecê-lo. Com timing perfeito, ótima reconstituição de época e edição precisa, o filme sublima a mistura de política com um humor improvável, semelhante ao de uma câmera escondida. A Morte de Stalin não vai agradar todo mundo (e o que agrada?), mas quem perceber a crítica política presente ali, irá aproveitar muito mais - e antes que critiquem Ianucci por fazer graça com a esquerda, vale lembrar que em seu currículo ele já deixou claro que para ele nada é sagrado (seja direita, esquerda, centro, cima, em baixo, diagonal...). 

A Morte de Stalin (The Death of Stalin / França - Reino Unido - Bélgica - Canadá / 2017) de Armando Ianucci, com Steve Buscemi, Simon Russell Beale, Jeffrey Tambor, Andrea Riseborough, Rupert Friend, Michael Palin, Jason Isaacs, Olga Kurylenko e Paddy Considine.
 

sábado, 23 de junho de 2018

PL►Y: Desafiando a Arte

Nicole e Jason: infância marcada por pegadinhas.

Camille (Jason Butler Harner) e Caleb Fang (Kathryn Hahn) são artistas que ficaram famosos com uma carreira controversa. Especialistas em criar situações em público para provocar a reação das pessoas, o trabalho do casal divide opiniões. Para alguns eles são gênios que transcendem os limites da arte (seja o palco, a tela ou uma exposição), para outros, são dois picaretas que vivem fazendo pegadinhas com inocentes nas ruas. Por algum tempo a obra dos Fang contou com a participação de dois coadjuvantes de peso, seus próprios filhos, que ficaram conhecidos como criança A e criança B nas apresentações que realizaram. As crianças ajudaram bastante nas provocações realizadas ao público - como o dia em que cantaram em uma praça que todos os pais deveriam morrer ou na antológica apresentação de Romeu e Julieta que chocou parte da plateia. Só que o tempo passou, a criança A cresceu e se tornou atriz e a criança B se tornou um escritor. Interpretados respectivamente por Nicole Kidman e Jason Bateman, Annie e Baxter querem manter distância deste passado, que de vez em quando lhes bate a porta através de comentários e entrevistas. Por acaso, os dois atravessam momentos difíceis em suas carreiras, faz tempo que Annie não lança um filme importante e o segundo livro de Baxter também não repetiu o sucesso do primeiro. Os irmãos também estavam distantes, até que um acidente com Baxter os reaproxima e... a visita dos pais é inevitável. Vividos agora por Christopher Walken e Maryann Plunkett, Caleb e Camille tentam evitar a lavagem de roupa suja na companhia dos filhos, mas ainda querem convencê-los a participar de novos trabalhos, mas... um golpe do destino acontece e Annie e Baxter não conseguem acreditar que seja verdade, afinal, a especialidade dos seus pais é pregar peça nas pessoas.  Como podem perceber, Desafiando a Arte tem um ponto de partida interessante ao lidar com as mágoas e ressentimentos de uma família de artistas, tem como pano de fundo uma discussão sobre um tipo de humor que se tornou muito comum nos anos 1990, mas a direção de Jason Bateman (este é o segundo filme dirigido pelo ator) não faz questão de aprofundar as questões interessantes que aponta. Embora consiga deixar o espectador com a mesma desconfiança dos personagens (o que cria algum suspense durante o filme), Bateman tenta construir uma comédia sofisticada, com pendores dramáticos, mas anda em círculos a maior parte do tempo. É um filme com bom elenco, atuações dedicadas e que demonstra que o diretor tem sensibilidade para fazer mais do que provocar risadas, mas erra a mão no ritmo e no exagero de melancolia, o que torna o filme menos interessante do que deveria. Desafiando a Arte passou em branco nos cinemas americanos em 2016 e mesmo tendo Nicole Kidman no elenco, não conquistou o interesse dos distribuidores por aqui, mas, apesar de suas imperfeições, pode render discussões interessantes para quem assisti-lo - só não espere um grande filme. 

Desafiando a Arte (Family Fang/EUA-2016) de Jason Bateman com Nicole Kidman, Jason Bateman, Christopher Walken, Maryann Plunkett, Kathryn Hann e Jason Butler Harner. 

Na Tela: Gringo

David, Charlize e Joel: comédia truncada. 

