sexta-feira, 31 de julho de 2020

HIGH FI✌E: Julho

Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:





Ciclo Ghibli: O Castelo no Céu / A Grande Batalha dos Guaxinins / O Túmulo dos Vaga-Lumes

O Castelo no Céu: Miyazaki e a paixão pelos ares.

O Castelo no Céu (1986) é o terceiro longa-metragem do diretor Hayao Miyazaki e retrata uma das paixões do cineasta: a aviação. Miyazaki tem verdadeiro fascínio por voar e este aspecto é presente em vários de seus filmes e aqui serve a uma mistura de fantasia com belíssimas imagens que serviu para pavimentar o início dos Estúdios Ghibli com o sucesso de uma história despretensiosa. A trama começa com a menina Sheeta sendo perseguida por piratas (e posteriormente por militares) que estão atrás de uma pedra misteriosa presente em seu colar. Ao fugir, a menina é salva por um menino órfão que trabalha com mineração, o adorável Pazu. O menino também é inventor nas horas vagas e seu sonho é inventar uma máquina que o possa levar para além das nuvens - onde acredita existir uma lendária ilha flutuante que, na verdade, parece mais um castelo. No meio das várias fugas realizadas, esta ilha servirá de esconderijo para os dois (mas não por muito tempo). O tal Castelo no Céu é o responsável pelos momentos mais deslumbrantes do filme, que demonstra desde o início que os animadores Ghibli sempre capricharam no visual marcante do estúdio. Além do tom de aventura em torno da amizade do casalzinho, o filme tem ainda um subtexto sobre tecnologias e os perigos que podem aparecer a partir de seu mau uso, mas nada que se aprofunde muito. Destaque para alguns momentos contemplativos e para a líder dos piratas Dola, que aos poucos demonstra mais camadas do que você imagina - ao contrário do vilão Muska, que deixa a desejar. Singelo e divertido, o filme  termina como uma aventura juvenil cativante. Outro filme que também segue a linha aventuresca é PomPoko - A Grande Batalha dos Guaxinins (1994), só que de forma bem mais, digamos, ousada. Apesar de ser protagonizada por bichos fofos, o diretor Isao Takahata demonstra mais uma vez sua busca por novos "parâmetros" nas produções do famoso estúdio. Seus filmes costumam ser os mais fora da caixinha entre seus colegas e aqui existe uma verdadeira coleção de cenas em que demonstra isso. Inspirado na lenda dos tanukis, os guaxinins travessos, o filme conta a história da luta destes animais contra o avanço das cidades sobre as paisagens naturais. Por conta da invasão humana ao habitat natural dos animais, algumas pessoas podem considerar determinadas cenas pesadas para a criançada e... são mesmo! 

]
Pom-Poko: metamorfores, batalhas e testículos em ação. 

Além de ter cenas que remetem diretamente aos filmes de terror (eu mesmo fiquei arrepiado com as pessoas sem rosto), o filme ainda ressalta bastante os testículos dos guaxinins no decorrer da história. Estes momentos fazem parte dos trechos mais surreais (e um tanto bizarros) da história que conta com guaxinins capazes de se metamorfosear e adquirir características mais diversas (incluindo fingir que são seres humanos). Vale lembrar que o filme tem dois grupos de guaxinins distintos, os pacíficos e os violentos que partem para o ataque sem pensar direito no que estão fazendo... mas nem só de planos e ataques vivem os personagens, eles também namoram e o período de acasalamento também tem destaque na histórias (mas nada explícito). No entanto, a irreverência não é um problema no filme, seu ponto fraco é a narrativa irregular, que nunca prende realmente a atenção do público. O público mais maduro vai aproveitar mais a sessão e o senso de humor bastante peculiar desta trama com com contornos ecológicos. O cineasta Isao Takahata já tinha alcançado a fama com seu filme O Túmulo dos Vagalumes (1988) cultuado clássico do estúdio. Ambientado na Segunda Guerra Mundial, o filme acompanha dois irmãos, Seita e a pequena Setsuko, os dois tem a vida totalmente mudada após um bombardeio sobre o território japonês. Eles moravam com a mãe e aguardavam o retorno do pai marinheiro, quando de repente tiveram que morar com uma tia e... depois a situação das crianças só piora. No entanto, desde o início já sabemos o desfecho que a história terá e resta ao espectador acompanhar a sucessão de tristezas na vida dos personagens. Ao retratar os horrores da guerra, mesmo em se tratando de uma animação, Isao Takahata não hesita em ser sombrio. Dos corpos que aparecem em cena, às imagens que retratam os feridos, a fome e a violência está toda ali com a densidade de um filme live action para gente grande (nem precisa dizer que o filme foi um fiasco ao entrar em cartaz nos EUA). Baseado no livro de  Akiyuki Nosaka, o filme é um verdadeiro marco se imaginarmos que ele foi lançado no final dos anos 1980 (época em que animações ainda eram sinônimos de filmes para criança). O resultado é um filme de guerra singelo, comovente e bastante doloroso - especialmente pela forma bastante verossímil como retrata o amor entre os irmãos no meio da tragédia. O resultado é um retrato intimista e contundente sobre o Japão devastado pela guerra. Ao contrário dos citados anteriormente, O Túmulo dos Vagalumes não está no pacote dos Estúdios Ghibli presente na Netflix, mas é um filme que vale a pena procurar quando você estiver disposto a chorar alguns litros diante da TV.

O Túmulo dos Vagalumes: filme de guerra de respeito. 

O Castelo no Céu (Tenkû no shiro Rapyuta / Japão - 1986) de Hayao Miyazaki com vozes de  Mayumi Tanaka, Keiko Yokozawa, Kotoe Hatsui. 

PomPoko: A Grande Batalha dos Guaxinins (Heisei tanuki gassen ponpoko/Japão - 1994) de Isao Takahata com vozes de  Shinchô Kokontei, Makoto Nonomura e Yuriko Ishida. 

O Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no haka / Japão - 1988) de Isao Takahata com vozes de  Tsutomu Tatsumi, Ayano Shiraishi e Akemi Yamaguch. 

4EVER: Alan Parker

14 de fevereiro de 1944 ✰ 31 de julho de 2020

Alan William Parker nascido em Londres começou sua carreira nos anos 1960 e estreou no cinema em 1976 com o filme Bugsy Malone, adaptação de um livro escrito por ele mesmo. O filme foi indicado ao Oscar de trilha sonora. Dois anos depois foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor por O Expresso da Meia-Noite (1978). Escritor, diretor, produtor e roteirista, Parker criou uma obra bastante diversa, que conta com dramas expressivos (Asas da Liberdade/1984 e Mississipi em Chamas/1988 que rendeu sua segunda indicação ao Oscar), musicais que marcaram época (Fama/1980, The Wall/1982, The Commitments/1991 e Evita/1996) e um terror memorável (Coração Satânico/1996). Com 14 filmes no currículo, Parker não dirigia um longa-metragem desde o controverso A Vida de David Gale (2003) com Kate Winslet e Kevin Spacey. Respeitado por produtores e atores, Parker sabia mesclar o cinema clássico com o inventivo, sem perder de vista as atuações (basta lembrar que nas mãos dele, Madonna ganhou até um Globo de Ouro pela atuação em Evita). Parker faleceu em decorrência de uma de uma doença não informada que o afastou do cinema na última década. 

