segunda-feira, 30 de abril de 2018

Na Capa: Abril

Abril: Hitch is fashion.

A capa do mês de abril foi baseado no vídeo Behind the Mirror, um curta dirigido por Mert Alas e Marcus Piggot com inspiração em Alfred Hitchcock para a coleção primavera da Dsquared2 lançada em 2013. A atmosfera noir, as musas louras, os homens elegantemente vestidos, o uso de luz em sombras em belas cinematografias em preto e branco caíram como uma luva no material publicitário. Cultuados ainda hoje, os filmes de Hitchcock ainda são referências na criação de atmosferas e personagens elegante e ser citado como referência pelos cultuados irmãos estilistas Dan e Dean Caten só comprova isso. 

HIGH FI✌E: Abril

Cinco filmes vistos no mês de abril que merecem destaque:

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Na Tela: Vingadores - Guerra Infinita

Thanos: vilão com causa. 

Comemorando os dez anos dos filmes do Estúdio Marvel no cinema, eles resolveram lançar o filme mais aguardado do ano: Vingadores - Guerra Infinita. Desde que o filme começou a ser feito surgiram os boatos de que alguns personagens poderiam morrer durante a trama (levando em consideração que o contrato de muitos deles estão chegando ao fim a tensão só aumentava), mas, diante do silêncio notável na sala em que assisti ao filme, nada havia preparado o público Marvel para o que vimos na tela. Famosos (e criticados) por sua fórmula de ação e piadinhas, não se pode negar que o Estúdio revolucionou a forma de fazer filmes de heróis. Se o sucesso de X-Men (2000), pela Fox, provou que filmes de heróis poderiam ser feitos com seriedade, os filmes da Marvel mostraram que além de todas as qualidades, eles poderiam interligar todo um universo como as HQs fazem há décadas. Obviamente que foram anos de planejamento e com escalação meticulosa de vários profissionais (especialmente atores, diretores e roteiristas...) para colocar ordem na casa e criar uma estratégia de lançamento revolucionária (e que a Warner ainda pena para fazer o mesmo com o Universo DC por pressa na substituição do planejamento). Em dez anos a Marvel aprendeu a apresentar seus heróis em filmes independentes, mas interligados, para não ter que gastar tempo apresentando suas histórias pessoais quando se encontram na tela (e mesmo quando retomam um personagem clássico feito o Homem-Aranha, que ainda tem os direitos detidos pela Sony, eles sabem que todo mundo já sabe quem é Peter Parker), a ideia deixa os filmes mais enxutos e com ritmo mais envolvente. Por conta desta bem sucedida estratégia que Vingadores - Guerra Infinita consegue ser uma sucessão de belas cenas de ação, mas que alterna seus climas e arcos de personagens sem prejuízo para o conjunto. É bonito de ver como o roteiro tem um fio condutor simples, mas que consegue colocar seus personagens no limite. Existem cenas de ação, aventura, romance, drama, tragédia, humor (sem exageros), uma mistura que surpreende o espectador à medida que o titã Thanos (ótima atuação de Josh Brolin através da captura de movimentos) busca as seis joias do infinito. As joias já foram apresentadas em vários filmes dos heróis ao longo da década, mas o desfecho desta busca deixa a plateia atônita diante da mudança de tom das outras aventuras do estúdio e a preciosa ideia de que nada será como antes. 

Vingadores e seus aliados: perto do fim. 

Embora o filme não tenha um roteiro mirabolante, ele serve bem às necessidades que os irmãos Joe e Anthony Russo tem em mãos com sua mistura dezenas de personagens em arcos que se desenvolvem de forma eficiente, e, no caso de algumas subtramas o resultado é brilhante. Tudo se encaixa na busca de Thanos, os relacionamentos entre Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettanny), assim como Gamora (Zoe Saldana) e Starlord (Chris Pratt), a rixa entre Capitão América (Chris Evans) e Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), a fuga de Thor (Chris Hemsworth) e os Asgardianos para a Terra, a revelação do reino de Wakanda para o mundo, a inconsequência do Homem-Aranha (Tom Holland) e no meio de tantas cenas de ação elaboradas, existem alguns momentos realmente perturbadores para os fãs. (SE VOCÊ NÃO VIU O FILME NÃO LEIA DAQUI EM DIANTE, SPOILER! SPOILER! SPOILER!) Embora o início apresente do que Thanos é capaz com duas mortes de personagens importantes do universo Marvel, o ponto de mutação da narrativa é quando Thanos precisa sacrificar Gamora. Naquele momento o silêncio da plateia chega a incomodar, me arrisco a dizer que é um daqueles momentos que se compara à revelão de Darth Vader para Skywalker. É de uma tristeza tão profunda (especialmente para os fãs das gaiatices dos Guardiões da Galáxia) que os diretores fizeram o favor de não ouvirmos os gritos da heroína e apenas elevar a trilha deprimente. Não sobrou um coração inteiro no cinema naquele momento. Ali percebermos que tudo pode acontecer, tanto que as baixas seguintes não me causaram o mesmo impacto, especialmente quando metade do universo vira pó. É uma ousadia que funciona para fechar este ciclo do estúdio e para criar novas regras e cenários para os próximos filmes. No entanto, a ousadia não mexeu nos Vingadores originais (o que só aumenta a impressão de que tudo irá se resolver em Vingadores 4, previsto para 2019, ou nos próximos filmes Marvel), além disso com a iminência de Capitã Marvel (que será vivida por Brie Larson), Homem-Formiga e Vespa (Paul Rudd e Evangeline Lilly que voltam ao cinema ainda este ano), além do aposentado Gavião Arqueiro (Jeremy Renner que se aposentou no filme anterior), revelam que os sobreviventes terão reforços para enfrentar Thanos mais uma vez e mostrar  que o equilíbrio do universo se faz de outro jeito que não seja o genocídio. Diante de tudo isso, o grande destaque do filme acaba sendo o próprio Thanos. Com seus olhos e fala serenas diante de uma missão que ele mesmo criou para si e que causa a morte de zilhões de seres em todo o universo. Sua personalidade assusta o espectador e o coloca no posto de candidato a melhor vilão da Marvel, especialmente por render analogias dolorosas sobre o mundo real.

Thor encontra a filha de Thanos: perigo à vista. 

Vingadores - Guerra Infinita (Avengers - Infinity War / EUA-2018) de Joe e Anthony Russo com Josh Brolin, Robert Downey Jr., Zoe Saldana, Chris Pratt, Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Dave Bautista, Scarlett Johansson, Benedict Cumberbatch, Tom Holland, Chadwidk Boseman e Samuel L. Jackson. ☻☻☻☻

sábado, 28 de abril de 2018

PL►Y: Viagem das Loucas

Amy e Goldie: mãe e filha em roteiro fracote. 