Com estrelas badaladas no elenco, Gringo - Vivo ou Morto (alguém poderia me explicar este título?) era um dos filmes mais aguardados do ano, mas decepcionou com críticas medianas e uma bilheteria modesta. Sorte que o filme não é um desastre e até funciona se for visto como uma comédia despretensiosa, mas que erra ao querer dar um passo maior que a perna - e se atrapalha pelo meio do caminho. Assim que o filme começa, Harold (David Oyelowo)  liga desesperado para o amigo chefe Richard (Joel Edgerton), ele comunica que foi sequestrado no México e será libertado mediante o pagamento de cinco milhões de dólares. Logo o roteiro retrocede e descobrimos como isto foi acontecer.  Logo descobrimos que existe algo de muito estranho na empresa em que ele trabalha, - e boa parte desta estranheza vem do comportamento de Richard e sua amante, Elaine (Charlize Theron). A desconfiança piora quando o trio vai para o México e entre conversas de portas fechadas e diálogos em código, Harold tem a certeza de que está prestes a se dar mal, muito mal - e para piorar, ele cria um plano que sai pela culatra. Entre traficantes, um casal de namorados que cruzam o caminho do protagonista o tempo todo (Harry Treadaway e Amanda Seyfried - que devia estar precisando muito do dinheiro para aceitar um papel tão inexpressivo), gerentes de hotel oportunistas, a esposa de Harold (Thandie Newton) e o irmão de Richard (Sharlto Copley), o foco recai sobre a resolução do sequestro de Harold sem a ajuda da polícia. A ideia é resolvida de forma completamente descompromissada, numa espécie de comédia de erros que deixa várias pontas soltas pelo meio do caminho. A melhor parte fica por conta de Harold, que defendido com o talento de Oyelowo se torna bastante convincente como o bom sujeito que tentou ser esperto e acabou numa sucessão de acontecimentos que lhe saem do controle. O problema está na dificuldade do roteiro lidar com os acontecimentos envolvendo os personagens de Edgerton, Thandie e, especialmente Charlize. Os três ficam perdidos na história, sendo Charlize a maior prejudicada. Sua personagem cheia de pose pode até garantir algum charme na história, mas o roteiro não faz a mínima ideia do que fazer com ela - tanto que existem várias cenas que levam a personagem do nada a lugar algum (exemplos são a cena da carta, o jantar com o empresário, o encontro no apartamento de  Richard e a lista segue...). Assinado por Nash Edgerton (irmão do Joel), que faz aqui o seu segundo longa, o filme evidencia sua falta de habilidade em lidar com uma trama cheia de personagens e subtramas, sorte que o filme tem energia, humor e um bom elenco para manter o interesse na confusão que se anuncia desde o segundo ato. Pena que tão logo o filme termina, você lembra de vários pontos que deveriam ser mais trabalhados ao longo das quase duas horas de projeção.  

Gringo: Vivo ou Morto (Gringo / EUA - Austrália) de Nash Edgerton com David Oyelowo, Joel Edgerton, Charlize Theron, Amanda Seyfried e Thandie Newton. ☻☻

sexta-feira, 22 de junho de 2018

10+: Toni Collette

Toni Collette
Nascida em Sidney no ano de 1972, a australiana Antonia Collett ingressou na escola de teatro na adolescência e surpreendeu seus pais ao escolher seguir a carreira de atriz.  A atriz do aclamado terror Hereditário é conhecida por sua simpatia em entrevistas e versatilidade diante da câmera. Camaleônica, ela já fez de tudo, comédias, dramas, musicais, filmes de época, romances, remakes, indies e terror (gênero que ela não gosta de assistir, mas que já marca a sua carreira há tempos). Ela nem esperava que o sucesso chegaria aos 22 anos em O Casamento de Muriel (1994), seu segundo filme - que lhe garantiu prêmios, visibilidade internacional e o posto de uma de minhas atrizes favoritas.  Com um Globo de Ouro na estante (pela série United States of Tara, que preferi deixar de fora da lista para destacar seus trabalhos apenas no cinema) e uma indicação ao Oscar, a atriz tem uma carreira cheia de bons trabalhos. Destaco aqui as que considero suas melhores atuações (e que não canso de ver em alguma reprise por aí). 

#10 "Emma" (1996) de Douglas McGrath
Você nem deve lembrar dela nesta adaptação da obra de Jane Austen, mas eu lembro com muito carinho! Ela acabava de se tornar famosa e interpretou Harriet, a amiga humilhada da protagonista que ganha uma sensibilidade notável com Toni. Este foi um dos quatro longas que ela lançou em 1996. 

