quinta-feira, 30 de abril de 2020

HIGH FI✌E: Abril

Cinco produções que merecem destaque no mês de abril:

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PL►Y: Milagre na Cela 7

Nisa e Aras: amor contra a truculência. 

Em tempos de isolamento social outro sucesso da Netflix no mês de abril foi Milagre na Cela 7 produção turca do ano passado que ganhou projeção nas redes sociais por conta do seu alto teor lacrimogênico. O longa assinado por Mehmet Ada Öztekin conta a história de Memo (Aras Bulut  Iynemli), um homem que tem... algumas dificuldades cognitivas. Mesmo assim, ele se casa e tem uma filha, Ova (Nisa Sofiya Aksongur). Anos depois, a avó (Celile Toyon Uysal) diz para a neta que o pai tem uma personalidade especial, afinal, aparenta ter a mesma idade mental da menina. A menina acolhe a ideia com carinho, vendo seu pai como um amigo, o qual, por vezes, ela terá que cuidar. Vivendo em uma comunidade pobre em Anatólia, a menina sonha com uma mochila vermelha que termina comprada pela filha de um oficial turco, que mais tarde, por conta  de um acidente irá acusar Memo de ter cometido um  crime. Se a plateia já havia simpatizado com o núcleo familiar de Memo nos minutos iniciais, toda essa simpatia será convertida em choradeira quando começar os sofrimentos do personagem. Memo deve apanhar por uns trinta minutos de filme. É preso, torturado, hostilizado na prisão e maltratado até que que seus parceiros de cela percebam que ele é um homem diferente, inocente, bondoso e vítima de uma injustiça. O Milagre da Cela 7 deve ser o fato daquele bando de prisioneiros se tornarem pessoas bondosas ao mesmo tempo e ajudarem o protagonista em tudo o que for possível - e não vou dizer o que acontece para não estragar as surpresas de um filme em que são elas que conduzem a história. O filme possui fãs fervorosos que não se importaram com qualquer exagero que o filme utilize para emocionar, afinal, um melodrama é feito para isso mesmo e há um público cativo para isso. É um filme que se assiste com facilidade, mas exige certo esforço para não ficar chateado com os golpes que o roteiro utiliza para arrancar mais lágrimas da plateia (aquela cena enganosa perto do final é o maior exemplo disso). Nem precisava, afinal, o tema da injustiça extrema já é um tema que causa identificação na plateia e não por acaso o filme é ambientado na Turquia dos anos 1980. Existe uma  base histórica para esta história, já que a Turquia sofreu uma grande mudança nos últimos vinte anos, se você ficar atento, não aparecem advogados no filme. Afinal, vigorava o código penal otomano de inspiração religiosa desde 1926, que só foi alterado em 2004. Somente então houve a criação de um artigo que contempla as pessoas que possuem alguma particularidade mental. No universo do filme, a brutalidade está sempre presente, mas o amor de Memo e Ova sempre surge como um contraponto, uma espécie de ponto de esperança em meio a tanta truculência. Aos curiosos, vale a pena dizer que o filme é uma refilmagem de um filme coreano de 2013, que já rendeu versões na Indonésia e nas Filipinas nos últimos anos. 

Milagre na Cela 7 (Turquia / 2019) de  Mehmet Ada Öztekin com Aras Bulut  Iynemli, Nisa Sofiya Aksongur, Celile Toyon Uysal e Sarp Akkaya.  

quarta-feira, 29 de abril de 2020

NªTV: The Plot Against America

Morgan e Zoe: problemas no sonho americano. 