Havia dezesseis anos que a veterana Goldie Hawn não fazia um filme. Desde Doidas Demais/2002 (que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de atriz de comédia) que a loura não aparecia na telona. Este foi um dos motivos para que Snatched fosse considerada uma das comédias mais esperadas do ano passado. Além de trazer a estrela oscarizada (por Flor de Cacto/1970), a comédia traz uma comediante em ascensão nos EUA:  Amy Schumer. O humor das duas é completamente oposto, mas consideraram uma boa ideia juntar as duas atrizes num mesmo filme. A ideia é ótima... o problema fica por conta do fraco roteiro que motiva este encontro. Goldie interpreta a mãe de Amy. Amy é Emily, garota que perde o emprego e o namorado resolve terminar o relacionamento quando a banda dele começa a fazer sucesso. Obviamente que estes dois momentos são tratados com  o estilo de humor habitual de Amy, com grosserias e um toque de baixaria que a tornaram famosa em programas de TV e shows de stand up (mas aqui até que ela pegou mais leve que em em seus outros trabalhos). Emily também comprou um pacote de férias (não reembolsável) para o Equador e ela resolve convidar a mãe para acompanhá-la. Faz tempo que Linda (Goldie) prefere ficar em casa sossegada com os gatos e um bom livro. No início ela não se anima com a ideia, mas acaba acompanhando a filha - que é totalmente sem noção e não percebe que está prestes a sofrer um verdadeiro golpe naquele país desconhecido. Admito que o filme rendeu algumas risadas, mas o roteiro é frouxo e não faz o mínimo esforço para costurar as situações em que as duas personagens se metem. O filme diz ser inspirado em fatos reais, mas chega a ser vergonhoso como o filme sugere e não consegue construir a relação entre mãe e filha tendo a chance de acertar os ponteiros. Amy e Goldie mereciam um texto melhor. Curiosamente a direção de Jonathan Levine - dos bons 50% (2011) e Meu Namorado é um Zumbi (2013) - é praticamente nula, não acrescentando nada ao texto ou atuações. Fora isso o filme ainda gerou comentários sobre a imagem que faz dos países sul americanos e fazer troça do irmão de Emily que tem síndrome do Pânico (e é vivido por Ike Barinholtz, a versão animada de Mark Wahlberg) - ninguém disse que fazer humor em tempos politicamente corretos era fácil. No entanto, me incomoda muito mais o desperdício de bons atores que cruzam o caminho das atrizes durante o filme. Joan Cusack, Wanda Sykes e Christopher Meloni aparecem em personagens que poderiam render bons momentos, mas são pouco aproveitados em situações um tanto sem graça. Batizado de Viagem das Loucas (um título que não ajuda em nada despertar interesse pelo filme), o longa nem estreou nos cinemas por aqui diante do fiasco que foi nas bilheterias americanas. Se você desligar o cérebro e não exigir nada demais deste filme você pode até rir em alguns momentos. 

Viagem das Loucas (Snatched/EUA-2017) de Jonathan Levine com Amy Schumer, Goldie Hawn, Ike Barinholtz, Joan Cusack, Wanda Sykes e Christopher Meloni. ☻☻

Na Tela: Estrelas de Cinema Nunca Morrem

Annette e Jamie: história de amor real. 

Indicado a três prêmios BAFTA deste ano, Estrelas de Cinema Nunca Morrem (título bem menos esperto que  Film Stars Don't Die in Liverpool) tinha grande torcida para colocar Annette Bening no páreo de melhor atriz no Oscar mais uma vez. A indicação ficou na vontade, mas a atriz realizou mais um trabalho memorável em sua carreira. Ela interpreta Gloria Grahame, atriz que começou sua carreira ainda no cinema mudo nos anos 1940 e ganhou um Oscar de Coadjuvante em por Assim Estava Escrito (1953). Era sua segunda indicação ao prêmio da Academia e a consolidou como estrela - rendendo piadas até hoje por ser dela o discurso mais curto de um artista ao receber a estatueta (ela disse apenas "muito obrigada" e saiu do palco, rendendo risos na plateia). O fato é que no filme de Paul McGuigan (que já fez de tudo e aqui tem o seu melhor trabalho), esta parte real da história pouco importa, já que os talentos de Annette e Jamiel Bell (o já crescido Billy Elliot/2000) garantem a atenção da plateia a este romance. O filme retrata o relacionamento entre a californiana Gloria e o jovem inglês Peter Turner, um aspirante a ator que morava com os pais em Liverpool. Os dois se conhecem durante uma temporada de trabalhos teatrais dela na Inglaterra e a sintonia entre os dois é quase imediata. O filme trabalha bem a ideia de como o brilho daquela mulher o atraiu e como o interesse de um pelo outro era quase inevitável. Além de ter traços semelhantes ao de Gloria, Annette constrói uma verdadeira diva experiente de Hollywood no papel (uma diva de verdade, não essas celebridades bregas que acham que são divas só porque são famosas). A voz macia, os gestos elegantes, a sensualidade precisa e a inteligência para lidar com humor diante dos percalços do estrelato, está tudo presente no trabalho de Bening. Jamie Bell segue a interpretação da parceira de perto, ele também foi lembrado no BAFTA, sendo indicado a melhor ator e oferece consistência ao seu personagem (que poderia ser mero coadjuvante, mas que cresce entre as idas e vindas da história que retratam duas fases distintas no relacionamento dos personagens). Bell fica ainda mais interessante quando sabemos que o filme é uma adaptação do livro de memórias de seu personagem sobre o tempo em que viveu com Gloria - com direito até a uma temporada nos Estados Unidos. Embora o filme se enrole um pouco na construção de alguns mistérios (desnecessários) na trama, o filme constrói um retrato interessante sobre a história dos dois. McGuigan conduz o filme com serenidade e faz bom uso de fundos projetados como nos clássicos de Hollywood (em alguns casos o resultado é belíssimo), realizando um retrato elegante de sua personagem real. Gloria experimentou vários casamentos, teve filhos e sentia uma atração irresistível por homens mais jovens. Fica notável sua dificuldade em perceber que envelhecia e a preocupação com a aparência - que acabou antecipando sua despedida. No entanto, o que poderia ser o retrato fútil de uma estrela de cinema se torna a construção de uma personagem apaixonante com o talento de Annette. Annette já foi indicada cinco vezes ao Oscar (e merecia, pelo menos mais umas cinco) e ainda que não tenha ganho nenhuma, já recebeu algo muito mais difícil em Hollywood: o coração do maridão Warren Beatty. Desde 1992 que o coração de um dos galãs mais cobiçados da história do cinema lhe pertence, diferente de Gloria, talvez ela não ganhe um Oscar por um filme, mas tem tudo para se tornar lendária por tudo o que representa. 

Estrelas de Cinema Nunca Morrem (Film Stars Don't Die in Liverpool/Reino Unido - 2017) de Paul McGuigan com Annette Bening, Jamie Bell, Vanessa Redgrave, Julie Walters, Frances Barber e Stephen Graham. ☻☻☻

terça-feira, 24 de abril de 2018

PL►Y: Newness

Costa, Hoult e uma amiga: perdidos no relacionamento. 

Drake Doremus é um cineasta nascido na Califórnia que tem um interesses por roteiros sobre jovens em relacionamentos que servem de analogia para muitos casais contemporâneos. Foi assim quando todo mundo reparou seu cinema com Loucamente Apaixonados (2011) - que ainda é o seu melhor trabalho ao contar a história de um casal que tenta manter o relacionamento apesar da distância. Depois ele não conseguiu muita repercussão com Paixão Inocente (2013) sobre uma jovem destruidora de lares, mas recuperou o interesse de público e crítica com o instigante Equals (2015) sobre uma sociedade onde é proibido demonstrar emoções. Deste filme ele carregou o ator Nicholas Hoult que protagoniza este Newness, que lança um olhar um tanto desengonçado sobre os relacionamentos abertos do século XXI. Ambientado em Los Angeles, o filme conta a história de Martin (Hoult) e Gabi (Laia Costa), dois jovens que se conhecem através de um aplicativo de celular e o que poderia ser apenas um encontro casual se torna um relacionamento duradouro. Não demora para os dois irem morar juntos e ver o amor crescer cada dia mais. A intensidade sexual, as risadas, as conversas tudo faz com que os dois pareçam ter sido feitos um para o outro. Neste ponto o roteiro de Ben York Jones (parceiro de Doremus nos dois primeiros filmes de sua carreira) funciona bem, ressaltando a química entre o casal protagonista, o problema é quando ele começa a inventar problemas no relacionamento dos dois. Subitamente Gabi demonstra ser uma chata, chegando a ser risível quando ela discute com Martin por ele não ter contado tudo sobre sua vida até o momento em que os dois se conheceram. Naquele momento eu pensei que a personagem estava brincando, mas ela estava falando sério! Dali em diante, a personagem é tratada sem muita coerência dentro da trama. Sem grandes motivos tudo se torna uma grande discussão para os dois e o que era um paraíso idílico se torna um tormento, para Martin e para o espectador. Para aliviar a tensão que se instaura entre os dois, o casal resolve abrir as portas do relacionamento e incluir novas pessoas. Justamente neste momento em que o filme ambiciona ser um olhar crítico sobre os relacionamentos moderninhos que tudo  se torna ainda pior. A coisa se perde no meio da história é só piora quando entra em cena Larry (Danny Huston), um homem maduro que se interessa por Gabi e que ameaça o relacionamento dos pombinhos - e Martin nem lembra mais o motivo de ter deixado as coisas chegarem naquele nível. Não vai demorar para Gabi se tornar uma megera de novo e demonstrar o quanto a sua personagem deve sofrer de algum transtorno comportamental - e nem adianta a atriz espanhola Laia Costa se esforçar para lhe dar alguma credibilidade, a personagem é mesmo uma chata. Newness tem um início promissor, mas se perde ao criar situações forçadas e enrolar demais para não chegar a lugar algum. Uma pena, já que por alguns instantes eu realmente imaginava que o filme daria conta de sua proposta. 