quinta-feira, 30 de julho de 2020

PL►Y: Uma Segunda Chance para o Amor


Emilia Clarke ficou famosa por seu trabalho como a rainha dos dragões da série Game of Thrones e se na televisão ela tinha um papel denso para dar conta, nas telonas, a atriz tem se mostrado mais a vontade em comédias românticas, sobretudo depois do sucesso de Como Eu Era Antes de Você (2016). Para quem gostou daquele filme baseado na obra de Jojo Moyes, este aqui será outro programa digno de nota para quem se irritou com a atuação careteira da moça naquele filme, resta o consolo de que aqui a atuação dela menos careteira e mais agradável de assistir. No entanto, chega a ser maldade que um filme inspirado numa música chamada Last Christmas de George Michael (cujas canções servem de deliciosa trilha sonora para o filme), chegue por aqui batizado de Uma Segunda Chance para o Amor (2019), um título que não faz o menor sentido e mais parece uma propaganda enganosa para os fãs do sucesso anterior da moça. Escrito pela prestigiada Emma Thompson (Oscar de roteiro adaptado por Razão e Sensibilidade/1995) o filme conta a história de Kate (Emilia Clarke), filha de imigrantes da Iugoslávia que mora na Inglaterra, fã de George Michael e que sonhava em ser cantora mas que trabalha numa loja de artigos natalinos administrada por Noel (Michelle Yeoh). Aos poucos percebemos que a vida da moça está uma confusão, sem ter lugar para morar, com dificuldade de convencer os amigos que ela ainda é digna de confiança e com histórico repleto de parceiros sexuais casuais, Kate não sabe muito bem que rumo tomar na vida. Embora faça um teste e outro para retomar a carreira artística (ela cantava em coral quando era pequena), as coisas não andam muito fáceis para ela - ainda mais que ela se recusa a voltar para a casa dos pais (Emma Thompson e Boris Isakovic sem momentos marcantes) e o contato com a irmã temperamental (vivida por Lydia Leonard). No meio desta confusão, ela conhece o misterioso Tom (Henry Golding), um sujeito zen que tenta fazer a moça olhar para sua realidade de outra forma. O filme segue a rotina de uma comédia romântica típica beneficiada por bons diálogos e situações engraçadinhas, seu ponto mais delicado é desejar que o espectador acredite na grande quantidade de coincidências que aparecem no decorrer da história. Aos poucos percebemos que o histórico de vida de Kate é um tanto complicado e o filme caminha para uma surpresa no final. O filme tem um ritmo animado, exagera na hesitação do casal romântico (mas depois acaba fazendo sentido), possui visual colorido e um final alto-astral. É um filme para ver sem maiores complicações. O que fica um tanto desengonçado é tentar falar sobre temas sérios como Brexit, preconceitos e situação de imigrantes sem se aprofundar em nenhum dos temas. Vale ressaltar como ponto positivo a diversidade do elenco, que é apresentado com a maior naturalidade na história.

Uma Segunda Chance para o Amor (Last Christmas / EUA - Reino Unido / 2019) de Paul Feig com Emilia Clarke, Henry Golding, Michelle Yeoh, Emma Thompson, Lydia Leonard e Boris Isakovic. ☻☻☻

quarta-feira, 29 de julho de 2020

PL►Y: A Sun

Chen e Wu: a relação entre pai e filho. 

Considerado por muitos críticos uma obra-prima, o filme A Sun do diretor taiwanês Chung Mong-Hong é um épico familiar que não vemos com frequência. A começar pela cena inicial violenta e marcante, que nos deixa sem fôlego e apreensivos durante boa parte da apresentação daqueles personagens. Aos poucos conhecemos A-Ho (Wu Chien-Ho), que depois de um passado de infrações ao lado do primo é dirigido para um cento de detenção juvenil, lá ele aprenderá que a vida pode ser mais dura do que ele imaginava. Do lado de fora estão seus pais, Chen (Chen Ye-Wen) e Qin (Samanth Ko), que lidam com aquela ausência de formas distintas, mas, ambos, depositam no outro filho A-Hao (Xu Guang-Han) as esperanças de um futuro melhor. Para acirrar ainda mais esta situação, a jovem namorada de A-Ho aparece grávida e precisa do amparo desta família. Por duas horas e meia acompanharemos os rumos desta família, veremos os filhos alternarem a percepção que os pais possuem deles e novas oportunidades aparecerão para que as relações sejam repensadas. Tudo sem pressa, sem sobressaltos e no ritmo adequado para que os personagens se tornem de carne e osso diante dos nossos olhos. Quanto mais a trama avança, mais torcemos para que A-Ho se acerte, especialmente com seu pai que passou a ignorá-lo. Quando o passado bater à porta do rapaz, o desejo que temos é que nada de mal aconteça a nenhum dos personagens. Ao contar uma história de pessoas comuns superando suas dificuldades o roteiro ousa sobrepor algumas tragédias, no entanto a sensibilidade e o cuidado para não cair no melodrama barato despertam o interesse da plateia como se assistisse a um verdadeiro suspense. O interessante do filme é a forma como constrói o potencial de seu drama familiar através da interação daqueles sujeitos, especialmente nas relações entre pais e filhos, levando em consideração os descaminhos que escolhem no decorrer da história. Embora seja banhado de esperanças e tristezas, a última cena é sublime em sua poesia, representada muito bem pelo título (Um Sol) que pode ser algo em que o mundo gira ao redor ou a estrela capaz de trazer luz, calor e vida para quem está ao seu lado. Bem construído, com belíssima fotografia, o filme está em cartaz na Netflix faz algum tempo e merece atenção de quem curte um bom drama familiar. 

A Sun (Yang guang pu zhao / Taiwan - 2019) de Mong-Hong Chung com Chien-Ho Wu, Yi wen-Chen, Samantha Shu-Chin ko, Kuan-Ting Liu, Greg Han Hsu e Apple Wu. 

domingo, 26 de julho de 2020

4EVER: Olivia de Havilland

01 de julho de 1916 ✰ 26 de julho de 2020

Considerada a última representante da Era de Ouro de Hollywood, Olivia Mary de Havilland foi indicada cinco vezes ao Oscar, levando duas estatuetas de melhor atriz ao longo de sua carreira (a primeira por Só Resta Uma Lágrima/1947 e a outra por Tarde Demais/1949). A atriz começou seus trabalhos no cinema em 1935 e foram mais de cinquenta anos de trabalhos no cinema e na televisão. Filha da atriz Lilian Fontaine e irmã de Joan Fontaine, ela ficou famosa após seu trabalho no clássico E o Vento Levou... (1939). Apesar da origem familiar americo-britânica-francesa, Olivia nasceu na cidade de Tóquio no Japão e após sua aposentadoria passou a residir em Paris. Olivia é considerada uma das 500 personalidades mais importantes do cinema, inclusive por sua militância pelos direitos de atores e atrizes na indústria do entretenimento. A atriz faleceu de causas naturais enquanto dormia em sua residência.

PL►Y: O Pintassilgo

Ansel: crescendo entre altos e baixos. 

A grande aposta da Warner para as premiações do ano passado naufragou assim que foi lançado. Baseado em uma obra ganhadora do Pulitzer, com elenco robusto e bela fotografia, O Pintassilgo viu suas chances de sucesso naufragarem assim que os críticos detonaram a produção e o público não compareceu aos cinemas. O resultado foi uma estreia que arrecadou modestos 2,7 milhões e que mal conseguiu dobrar este valor enquanto esteve em cartaz nos Estados Unidos (o filme rendeu um prejuízo de cerca de 50 milhões de dólares). Também atrapalhou muito o filme as comparações com o premiado livro de Donna Tartt, que conta em 728 páginas a história do jovem Theo Decker após perder a mãe em um atentado terrorista. Ao tentar abraçar tudo que a história tem a oferecer o diretor John Crowley (do ótimo Brooklyn/2015) se perde no emaranhado de acontecimentos com uma edição que desperdiça o bom material que tem em mãos. Sabe aquele filme que teria quatro horas de duração e precisou ser remontado? É mais ou menos isso. No entanto, o filme pode manter o interesse do espectador que não se importa de gastar duas horas e meia diante de uma trama que nunca concretiza seu momento arrebatador. Seria fácil se comover com a história do pequeno Theo (o bom Oakes Fegley) que se torna órfão de mãe e vai morar na casa de uma família amiga enquanto não descobre o paradeiro de seu pai (Luke Wilson). Ele estreita os laços com a família da Senhora Barbour (Nicole Kidman que tem um bom início na trama e depois vira um enfeite) para depois sua vida se tornar bastante imprevisível com a chegada do pai (e da namorada vivida por Sarah Paulson). Este período só aumenta a importância do amigo ucraniano Boris (Finn Wolfhard) e de Hobie (Jeffrey Wright) que se tornará uma espécie de mentor em sua vida. No entanto, a coisa começa a desandar quando vemos Theo adulto (vivido pelo esforçado Ansel Elgort) e o filme passa a ir e voltar no tempo. Este exercício serve mais para quebrar o ritmo do que para criar uma narrativa envolvente. Entre perdas, reencontros, a iniciação ao uso de drogas e bebidas alcoólicas, Theo ainda precisa lidar com um segredo relacionado à pintura que dá nome ao filme, uma belíssima pintura de Carel Fabritius que por si só já tem uma história interessante. Com tantos assuntos para tratar e tantos personagens para desenvolver, o filme segue por alguns caminhos que não funcionam chegando a um desfecho mais apressado e confuso do que excitante. Embora cinematograficamente o filme não seja um desastre completo, ele também não alcança todas as suas ambições (que não são poucas). Apesar do elenco esforçado, o filme deixa a sensação que em suas duas horas e meia muita coisa foi desperdiçada no caminho. Talvez no futuro o livro O Pintassilgo renda uma boa minissérie que lhe permita desenvolver todas as suas camadas com precisão, já que como filme, se torna apenas um passatempo.