Outra produção da HBO que deve fazer bonito nas premiações de final de ano é The Plot Against America. Baseada no livro homônimo de Phillip Roth (lançado em 2004), os criadores Ed Burns e David Simon (os mesmos de The Wire), fazem uma minissérie tão incômoda quanto pertinente para os dias atuais. A obra imagina como seria os Estados Unidos se Charles Lindbergh houvesse derrotado Franklin Roosevelt na campanha presidencial no início da década de 1940. O aviador Lindbergh era filho de congressista, mas nunca foi candidato à presidência, mas se tornou uma espécie de herói nacional após atravessar o Oceano Atlântico de avião rumo à França sem fazer escalas em 1927. Ele também ficou famoso após o trágico sequestro de um dos seus filhos em 1932, fato que acabou rendendo sua mudança com toda a família para a Europa. Lindbergh era famoso por seu perfil conservador e era até acusado de simpatizar com o nazismo. Não por acaso, ele é a figura escolhida por Roth para criar um cenário bastante nefasto na Terra do Tio Sam quando os regimes totalitários começavam a assustar na Europa. Este é o cenário em que acompanhamos os Levin, família de origem judaica formada por Herman (Morgan Spector), Bess (Zoe Kazan) e os filhos Sandy (Caleb Malis) e Phillip (Azhy Robertson), em torno deles ainda está a irmã de Bess, Evelyn Finkel (Winona Ryder), que sempre se envolve com os homens errados e o primo Alvin Levin (Anthony Boyle) que ainda busca um rumo na vida. Nos primeiros episódios o que vemos é a ascensão de Lindbergh rumo à Casa Branca, com apoio do rabino Lionel Bengelsdorf (John Turturro) e um bando de seguidores dotados de histeria por um herói nacional. É Lionel que tem o papel de amenizar todos os medos que a comunidade judaica tenha do aspirante à presidência. Colocando panos quentes em seus discursos e intenções, Lionel se fascina com o poder que começa a estar ao seu alcance e não percebe o perigo iminente que se intensifica conforme a narrativa avança. A série foi um tanto nos primeiros episódios, por aparentar que nada está acontecendo, mas a intenção é esta mesmo: apresentar pessoas comuns seguindo suas vidas sem se darem conta que uma escalada fascista acontece. Composta de seis episódios, é em sua metade que a tensão se instaura e o preconceito, as medidas de segregação e os movimentos extremistas começam a mostrar suas garras. Neste ponto o desespero dos personagens é palpável e demonstra o poder que a boa literatura tem de reler o passado e mostrar como ele ainda está presente.  Ponto crucial para esta tensão são os trabalhos excepcionais de Morgan Spector e Zoe Kazan. Na pele do pai, Morgan transparece perceber a cada instante a delicada situação que se constrói em torno de sua família. Ótimo ator (e que merecia maior reconhecimento) ele funciona em excelente contraponto com Zoe, que interpreta sua esposa que, com serenidade, tenta lidar com a mesma realidade - até que a situação com sua irmã Evelyn se torna insustentável. Bem realizada, a minissérie desliza apenas na organização de seu desfecho que parece um tanto apressados, mesmo o sexto episódio tendo quinze minutos a mais que os outros, muitos fatos importantes acontecem numa sobreposição que não condiz com a cadência dos anteriores. Talvez uma reorganização dos primeiros episódios evitasse esta sensação, mas nada que atrapalhe The Plot Against America de surpreender com sua ficção de época que, infelizmente, parece tão real. Vale ressaltar que não foram poucos que consideraram esta a  a melhor adaptação de uma obra de Phillip Roth, que é cultuado por produtores e diretores, mas que costuma render adaptações truncadas para o cinema como Pastoral Americana/2016 e Indignação/2016.

The Plot Against America (EUA - 2020) de Ed Burns e David Simon com Morgan Spector, Zoe Kazan, Winona Ryder, John Turturro, Anthony Boyle, Caleb Malis e Azhy Robertson. 

terça-feira, 28 de abril de 2020

FILMED+: Má Educação

Jackman e Jeanney: frágil fachada. 

Diante a pandemia mundial do Corona Vírus, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos fez uma revisão de seus critérios para que os filmes sejam candidatos ao Oscar. Sendo assim, filmes que tinham previsão de lançamento nas telonas e foram direto para os serviços de streaming devido ao fechamento dos cinemas se tornaram candidatos em potencial para as estatuetas. Infelizmente este critério deixa de fora este Má Educação, que foi comprado pela HBO após sua exibição no Festival de Toronto. Sem pretensão de chegar às telonas, Má Educação é um belo filme que não faria feio entre os melhores do cinema neste ano conturbado. Este é o segundo filme de Cory Finley, jovem cineasta que estreou nos cinemas americanos com o maldoso Puro Sangue (2018), que fez sucesso no circuito independente, concorreu ao prêmio de Melhor Roteiro no Independent Spirit e que praticamente ninguém viu. Provavelmente a venda para um canal com o prestígio da HBO ocorreu para que seu segundo trabalho tivesse maior audiência, lhe dar maior visibilidade e amparar seus novos projetos. O fato é que Cory é muito bom mesmo! Tanto que conseguiu um astro do porte de Hugh Jackman e da oscarizada Allisson Janney para os papéis principais deste filme. Se em seu primeiro trabalho ele buscava equilibrar humor com uma trama sinistra sobre  duas adolescentes malévolas, aqui ele utiliza o humor para contar uma história verdadeira que consegue ser assustadora. A trama tem como cenário principal uma escola pública que se torna referência em sua região. Com altos índices de aprovação nas melhores universidades dos Estados Unidos, a Roslyn School em Nova York é fruto de muito trabalho de seus administradores e do corpo docente. Os maiores méritos parecem ser do superintendente Frank Tassone (Hugh Jackman), que está sempre atento ao que pode fazer para melhorar a escola. Ele trabalha ao lado de Pam Gluckin (Allisson Jeanney) que cuida das finanças da escola e está prestes a implementar uma obra ambiciosa. A coisa começa a complicar quando a jovem Rachel (Geraldine Viswanathan) começa a fazer uma matéria para o jornal da escola sobre a tal obra e algumas suspeitas começam a aparecer. Não demora muito para que a escola se envolva em um verdadeiro escândalo financeiro com mais gente envolvida do que qualquer um poderia imaginar. Com isso, começam a surgir alguns segredos que só colaboram para construir um painel interessantíssimo sobre um mundo de aparências que custa muito caro aos personagens (e aqui eu não falo só de dinheiro sob a ótica do roteiro muitíssimo bem amarrado de Mike Makowsky, que antes só escrevera outro filme inédito por aqui, Eu Acho que Estamos Sozinhos/2018 com Peter Dinklage e Elle Fanning). Cory Finley já havia trabalhado com a ideia desta fachada admirada em seu filme anterior, mas deixava o espectador seguro no distanciamento que estabelecia com aqueles personagens, aqui a coisa se mistura e o resultado é ainda mais envolvente. Embora você considere as atitudes daqueles personagens bastante condenáveis, eu senti compaixão daquelas pessoas que se perderam cada vez mais em suas ambições mais materialistas. Acho que não precisa dizer que Jeanney e Jackman estão sensacionais em todas as cenas e desenvolvem personalidades bastante complexas para Pam e Frank, não duvido que sejam indicados e até premiados no Emmy e no Globo de Ouro. No entanto, mas o maior elogio vai mesmo para Hugh Jackman em mais um esforço para que as pessoas deixem de vê-lo como o Wolverine. Envelhecido, mas com o mesmo charme habitual, é fácil simpatizar com o ator na pele de Tassone, não por acaso, isso intensifica o gosto amargo que vem logo depois.   