#09 "Velvet Goldmine" (1998) de Todd Haynes
Ela apareceu completamente diferente na pele de Mandy Slade, a esposa do roqueiro Bryan Slade neste musical inspirado no glam rock dos anos 1970. Se Slade é inspirado em David Bowie, Toni é a primeira esposa do camaleão, Angela Bowie (a Angie em pessoa) em fases distintas de sua vida. 

#08 "Já Estou com Saudades" (2015) de Catherine Hardwicke
Não sou muito fã deste filme, mas a atuação de Toni - e sua química como a amiga de Drew Barrymore - o torna acima da média. Ela vive Milly, mulher bem-sucedida e muito ocupada que descobre uma grave doença e precisa de todo o apoio para sobreviver. A plateia costuma chorar.

#07 "Pequena Miss Sunshine" (2006) de Valerie Faris e J. Dayton 
Outro papel muito querido de Toni foi neste filme ganhador de dois Oscars, em que ela vive a mãe de uma família que faz de tudo para não ir ladeira abaixo - mas este lado mais dramático serve de pano de fundo quando a filha adorável que resolve participar de um concurso de beleza infantil. 

A atriz tem uma participação pequena marcante neste premiado filme. Ela vive Kitty, a vizinha de Laura Brown (Julianne Moore), e que após uma conversa simples acarreta uma das maiores revelações do filme. Em poucos minutos a personagem se torna fundamental para a trama. 

Toni vive a mãe de Nicholas Hoult quando ele era apenas um menino nesta comédia sobre o egocêntrico Will (Hugh Grant), marmanjo que aprende que ele está longe de ser uma ilha. A atriz é Fiona, a riponga deprimida que não vê com bons olhos a amizade do filho com este mal exemplo...  

#04 "Em Seu Lugar" (2005) de Curtis Hanson 
Rose (Toni) e Maggie (Cameron Diaz) são duas irmãs completamente diferentes - e com um relacionamento desastroso! Esta dramédia merecia ter feito mais sucesso quando foi lançada, Toni e Cameron estão ótimas em cena e o roteiro trata assuntos sérios com uma leveza inspiradora. 

#03 "O Sexto Sentido" (1999) de M. Night Shyamalan
Pelo filme ela foi lembrada em várias premiações, incluindo o Oscar - que a indicou a melhor atriz coadjuvante como a mãe do menino que vê gente morta. É a primeira e única indicação de Toni ao Oscar até agora - e tem um dos momentos mais marcantes de sua carreira (a antológica cena do carro).

#02 "O Casamento de Muriel" (1994) de P.J. Hogan
Clássico do cinema australiano (acho que vi umas sete vezes... mas já perdi a conta) - esta deliciosa comédia embalada pelas canções do Abba, conta a história de Muriel (Toni), garota com problemas de auto-estima que muda de vida ao  reencontrar uma velha amiga (Rachel Griffith) e... veja o filme!

#01 "Hereditário" (2018) de Ari Aster 
A crítica especializada é unânime em dizer que esta é a melhor atuação dela. No papel da mulher que descobre segredos de família que podem destruir tudo o que ela mais ama, a atriz transita por várias emoções e mistura horror com drama familiar. Será que o Oscar lembrará dela novamente? Esperamos que sim!

Na Tela: Hereditário

Wolff, Byrne, Toni e Milly: segredos de família.