O Pintassilgo (The Goldfinch / EUA - 2019) de John Crowley com Ansel Elgort, Oakes Fegley, Nicole Kidman, Jeffrey Wright, Luke Wilson, Finn Wolfhard, Sarah Paulson e Aneurin Barnard. 

#FDS Oscar.Doc: Indústria Americana

Fuyao: Made in USA com sabor chinês. 

Fechando este #FDS está o ganhador do Oscar de Melhor Documentário deste ano, o filme Indústria Americana conta uma história incômoda de precarização do trabalho enquanto constrói uma crônica sobre diferenças culturais. O filme começa com o fechamento de uma fábrica da General Motors na cidade na cidade de Dayton (Ohio, EUA) durante a crise de 2008. O fechamento da empresa alterou a rotina de grande parte dos moradores que dependiam daquele emprego. Em 2008 a fábrica voltou a funcionar, desta vez sob a tutela da multinacional chinesa de produção de vidros automotivos Fuyao. Assim que a empresa chega na cidade, ela enche de esperança os moradores que voltam a trabalhar e sonhar com uma vida melhor. Trazendo vários executivos e funcionários da China, a empresa tem como desafio vender a imagem de que apesar do nome estrangeiro, se transformará em uma empresa americana naquele território. Não é assim tão fácil. Se no início existe a ideia de que os habitantes locais e chineses precisam se adaptar ao encontro das duas realidades, aos poucos uma série de situações demonstram que a situação é mais complicada do que parecia de início. Além dos funcionários representarem duas culturas diferentes, no chão da fábrica as realidades trabalhistas de ambos os países se choca de forma contundente em uma relação assimétrica de poder entre os dois grupos. Os americanos começam a perceber que as exigências sobre seus ofícios são cada vez maiores, embora o salário seja muito menor do que o recebido anteriormente. Sempre comparando a produção da matriz com a de sua filial se instaura uma verdadeira tensão diante dos prejuízos sempre alardeados pelos diretores da empresa. Chamados de "lentos" e "preguiçosos", os habitantes de Dayton começam a ficar cada vez mais insatisfeitos com o trabalho, mas o medo de perder o emprego acaba falando mais alto - especialmente quando o sindicato começa a rondar a empresa. Indústria Americana chamou a atenção por mostrar operários estadounidenses sendo rotulado por estrangeiros da mesma forma como costumam rotular os imigrantes. Com condições ruins de trabalho, nível de estresse nas alturas e despesas para dar conta, a insatisfação tenta ser contornada pelos administradores a partir de palestras motivacionais, uma visita inusitada à China e tentativas desesperadas de conter a sindicalização (e como cereja do bolo a automação dos serviços aparece bem no finalzinho). O documentário parece filme de Michael Moore, mas não é. Segue uma linha mais tradicional de narrativa e prefere deixar nas entrelinhas os temas que começam a surgir na tela. O que para alguns pode parecer uma indiferença pode apenas disfarçar a ironia de incomodar somente quando enxergamos a precarização dos direitos no quintal de casa. O que a Fuyao faz aqui não é diferente do que trocentas empresas multinacionais (estadounidenses, inclusive) fazem ao redor do mundo há tempos.

Indústria Americana (EUA/2019) de Steve Bognar e Julia Reichert com Jimmy Wang, Robert Allen, Dave Burrows e Wong He. 

sábado, 25 de julho de 2020

#FDS Oscar.Doc: Free Solo

Alex: a vida em risco. 

Segundo documentário deste #FDS, Free Solo ganhou o Oscar da categoria no ano passado e causou certo estranhamento por não abordar temas engajados ou históricos, mas quem assistiu ao filme produzido pela National Geographic sobre a aventura de um adepto de escaladas sem material de segurança, entendeu plenamente o motivo da premiação. Para começar os diretores Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi filmam de forma que o espectador pode sentir parte da emoção de Alex Honnold, o escalador solo que planeja escalar o El Capitón, o paredão de 975 metros em Yosemite  (Califórnia, EUA) sem cordas ou equipamentos de proteção. Com ângulos vertiginosos inacreditáveis o espectador por vezes até se esquece do risco que os documentaristas assumiram neste trabalho, afinal, se Alex fracassar o que teremos é o registro de uma tragédia e não de um momento de superação aventureira. No entanto, se Alex conseguir, será o maior paredão já escalado por qualquer pessoa sem uso de equipamentos, só na garra (na unha mesmo). O arrepio é mais do que garantido ao ver aquele rapaz confiando em suas mãos e pés naquelas fissuras para conquistar seu objetivo a centenas de metros do chão. O filme deixa bem claro que aquela aventura é uma tarefa perigosa (só ficar atento às notícias que aparecem de outros adeptos que se acidentaram ao redor do mundo durante as filmagens) e que muitas pessoas não entendem a motivação de alguém fazer algo tão arriscado - e esta postura fica bem representada no filme pela namorada de Alex que não consegue compreender o que se passa na mente dele. Entre as cenas de preparação e escaladas, o filme explora um pouco a história particular do rapaz. Relatos sobre sua infância e família convivem com cenas de fraturas e aquele exame neurológico em que ele descobre que a parte do seu cérebro responsável pelo medo não é ativada com a mesma facilidade que da maioria dos mortais (tá explicado!). O que diferencia o filme de um programa de aventuras é o cuidado com que as cenas são filmadas para gerar o maior impacto possível na tela de cinema (e acredite, na televisão ainda é impressionante), no entanto, para além do tema e da vida particular um tanto bagunçada do protagonista, o filme poderia cair no clichê de "enfrentar os desafios" ou "superação de limites" mas o evita pela autenticidade com  que apresenta Alex Honnold como um ser humano capaz de sentir dor, medo, frustração e ao mesmo tempo sabe filtrar estas sensações em momentos complicados. Free Solo tem cenas de cair o queixo (e em épocas de CGI o efeito me parece ainda maior), mas dificilmente funcionaria se não construísse um vínculo da plateia com aquele moço pendurado a três mil pés de altura. 

Free Solo (EUA/2018) de Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi com Alex Honnold, Tommy Caldwell, Sanni McCandless, Cheyne Lempe e Jimmy Chin. 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

#FDS Oscar.Doc: The Cove

The Cove: dolorosa realidade. 