Má Educação (Bad Education / EUA -2019) de Cory Finley com Hugh Jackman, Allisson Jeanney, Ray Romano, Annaleigh Ashford, Geraldine Viswanathan, Rafael Casal e Alex Wolff. ☻☻

domingo, 26 de abril de 2020

PL►Y: Holy Motors

Levant: papéis diferentes ao longo do dia. 

Leos Carax não é um diretor fácil de se gostar. O cineasta francês é mestre em criar histórias surreais e, com isso, despertar incômodo na plateia. Foi assim desde a sua estreia em 1984 com Boy Meets Girl, mas ele se tornou tornou mundialmente conhecido com Os Amantes de Pont Neuf (1991), que ficou um bom tempo em cartaz nos cinemas brasileiros. Geralmente seus trabalhos são selecionados para o Festival de Cannes, geram controvérsia e pode até sair premiado após ser vaiado. Foi mais ou menos isso que aconteceu com o radical Holy Motors, que dividiu opiniões ao disputar a Palma de Ouro e gerou insultos a Carax de que era autoindulgente, arrogante e presunçoso, mas foi ganhou o Prêmio da Juventude daquele ano. Tanta raiva se explica em um filme que parece feito para demonstrar como o moço tem domínio pleno de qualquer tom de narrativa que queira realizar. Feito para ser uma enorme costura de retalhos, o filme agrada por sua originalidade e capacidade de gerar várias interpretações. Depois de uma enigmática introdução envolvendo pessoas em uma sala de cinema, o filme segue a rotina de Oscar (o versátil Denis Levant) que começa o dia entrando em uma enorme limusine e recebe vários trabalhos para o dia. O veículo se mostra um enorme camarim, onde ele se transforma em vários personagens ao longo do dia. Em seus trabalhos ele se transforma em duende ensandecido, pai em conflito com a filha, um assassino, músico, um idoso doente, um homem que encontra um amor do passado, além de um sugestivo trabalho de captura de movimento, assim ele se reinventa ao longo do dia, sempre guiado por sua fiel motorista (Edith Scoob) que às vezes o resgata de cena quando o trabalho é exaustivo demais. Nestes trabalhos ele encontra uma modelo famosa (Eva Mendes), um sósia (o próprio Denis Levant) e a cantora Kylie Minogue (boa atriz, hein!) num momento comovente. Assim, a narrativa também joga com momentos dramáticos, de suspense, de terror, fantasia, musical e até de comédia, promovendo um verdadeiro passeio pelos gêneros cinematográficos. Holy Motors pode parecer uma grande loucura, mas em momento algum se perde ou se torna monótono, pelo contrário, sua intensidade cresce até o final com um diálogo inusitado de como as pessoas hoje não se arriscam mais. Entre as várias leituras do filme, já ouvi dizer que é uma fantasia sobre viver na realidade ou uma crônica sobre as máscaras que usamos cotidianamente. Seria uma outra dimensão? Um jogo? Um mundo paralelo? Ou apenas o dia repleto de trabalho de um ator bastante ocupado (repara o diálogo sobre ele nunca saber onde estão as câmeras). O fato é que Holy Motors entra para a lista dos filmes mais estranhos e originais que você já viu. Você pode gostar se entrar no clima desta deliciosa provocação e, se tudo parecer apenas uma doideira, imagina que é um sonho (ou pesadelo). David Lynch deve adorar esta sandice!

Holy Motors (França - 2012) de Leos Carax com Denis Levant, Edith Scoob, Eva Mendes, Kylie Minogue, Michel Picooli, Zlata e Leos Carax. ☻☻☻☻ 

FILMED+: Madame Satã

Lázaro: atuação mediúnica sobre lenda carioca. 