Newness (EUA/2017) de Drake Doremus com Nicholas Hoult, Laia Costa, Danny Huston, Courtney Eaton e Matthew Gray Guber. 

segunda-feira, 23 de abril de 2018

PL►Y: Barão Vermelho - Por que A Gente é Assim?

Barão Vermelho: uma carreira de desafios.

É inevitável imaginar um filme que conte a história de sua banda de rock favorita - e parece que a ideia ganha charme especial se tiver no título o nome de uma canção que cai como uma luva para a história a ser contada (eu mesmo na época da faculdade esbocei uma cinebiografia sobre The Smiths com o título irônico de What Difference Does it Make?). Por que a Gente é Assim? é um dos clássicos da banda Barão Vermelho (lançada precisamente em 1994) e serve com perfeição para o título deste documentário sobre uma das bandas mais importantes do Rock Nacional. Surgida em 1981 e na estrada até hoje, o Barão Vermelho enfrentou várias surpresas em sua carreira, que exigiram que a banda se reformulasse várias vezes. Chega a ser lugar comum dizer que os anos 1980 trouxeram uma força incomparável ao rock nacional. Jovens com suas guitarras e letras que remavam contra a maré das rádios, ganhavam espaço nos palcos e chamavam atenção de astros renomados da música nacional. Com o Barão Vermelho não foi diferente, principalmente quando escolheu o ator Agenor de Miranda para assumir os seus vocais (após a desistência de Léo Jaime). O Barão era até então uma banda de garagem formada por quatro rapazes de influências variadas, mas que prezava por uma sonoridade de rock clássica, com toques de blues misturado à uma malandragem carioca que ganhou força com os versos de Agenor, mais conhecido como Cazuza. O filme revela como a chegada daquele rapaz incomum transformou a banda, não apenas em suas composições, mas também em sua postura perante o público. Desbocado e irreverente, a amizade de Cazuza com o contido Frejat ganha destaque em vários momentos, até o fatídico episódio que gerou a saída do vocalista da banda. Este golpe do destino poderia ter posto fim ao Barão, mas pelo contrário, ajudou a consolidar a identidade do grupo quando Cazuza partiu para a carreira-solo. A cineasta Mini Kert faz um ótimo trabalho ao contar de forma cronológica a trajetória da banda, construindo o filme através de rico material de acervo e entrevistas com os membros da banda. A proposta mostra-se bastante contundente ao pontuar o caminho da banda através dos seus álbuns e a identidade de cada um deles (além da disputa interna de egos na assinatura das canções). Embora soe um pouco apressado quando aborda os trabalhos mais recentes da banda (e deixe uma lacuna ao final que só comprova como a história do Barão é cheia de percalçso), não falta momentos marcantes nesta história que se expanda para além dos membros da banda. Da presença de Ezequiel Neves, passando pela repercussão de canções gravadas por Caetano Veloso e Ney Matogrosso, a participação no Rock in Rio, a morte de Cazuza pelas consequências do HIV, a chegada revolucionária da MTV no Brasil, acompanhar a carreira do Barão Vermelho é conhecer parte importante da cultura pop brasileira. A cineasta sabe disso e faz um trabalho memorável e um tanto nostálgico sobre os garotos que queriam ver o dia nascer feliz. 

Barão Vermelho - Por que a A Gente é Assim? (Brasil/2017) de Mini Kert com Roberto Frejat, Guto Goffi, Cazuza, Lucinha Araújo, Ezequiel Neves, Peninha e Ney Matogrosso. ☻☻

Pódio: Toni Servillo

Bronze: o viciado em jogo. 
Nascido em 1959 e trabalhando no cinema desde 1992, faz algum tempo que Toni Servillo é o ator mais requisitado do cinema italiano. Dono de um estilo versátil, ele é capaz de expressar vários sentimentos com uma única expressão. Esta marca de seu talento pode ser vista especialmente neste filme onde ele interpreta um homem que rouba dinheiro do trabalho para sustentar o vício em jogos. Apelidado de Gobaciof (por conta da famosa mancha na testa), ele nem lembra mais do seu nome verdadeiro, mas quando se apaixona por uma jovem chinesa sua vida parece prestes a mudar - mesmo que ele não seja de falar muito e ela não saiba uma palavra em italiano.

Prata: o primeiro ministro.
2º O Divo (2008)
Boa parte do prestígio da carreira de Servillo foi conquistada por suas colaborações com o excepcional diretor italiano Paolo Sorrentino.  Os dois fizeram vários trabalhos juntos (o mais recente é uma biografia de  Berlusconi que estreia neste ano). A dupla começou a extrapolar o cinema italiano com este retrato do político democrata cristão Giulio Andreotti (que foi primeiro ministro italiano sete vezes desde 1946). Servillo está perfeito no papel e ganhou vários prêmios por, chegando a ficar na mira do Oscar (que indicou o filme somente ao prêmio de melhor maquiagem, vá entender...). 

Ouro: o jornalista bon vivant.
Quando você achava que Servillo já havia feito as atuações mais marcantes de sua carreira, chegava aos cinemas este filme premiadíssimo desde a sua estreia em Cannes. Ganhador do Oscar e do Globo de Ouro de Filme Estrangeiro, o diretor Paolo Sorrentino nos convida por uma viagem imagética por uma Itália contemporânea que ora reflete, ora distorce referências de seus clássicos na telona. Povoada por intelectuais desiludidos, artistas que não sabem bem para onde ir e uma classe privilegiada que só se importa com festas, o filme apresenta um mundo belo, mas um tanto oco. Nesta jornada é o esperto Jep Gambardella (Servillo) que guia o espectador com charme e um humor bastante mordaz. 

PL►Y: Deixe Ir

Verónica e Toni: diferenças passadas a limpo.