Uma vez por mês irei escolher três filmes dentro de um tema específico e listar num final de semana aqui no blog. Resolvi começar as temáticas por um gênero em que presto cada vez mais atenção - e ainda é visto com reserva por muita gente: o documentário. Faz tempo que este tipo de filme se renovou, se tornou mais dinâmico, inovador e moderno, mas também existem diretores que prezam por uma linha mais tradicional de narrativa (e não existe problema algum nisso, já que a diversidade torna o gênero ainda mais rico).  Escolhi para este Fim de Semana três filmes que levaram o Oscar de Melhor Documentário para casa. Para começar escolhi um documentário que procurei faz tempo e sabia que um nó na garganta seria certo. The Cove (ou A Enseada, como alguns o conhecem) foi lançado em meados de 2009 e logo chamou atenção de público e crítica, sendo logo cotado para o Oscar e listado como um dos dez filmes mais importantes daquele ano. Um dos motivos para isso é mexer com nossa memória afetiva com um dos programas de televisão mais queridos de todos os tempos: Flipper. O programa sobre as aventuras de um golfinho muito esperto numa reserva marinha na Flórida gerou uma verdadeira paixão mundial pelos golfinhos, ganhou três temporadas nos anos 1960 e contribuiu para a proliferação dos parques aquáticos pelo mundo. The Cove é narrado por uma pessoa muito importante nesta estrutura, o treinador Ric O'Barry, que se tornou responsável por treinar os dois golfinhos (fêmeas) do programa e que contribuiu na formação de todos os demais treinadores que surgiram depois dele. No entanto, Ric começou a conhecer a realidade que existia por trás deste espetáculo e ficou horrorizado com o que descobriu. Além de aprofundar seus conhecimento sobre a inteligência e sensibilidade dos golfinhos, ele começou a buscar a forma como estes animais são capturados, (mal) tratados e mortos. A enseada anunciada pelo título se tornou o verdadeiro palco de uma carnificina no Japão. Dezenas de golfinhos são conduzidos para lá, aqueles que se enquadram nos padrões dos treinadores são escolhidos e o destino dos que restam é o pior possível. The Cove tem cenas chocantes, que tingem a tela de vermelho e assustam por conta do descaso das autoridades e conchavos políticos inacreditáveis. Apresentando todo um universo sombrio em torno de animais tão dóceis, o filme utiliza um tom investigativo que transcende a linguagem documental e se torna uma espécie de filme de terror ecológico, sem esquecer o que existe de dramático em nos fazer repensar a forma como a humanidade lida com a natureza, como se esta lhe pertencesse e existisse apenas para lhe servir. Confesso que fiquei chocado em várias cenas e chorei um bocado. Em época de pandemia, em que fala-se muito sobre reavaliar a forma como nos relacionamos com o mundo, The Cove é um filme essencial de ser visto, revisto e compartilhado. 

The Cove (EUA/2009) de Louie Psihoyos com Richard O'Barry, Louie Psihoyos, Hardy Jones, Michael Illif e Ian Campbell. 

PL►Y: Tom of Finland

Tom (Pekka Strang): história de um ícone fetichista.  

Touko Valio Laaksonen nasceu na costa da Finlândia e se interessou por arte desde criança. No entanto, quando Stalin invadiu a Finlândia na Segunda Guerra Mundial, Touko foi para o campo de batalha e foi assombrado pelos fantasmas da guerra por muito tempo. Por outro lado, aquele universo de homens fortes e uniformizados o fez ter certeza dos caminhos que sua sexualidade seguiria. Passada a guerra e com um emprego seguro no mercado publicitário, o tímido e reservado Touko precisava expressar seus desejos de alguma forma e passou a fazer isso através de desenhos de homens musculosos, com uniformes sugestivos de couro e bastante  fetichismo. Rebatizado de Tom (com o objetivo de preservar sua identidade num país extremamente conservador) ele começou a ganhar fama em países da Europa e Estados Unidos e ao longo do tempo seus desenhos homoeróticos foram absorvidos pelo mundo pop, sobretudo sua estética (cheia de botas, couro e óculos escuros) que serviu de inspiração para George Michael, Madonna e Right Said Fred, além de inúmeros editoriais de moda.  Quando o diretor finlandês Dome Karukoski (que recentemente filmou Tolkien/2019, a cinebiografia de  J.R.R. Tolkien) criou para si a tarefa de contar a história de um artista tão peculiar, sabia que embarcava em um projeto que mexia com fantasias, expectativas e preconceitos, mas o resultado é tão bem sucedido que foi selecionado pelo seu país para disputar uma vaga no Oscar de Filme Estrangeiro de 2018 (e ficou de fora, claro). O filme Tom of Finland cria um retrato bastante interessante de seu biografado e, o mais interessante, o faz com bastante discrição. É verdade que os mais conservadores irão ficar incomodados com uma cena aqui e outra ali - e os mais animados irão sentir falta de cenas mais explícitas -, mas no geral, o filme é bastante interessante ao retratar o tratamento aos homossexuais no pós-guerra e  apresentar como se construiu o imaginário de Tom. Durante todo o filme as figuras de autoridade (e seus uniformes) aparecem várias vezes até se mesclarem com o universo de outra fonte de inspiração de seus desenhos: os motoqueiros. A construção deste universo gráfico abraçado pela cultura gay do século XX é contada paralela ao relacionamento de Toiko (um ótimo trabalho do ator Pekka Strang) com a irmã (Jessica Grabowski) e (Lauri Tilkanen), que torna-se companheiro fiel ao longo da vida de Tom. Entre festas clandestinas, publicações proibidas e uma fama crescente, Tom of Finland apresenta vários momentos em que a  hipocrisia de um mundo regido por aparências se torna sufocante. Do preconceito por suas obras, sua consagração entre o público gay, a absurda associação de seus desenhos com a proliferação da AIDS nos anos 1980 até a última cena ao som de batidas eletrônicas, existem momentos quase surreais em que em que seus personagens ganham vida através dos fãs que o cercam. Tom of Finland é um filme interessante e até revelador. 

Tom of Finland ( Finland - Sweden - Denmark - Germany - Iceland - USA/2017) de Tom of Finland  com Pekka Strang, Jessica Grabowksi, Lauri Tilkanen, Taisto Oksanen, Fabian Puregger, Jakob Oftebro e Jimmy Shaw. 

quarta-feira, 22 de julho de 2020

PL►Y: Viveiro

Jesse, o bebê e Imogen: a arte do sem sentido. 

Fazer filmes estranhos podem até parecer simples, aparentemente é só construir uma história sem pé nem cabeça que seja capaz de manter o espectador curioso em saber como aquilo irá terminar. No entanto, além de espalhar alguns detalhes capazes de fazer com que se busque sentidos abaixo da superfície, também é preciso que o final da trama seja satisfatório. Não que ele precise explicar o que está acontecendo, mas precisa ser algo arrebatador, que, de preferência, subverta o que foi visto até então. Talvez esta seja a maior falha de Viveiro, um filme de estrutura simples e circular, cuja história não avança e se repete até chegar ao desfecho (e o título á revela bastante do que se trata). É verdade que aqui e ali acontece uma coisinha que cria a esperança de que aquele universo irá desmontar, mas o maior problemas está no final (que pode se dizer: volta para o início promissor).  A trama gira em torno de um jovem casal que busca a casa ideal para morar. Gemma (Imogen Poots) e Tom (Jesse Eisenberg), acabam entrando em uma imobiliária e conhecendo um corretor esquisito que os levam para um condomínio distante, de uma perfeição  visivelmente artificial. Lá encontram uma casa espaçosa, que parece perfeita para morar e criar um filho (e o quarto já vem projetado para um menino). Eles não fazem ideia que ficarão presos naquele lugar por um longo tempo. Sem vizinhos por perto e nem sinal do corretor que os levou para aquele mundo estranho, eles se percebem presos em uma rotina que se altera quando o roteiro acrescenta mais um personagem que só ironiza a construção daquela família "ideal". Com inspiração surrealista, torna-se possível fazer várias leituras sobre o que acontece no filme, sobre a relação entre um casal, sobre a ideia do que é ser uma família, como a rotina pode ser uma prisão, de como um filho pode ser um estranho para seus pais, a negação de alguns papéis sociais, obsessões, medos, tédio (e se o espectador optar não fazer será provavelmente rotulado como aquele que não entendeu o sentido do filme, relaxa, o filme não avança mesmo). O diretor Lorcan Finnegan (que assina o roteiro junto com Garret Stanley) deixa tudo solto, frouxo e sem explicações de propósito na construção absurda de sua narrativa. No final ele até ensaia dar algumas respostas, mas nada que mude muito o tom entediante da história. Talvez a ideia rendesse um bom curta-metragem, num filme de pouco mais de noventa minutos a coisa fica repetitiva e não se desenvolve como deveria. Quanto ao elenco, Imogen Poots se esforça, mas o roteiro que corre atrás do próprio rabo não lhe oferece muita substância para desenvolver, ainda assim, ela consegue fazer mais do que Jesse Eisenberg que passa a maior parte do filme cavando um buraco no quintal. Misturando terror, suspense e uma pitada de ficção científica, Viveiro é mais um filme genérico que bebe na fonte de Além da Imaginação - que também tinha seus episódios ruins No entanto, a maior decepção está realmente no desfecho. Fosse algo imprevisível, poderia ser mais interessante, do jeito que é, torna sua birutice em experiência bastante esquecível.