Levei um susto quando fui procurar o post sobre Madame Satã aqui no blog e descobri que não havia escrito sobre esta pérola negra realizada pelo cearense Karim Aïnouz! No início do século XX, o cinema brasileiro caminhava de encontro aos personagens marginalizados apresentando um senso estético impressionante. Foi nesta safra que tivemos Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003) e Quase Dois Irmãos (2004), embora muitos críticos torcessem o nariz para a "cosmética da fome", considero um movimento importante para que o nosso cinema não parecesse tosco como muitos diretores adotaram recentemente como se fosse uma virtude estilística. Em Madame Satã o visual é magnífico e emoldura com precisão a história de um lendário personagem da noite carioca, João Francisco dos Santos. Nascido no ano de 1900 em Pernambuco, ele ganhou fama na noite do Rio de Janeiro encarnando Madame Satã, personagem de sexualidade híbrida em performances impressionantes na Lapa da primeira metade do século XX. Uma grande ousadia. Quando se fala de João Francisco o que é verdade e o que é mito se mistura com uma facilidade impressionante e o roteiro trabalha estes pontos com maestria. Não se sabe onde termina a pessoa e começa a lenda, está tudo misturado na atuação avassaladora de Lázaro Ramos. O ator não era famoso na época (e quase perdeu o papel para seu colega de cena Flávio Bauraqui) tinha três participações pequenas no cinema e aqui ele conseguiu o estrelato numa performance impressionante. Até hoje quando revejo o filme, fico impressionado com a força que ele imprime ao personagem que parece uma verdadeira força da natureza. O filme é sobre a sensação de inadequação de seus personagens rotulados como marginais - conceito que em sua concepção mais pura constitui-se de um sujeito que vive à margem dos padrões sociais, o que não impede de que sejam figuras culturalmente riquíssimas. João Francisco é negro, homossexual, pobre, presidiário, pai amoroso de sete filhos, malandro e mas quando o vemos na pele de Madame Satã ele é um artista pleno e entregue sobre o palco. Fora do palco, ele ainda vive a dicotomia dos dois mundos que habita e luta por respeito com golpes de capoeira. O elenco de apoio está a altura do protagonista, quando Láraro está ao lado de Bauraqui e Marcélia Cartaxo o que vemos é uma família incomum de desassistidos que preenche com afeto e fantasia as carências de suas vidas. Se não ficou satisfeito, ainda tem Renata Sorrah em uma participação especial memorável. Em muitos closes e tons de vermelho e preto, Aïnouz conta uma história que flerta o tempo inteiro com a dureza das condições sociais e a arte como forma de sobreviver. Um dos meus filmes brasileiros favoritos de todos os tempos. 

Madame Satã (Brasil / 2002) de Karim Aïnouz com Lázaro Ramos, Marcélia Cartaxo, Flávio Bauraqui, Renata Sorrah, Emiliano Queiroz e Floriano Peixoto. ☻☻☻☻☻

PL►Y: A Vida Invisível

Carol Duarte: ótimo trabalho como Eurídice Gusmão. 

Escolhido pelo Brasil para tentar uma vaga no páreo de melhor filme estrangeiro, A Vida Invisível dirigido por Karim Ainouz começou muito bem a sua carreira com o prêmio da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes. Conseguiu críticas positivas por aqui e algum sucesso de público, mas ficou de fora da disputa pelo careca dourado. O motivo é desta derrota é bem simples, o filme de Ainouz baseado no livro de Martha Batalha se apresenta como um melodrama tropical e deve dialogar melhor com um público muito específico do que o hollywoodiano. A trama gira em torno de duas irmãs que vivem no Rio de Janeiro nos anos 1940, a cena inicial é bastante evocativa do que se verá ao longo da sessão, quando uma se perde da outra e a angústia misturada com tristeza está instalada. Mas não é neste ponto que Euridice (Carol Duarte) deixará de ver sua irmã Guida (Julia Stockler), diante de uma sociedade ainda bastante conservadora, bem longe da transgressão das décadas seguintes, as duas se veem ainda presas e impossibilitadas de seguir os planos que fazem para suas vidas. Guida tenta mudar isso ao fugir com um marinheiro estrangeiro, mas a tímida e talentosa Euridice, aceita se casar e deixar suas ambições de pianista de lado. Na vida das duas, a presença do pai é determinante para o caminho que seus destinos irão seguir e a atuação de António Fonseca deixa bem claro o peso do patriarcado sobre esta família. A esposa não tem direito de fala e se as filhas decepcionarem seus planos para ambas, estão condenadas a viver para sempre num limbo. Euridice e Guida seguirão caminhos diferentes, mas igualmente solitários pela ausência uma da outra. Guida adotará para si uma nova irmã que será fator determinante na história e Eurídice ganha um marido, Antenor (Gregorio Duvivier) que tem apetite sexual tão voraz quanto  o revelado por sua quieta esposa (com direito até a uma cena bem explícita feita por um dublê). O casal terá desentendimentos, filhos e a vida seguirá deixando os planos de Euridice para  depois. Embora não apresente aqui o mesmo vigor de sua obra-prima (Madame Satã/2002), Ainouz faz um filme interessante, de cores caprichadas, dramas sobrepostos, sexualidade aflorada e atores talentosos que compensam o ritmo irregular. Carol e Julia estão ótimas em cena, fortes e convincentes como duas irmãs que desde muito jovens sentem um peso que não lhes pertence. Gregorio também está divertido como o marido certinho e um tanto sem graça (mas que tem um fogo surpreendente)! Não por acaso, o pai é vivido pelo ator português António Fonseca, o que torna ainda mais clara uma herança cultural que já existe faz tempo... no desfecho temos a participação da brilhante Fernanda Montenegro para nos comover com poucos minutos em cena. Longe de ser perfeito, A Vida Invisível é um filme que poderia ser um pouco mais enxuto (140 minutos) e de maior sutileza em alguns momentos, mas que tem coisas importantes a dizer. 