É curioso ver a presença do renomado ator Toni Servillo numa comédia despretensiosa como este Deixe Ir, não fosse por ele, provavelmente o filme não teria chamado minha atenção. Toni deve ser o ator mais concorrido do cinema italiano atualmente e, no meio de tantos papéis dramáticos elogiados, ele resolveu relaxar embarcando em um roteiro que chega a surpreender pelas situações absurdas em que coloca o seu personagem. Ele interpreta Elia, um terapeuta que tem como maior diversão o atendimento aos seus clientes problemáticos. Ele ainda se encontra com a ex-mulher, mas enquanto a vida amorosa dele estagnou, ela tenta seguir a dela em frente - o que o deixa ainda mais inseguro. O maior problema para Elia tem sido a vida sedentária, com alimentação inadequada e ausência de atividade física, os quilos foram se acumulando e o coração começa a pedir ajuda. Nem um pouco animado em se exercitar numa academia, ele acaba conhecendo uma personal trainner maluquete, Claudia (Verónica Echegui). Dona de uma energia Almodovariana, Claudia cria uma rotina de exercícios para o seu novo aluno e, embora os dois sejam completamente diferentes - e se estranhem de vez em quando - tendo a moça sempre por perto, fica perceptível que entre os dois se constrói uma amizade. Embora o roteiro force que exista um romance entre os dois, o casal funciona melhor quando ele emana uma imagem paternal para Claudia, que é um tanto perdida sobre os caminhos que precisa seguir na vida. Geralmente ela se mete em encrenca e, obviamente, que Elia irá se meter n maior delas. Quando o filme parece que irá se tornar mais uma comédia romântica, o roteiro cria uma guinada retomando a primeira cena que a maioria dos expectadores nem lembraria e o filme se torna uma espécie de comédia policial. A ideia oferece novo fôlego para a narrativa - e faz graça com o trabalho do seu protagonista, além de colocar o caráter da bela Claudia sob suspeita (além de trazer  um irreconhecível Luca Marinelli, de A Solidão dos Números Primos/2010 como  a maior ameaça aos dois). Deixe Ir tem como única intenção provocar risadas em um ritmo elétrico, não é o tipo de comédia que você irá lembrar por muito tempo, mas enquanto você assistir, provavelmente irá considerar o programa divertido. Além disso, demonstra que o estilo austero do badalado ator italiano funciona até em uma comédia um tantinho  mais escrachada. Para os fãs do ator, torna-se uma opção ainda mais interessante. 

Deixe Ir (Lasciati Andare/Itália-2017) de Francesco Amato com Toni Servillo, Verónica Echegui, Carla Signoris, Luca Marinelli e Pietro Sermonti. ☻☻

sábado, 21 de abril de 2018

4EVER: Nelson Pereira dos Santos

22 de outubro de 1928 ✰ 21 de abril de 2018

Nascido em São Paulo, Nelson Pereira dos Santos se tornou um dos maiores nomes do cinema brasileiro. Bacharel em Direito pela USP e precursor do movimento Cinema Novo, Nelson ficou ainda famoso pelos filmes que levaram para a telona a obra de Graciliano Ramos. Adaptando os clássicos Vidas Secas (1964) e Memórias do Cárcere (1984), o diretor comprovava que era impossível ficar indiferente ao seu cinema. Em 2006 ele se tornou o primeiro cineasta a integrar a Academia Brasileira de Letras após colecionar prêmios em diversos festivais (Brasília, Cannes, Gramado, Havana...) ao longo de uma carreira composta por 27 filmes. Seu último trabalho foi no documentário A Luz do Tom (2012), mas em 2006 ele demonstrava que ainda estava em sintonia com o contexto político do país com o mordaz Brasília 18%. Nelson faleceu de falência múltipla dos órgãos em consequência de uma pneumonia aos 89 anos. 

PL►Y: Eu Não Sou um Serial Killer

Lloyd e Max: lidando com a sociopatia. 

Faz tempo que o comportamento de John Cleaver chamou a atenção de sua mãe que rapidamente procurou um psicoterapeuta para ajudá-lo. Ao que tudo indica, a dificuldade do jovenzinho sentir empatia e ter pensamentos estranhos, demonstra que ele é um sociopata. No entanto, como muitos que possuem este transtorno e fazem acompanhamento médico, ele criou uma série de mecanismos para não sucumbir aos seus impulsos mais perigosos. Porém, desde a primeira cena de Eu Não Sou um Serial Killer, nós sabemos que existe um assassino serial na pacata cidade onde John vive e, obviamente, o interesse do rapazinho pelo assassino só cresce. Você pode até imaginar o arrependimento da mãe por ter sugerido que o rapaz trabalhasse na casa funerária da família, mas preparar os mortos para o funeral e o sepultamento só indicavam que o interesse do menino pelo mórbido já era patológico. Baseado no livro de Dan Wells, chega a ser engraçado que o protagonista seja encarnado por Max Records, o menino de Onde Vivem Os Monstros (2009) de Spike Jonze. Max cresceu e, se quando pequeno conseguia dar conta de um menino birrento e suas fantasias, agora ele consegue lidar com um personagem crescido bastante complexo, que poderia ser versão adulta daquele menino. A direção de Billy O'Brien acerta em cheio no início, temperando a história com doses de humor negro e uma insolência adolescente que funciona muito bem. O protagonista cresce diante dos nossos olhos, ganha nuances interessantes e lança um olhar curioso sobre a própria sociopatia. No entanto, quando o garoto descobre quem é o tal assassino da cidade, o filme perde um pouco da intensidade e começa a ser mais um jogo entre um jovem e o que ele pode se tornar no futuro... pena que depois piora ao enveredar pelo sobrenatural. Aquelas qualidades do início começam a rarear e você quer apenas descobrir como aquilo tudo vai terminar. Talvez Billy O'Brien (que com este criou o seu terceiro filme de terror com baixo orçamento) nem imagine o quanto ele pode ser bom quando investe nas sutilezas da história que tem em mãos. Eu Não sou um Serial Killer não termina tão bem quanto começa, mas consegue ser sombrio e manter a tensão durante todo o filme, mas se mantivesse o teor psicológico de seu suspense, o resultado seria ainda mais interessante. 

Eu Não Sou um Serial Killer (I am Not a Serial Killer/EUA-2016) de Billy O'Bryen com Max Records, Christopher Lloyd, Laura Fraser, Christina Baldwin e Karl Geary. ☻☻

PL►Y: Certas Mulheres

Lily Gladstone: uma atriz para lembrar. 

A diretora Kelly Reichardt é um nome que chama cada vez mais atenção no cinema independente norte americano. Seus admiradores ressaltam suas narrativas sem concessões e pulso firme na condução de seus atores, quem não curte seu trabalho considera geralmente tudo bastante tedioso. Talvez o que Kelly procure é justamente surpreender, foi assim quando enveredou pelo faroeste com O Atalho (2010) e depois pelo ativismo mais radical dos personagens de Movimentos Noturnos (2013), mas, considerando estes dois projetos anteriores, Certas Mulheres chega a ser um tanto dissonante. A diretora escolheu três contos da escritora Malie Maloy para criar seu sétimo filme, o resultado foi lembrado em premiações independentes, mas foi ignorado pelo público - mesmo com atrizes bastante conhecidas no elenco. As três histórias giram de tornos de quatro personagens femininas que fogem dos arquétipos típicos do cinema americano, mas que tem em comum o fato de viverem na cidade de Livingston, no friorento estado de Montana. Laura Dern é uma advogada que precisa lidar com um cliente desesperado (Jared Harris) que a enxerga quase como uma figura maternal. Michelle Williams é uma mulher que tem o projeto de construir uma casa conceitual, mas que ninguém parece leva-la a sério, nem o esposo, nem os operários ou a filha que a desafia sempre de forma irritante. Embora as duas personagens sejam interessantes e apresentem suas características em situações triviais,  a opção da diretora deixar suas histórias em aberto (mesmo depois que uma última cena deixada para o final apareça) quebra o fluxo da história e demonstra dificuldade em lidar com histórias tão internalizadas. Não são poucos que irão perceber que as duas histórias parecem promissoras, mas que não atingem os pontos que deveriam. São histórias que deixam a sensação que estão pela metade, talvez pela diretora deixar muito nas discretas entrelinhas. Curiosamente o melhor resultado ficou por conta da história protagonizada por Kirsten Stewart, onde ela vive uma advogada que leciona em uma cidadezinha distante. Entre suas alunas está uma jovem (Lily Gladstone) que passa o dia todo cuidando de animais num rancho e, sem dizer uma palavra sobre isso, percebemos o quanto aquela professora é importante na vida de Lily. Se Stewart é a mesma apatia de sempre, ela pelo menos serve para ampliar ainda mais a marcante atuação de sua parceira de cena. Sem dizer muitas palavras, contando apenas com sorrisos tímidos e olhares sugestivos, Gladstone ganha o nosso coração com  uma personagem que descobre o amor, mas que não tem coragem de dizê-lo (embora o demonstre com atos bastante nobres). Lily foi indicada a aluns prêmios pelo papel, incluindo o Independent Spirit de atriz coadjuvante, por elevar um filme que quase fica pelo meio do caminho nas três histórias que tem para contar. Lily é um nome para lembrar nos próximos anos e, somente sua atuação, já vale o filme inteiro. 