Viveiro (Vivarium / Irlanda - Bélgica - Dinamarca, Reino Unido - EUA / 2019) de Lorcan Finnegan com Jesse Eisenberg, Imogen Poots e Jonathan Aris. 

KLÁSSIQO: Rebecca - A Mulher Inesquecível

Anne, Laurence e Judith: um incômodo fantasma por perto. 

É mais do que curioso que com tantos filmes famosos e frequentemente lembrados, somente um longa de Alfred Hitchcock tenha recebido o Oscar de Melhor Filme, no caso Rebecca, um filme que fica até esquecido diante dos seus irmãos famosos como Um Corpo Que Cai (1958), Janela andiscreta (1954) e até Psicose (1960). Lançado em 1940 o filme foi indicado a onze prêmios da Academia, Hitch e todo o elenco foi lembrado, assim como várias categorias técnicas (o filme recebeu também o prêmio de Melhor Fotografia em Preto e Branco). O filme marcou a chegada do diretor em Hollywood pelas mãos do produtor David Selznick que estava ansioso para levar o nome mais badalado do cinema inglês para os Estados Unidos. Ele considerou que o texto baseado na obra de Daphne Du Maurier (que tem momentos que lembram muito o clássico Jane Eyre de Charlotte Brontë) seria um sucesso nas mãos de Hitch. No entanto, o diretor foi perdendo cada vez mais o interesse pelo projeto, especialmente quando teve problemas para escalar a protagonista. O filme conta a história de uma mulher modesta e insegura (Joan Fontaine, irmã da já famosa Olivia de Havilland) que trabalha como dama de companhia para uma senhora rica e um tanto grosseira. Quando o filme começa as duas estão em uma viagem pela Europa e encontram o charmoso viúvo, Sr. De Winter (Laurence Olivier). Ele se tornou viúvo a pouco tempo e demonstra cada vez mais interesse pela jovem que cruza o seu caminho. Os dois acabam se casando e o que poderia ser um conto de fadas se torna um verdadeiro tormento. Na mansão onde a nova Senhora De Winter irá viver, tudo transpira a presença da falecida Rebecca, assim como todos idolatram a mulher que não mora mais ali. Rebecca foi convertida em uma espécie de entidade acima do bem e do mal - e paira sobre aquela casa feito um fantasma (para desespero da nova senhora que torna-se cada vez mais insegura e deslocada). Esta tensão prejudica o relacionamento com o esposo, que se torna mais arredio e parece estar escondendo algo. O roteiro tem o grande atrativo de subverter o que a plateia espera, existem guinadas que sempre caminham para o lado oposto do que se imagina, ao ponto da protagonista perder o destaque na parte final, deixando o esposo no centro da narrativa. Fontaine e Olivier estão muito bem em cena, mas reza a lenda que Fontaine era insegura de verdade, fazendo com que Hitchcock construísse um ambiente bastante hostil para ela nos bastidores para que sua atuação ficasse ainda mais autêntica. Apesar dela não ser a escolha do diretor para o papel (foi Selznick que decidiu por ela) não houve ressentimentos entre a estrela e o diretor, especialmente depois que Anne foi indicada ao Oscar por seu trabalho e repetiu a parceria com o cineasta em seu filme seguinte (Suspeita/1941 que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz). Outra interpretação feminina que merece atenção em Rebecca é da australiana Judith Anderson que encarna a estranha governanta Srª Danvers que tem uma das cenas mais arrepiantes no desfecho. Com cenários imponentes e a elegância de sempre, Hitchcock faz um trabalho que impressiona pela fluidez, embora seja diferente do  que está acostumado a fazer. A montagem é precisa, a fotografia impressiona e a trama que mistura romance, suspense, tribunal e um senso de humor maldoso não soa datada e pode até conquistar um lugar entre seus filmes favoritos do cineasta. 

Rebecca - A Mulher Inesquecível (Rebecca / EUA - 1940) de Alfred Hitchcock com Anne Fontaine, Laurence Olivier, George Sanders, Judith Anderson, Nigel Bruce e Florence Bates. 

terça-feira, 21 de julho de 2020

PL►Y: Como Terminei Este Verão

Grigoriy e Sergey: dois homens em uma ilha deserta de gelo. 

Dois homens com grande diferença de idade estão isolados em uma ilha deserta. Os dois devem trabalhar juntos e começam a ter problemas sérios de relacionamento. Aos poucos medo, mentiras e desconfianças começam a ganhar forma e a tensão cresce até o final. Esta ideia pode até ser confundida com a de O Farol (2019) mas trata-se do russo Como Terminei Este Verão, filme de 2010 dirigido por Aleksey Popogrebskiy, filme que rendeu aos seus atores o prêmio de melhor atuação masculina daquele ano no Festival de Berlim, que ainda deu ao filme o Urso de Prata do Festival (espécie de segundo lugar da Mostra Competitiva). Embora o ponto de partida seja bastante semelhante com o recente filme de Robert Eggers a estética da trama não poderia ser mais diferente.  A começar pelo título irônico que quebra a ideia de um filme de verão com sol, praia, romances... ambientado em uma ilha do Oceano Ártico (o que dá ao filme uma identidade por si só interessante, valorizada pela belíssima fotografia), o filme nos apresenta Sergei (Sergey Puskepalis), um meteorologista experiente com plena consciência da história da região e funcionamento das pesquisas que acontecem naquele local. Ele trabalha com o jovem Pavel (Grigoriy Dobrygin), graduado recentemente na faculdade, inexperiente e que percebe aquela oportunidade como um bom diferencial para o seu currículo. No entanto, a seriedade de Sergei contrasta com o tantinho de irresponsabilidade de Pavel, e isso torna o relacionamento deles bastante tenso sem testemunhas por perto. Se Pavel tenta driblar a monotonia do local com música e brincadeiras, Sergei aprecia aquele lugar frio, silencioso e solitário para realizar as tarefas (embora ele tenha uma família longe dali). A guinada da história está no dia em que Pavel recebe uma mensagens por rádio que mudará para sempre a dinâmica entre os dois. Embora esta mensagem renda desdobramentos mais radicais na trama, o melhor do filme é perceber o relacionamento dos personagens. Por vezes parecem patrão e empregado, mestre e aluno, pai e filho, e, em uma cena, até submisso e dominador. Existe entre os dois uma relação de saber e poder nas entrelinhas que torna o filme muito interessante, especialmente quando a tal mensagem troca o detentor de uma informação "valiosa" nesta estrutura. O diretor Aleksey Popogrebskiy realiza um belo trabalho na construção de um suspense econômico e que tem a geografia de sua ambientação um verdadeiro trunfo. Vale lembrar que se trata de um filme russo, bem distante do ritmo Made in Hollywood. Silencioso e contemplativo, combina com a melancolia solitária que explica perfeitamente o desfecho da pendenga que se instaura entre os dois. Pavel e Sergei são verdadeiros cúmplices e no final você se dá conta que um homem pode não ser uma ilha, mas alguns até gostariam de ser. 

Como Terminei o Verão (Kak ya provyol etim letom / Rússia - 2010) de Aleksey Popogrebskiy com Sergey Puskepalis, Grigoriy Dobrygin e Igor Chernevich. 

PL►Y: Cadê Você, Bernadette?

Blanchett: mulher de sucesso em crise existencial. 