A Vida Invisível (Brasil / 2019) de Karim Aïnouz com Carol Duarte, Julia Stockler, Gregorio Duvivier, António Fonseca, Flávia Gusmão, Fernanda Montenegro e Cristina Pereira. 

quinta-feira, 23 de abril de 2020

MOMENTO ROB GORDON: Sherlock Revisitado

Desculpem fãs, mas a versão moderninha do consagrado detetive pelas mãos do ex-Senhor Madonna  é a que menos me agrada (Guy Ritchie depois estragou o lendário Rei Arthur e inspirou a mesma presepada com Robin Hood) . Embora empreste muito do seu carisma para o famoso personagem criado por Arthur Conan Doyle, Robert Downey Jr não me convence de que estou diante do lendário Sherlock, trata-se de uma paródia, só que mais elegante. O resultado me parece mais confuso do que empolgante (mas ainda melhor do que a decepcionante continuação que recebeu em 2011), pelo menos Jude Law rende um Dr. Watson interessantíssimo em sua pegada mais sutilmente cômica. 

#04 Elementary (2012-2019) de Robert Doherty
Criada por Robert Doherty para o canal CBS, esta série parte da ideia de trazer o clássico personagem para a Nova York dos dias atuais. Johnny Lee Miller vive a versão mais esquisita do personagem, que aqui era um consultor da Scotland Yard que acabou sendo transferido para os EUA por conta da tratamento de reabilitação. Em Nova York ele passa a dividir a casa com a Drª Joan Watson (Lucy Liu), uma cirurgia que abandonou a profissão por conta de um trauma e agora precisa zelar pela saúde de Holmes - que agora presta serviços para o departamento de polícia. A série teve sete temporadas, somando um total de 154 episódios, o que a deixou um tanto desgastada nas temporadas finais. 

#03 O Enigma da Pirâmide (1985) de Barry Levinson 
Produzido por Steven Spielberg e dirigido por Barry Levinson (antes do Oscar por Rain Man/1988) este filme é uma fantasia sobre a juventude de Sherlock Holmes (Nicholas Rowe) e John Watson (Alan Cox). Os dois são adolescentes e estudam numa escola pública inglesa no ano de 1870. O primeiro caso investigado pelos dois envolve pessoas que possuem alucinações que acabam levando-as à morte. O filme se tornou um saboroso clássico da Sessão da Tarde em sua época de ouro, um dos favoritos do público infanto-juvenil. Eu assisti umas três vezes e na minha cabeça, ainda é um filme de origem inteligente e bem realizado. O filme foi indicado ao Oscar de Efeitos Epeciais

#02 Sherlock (2010-2017) de Steven Moffat e Mark Gattis
Esta deve ser a versão mais cult que Sherlock já recebeu. Embora também transporte seus personagens para os dias atuais, a série deu destaque para um ótimo ator que ainda merecia reconhecimento (Benedict Cumberbatch) na pele do famoso detetive. Tão brilhante quanto estranho, ele conta com o fiel Dr. Watson (o sempre discreto Martin Freeman) para  conter seus excessos. A série resgata a personalidade difícil de Holmes e seu nervosismo dando à série um tempero delicioso! A série britânica estreou em 2010 num formato diferente, temporadas com três ou quatro episódios com duração de longa metragem. Rendeu 13 episódios até 2017 e se tornou adorada em todo mundo.

#01 A Vida Íntima de Sherlock Holmes (1970) de Billy Wilder
A origem de todos os olhares diferentes sobre o famoso detetive ocorreu quando Billy Wilder resolveu explorar as entrelinhas da relação entre Holmes, Watson e as mulheres. Tudo começa com uma brincadeira quando uma bailarina resolve ter um filho de Holmes para que o bebê seja inteligente, para ele escapar, ele diz ser homossexual e que seu parceiro é o Dr. Watson. Esta feito o tempero do filme que conta com atuações afiadas de Robert Stephens (Sherlock) e Colin Brakely (Watson) repletas de humor britânico e um pouco de pimenta. Também tem uma trama sobre uma mulher com amnésia, intrigas com a coroa britânica e o Monstro do Lago Ness... um clássico!

PL►Y: Holmes & Watson

Reilly e Ferrell: pura  troça com personagens clássicos. 