Certas Mulheres (Certain Women/EUA-2016) de Kelly Reichardt com Laura Dern, Michelle Williams, Lily Gladstone e Kirsten Stewart. ☻☻

terça-feira, 17 de abril de 2018

Na Tela: O Insulto

Toni e a esposa: tensas relações. 

Toni (Adel Karam) é um cristão libanês que vive com sua esposa grávida (Rita Hayek) vivem em seu apartamento em uma cidade que não gostam muito. Ainda assim, a vida do casal segue com tranquilidade, até que um dia ao molhar as plantas em sua varanda, Toni molha acidentalmente Yasser Salameh (Kamel El Basha), encarregado de um grupo de profissionais de urbanização que trabalham por ali. Abordado por Yasser sobre o incidente e a irregularidade de sua calha, Toni não é muito gentil e recebe um palavrão como resposta. A partir daí começa o embate entre os dois personagens, que vão de um insulto para agressão física, um processo nos tribunais, manifestações, agressões, ofensas e um verdadeiro caos na cidade onde vivem. Aos poucos o filme explora a tensão entre os dois personagens como um reflexo das relações naquela região. O Insulto foi indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro deste ano e se a disputa não fosse tão acirrada, possivelmente teria sido premiado. Existe algo no filme que faz lembrar o cinema do iraniano Asghar Farhadi (que já foi premiado duas vezes nesta categoria, com os ótimos A Separação/2011 e O Apartamento/2016, já que aqui também existe um incidente doméstico que acarreta uma série de situações que se expandem e apresentam uma sociedade que parece uma panela de pressão prestes a explodir (e o que era um drama se torna um suspense sufocante). Justamente por passar de uma situação simples para uma verdadeira guerra, onde preconceitos e interesses políticos se misturam, que o filme ganha força e surpreende. O diretor Ziad Doueiri tem habilidade em conduzir sua história numa tensão crescente, com diálogos que geram reflexões na plateia, mesmo que por vezes pese a mão na condução quase unidimensional de alguns personagens. Aos poucos a trajetória daqueles personagens revela a história daquele lugar e, seja de um lado ou do outro, todo mundo tem suas contas a acertar com o passado, mas o diálogo se torna cada vez mais difícil com dois grupos tão certos de suas convicções. Enquanto Toni segue afirmando que tudo o que queria era um pedido de desculpas (o que está longe de ser verdade), também conseguimos compreender as reações de Yasser ao se sentir ofendido com a postura de seu antagonista. O embate entre os dois já renderia um filme interessante, mas o diretor insere outros elementos que colaboram para que o filme amplie seu apelo, seja a esposa grávida que tenta colocar um pouco de sensatez na mente do seu esposo ou o patrão que se vê numa verdadeira encruzilhada quando seu próprio emprego começa a ser afetado pelo caso. Porém, algumas “surpresas” da trama soam um tanto forçadas, como o relacionamento entre os advogados responsáveis pela defesa e acusação ou a forma melodramática como é apresentada a história de vida de Toni, são situações que destoam do resto da trama e não são desenvolvidas com a mesma desenvoltura do resto da história. Sorte que ainda assim, O Insulto é contundente, com suas imagens e diálogos ásperos que, de quebra, representam bem o quanto os discursos de ódio são perigosos em qualquer lugar. 

O Insulto (L'Insulte / França - Síria - Líbano - Bélgica - EUA / 2017) de Ziad Doueiri com Adel Karam, Rita Hayek, Kamel El Basha, Camille Salameh, Christine Choueiri, Julia Kassar e Talal Jurdi. ☻☻☻☻

segunda-feira, 16 de abril de 2018

4EVER: R. Lee Ermey

24 de março de 1944 15 de abril de 2018

Existem artistas que só precisam de um personagem para entrar para a história do cinema. Este é o caso de Ronald Lee Ermey, que ficou famoso por sua atuação como Sargento Hartman em Nascido Para Matar (1987) de Stanley Kubrick. Sua atuação é até hoje lembrada como uma das mais vilanescas da sétima arte. Sua precisão é absoluta na tortura psicológica que seu personagem inflige aos soldados do filme - e torna ainda mais simbólica a transição da primeira parte do filme para a segunda. A atuação lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de ator coadjuvante. Ermey nasceu no estado do Kansas e antes de ficar famoso foi sargento na Marinha dos Estados Unidos, de onde tirou parte da entonação e postura de seu famoso personagem. Lee atuou em vários filmes, entre eles Mississipi em Chamas (1988) e Se7en (1995), e emprestou a voz para vários games e animações (Toy Story, Bob Esponja, Simpsons, Kung Fu Panda, Kim Possible, Batman...). O ator faleceu na Califórnia em consequência de uma pneumonia. 

domingo, 15 de abril de 2018

CATÁLOGO: O Povo Contra Larry Flynt

Love, Woody e Brett: vida e obra de um pornógrafo 

Lawrence Claxton Flynt Jr. nasceu no estado americano de Kentucky em 1942 e ninguém imaginava que aquele menino que vendia aguardente produzida no fundo do quintal seria capaz de construir um verdadeiro império da pornografia. A vida de Larry Flynt foi marcada por excessos e  longos embates com o conservadorismo americano, especialmente por conta da revista que consagrou sua marca, a  Hustler - que adotava uma estética considerada repugnante, mas que funcionava provocativamente em oposição à famigerada Playboy. Flynt transformou sua perversão em profissão e assim, sua vida foi marcada por processos e  um atentado que o deixou preso à uma cadeira de rodas. Aos 76 anos tem dificuldades para falar e escutar, tem o rosto visivelmente inchado e é cercado de guarda-costas, no entanto, não perdeu o espírito transgressor capaz de criticar o governo Trump e o cenário político conservador que se desenha ao redor do mundo. Para entender melhor a vida deste personagem americano (e somente nos Estados Unidos seria capaz de alimentar uma figura feito Flynt) vale conferir a cinebiografia lançada em 1996 dirigida por Milos Forman. O longa foi recebido com desconfiança na época de seu lançamento e foi um fiasco nas bilheterias americanas. A crítica achou um verdadeiro exagero apresentar como ícone da liberdade de expressão um pornógrafo com dezenas de processos nas costas, no entanto, as qualidades cinematográficas o fizeram ser indicado a cinco categorias no Globo de Ouro (filme, direção, ator, atriz e roteiro) e duas no Oscar (direção e ator) Woody Harrelson (indicado ao Oscar) está excepcional na pele de Flynt (embora o faça com muito mais simpatia do que o verdadeiro fosse capaz de expressar), o ator  cria um verdadeiro anti-herói americano com todas as características que necessita para ser envolvente, especialmente quando alfineta a hipocrisia de um povo que adora fingir santidade. A grande surpresa do filme ficou por da escolha da roqueira Courtney Love para viver a esposa de Flynt, a stripper bissexual Althea Leasure. O diretor ressaltou que percebeu em Coutney uma sensualidade agressiva que caia muito bem na personagem - e a escolha vista com desconfiança por produtores renderam páginas e páginas de matérias na imprensa (vale lembrar que a Courtney era para os anos 1990 o que Amy Winnehouse foi para o século XXI, seu envolvimento em confusões e uso de drogas estavam sempre na mídia, especialmente após a morte de seu esposo Kurt Cobain do Nirvana). Courtney ainda é uma das artistas mais subestimadas das últimas décadas, mas colheu vários elogios e foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz dramática (mas com o tempo os projetos no cinema foram rareando). Debaixo de toda a narrativa jurídica em torno da liberdade de expressão (e sua garantia pela  primeira emenda da Constituição Americana), Milos conta também a história de amor de dois personagens controversos que se revelam verdadeiras almas gêmeas. A narrativa é ágil, a reconstituição de época é competente e o trabalho com os atores tem o padrão de qualidade do diretor, mas o filme paga o alto preço de apresentar Larry como o grande defensor da liberdade de expressão na Terra do Tio Sam (o que não deixa de ser uma ideia interessante). Rejeitado em seu tempo e visto mais de vinte anos depois, O Povo Contra Larry Flynt mostra-se ainda mais contundente em tempos de radicalismo, além de ressaltar o gosto de seu diretor por personagens que incomodam muita gente. Milos Forman fará falta. 