Ouvi alguns críticos dizendo que passaram mal diante de Hereditário, longa de estreia de Ari Aster sobre uma família cheia de segredos revelados após o enterro da vovó. Durante o funeral não existem lágrimas, apenas o discurso um tanto ressentido de Annie (Toni Collette, num trabalho espetacular), a filha da falecida que já deixa claro que a mãe não era uma pessoa fácil. A serenidade de Steve (Gabriel Byrne) não revela incômodo com a perda da sogra, o filho adolescente, Peter (Alex Wolff, o irmão melhor ator de Natt Wolff do recente Death Note/2017) está zero comovido com o falecimento, restando apenas à caçula, Charlie (Milly Shapiro) lamentar a perda. Não demora muito para perceber que Charlie é uma menina estranha. Com conversas e gosto um tanto mórbido, ela ainda tem a mania de fazer um barulho que irá marcar os ouvidos de quem se aventurar pelo filme. Há algo de sombrio no ar desde que a casa é apresentada como uma das miniaturas criadas por Annie (Toni Collette), como se todos fossem pequenos diante de algo muito maior e frágeis perante o que irá devastá-los para sempre. Annie mal se recupera de uma perda e outra tragédia acontece, mas dessa vez existe muito choro e o abalo definitivo na relação entre mãe e filho, restando a Steve a desconfortável tarefa de tentar manter algum equilíbrio naquela casa. Diálogos ásperos surgem alimentados por revelações e ressentimentos que só pioram quando o passado da vovó começa a se revelar no roteiro (do próprio diretor) que mistura drama familiar com horror sobrenatural (e Aster ainda alimenta o folclore  em torno do filme afirmando que se inspirou em sua família para criar a história). O cineasta alcança um resultado que cresce gradativamente em angústia, mas não vale revelar muito sob o risco de de estragar a experiência. O tom é pausado, a atmosfera é de pesadelo e a fotografia faz questão de sublimar cada susto desconfortável que o filme constrói - especialmente com a ajuda de Toni Collette que está magnífica em cena. Ela constrói uma mulher cada vez mais desesperada com o peso de pagar pelas dívidas da mãe - o pior é que a dívida inclui toda a família. Alex Wolff também está bastante convincente e o veterano Gabriel Byrne está discreto, mas na medida para alguém que descobre ter se metido numa relação familiar complicada, mas o outro grande destaque do filme fica mesmo por conta de Milly Shapiro que cria uma menina arrepiante sem precisar fazer muita coisa em cena. Se você ficar desconfortável no meio do filme, você nem imagina o que acontece no final imprevisível, onde o drama cede lugar ao horror de sua estranheza sinistra - que rende comparações do filme aos clássicos O Exorcista (1973), O Bebê de Rosemary (1968) e o recente A Bruxa (2016). Ari Aster demonstra talento de veterano, especialmente lapidado nos seus curtas que chegaram a gerar polêmica por conta de explorar histórias familiares estranhas, mesmo sem apelar para o sobrenatural. O diabólico Hereditário já é considerado o melhor terror do ano, lugar que antes era ocupado por Um Lugar Silencioso e que ainda pode ser ocupado por Mandy (longa de Panos Cosmatos a ser lançado no segundo semestre). Como podemos perceber, 2018 confirma que os filmes de terror voltaram a ficar interessantes (e a campanha para Toni Collette concorrer ao Oscar está grande). 

Hereditário (Hereditary/EUA-2018) de Ari Aster com Toni Collette, Alex Wolff, Milly Shapiro, Ann Dowd, Morgan Lund e Jake Brown. ☻☻

quinta-feira, 21 de junho de 2018

PL►Y: Outside In

Eddie e Jay: atuações memoráveis. 

Lynn Shelton é uma das diretoras independentes mais ativas do cinema americano. Além de fazer cinema, ela também é convidada para trabalhos em várias séries (já dirigiu episódios para New Girl, Mad Men, Master of None, GLOW, Love, Shameless...), arrisco que seu maior talento é a capacidade de gerar atuações bastante espontâneas do seu elenco. Ainda que alguns possam considerar a sua obra irregular (nem sempre seus filmes alcançam o resultado desejado na tela), Lynn é uma cineasta que merece atenção. Basta ver o que ela faz neste Outside In, que surpreende pela habilidade com que se distancia do humor presente na maioria dos filmes da diretora e constrói um drama envolvente sobre dois personagens em momentos bem diferentes de suas vidas. Chris (Jay Duplass, em sua melhor atuação) é um rapaz que está em condicional após vinte anos na prisão. Ao invés de entregar logo a história do personagem, o filme prefere dar pistas sobre com ele, assim surge um desentendimento com a família aqui, uma lembrança ali, um visitante indesejado... o fato é que desde a primeira cena em que aparece sabemos que o rapaz é inofensivo e parece bem mais deslocado do que ameaçador. Existe um desconforto palpável, uma verdadeira inadequação no retorno à cidade onde cresceu e nem ele sabe explicar direito - some isso à dificuldade para arranjar emprego, o relacionamento fragilizado com o irmão (Ben Schwartz) e a desconfortável inércia em que se sua vida se encontra e você entenderá sua aproximação cada vez maior com Carol (a sempre ótima Edie Falco). Carol foi professora de Christopher e se correspondeu com ele durante os anos em que ficou na prisão. Por quase vinte anos, ela foi a única pessoa que se correspondeu com ele e este fato construiu um laço vigoroso entre os dois... na verdade Chris está apaixonado por Carol, mas ela está presa a um casamento que já perdeu a graça faz tempo e tem uma filha adolescente (Kaitlyn Dever), que está cada vez mais distante. Jay e Edie realizam aqui um belíssimo trabalho em defesa de seus personagens, a cada instante o casal ressalta o que está em jogo na vida dos dois personagens, sem que precisem necessariamente expressar isso em diálogos. Edie Falco (que ficou mundialmente conhecida como Carmela, a esposa exemplar de mafioso em Família Soprano) está ótima em cada cena, revelando não apenas a vaidade esquecida de ser desejada (e este ainda é algumas décadas mais jovem que ela), mas especialmente, como ela pode ser mais determinada do que imaginava. Seu parceiro de cena, Jay Duplass (irmão do mais conhecido Mark Duplass) também está irresistível em cena, tornando fácil torcer para que tudo se acerte na vida deste homem de destino um tanto atrapalhado. Diante do trabalho dos atores, não há como esquecer o talento de Lynn  Shelton, utilizando a espontaneidade de sua direção para sensibilizar a plateia diante do romance de uma "adúltera" e um "ex-presidiário", dois estigmas que são tratados com grande sensibilidade pelo roteiro. assinado por ela e Jay.  O único problema do filme está no desfecho, que destoa do anúncio de um arremate bem mais romântico para a história do casal,  no entanto, Shelton e Jay sempre penderam mais para o realismo do que para o romantismo em suas carreiras, mas nada impede que a mente do espectador crie novos encontros para Chris e Carol após o término deste ótimo filme em cartaz na Netflix.