Ganhador do Framboesa de Ouro nas categorias de Pior Filme, Pior Diretor e Pior ator coadjuvante (John C. Reilly), além de indicado a pior ator (Will Ferrell) e pior dupla (Ferrell e Reilly), o filme Holmes & Watson se tornou um daqueles micos cinematográficos que de vez em quando Hollywood faz tão bem. Eu acho um exagero o filme ser tão odiado, já que o que ele faz é pura brincadeira com dois personagens icônicos da literatura inglesa. A ideia de avacalhar personagens conhecidos não é novidade, mas depende muito do nível de criatividade do autor da empreitada e a disposição da plateia entrar na brincadeira. Depois das versões repaginadas que Sherlock Holmes e Dr. Watson receberam ao longo dos anos, esta poderia ser apenas mais uma, mas os tropeços do roteiro em algumas baixarias atrapalham o desenvolvimento do conjunto que até apresenta algumas piadas interessantes. Para começar o maior sacrilégio é colocar dois atores americanos nos papéis principais. Will Ferrell é bem conhecido e suas comédias seguem uma linha bastante característica, geralmente sendo o mais idiota possível (e aqui ele capricha num estranho sotaque britânico). Reilly já fez papéis mais variados em sua carreira (foi até indicado ao Oscar como o esposo traído de Chicago/) , mas já fez alguns filmes ao lado do colega e gostou do resultado. Aqui Ferrell é Sherlock e Reilly é seu fiel parceiro Dr. Watson, só que o roteiro de Etan Coen (roteirista de Trovão Tropical - e favor não confundir com o irmão do Joel Coen), o filme brinca o tempo inteiro com a relação entre os dois, desde o momento em que se conheceram até o desdobramento inusitado de uma investigação envolvendo um atentado à Rainha da Inglaterra. Repleto de anacronismos e besteirol, não espere lógica nesta produção ou qualquer resquício da genialidade do famoso detetive, aqui seus cálculos geralmente resultam em vexames, sua astúcia se confunde com arrogância, seu vício em cocaína é alvo de deboches e suas conclusões são as mais cretinas possíveis. Trata-se de um Sherlock de outra dimensão, uma antítese da famosa criação de Sir Arthur Conan Doyle. A investigação em si não faz diferença, a participação de seu inimigo Mortiarty (Ralph Fiennes caindo na brincadeira) nunca se concretiza e as personagens femininas se dividem entre a inteligente doutora Grace Hart (Rebecca Hall, subaproveitada), a exótica Millicent (Laurent Lapkus) e a criada Mrs. Hudson (Kelly MacDonald) que tem entre seus amantes Albert Einstein e até Carlitos!! Holmes & Watson é uma típica paródia americana, tem algumas piadas que funcionam, outras que não servem para nada e um tom irregular que atrapalha em vários momentos, mas serve para passar o tempo e dar alguma risada, nem que seja pela cara de pau dos envolvidos. 

Holmes & Watson (EUA/Canadá - 2018) de Etan Coen com Will Ferrell, John C. Reilly, Kelly MacDonald, Rebecca Hall, Laurent Lapkus, Bob Brydon e Ralph Fiennes. 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

PL►Y: Gloria Bell

Julianne e John: química que faz a diferença. 

Em 2013 chileno Sebastián Lelio lançou um verdadeiro hit do cinema latino-americano. Exibido no Festival de Veneza, o filme concedeu à sua atriz, a magistral Paulina García, o prêmio de melhor atriz pelo papel de uma mulher madura que olhava para a frente do seu tempo presente. Era o tipo de papel que grandes atrizes adoraram interpretar. Sendo assim, não me surpreende que Julianne Moore seja fã do filme e resolveu produzir uma versão estadounidense para conceber a sua Gloria, a Gloria Bell. Julianne até convidou o próprio Lelio para dirigir e escalou um elenco interessante de coadjuvantes para ter por perto. Sei que refilmagens americanas são bastante criticadas por sua falta de autenticidade e pela antipática dificuldade que o povo do Tio Sam possui em lidar com legendas... mas vou tentar analisar o filme desconsiderando estas questões - o que é relativamente fácil, já que vi o original há algum tempo. Para começar é redundante dizer que Julianne está magnífica como a protagonista, ela defende a personagem madura com um divórcio e dois filhos crescidos no currículo aparentemente sem fazer esforço (o que é muito complicado, já que tem a tarefa de tornar interessante e palpável o retrato de uma mulher comum). Gloria ocupa seu tempo com o trabalho, com aulas de ioga, com terapia do riso e baladas noturnas. Trata-se de uma mulher independente, espirituosa, mas que acredita no romance. Quando aparece Arnold (John Turturro, excelente), ela percebe a chance de viver um grande amor que evolui aos poucos (mas com cenas bastante tórridas e a primeira é até engraçada). Arnold também sobreviveu a uma cirurgia complicada e um divórcio, mas parece que sua família não. Suas filhas sempre ligam para ele pedindo alguma coisa, numa dependência irritante, o que atrapalha vários momentos do casal. Gloria tenta ser compreensiva, relevar mas... melhor assistir ao filme. Gloria Bell segue a mesma estrutura do filme chileno, mas aqui senti o humor um pouco mais agudo, para render gargalhadas mesmo, além disso, existem diálogos que são irresistíveis. É verdade que o ritmo irá causar estranhamento para quem curte a estética americana de fazer cinema, seja pelo seu intimismo ou a forma como constrói a história com pequenas pontuações sobre o que acontece no interior de sua protagonista. O filme poderia ser menos óbvio na escolha das músicas que Gloria canta no carro, mas não chega a atrapalhar a sessão, afinal, ajuda a compor o painel cotidiano da personagem (que ainda tem um vizinho à beira do surto e um gato que aparece não se sabe de onde). Apesar de não se distanciar muito do original (e vale registrar que o contexto político foi completamente banido desta refilmagem), Gloria Bell pode ser um deleite para quem aprecia boas atuações e um roteiro sutil. Se Julianne dá conta do recado com maestria imprimindo um novo olhar sobre a personagem, vale registrar que Turturro faz o mesmo como o namorado imperfeito, é a química da dupla que faz a diferença no desenvolvimento deste remake. 

Gloria Bell (Chile/EUA - 2018) de Sebastián Lelio com Julianne Moore, John Turturro, Caren Pistorius, Michael Cera, Rita Wilson, Jeanne Tripplehorn e Brad Garrett. 

sexta-feira, 17 de abril de 2020

PL►Y: Greta

Demick e Marco: dois perdidos na noite cearense.