O Povo Contra Larry Flynt (The People Vs. Larry Flynt / EUA- 1996) de Milos Forman com Woody Harrelson, Courtney Love, Edward Norton, Brett Harrelson, Donna Hanover, James Cromwell e Crispin Glover. 
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FILMED+: Um Estranho no Ninho

Jack e seus amigos: nó na garganta. 

Um Estranho no Ninho entrou para a história como o segundo filme a ganhar as cinco principais categorias do Oscar (o primeiro que conseguiu a proeza foi Aconteceu Naquela Noite/1934 de Frank Capra e o terceiro foi O Silêncio dos Inocentes/1991  de Jonathan Demme) . Se levarmos em conta que o filme é ambientado em um sanatório e foi lançado em 1976, trata-se de um grande feito. O filme foi indicado a nove estatuetas e levou para casa a nata da premiação: melhor filme, melhor diretor (Milos Forman), melhor ator (Jack Nicholson), melhor atriz (Louise Fletcher) e roteiro adaptado (da peça de Dale Wasserman). O filme também foi o segundo longa em inglês do diretor tcheco Milos Forman, que se tornou um ícone para a nova forma de fazer filmes que Hollywood perseguia, com menos glamour e mais realismo. O filme conta a história de R.P. McMurphy (Jack Nicholson), um homem que chega a um centro de tratamento psiquiátrico com um histórico complicado. Após se envolver em brigas e ter estuprado uma garota de quinze anos, ele visivelmente chega aquele lugar imaginando que seria uma forma de escapar da prisão, afinal, logo se percebe que louco ele não é. No entanto, por mais que ele comece a ter um bom relacionamento com os outros pacientes do local, o seu maior problema é a enfermeira responsável pelo local: a enfermeira Ratched (Louise Fletcher). Por boa parte do filme, a trama gira em torno do novo paciente tentando mudar a forma como os pacientes são tratados naquele lugar desagradável. A televisão vive desligada (e a vontade de ver um jogo de baseball já rende discussões e situações de abuso de poder), não existe atividade física para os pacientes  e a própria terapia de grupo é conduzida com uma serenidade cruel por Ratched. Embora o filme seja habitado por vários atores que ganhariam fama nos anos seguintes (Danny DeVito, Christopher Lloyd e Brad Douriff), a alma do filme está no embate entre Nicholson e Fletcher. Nicholson já tinha quatro indicações ao Oscar antes de levar sua primeira estatueta por este filme. Seu estilo expansivo e charme subversivo já haviam tornado o ator famoso, torna-se visível como ele se diverte em cena - e cria um contraste poderoso quando a situação de seu personagem se torna mais densa naquele lugar. Já Louise Fletcher segue um caminho oposto, sua personagem é aparentemente a calmaria em pessoa, mas aos poucos podemos ver o ódio consumi-la por dentro, alterando seu semblante, seu olhar, provocando leves contrações em seu rosto num auto-controle que está sempre prestes a explodir. A atriz que já era conhecida por seus trabalhos na televisão nunca mais conseguiu um papel tão interessante que lhe rendesse uma atuação tão magnífica quanto a que vemos aqui. O embate por saber quem é o dono do pedaço é o que confere ao filme uma estrutura narrativa poderosa, especialmente quando chega ao final e nos oferece um nó na garganta. Milos Forman se destaca por pegar uma história pesada e lhe dar toques cômicos num raro equilíbrio com o que pode haver de mais trágico na repressão de comportamentos dissonantes. Um Estranho no Ninho é um filme ambientado em praticamente um cenário, sem truques narrativos, mas consegue ir da calmaria ao caos como um raio amparado por um roteiro belamente lapidado. Enfim, um clássico de respeito.

Um Estranho no Ninho (One Flew over the Cukoo's Nest/EUA-1975) de Milos Forman com Jack Nicholson, Louise Fletcher, Christopher Lloyd, Danny DeVito e Brad Douriff. ☻☻☻☻☻

sábado, 14 de abril de 2018

4EVER: Milos Forman

18 de fevereiro de 1932   14 de abril de 2018

Jan Thomas Forman nasceu na Tchecoslováquia em uma família de protestantes. Durante a Segunda Guerra Mundial seus pais foram perseguidos, sendo o pai preso e morto por distribuir livros proibidos e sua mãe levada para Auschwitz. Jan foi acolhido por parentes durante este período. Talvez pelo tom sombrio de sua história, Milos começou a carreira no cinema fazendo comédias em sua terra natal  (o que ajudou a moldar seu estilo um tanto subversivo). Com o sucesso de seu filme Os Amores de Uma Loira (1967), indicado ao Oscar de filme estrangeiro, o diretor começou a negociar sobre o seu primeiro filme nos EUA, mudando-se para lá e conseguindo a nacionalidade americana em 1977. Estabelecido em Nova York, ele se tornou professor de cinema na Universidade de Columbia.  Seu primeiro filme americano (Procura Insaciável/1971) foi premiado em Cannes e consolidou sua carreira em Hollywood. Logo depois ele lançou  o aclamado Um Estranho no Ninho (1975), que recebeu os cinco principais Oscars (Filme, diretor, ator, atriz e roteiro adaptado). Depois ele dirigiu Hair (1979) e Amadeus (1984), filme que ganhou oito Oscars, incluindo filme e direção. Forman ainda foi indicado ao Oscar mais uma vez pelo controverso O Povo Contra Larry Flynt (1996). O cineasta faleceu em sua residência em Connecticut após um breve mal estar. 

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Na Tela: Jogador Nº 1

Tye: avalanche de easter eggs. 