Outside In (EUA/2018) de Lynn Shelton, com Edie Falco, Jay Duplass, Ben Schwartz, Kaitlyn Dever e Aaron Blakely. ☻☻☻☻

terça-feira, 19 de junho de 2018

MTV Movie & TV Awards - 2018


Chadwick Boseman: consagração do ano. 

Houve um tempo em que o MTV - Movie Awards andava cansado. Sua própria identidade irreverente estava um tanto perdida, sem a energia que se espera da premiação mais animada do cinema - e mais ainda, capaz de destacar artistas que ganhariam Oscars nos anos seguintes (Marisa Tomei, George Clooney, Sandra Bullock, souberam como usar a premiação sabiamente como termômetro de suas carreiras iniciantes na telona). Ano passado, a premiação inovou e foi reformulada para destacar produções do cinema e da televisão, aboliu categorias por gênero (não existe mais melhor ator ou atriz, apenas melhor atuação) e mesclou filmes e séries numa mesma categoria. Passado o estranhamento do primeiro ano, o MTV Movie & TV Awards mostra que o antigo Movie transcendeu o formato das premiações tradicionais e redefiniu o seu público, cada vez mais atento ao que se passa na telinha. O resultado foi visto ontem com apresentação de Tiffany Haddish (a revelação do filme Girls Trip, que estreia quando por aqui, alguém pode me dizer?) e consagrou o hit Pantera Negra como o mais premiado da noite! Entre heróis (não apenas da ficção) e séries de TV, ainda houve espaço para  aqueles momentos em que a premiação se cruza com o Oscar (caso das indicações de Saoirse Ronan e Timothée Chalamet) e revela que entende das coisas ao seu modo. A seguir todos os indicados, com os premiados em destaque:

Melhor Filme
Girls Trip

Melhor Performance em um Filme

Melhor Série de TV
13 Reasons Why
Game of Thrones
Grown-ish
Riverdale
Stranger Things

Melhor Performance em uma Série de TV
Millie Bobby Brown – Stranger Things
Darren Criss – O Assassinato de Gianni Versace
Katherine Langford – 13 Reasons Why
Issa Rae – Insecure
Maisie Williams – Game of Thrones

Melhor Herói
Emilia Clarke (Daenerys Targaryen) – Game of Thrones
Grant Gustin (Flash) – The Flash

Melhor Vilão
Michael B. Jordan (Killmonger) – Pantera Negra
Aubrey Plaza – Legion

Melhor Beijo
Gina Rodriguez e Justin Baldoni – Jane the Virgin
Nick Robinson e Keiynan Lonsdale – Com Amor, Simon
KJ Apa e Camila Mendes – Riverdale
Finn Wolfhard e Millie Bobby Brown – Stranger Things2