De temperamento difícil e com tendência para a reclusão, Bernadette Fox não é uma pessoa fácil de se conviver. Se você a conhecer pessoalmente, provavelmente irá considerar que ela é apenas uma mulher antipática que tem problemas com a vizinha ou que apenas é uma mulher insatisfeita com alguma coisa (que nem ela sabe direito o que é). No entanto, ao ser interpretada pela sempre interessante Cate Blanchett e dirigida por Richard Linklater, a personagem recebe novas camadas numa história que oscila entre o drama e a comédia com um raro equilíbrio (pelo menos até sua última parte - quando a história interessante se resume a uma reconciliação familiar). Enquanto parece tentar nos fazer rejeitar aquela personagem (e Cate tenta fazer isso com o maior gosto e um bocado de charme) as partes seguintes nos faz entender um pouco mais a história daquela mulher que vive em uma casa ainda em construção com o marido (Billy Crudup) e a filha (Emma Nelson). Descobrimos que Bernadette Fox era um dos nomes mais celebrados da arquitetura e os depoimentos sobre sua genialidade, em formato de documentário no decorrer do filme, é um dos destaques da sessão (e que lembra o que o diretor já vez no subestimado Bernie/2011). Aos poucos a protagonista se torna mais complexa e à beira de um ataque de nervos. O marido parece não se dar conta do que está acontecendo, mas uma pendenga com uma vizinha (Kristen Wiig) irá deixar mais evidente que algo não está bem com Bernadette, ao ponto dela correr o risco de cair num verdadeiro golpe do mundo moderno. Com grande dificuldade de construir vínculos afetivos, sua postura é vista por muita gente como excêntrica, mas na verdade esconde uma crise emocional prestes a explodir. Quando ela se depara com sua própria situação é interessante como o roteiro (baseado no livro de Maria Semple) opta por um caminho diferente do que vemos neste tipo de história. Bernadette parte rumo a descobrir novos sentidos, outras motivações e segue por caminhos inusitados. Neste ponto, Cate Blanchett tira de letra uma personagem que deve processar seus sentimentos e seguir em frente, mas o filme tropeça justamente quando o marido e a filha partem em busca dela e o filme perde ritmo (me parece que um reencontro no final já estaria bom). Talvez o problema seja o brilhantismo da atriz que torna seu trabalho o maior atrativo de filme, afinal, embora  filme tenha um bom  roteiro, trata-se do tipo de texto complicado que pode facilmente gerar rejeição da plateia pela postura de sua protagonista. Com Cate à frente, Cadê Você, Bernadette? vai além da esposa que "desapareceu no estreito de Galarche", e se torna a história de uma mulher em busca de si mesma (o que é muito mais interessante). 

 Cadê Você, Bernadette? (Where'd you go, Bernadette? EUA - 2019) de Richard Linklater com Cate Blanchett, Billy Crudup, Emma Nelson, Kristen Wiig, Steve Zahn e Laurende Fishburne. 

terça-feira, 14 de julho de 2020

PL►Y: Boy George - A Vida É Meu Palco

Douglas Booth: um Boy George de respeito. 

Com o sucesso das cinebiografias de Freddie Mercury (Bohemian Rhapsody/2018) e Elton John (Rocketman/2019), foram anunciados outros projetos sobre astros da música que se tornaram icônicos no século XX. Assim, já comentaram sobre o preparo de um filme sobre a vida de David Bowie e Boy George. Na verdade, fiquei surpreso quando descobri nesta semana que em 2010 já foi realizado um filme sobre o vocalista do Culture Club estrelado por Douglas Booth (que viveu recentemente Nikki Sixx no filme sobre o Mötley Crüe). Feito para a televisão, a produção é bastante eficiente ao apresentar um pouco mais sobre o cantor que marcou a década de 1980 com sua androginia de maquiagem pesada e roupas exóticas cantando hits como Do You Really Want to Hurt Me e Karma Chameleon. O filme começa com o jovem George O'Dowd (Booth) tendo problemas na escola e com a família, especialmente pelo seu estilo diferente. Quando o conselheiro escolar lhe pergunta o que o diferencia, o que ele mais gosta de fazer ele é categórico: "Maquiagem". Inteligente, com língua afiada e um senso de humor agressivo, George não demora a sair de casa e tentar a vida em outros cantos. Ele acaba indo morar em prédios abandonados com outros jovens que compartilhavam o mesmo gosto por roupas e maquiagens (para desgosto de suas famílias), além de curtirem passar o tempo no Blitz, um point comandado com rabugice e vaidade por Steve Strange (Marc Warren). O lugar se tornaria a nascente das bandas de New Romantic que influenciava não só a música mas as revistas de moda dos anos 1980. O filme não desperdiça a chance de apresentar quem frequentava aquele espaço, de Billy Idol a Spandau Ballet, além de outras figuras que não se tornaram tão conhecidas. George é apresentado àquele espaço pela melhor amiga, a drag queen Marilyn (Freddie Fox) e acaba trabalhando por lá enquanto não percebe a música como um caminho. O rapaz se interessava mesmo era por moda e vivia carregando um manequim para onde fosse para ajudar na construção de seus próprios figurinos. O filme também ressalta dois romances de grande influência vida do protagonista, um deles é o cantor Kirk Brandon (Richard Madden), o outro é o baterista Jon Moss (Mathew Horn) que não só o ajuda na fundação do Culture Club com também na construção de sua identidade vocal e sonora junto à banda.  Dirigido por Julian Jarrold (que depois dirigiu o ótimo A Garota/2012 para a HBO) o filme consegue reproduzir aquele mundo de visual exuberante sem esquecer as inseguranças daqueles personagens quanto ao crescimento, a carreira e a sexualidade. Douglas Booth tem ótimos momentos na pele de Boy George, curiosamente se tornando mais seguro em cena conforme seu visual fica mais elaborado - em alguns momentos eu até esquecia que era um ator em cena. Boy George - A Vida é Meu Palco (nome manjado para o original Worried About the Boy) só tropeça ao mesclar cenas de duas fases distintas do cantor. O contraste entre a efervescência dos anos 1980 e a ressaca dos anos 1990 deixa a narrativa um pouco engasgada, mas nada que estrague o programa. O Culture Club nunca foi levado muito à sério e por brigas internas acabou terminando em 1986 retornando às atividades de 1998 até 2002 e para voltar em 2011 e continuar até hoje. O resultado é um bom programa para quem já curtiu a mistura de soul, reggae e pop com o vocal emocional de Boy George. 

Boy George - A Vida é meu Palco (Worried about the Boy / Reino Unido - 2010) de Julian Jarrold com Douglas Booth, Richard Madden, Matthew Horn, Freddie Fox, Frances Magee e Daniel Wallace. 

segunda-feira, 13 de julho de 2020

PL►Y: Luce

Octavia, Kelvin e Naomi: um enigma chamado Luce. 