Steven Spielberg construiu sua fama em Hollywood com base em uma revolução nos filmes de entretenimento. Pode se dizer que muito do que vemos entre as maiores bilheterias de cada ano não existiriam se ele não houvesse mudado a forma com que os estúdios percebem este tipo de cinema. Depois ele precisou fazer filmes sérios para ser consagrado como um cineasta de prestígio, por vezes amargou fracassos, em outros colheu elogios e ganhou Oscars (só de diretor ele tem dois na estante). O estranho foi que em suas últimas aventuras pelo mundo milionário das superproduções, ele amargou filmes que não conseguiam ser a sombra do que ele foi no passado. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) deixou os fãs mais confusos do que satisfeitos, a animação As Aventuras de Tintim (2011) era mais bem feita do que empolgante e O Bom Gigante Amigo (2016) foi rotulado como um dos mais frustrantes de sua carreira. A chance de levar para as telas a obra de Ernest Kline era a grande chance do diretor entrar em sintonia com seu novo público para o século  XXI. Jogador Número 1 era tudo que Spielberg precisava para se comunicar com o público jovem atual, afinal, tem a chance de lidar com toneladas de efeitos especiais, ritmo vertiginoso e easter eggs - e este conceito  faz parte importante da história. São tantas referências escondidas no filme que assisti-lo se torna um verdadeiro desafio para saber identificar todos - e Spielberg ainda teve a elegância de cortar todas as alusões ao seu trabalho que estavam presentes no livro. A história em si não tem nada demais, mas serve de fio condutor para o diretor criar um mundo imagético próprio, repleto de símbolos da cultura pop (com curiosa ênfase nos anos 1980 e 1990) e que se misturam com um simples clique dos usuários do Oasis. Oasis é um mundo virtual onde a humanidade prefere viver conectada do que perceber a realidade cinzenta e sem muita perspectiva do mundo real. É neste mundo futurístico em frangalhos que vive o protagonista Wade (Tye Sheridan, o jovem Ciclope de X-Men: Apocalipse/2016 - que aqui usa óculos iguaizinhos ao do herói). No jogo ele é Parzival, um dos personagens que parte na busca de easter eggs escondidos pelo criador do Oasis e que servirá para derrotar o empresário megalomaníaco Sorrento (Ben Mendelsohn). Boa parte do filme se passa no mundo de fantasia, onde Wade, ou melhor, Parzival tem amigos que nem conhece no mundo real - pelo menos até ele ser perseguido por Sorrento. O filme é uma correria num verdadeiro espetáculo visual, poderia ser ainda mais interessante se o roteiro não optasse por diálogos simplistas e algumas situações que parecem puro clichê. Como diversão o filme funciona muito bem, mas perde a chance de ser uma alusão mais densa ao mundo fascinado (e viciado) por tecnologia que vivemos hoje. Porém, pode ser eu que tenha envelhecido demais para ficar satisfeito com este filme.  Não duvido que o longa será um sucesso ao redor do mundo e possa até se tornar uma série de sucesso nos cinemas, mas isto me faz pensar em outro ponto que nem é tão relevante agora: Tye Sheridan já me parece no limite para viver um adolescente. O ator mirim cresceu e se tornou um ator esforçado, mas quem rouba a cena é sua parceira de cena, Olivia Cooke. Cooke foi revelada na série Bates Motel e ganhou a tela grande com o ótimo Eu, Você e a Garota que Vai Morrer (2015) e aqui, prova mais uma vez que é impossível não se tornar fã dela. Espero que ela faça mais filmes depois deste aqui. 

Jogador Número 1 (Ready Player One/EUA-2018) de Steven Spielberg com Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben Mendelsohn, Mark Rylance, Simon Pegg e Phillip Zao. ☻☻☻

terça-feira, 10 de abril de 2018

10+ Jake Gyllenhaal

Pouca gente lembra, mas Jacob Benjamin Gyllenhaal começou sua carreira como ator infantil em 1990, durante as filmagens da comédia de faroeste Amigos, Sempre Amigos (1991). O menino californiano cresceu e chamou atenção com seus grandes olhos azuis. Bastou ele ser protagonista do bom O Céu de Outubro (1999) para que percebessem o seu potencial para astro. O papel promoveu a primeira guinada em sua carreira, rendendo três filmes em 2001 - com destaque para o cult Donnie Darko (2001). De lá para cá, Jake enfrentou críticas, foi indicado a prêmios e amadureceu o suficiente para ser um dos atores mais respeitados de sua geração. Esta lista é para lembrar meus dez papéis favoritos do rapaz - e que o ajudaram a ser um dos atores mais requisitados do cinema americano:

10 Soldado Anônimo (2005) de Sam Mendes
Pouca gente entendeu este filme quando estreou, no entanto, é uma das obras mais curiosas sobre a relação dos americanos e seu gosto por guerras. 

Jake convence como um boxeador em crise profissional e pessoal, mesmo que o roteiro capenga não ajude o filme a alcançar todas as intenções que deveria. 

Fosse feito nos anos 1990, provavelmente o papel teria ficado com Jim Carrey, no entanto, a escolha de Jake para este papel caricato inusitado surpreende até hoje. 

O primeiro papel adulto do ator foi como o jornalista Robert Graysmith que ajudou nas investigações para encontrar o famigerado serial killer americano entre os anos 1960 e 1970. 

06 Donnie Darko (2001) de Richard Kelly
O primeiro grande sucesso do ator se tornou cult com sua história que mistura viagens no tempo, apocalipse e um coelho macabro. Até hoje teorias se multiplicam sobre o filme.

Jake bem que merecia maior destaque nas premiações com sua desconstrução de um recente herói americano. Entre a fama e seus desafios pessoais, o ator acerta o tom num filme irregular. 

Em sua segunda parceria com o diretor canadense, Jake encarna dois personagens que podem ser sósias, irmãos, clones, rivais, projeções, ilusões ou apenas um devaneio aracnídeo. 

O ator perdeu 14 quilos para viver o sanguinário freelancer que faz a glória de um canal sensacionalista. Pelo ar estranho (e cadavérico), ele  foi indicado ao Globo de Ouro. 

Embora já colecione várias atuações no currículo, Jake foi indicado ao Oscar somente como o cowboy gay Jack Twist neste aclamado filme. Jake concorreu como melhor ator coadjuvante. 

Dar conta de um personagem que se divide em dois não é tarefa fácil. No elaborado filme de Tom Forde, Jake interpreta um escritor e seu personagem com a mesma precisão (e angústia). 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Na Tela: O que Te Faz Mais Forte

Tatiana e Jake: a vida após uma tragédia. 

Com uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante por Brokeback Mountain (2005) faz algum tempo que Jake Gyllenhaal anda se esforçando para que sua segunda indicação se concretize. No entanto, a Academia o tem ignorado solenemente nos últimos anos. Se os votantes do Oscar não se impressionam com suas atuações recentes, por outro lado, faz tempo que a crítica deixou de o considerar um ator limitado. Prova disso é o seu trabalho neste O Que Te faz Mais Forte - sua atuação ficou de fora de praticamente todos os prêmios da temporada, sendo lembrado somente no Critic's Choice Awards 2018. Adaptado pelo diretor David Gordon Green do livro autobiográfico de Jeff Bauman, muita gente viu o filme com grande desconfiança, imaginando que seria mais um daqueles filmes melodramáticos sobre superação, no entanto o filme toma algumas decisões curiosas, corajosas até, no que se refere ao seu protagonista. Jeff Bauman ficou famoso por ser uma das vítimas do atentado ocorrido na Maratona de Boston no ano de 2013, onde dois homens explodiram bombas de fabricação caseira e deixaram uma centena de vítimas que assistiam o evento pelas ruas da cidade. Bauman perdeu a maior parte de suas pernas e após um período desacordado, se tornou um herói nacional por identificar um dos responsáveis pelas explosões. Esta parte mais conhecida da história é tratada de forma bem rápida no início do filme, o que interessa mesmo ao diretor é explorar o conflito vivido por um homem que era visto como um herói, mas se encontrava em frangalhos por dentro. Enquanto todos queriam tirar fotos e entrevistá-lo, ele sofria com a sua nova condição, onde situações simples como acordar pela manhã ou ir ao banheiro marcava o início de um grande desafio. Além disso o filme dedica boa parte de sua duração a narrar a dura reabilitação de Jeff, que rende para Jake Gyllenhaal um trabalho físico realmente impressionante. É curioso como o filme não ameniza a vida comum de seu protagonista, optando por representá-lo como uma pessoa de carne e osso, que mostra-se imaturo, fala e faz bobagens ao lado dos amigos e não consegue disfarçar o incômodo com o gosto da mãe pela bebida e o prazer de ver o filho se tornar uma celebridade (é notável o desconforto toda vez que tem que vibrar os braços no ar em uma celebração constante de algo que não via sentido). Quem esperava uma visão bonitinha da vida de Bauman vai se decepcionar, já que o filme faz justamente o oposto (o que colaborou para o filme ir mal nas bilheterias americanas). O ponto de equilíbrio na vida de Jeff é a presença de Erin, a ex-namorada que o levou a estar presente na tal maratona (que rende para a canadense Tatiana Maslany, da série Orphan Black, outro bom trabalho). O relacionamento entre Jeff e Erin é um dos pontos mais interessantes do filme, já que mistura romance (com um tanto de culpa e cobranças) que serve de fio condutor para a narrativa um tanto dispersa ao gosto de Gordon Green. É verdade que o filme funciona bem em sua primeira hora. Consegue ser realista na medida certa, enxuto, redondinho... depois ele começa a relaxar e utilizar cenas que parecem estar ali só para esticar a duração da história. O que te Faz Mais Forte não é um grande filme, mas é sincero ao transformar um herói americano no que ele realmente é: um sujeito comum que viu a vida mudar radicalmente após uma tragédia. 