Performance Assustada
Talitha Bateman – Annabelle 2: A Criação do Mal
Noah Schnapp – Stranger Things2

Melhor Equipe
Jumanji: Bem-vindo à Selva
Stranger Things2

Melhor Performance de Comédia
Jack Black - Jumanji: Bem-vindo à Selva
Tiffany Haddish – Girls Trip
Dan Levy – Schitt’s Creek
Kate McKinnon – SNL
Amy Schumer – I Feel Pretty

Melhor Roubada de Cena
Tiffany Haddish – Girls Trip
Dacre Montgomery – Stranger Things2
Madelaine Petsch – Riverdale

Melhor Luta

segunda-feira, 18 de junho de 2018

PL►Y: Ingrid Vai Para o Oeste

Olsen e Plaza: a vida é uma selfie. 

Indicado aos prêmios de melhor filme de estreia e melhor roteiro no Independent Spirit deste ano, Ingrid Vai Para o Oeste é uma grande surpresa. Primeiro por falar de assuntos sérios quando se faz de comediota. Outro fator surpresa é a atuação de Aubrey Plaza, que comprova ter cansado de fazer sempre a mesma personagem entediada em comédias americanas. Aqui, parece que o diretor Matt Spicer se apropria do histórico da atriz para dar-lhe uma personagem bem mais complexa e, o melhor, Aubrey cumpre a tarefa com louvor! Aubrey interpreta a personagem do título, uma mulher completamente dependente do celular, não... ela é completamente dependente das redes sociais mesmo. Por conta disso ela acabou tendo problemas com a justiça, sendo internada numa instituição psiquiátrica e recebendo uma ordem de restrição com relação a uma garota a qual era seguidora. Ingrid não tem emprego (e nem precisa, já que com a morte de sua mãe ela recebeu uma boa indenização), não tem namorado e não tem uma vida fora das redes. Quando ela recebe alta da tal instituição ela fica numa espécie de limbo, até encontrar outra garota badalada para seguir. A nova eleita ela conhece numa revista e se chama Taylor Sloane (Elizabeth Olsen em um papel bem mais leve que de costume), fotógrafa, moradora da Califórnia e que se tornou especialista em transparecer uma vida de sonho nas fotos que na internet. Tudo que Taylor faz é super descolado! Tudo que ela frequenta é o melhor! O melhor restaurante! A melhor loja! A melhor livraria! O melhor pet! O melhor!  Não demora para Ingrid ir morar na Califórnia e seguir os passos de seu novo modelo de comportamento e até criar uma situação para se aproximar de Taylor e o namorado, o artista Ezra (Wyatt Russell). São nestes momentos que percebemos que Ingrid não é uma garota má, mas tem uma mente distorcida ao ponto de não perceber o quanto a amizade está bem longe de ser o que acontece entre ela e o casal. Ela faz de tudo para agradar os dois e, quanto mais se aproxima, mais se torna perigosa a relação que se estabelece. Neste ponto dois personagens ganham espaço na trama, um é o senhorio de Ingrid, Dan (o bom O'Shea Jackson Jr. que torna a e a obsessão pelos filmes do Batman um dos pontos mais divertidos do filme) e o insuportável irmão de Taylor, Nicky (Billy Magnussen (que ainda é meu ator favorito para viver Adam Warlock nos filmes da Marvel), que serão importantes numa mudança brusca na vida de Ingrid. No roteiro esperto (premiado em Sundance), a protagonista irá aprender da pior forma que a vida apresentada nas redes sociais está bem longe de ser a real - assim como as versões que as pessoas apresentam ali são bem diferente da realidade. Equilibrando drama e comédia, Ingrid vai para o Oeste radicaliza no desfecho a ambivalência das redes sociais, que pode render leituras bem diferentes aos mais céticos e aos otimistas, mas que traz uma satisfação catártica à protagonista. Ingrid Vai Para o Oeste faz rir, mas também assusta ao nos fazer lembrar como algumas pessoas se tornam cada vez mais dependentes da popularidade virtual - mas é a atuação de Aubrey Plaza que revela o quanto pode haver de solidão em cada foto postada ou curtida. 

Ingrid Vai Para o Oeste (Ingrid Goes West/EUA-2017) de Matt Spicer com Aubrey Plaza, Elizabeth Olsen, Wyatt Russell, O'Shea Jackson Jr., Billy Magnussen e Pom Klementieff. ☻☻☻☻