Exibido no Festival de Sundance no ano passado, Luce se tornou um dos filmes mais comentados do Festival - e pela ambígua forma como trata um tema tão delicado como os estereótipos, foi bastante merecido. Baseado na peça de JC Lee (roteirista de séries famosas como Looking, How to Get Away with Murder e The Morning Show) a trama conta a história de Luce (Kelvin Harrison Jr.), adolescente que quando criança foi resgatado na zona de guerra de Eritreia e adotado por um casal americano. Devido a todas as situações que vivenciou, o menino cresceu sendo acompanhado por psicólogos e assistentes sociais, digerindo suas tragédias e se tornando um verdadeiro exemplo de superação - ou pelo menos é isso que se espera dele. Destaque na equipe de atletismo, no grupo de debates, ele se tornou uma espécie de parâmetro comparativo junto aos demais alunos. No entanto, a experiente professora Harriet Wilson (Octavia Spencer) percebe uma rachadura na imagem perfeita do rapaz e, preocupada por conta de uma redação feita por ele, conversa com a mãe (Naomi Watts) de Luce para que ela fique atenta ao comportamento do filho. Este é o ponto de partida para uma trama onde o estudante e a professora irão disputar quem é digno de maior credibilidade. Se por um lado a mãe evita pensar no pior sobre o rapaz, o pai (Tim Roth) desconfia que o menino possa não estar contando toda a verdade sobre os acontecimentos que começam a surgir. Não demora muito para que eles invertam os papéis e mais tarde não façam mais a mínima ideia do que pensar. O estreante Kelvin Harrison Jr. se sai muito bem como um garoto que pode ser tão inteligente quanto manipulador, que sabe exatamente o que fazer para desacreditar quem duvida de sua integridade e, neste caso, ele será capaz de fazer todos repensarem se no fundo o que acontece não é pura implicância da professora (some isso a um problema familiar de Harriet e a cosia só piora). A direção de Julius Onah (que antes dirigiu Uma Garota em Apuros/2015 e O Paradoxo Cloverfield/2018) faz um bom trabalho deixando seus personagens transitando no campo da sugestão, assim, deixa muitas das ações e intenções de Luce escondidas, deixando dúvidas sobre sua índole. Por conta disso, o elenco ao redor do protagonista também se destaca, Naomi Watts está excelente como a mãe que é incapaz de acreditar que seu filho possa ser diferente da imagem que sempre idealizou, assim como Tim Roth convence como o pai que está sempre em cima do muro e não sabe muito bem o que dizer. Também não podemos esquecer de Octavia Spencer, se afastando do tipo de papel que costumam oferecer para ela. Mais sisuda e um tanto amarga (e humanamente imperfeita), no final ela parece ser a voz da consciência de um rapaz que começa a não suportar as pressões que existem sobre ele. Luce (que nem é o nome de batismo do rapaz) consegue simular sorrisos, surpresa, ingenuidade e, por vezes, soa até afetado em seus trejeitos, por viver neste labirinto identitário, ele termina o filme sem que o espectador tenha certeza dos rumos que escolherá. Por se distanciar do óbvio em seu tema complicado, o filme é um grande acerto.  

Luce (EUA/2019) de Julius Onah com Kelvin Harrison Jr., Octavia Spencer, Naomi Watts, Tim Roth e Andrea Bang 

PL►Y: O Bar da Luva Dourada

Tiesel e Jonas: bebendo com o inimigo. 

Fritz Honka (Jonas Dassler coberto de próteses) é um homem solitário que quando não está no trabalho está gastando seu dinheiro no bar do título (ou cometendo atrocidades). Entre os clientes do bar está um conjunto de pessoas tão solitárias quanto ele, prostitutas de faixa etária variada e alcoólatras. As conversas são ásperas e paira uma certa melancolia no ar, uma desesperança que é quase consensual. O que aqueles frequentadores não suspeitam é que o estranho Fritz é na verdade um serial killer, que leva mulheres para seu apartamento e em momentos de total descontrole as agride até a morte - para depois esconder os corpos e evitar maiores consequências. Esta é praticamente a rotina do filme O Bar da Luva Dourada, filme do diretor Fatih Akin - que demonstra mais uma vez ser um  cineasta imprevisível. Celebrado por filmes dramáticos sobre situação de personagens turcos na Alemanha como em Contra a Parede (Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2004), Do Outro Lado (eleito o melhor roteiro no Festival de Cannes 2007) e do recente Em Pedaços (ganhador do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro de 2017), mas Akin já demonstrou que sabe ser mais leve em Soul Kitchen (2009) mas aqui ele quer provar que pode exagerar da forma mais grotesca ao contar uma trama baseada em fatos reais. O filme abusa de cenas chocantes e costuma ser bastante explícito ao retratar a rotina de Fritz Honka - mas embora tenha cenas de sexo e nudez, não há nenhum sinal de erotismo destas cenas. Seus personagens vivem num recanto sombrio da Alemanha na década de 1970 e, em alguns momentos, contrastam com o mundo fora daquele universo. Há quem considere que o exagero tenha conferido à narrativa um tom cômico, mas não vejo desta forma, no máximo ele investe doses generosas de ironia (e em alguns momentos esta "ironia" é a salvação de vítimas em potencial do protagonista). O pouco conhecido Jonas Dassler demonstra talento (e bastante coragem) para viver o protagonista, afinal, além de ter seu corpo exposto sem qualquer glamour, sua pesada maquiagem não impede que possamos perceber o quanto ele é expressivo (e convincente de aos 26 anos viver um homem mais velho), reparem como os olhos dele refletem o que se passa na cabeça perturbada de Honka. Em alguns momentos me fez lembrar o que Lars Von Trier fez com A Casa que Jack Construiu (2018), só que Akin é mais conciso e só investe nas fantasias quando o personagem se rende aos delírios envolvendo açougue e carne crua. É um filme para poucos, mas que pode despertar interesse como uma história de horror urbana e realista, pena que em nome da transgressão o diretor deixou de lado camadas que poderiam enriquecer ainda mais o texto baseado no best seller de 2016 escrito por Heinz Strunk.

O Bar da Luva Dourada (Der Goldene Handschuh /  Alemanha - França / 2019) de Fatih Akin com Jonas Dassler, Adam Bousdoukos, Margarete Tiesel, Katja Studt, Marc Hosemann e Hark Bohm. 

domingo, 12 de julho de 2020

4EVER: Kelly Preston

13 de outubro de 1962 ✰ 12 de julho de 2020

Kelly Kamalelehua Preston nasceu em Honolulu no Havaí. Quando pequena, Kelly chegou a morar no Iraque e também na Austrália, além de estudar teatro na Universidade do Sul da California. Kelly também foi modelo antes de se dedicar mais à carreira de atriz após participar de um seriado em 1980. Logo recebeu destaque em comédias (Admiradora Secreta/1985 e A Primeira Transa de Jonatham/1985), ficando conhecida principalmente por seu trabalho em Irmãos Gêmeos (1988). Kelly também trabalhou em filmes independentes de sucesso como Um Drink no Inferno (1996) e Ruth em Questão (1996), além do indicado ao Oscar Jerry Maguire (1996), ao lado de Tom Cruise. Casada com o ator John Travolta desde 1991, ela atuou ao lado do marido em A Reconquista (2000) e Gotti (2018). Kelly faleceu em decorrência de um câncer de mama diagnosticado em 2018. 

sexta-feira, 10 de julho de 2020

PL►Y: Downton Abbey - O Filme

Os Crawley e seus criados: visita ilustre em episódio gigante. 