O Que Te Faz Mais Forte (Stronger/EUA-2017) de David Gordon Green com Jake Gyllenhaal, Tatiana Maslany, Miranda Richardson, Richard Lane Jr., Clancy Brown e Nate Richman. ☻☻

NªTV: A Casa de Papel

A gangue: sucessivas reviravoltas. 

A minissérie espanhola La Casa de Papel estreou na Netflix em meio às comemorações de fim de ano (25 de dezembro de 2017 para ser exato) sem fazer muito alarde. Aos poucos a série ganhou numerosos fãs que realizaram uma verdadeira campanha boa a boca e a série se tornou uma das mais assistidas do serviço de streaming nos primeiros meses de 2018. Lançada em maio do ano passado na Espanha, A Casa de Papel conseguiu ótima audiência por onde passou e se tornou um sucesso mundial com sua narrativa ágil e personagens complexos que, não raro, enveredam por um tom quase novelesco (e não há problema nenhum nisso, já que, devidamente lapidado, faz parte da identidade do próprio cinema espanhol). Concebida e exibida originalmente como uma minissérie, não entendi muito bem o motivo da Netflix dividir a série em duas partes aqui no Brasil, afinal, quando assistimos a segunda parte (que está disponível desde o dia seis de abril) vemos claramente que a tensão crescente sofre um golpe doloroso com o intervalo forçado de tempo. No entanto, isso não prejudica os méritos da série que apresenta um elaborado roubo à Casa da Moeda espanhola, ou melhor, na verdade, o roubo nem é tão elaborado assim, mas subverte um dos pontos mais importantes nas produções do gênero: o tempo. Enquanto na maioria das produções sobre assaltos os criminosos precisam fazer tudo no espaço mais curto de tempo para não serem pegos, os ladrões aqui precisam de tempo, ou melhor, enrolar a polícia para que fiquem mais tempo ali dentro produzindo mais e mais dinheiro. Ao longo dos capítulos, a cifra se aproxima da casa do bilhão de euros, no entanto, a quadrilha precisa ficar atenta para driblar todos os percalços do caminho. Embora tudo seja magistralmente arquitetado pelo Professor (Álvaro Morte), várias vezes o fator humano coloca em risco o sucesso de sua meticulosa arquitetura. Neste ponto não estamos falando apenas no romance da narradora Tóquio (Úrsula Corberó) e o jovem hacker Rio (Miguel Herrán), das rusgas entre Nairóbi (a ladra de cenas Alba Flores) e o assustador Berlim (Pedro Alonso), as pendengas familiares entre  o pai Moscou (Paco Tous) e o filho temperamental Denver (Jaime Lorente), ou a presença sempre truculenta de Helsinque (Darko Peric) e Oslo (Roberto García Ruiz), estou falando também do envolvimento do Professor com a encarregada de resolver aquela situação que se arrasta por dias, a detetive Raquel Murilo (Itziar Ituño). O mais legal da série é a forma como ela se reinventa para nunca perder a atenção do espectador, seja com estratégias improvisadas para manter o plano original funcionando ou descobertas e surpresas que aparecem pelo caminho, A Casa de Papel flui com uma eficiência invejável e, mesmo quando exagera nas mentiras, torna-se ainda mais divertida. Outro ponto forte da história é como os roteiristas ampliam seu leque de personagens durante os episódios, utilizando parentes, dramas pessoais, reféns e investigadores para alimentar ainda mais a tensão da história. Além de seus méritos, o sucesso da produção ainda pode ter outro mérito: chamar atenção do público brasileiro para séries europeias. A grande maioria são exibidas por aqui sem muito alarde, o que é uma pena já que séries magistrais como a francesa Les Revenants (que ganhou uma versão chamada The Returned na própria Netflix, só que bem menos interessante que a original) e a sueca Real Humans (que foi refilmado pela AMC sem tanto êxito) nunca ganharam atenção merecida do público brasileiro. Quem sabe com A Casa de Papel o público descubra que existem séries muito interessantes em línguas diferentes da inglesa.

A Casa de Papel (La Casa de Papel / Espanha - 2017) de Álex Pina com Álvaro Morte, Itziar Itoño, Úrsula Corberó, Miguel Herrán, Pedro Alonso, Alba Flores, Jaime Lorente, Paco Tous, Darko Peric e Esther Acebo. ☻☻

domingo, 8 de abril de 2018

Na Tela: Um Lugar Silencioso

Emily: minha primeira favorita  ao Oscar 2018. 

John Krasinski ganhou fama como o simpático Jim da série americana The Office, o programa durou oito temporadas e terminou em 2013. Embora tenha lá seus dons dramáticos, John é essencialmente um ator cômico e, por conta deste estigma ainda não tinha conseguido o devido reconhecimento em sua carreira no cinema - tanto que está para estrear no cobiçado papel de Jack Ryan na série de TV homônima inspirada na obra de Tom Clancy. Krasinski lançou dois filmes como diretor, um em 2009 (Breves Entrevistas com Homens Hediondos) e outro em 2016 (Família Hollar), dos quais ninguém lembra e que não demonstram o mínimo vestígio do que ele faria neste Um Lugar Silencioso. Em entrevistas ele costuma dizer que o roteiro chegou como convite para que ele interpretasse o papel do pai presente no filme, mas sua mente de cineasta trabalhou a todo vapor ao imaginar as cenas e as interpretações que poderia tirar daquela história. Vale lembrar que John é casado com a atriz Emily Blunt desde 2010 e tem duas filhas, o que deve ter ajudado muito a se identificar com o horror vivido pelos personagens do filme. A trama conta a história de uma família perseguida por monstros misteriosos que são atraídos pelo som, sendo assim, os personagens precisam sobreviver fazendo o menor ruído possível para evitar que se tornem comida. O filme não perde tempo com muitas explicações sobre a forma como o mundo passou a ser atormentado por estas criaturas, mas  sabe exatamente como contar a sua história abusando de um recurso ao qual o público está cada vez menos acostumado: a sugestão. Sem dispor de diálogos para explicar o que está acontecendo, o filme investe numa narrativa extremamente visual e o faz com maestria. A imagem se torna o centro da história e são elas que conduzem a trama até o seu sugestivo final. É verdade que existem ruídos e trilha sonora, mas que não conseguem diminuir o feito notável do diretor Krasinski em utilizar o silêncio para ampliar a angústia do espectador e cada barulho que surge durante a história. O roteiro é bem escrito e os atores estão muito bem em cena, das crianças (os expressivos Millicent Simmonds e Noah Jupe), ao diretor/ator que consegue interpretar a angústia de um pai para proteger sua família do desconhecido até chegar à magnífica atuação da britânica Emily Blunt, na pele da mãe grávida que passará por alguns dos momentos mais angustiantes da história do cinema sem poder soltar um grito. Além disso o filme tem a sensibilidade de quando escolhe uma canção para tocar, escolher uma das mais lindas de todos os tempos (e não vou contar qual é).  Fui desconfiado para o cinema imaginando como o a plateia reagiria ao filme, mas foi uma experiência ótima, já que o silêncio imperava e até a respiração da pessoa ao lado eu conseguia ouvir. Krasinski se arriscou bastante em seu terceiro filme e merece elogios por ter encontrado sua voz em meio a um gênero tão desgastado em Hollywood. Simplesmente surpreendente - ainda mais se você optar por fazer uma leitura ainda mais contemporânea da história em paralelo com o mundo atual. 

Jupe, Milli e John: aplausos ao diretor. 

Um Lugar Silencioso (A Quiet Place/EUA-2018) de John Krasinski, com Emily Blunt, John Krazinski, Millicent Simmonds e Noah Jupe. ☻☻