Pedro (Marco Nanini) é um enfermeiro de 70 anos que no meio da noite vai com Daniela (Denise Weinberg) para o hospital em que trabalha. Não fica muito clara qual a relação que existe entre os dois, mas ao chegar no hospital não existe leito para Daniela e Pedro começa a se movimentar para ver o que consegue fazer. Neste movimento, percebemos a forma como este homem se relaciona com alguns pacientes, assim como em poucos diálogos o filme torna sua solidão torna-se palpável. É nesta mesma noite, em que deveria estar de folga, em que ele conhece Jean (Demick Lopes), um paciente que está louco para fugir após se meter em uma briga. Ajudando Jean a fugir do hospital, Pedro arranja um lugar para Daniela e acaba abrigando aquele desconhecido. Pedro e Jean irão conviver debaixo do mesmo teto por algum tempo, numa relação em que este senhor sempre terá a esperança de que acontecerá algum romance entre os dois. No entanto, nada é simples neste filme de personagens fortes, solitários e sedentos de afetos. O mais interessante é que diante desta premissa, a história policial fica diluída em nome das relações que se estabelecem e, conforme a história de Jean se revela, a de Renato se entrelaça a ele de uma forma bastante fluida - embora a plateia saiba desde o início os dilemas éticos que estão ali envolvidos. Em sua estreia como diretor, o cearense Armando Praça realiza um ótimo trabalho. Os personagens aqui vivem em dois mundos mundos paralelos, o trivial e o  marginalizado em ambientes que fazem oposição o tempo inteiro à ambição glamourosa de Pedro de se tornar a sua musa Greta Garbo (que não por acaso tinha medo de envelhecer diante das câmeras e se afastou dos holofotes quando para ser lembrada bela e no auge, criando um verdadeiro mito cinematográfico). Neste subtexto sobre envelhecimento ("não me chame de velhota" diz Pedro em cena), Marco Nanini não tem pudores de mostrar seu corpo envelhecido, com rugas e quilos a mais, tanto que ousa até fazer cenas de nudez (e o filme realiza estas cenas com a mesma naturalidade com que apresenta cenas de sexo bastante ousadas), o resultado compõe um dos seus melhores e mais corajosos trabalhos. Sua química com Demick Lopes impressiona, especialmente quando começa a se notar o afeto que se desenvolve entre os dois. O filme ainda se envolveu numa grande polêmica por escalar a talentosa Denise Weinberg para encarnar uma personagem trans, ao mesmo tempo em que escolheu uma atriz trans (Greta Starr) para viver uma mulher cis. Embora a ideia tenha despertado a fúria de alguns, tinha a intenção de compor as intenções da produção, que joga o tempo inteiro com a aparência masculina e feminina (as roupas de Pedro, as expressões e posturas de Daniela, o apresentador andrógino que a apresenta, a transformação física no final). Greta também possui um ótimo trabalho de luz, sombras e cores na composição dos ambientes pelos quais seus personagens transitam. Curiosamente, toda a atualidade do filme é inspirada em uma peça de Fernando Melo lançada no início dos anos 1970, chamada Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá. A peça ganhou várias montagens  (as mais célebres com Raul Cortez no papel principal) e aqui ganha uma versão cinematográfica melancólica, mas ainda temperada com a esperança de remediar a solidão urbana de seus personagens. O filme participou da Seleção oficial do Festival de Berlim do ano passado.

Greta (Brasil/2019) de Armando Praça com Marco Nanini, Damick Lopes, Denise Weinberg e Greta Starr. ☻☻☻☻

quinta-feira, 16 de abril de 2020

PL►Y: Um Amor e mil Casamentos

Olivia e Sam (ao centro): talentos desperdiçados. 

Não sei onde eu estava com a cabeça que imaginei que Um Amor e Mil Casamentos poderia me lembrar a atmosfera do clássico 4 Casamentos e um Funeral (1994), talvez tenha sido o trailer em que Sam Claflin repetia alguns trejeitos de Hugh Grant como o tímido conquistador desajeitado daquele filme. A semelhança também engana quando ele conhece uma mulher interessante (a charmosa Olivia Munn) e irá encontrá-la novamente em um casamento tempos depois. O protagonista também está cercado de amigos, uma ex-namorada rabugenta e algumas situações vexatórias, só que o roteiro tem o diferencial de explorar (ainda que sem muito destaque) as diversas possibilidades de acontecimentos por conta da escolha de quem divide a mesa numa festa de casamento (uma tradição que graças ao padroeiro dos matrimônios não existe por aqui). O filme começa bem, com Jack (Claiflin) tentando se despedir de Dina (Olivia) da melhor forma possível, até que um velho conhecido, sem qualquer discernimento, aparece para atrapalhar. Os dois se encontrarão muitos anos depois no casamento da irmã de Jack, Hayley. O reencontro poderia ser arrebatador para os dois, se uma série de acontecimentos não surgissem para atrapalhar. A começar por um ex-conhecido dos irmãos (Jack Farthing) que resolve aparecer para declarar seu amor para  noiva. Desesperada, a noiva apela para o irmão se livrar deste obstáculo e uma série de trapalhadas acontecem em torno da mesa em que todos se sentam, que conta ainda com um amigo ator (Joel Fry), sua pretendente (Aisling Bea), a ex-namorada de Jack, Amanda (Freida Pinto), devidamente acompanhada de seu novo parceiro, Chaz (Allan Mustafa). Infelizmente o que poderia ser apenas mais uma comédia romântica divertida, começa a apelar para a bobajada que assola a maioria das comédias americanas (e o filme nem é americano). E tome conversas sobre quem tem o pênis maior, escatologias variadas pelo caminho e o desenvolvimento preguiçoso dos personagens só atrapalha. Se Claiflin mais uma vez demonstra ser um ator esforçado (e  aqui ele lembra muito o jeito do Hugh Grant atuar nos anos 1990), os seus parceiros de cena sofrem com a ausência de desenvolvimento dos personagens que estão ali para baterem sempre na mesma tecla o tempo inteiro (a tecla de Hayley é sempre sorrir e correr desesperada para cobrar ao irmão que conserte seus erros, a de Amanda é sempre parecer antipática e destratar quem estiver por perto, do Chaz é sempre falar dos dotes de Jack...). A ideia das várias possibilidades dos acontecimentos fica um tanto prejudicada no meio de tanta bobagem. Pelo menos o final é feliz para o casal principal que merecia um desenvolvimento melhor do romance que o filme prometia antes de derrapar na bobeira. Fiquei até curioso de assistir ao original francês, Plan the Table (2012) e ver se a história era melhor conduzida pela diretora Christielle Raynal. 