Criada em 2010 a série Downton Abbey se tornou uma febre mundial remando contra o formato da maioria das séries de sucesso. Não havia crimes, espionagens, cenas de ação, terror ou piadas seguidas de risadas. Se tratava de uma história de época, com figurinos impecáveis, cenários imponentes e um climão dos filme ingleses dos anos 1990. O sucesso do programa mudou paradigmas (possivelmente não existiria The Crown na Netflix) e mostrou que ainda existia público para um tipo de produção que quase não tem mais espaço no cinema. Criado por Julian Fellowes, a série parecia uma releitura mais espirituosa do filme Gosford Park/2001, que rendeu para Julian o Oscar de melhor roteiro original (e apesar de ser dirigido por Robert Altman, carregava muito do cinema que James Ivory realizava na década anterior). A série seguia a rotina de uma família aristocrata na Inglaterra no início do século XX em meio a guerras, crises e transformações no mundo ao seu redor. O fio condutor da série sempre foi evitar a decadência dos Crawley, mas sem perder de vista os romances e dramas dos personagens, sejam eles os patrões ou os empregados que mantinham aquela mansão de pé com todo o conforto que a família ostentava. A série foi sucesso de público e crítica, recebeu vários prêmios (3 Globos de Ouro, 15 Emmys, 2 BAFTAS...) e realizou ousadias (como matar personagens queridos sem fazer cerimônia - lembro da minha irmã revoltada e até meu pai chorando quando uma personagem faleceu). Ao longo de seis temporadas muita coisa aconteceu, mas não escondeu possibilidades de outras histórias para aqueles personagens. Dirigido por Michael Engler (diretor de episódios da série e de um filme chamado The Chaperone/2018 estrelado por Elisabeth McGovern) o filme é um verdadeiro presente para os fãs do seriado. O longa retoma as histórias dos personagens a partir de um acontecimento: os Crawley receberão a visita da família real britânica! Assim, todos se envolvem com os preparativos e algumas situações que acontecem ao redor da visita. Todo o elenco principal está de volta, Hugh Boneville volta na pele do patriarca Robert Crawley, Elisabeth McGovern interpreta a matriarca Cora, Michelle Dockery e Laura Carmichael retornam como as filhas casadas Lady Mary e Lady Edith (e diante das várias subtramas que existem é Edith que recebe mais destaque). Com mais de uma dúzia de personagens importantes, era de se esperar que alguns ficassem em segundo plano, sem muito espaço nas duas horas de duração. Existem subtramas envolvendo o viúvo irlandês Tom Branson (Aleen Leech), uma questão de herança com a sempre mordaz Violet (Maggie Smith), mas boa parte da trama é sobre a insatisfação dos empregados de Downton ao cederem espaço para os empregados reais que se apoderam dos preparativos das refeições durante a visita. Se todos esperavam ter a honra de preparar banquetes para a realeza, agora eles precisam lidar com a arrogância da equipe do castelo na mansão. Neste ponto o mordomo Carson (Jim Carter) retorna, o que deixa o antes vilanesco Thomas Barrow (Robert James-Collier) enraivecido (mas com tempo para ter sua sexualidade explorada na história após ter ficado um tanto esquecida na série). O resultado deixa de lado o que a série tinha de mais dramático e investe mais no humor na criação de um reencontro com aqueles personagens. A estética da série volta a encher os olhos e embora o filme utilize ângulos e planos que valorizam a extensão da telona com cenários e paisagens, o sabor do filme é de uma colagem de novos episódios da série assinada pelo próprio Julian Fellowess. Vale destacar que todo o elenco continua impecável e parece disposto a revisitar os personagens de vez em quando em novos filmes. 

Downton Abbey - O filme (Downton Abbey - Reino Unido / EUA - 2019) de Michael Engler com Hugh Bonneville, Michelle Dockery, Elixabeth McGovern, Maggie Smith, Jim Carter, Robert James-Collier, Aleen Leech, Lesley Nicol, Imelda Staunton, Phyllis Logan e Matthew Goode. 

PL►Y: Talk Show - Reinventando a Comédia

Mindy e Emma: os opostos de complementam. 

É sempre bom lembrar que a inglesa Emma Thompson tem dois Oscars na estante, o primeiro foi recebido em 1993 por sua atuação no drama Retorno a Howards End (1992), da época em que ela começava a se consolidar no cinema (e se você procurar no Youtube verá como ela ficou surpresa quando foi premiada). Emma ainda colheria duas indicações ao prêmio em 1994 (atriz por Vestígios do Dia e atriz coadjuvante por Em Nome do Pai), mas ganharia outra estatueta somente em 1996 por Razão e Sensibilidade, que embora tenha lhe rendido mais uma indicação ao Oscar de atriz, lhe premiou pelo roteiro adaptado da obra de Jane Austen (de quebra ela levou o taiwanês Ang Lee para Hollywood, uma verdadeira ousadia para um filme pautado num clássico da literatura inglesa). No entanto, pouca gente sabe que diante de tanto reconhecimento por seus dotes dramáticos, Emma começou a carreira como coadjuvante em séries da TV britânica e, de vez em quando, a atriz se arrisca em uma comédia. Embora esteja longe do auge de sua carreira, Emma ainda é uma atriz interessante, versátil e que consegue transitar fácil da comédia para o drama em seus trabalhos. Por Talk Show: Reinventando a Comédia ela foi lembrada na categoria de melhor atriz de comédia no Globo de Ouro e não é difícil entender o motivo. Para gostar do filme, comece esquecendo o horroroso acréscimo no título nacional, não existe reinvenção nenhuma da comédia, e sim um processo de reinvenção de uma premiada apresentadora de televisão que vê sua audiência caindo cada vez mais. Ela é Katherine Newbury (Thompson), entrevistadora de prestígio que com o passar do tempo perdeu a sintonia com o público, se tornou sisuda, prepotente e até zomba de alguns entrevistados. Se de início percebemos que ela é uma megera, principalmente com sua equipe de roteiristas, não podemos deixar de perceber o quanto ela é inteligente, tem uma língua afiada, mas está muito desgostosa com o tipo de celebridades e entretenimento que surgem hoje. Ela se nega a mudar por motivos de princípios, mas com o risco de demissão iminente, ela se dá conta que talvez ela possa conduzir seu programa (e a vida) com mais leveza. Neste ponto, a presença de uma nova roteirista em sua equipe é fundamental. Molly Patel (Mindy Kaling) é não apenas a única mulher do grupo de escritores de seu programa, como também injeta um tanto de diversidade cultural no grupo. Com ascendência indiana, Molly conquista aos poucos seu espaço e a confiança da desconfiada Katherine. No entanto, o relacionamento de Molly com a chefe é sempre, digamos... delicado. Se Thompson acerta na armadura de sua personagem, Mindy faz o de sempre, é leve, despretensiosa e torna impossível não simpatizar e torcer por ela. O resultado é um filme que lança um olhar curioso sobre o entretenimento nos dias atuais e também, não chega a se aprofundar muito no tom de crítica, ao contrário, da metade em diante segue um ritmo bastante previsível com um escândalo na vida pessoal da apresentadora. As duas atrizes carregam o filme numa boa, tendo em volta um elenco coadjuvante majoritariamente masculino bastante eficiente. Talk Show não vai reinventar o gênero, mas diverte, faz pensar (ainda que um pouquinho) e serve para passar o tempo sem maiores complicações. 

Talk Show: Reinventando a Comédia (Late Night / EUA - 2019) de Nisha Ganatra com Emma Thompson, Mindy Kalling, John Lithgow, Hugh Dancy, Reid Scott, Denis O'Hare, Max Casella, Paul Walter Hauser, Megalyn Echikunwoke e Amy Ryan. 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Pódio (TV): Elisabeth Moss

Bronze: a mulher oprimida
3º The Handmaid's Tale (2017-)
Este Pódio foi o mais difícil da minha vida! Como foi difícil organizar as minhas atuações favoritas da Elisabeth Moss na televisão (a do cinema vai rolar também em breve). Handmaid's Tale é um programa contundente e tornou a atriz ainda mais conhecida na pele de June Osborne que padece num mundo totalitário (que parece o futuro dos tempos sombrios que vivemos atualmente) em que governo e religião se misturam. Se contar mais estraga. A série está prestes a ter sua quarta temporada e a forte atuação de Moss é brilhante, mesmo que a série tenha perdido fôlego no ano passado. 

Prata: a secretária de futuro
Que delícia foi acompanhar a história de Peggy Olson nesta série da AMC (que ganhou o mundo pela HBO). Ambientada nos anos 1960 (com figurinos impecáveis, muita bebida destilada no trabalho e cigarros por toda parte) vimos sua personagem começar como ingênua secretária e crescer ao longo das temporadas. Crescer não apenas na empresa, mas como pessoa, se tornando discípula do famigerado Don Draper (Jon Hamm) e, por vezes, até sua rival. Moss apresentou uma trabalho fascinante nas transições da personagem e deixou claro que era uma atriz com muitos recursos e, se fosse coadjuvante, roubaria a cena. 

Ouro: a detetive obstinada
Não sei explicar muito bem o motivo, mas a atuação de Elisabeth Moss que mais me deixa intrigado é neste trabalho independente da diretora Jane Campion para a televisão. Na pele da detetive Robin Griffin, encarregada de solucionar o sumiço de uma menina de doze anos em uma cidade nos cafundós da Nova Zelândia, sua atuação é sublime em introspecção e minúcias. Aos poucos o caso cede lugar para a história de Robin e estas duas camadas se misturam de forma irresistível. Pelo papel, Moss ganhou seu primeiro Globo de Ouro. A minissérie deu tão certo quem em 2017 ela recebeu uma continuação chamada Top of The Lake: China Girl igualmente elogiada.