Um Amor e Mil Casamentos (Love Wedding Repeat / Itália - Reino Unido / 2020) de Dean Craig com Sam Claiflin, Olivia Munn, Freida Pinto, Allan Mustafa, Aisling Bea, Joel Fry e Tim Key. ☻☻ 

4EVER: Brian Dennehy

09 de julho de 1938 15 de abril de 2020

Brian Dennehy nasceu em Connecticut (EUA) e antes de ser ator, ele serviu no corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos. A carreira de ator começou tarde, somente em 1977 aos 39 anos. Além de ter cursado arte dramática em Yale, ele estudou História na Universidade de Columbia. Ator de cinema, teatro e televisão, o ator trabalhou em mais de duzentas produções. Entre seus filmes mais conhecidos estão Rambo (1982), Cocoon (1985) e Acima de Qualquer Suspeita (1990). Dennehy também realizou muitos trabalhos para a televisão, entre eles MASH (1977), Dinastia (1981) e o recente Blacklist (2016-2019). Foi a televisão que lhe rendeu o único Globo de Ouro da carreira, de melhor ator em minissérie ou filme de TV  por A Morte do Caixeiro Viajante (2000), que também lhe rendeu o prêmio do Sindicato de Atores. Brian foi indicado cinco vezes ao EMMY e nunca foi indicado ao Oscar. O ator faleceu aos 81 anos em casa, mas a causa da morte não foi confirmada. 

quarta-feira, 15 de abril de 2020

4EVER: Rubem Fonseca

11 de maio de 1925 ✰ 15 de abril de 2020

Nascido em Juiz de Fora, José Rubem Fonseca se tornou uma das maiores referências das literatura brasileira. Sua escrita urbana, moderna e um tanto sórdida influenciou vários escritores de nosso país. Rubem veio para o Rio de Janeiro aos oito anos de idade e mais tarde cursou a graduação em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade do Brasil (rebatizada de UFRJ) que o fez se mudar par a cidade do Rio de Janeiro. Depois ele ainda cursaria Administração (em Nova York) e Comunicação (em Boston) Antes de se tornar escritor, ele seguiu carreira de comissário no Departamento de Polícia de São Cristóvão até 1958. Seu primeiro livro foi lançado em 1963 (Os Prisioneiros) e logo depois, foram lançadas obras marcantes como Lúcia McCartney (1967), O Caso Morel (1973), Feliz Ano Novo (1975) e Agosto (1990) que virou uma bem sucedida minissérie. Vale lembrar que A Grande Arte (1983) virou um filme controverso pelas mãos de Walter Salles e Buffo & Spallanzani gerou um ótimo filme de Flávio Tambellini. O escritor morreu em consequência de um infarto aos 94 anos na cidade que serviu de cenário para sua obra de estilo inconfundível. 

PL►Y: Code 8 - Os Renegados

Stephen e Robbie: um bom primeiro episódio. 

Com os cinemas fechados, os comentários sobre filmes novos ficam por conta das produções em cartaz na Netflix. Entre os mais vistos no serviço de streaming está Code 8 - Os Renegados, que abusa das referências do universo dos X-Men da Marvel, mas consegue construir um universo promissor para retratar seus personagens com poderes especiais. A introdução do filme é justamente uma explicação sobre como a sociedade lida com estas pessoas que já foram úteis no mercado de trabalho, mas que com o tempo começaram a sofrer preconceitos (especialmente por conta da invenção de uma nova droga, criada a partir de um líquido extraído da medula dessas pessoas superpoderosas). Num mundo que não é capaz de compreendê-los, eles passam a ser excluídos e enfrentam problemas como o preconceito e o desemprego. Todos que possuem poderes são registrados conforme as suas habilidades (forte, curador, elétrico...) e são categorizados conforme a intensidade dos poderes que apresentam. Monitorados por drones e observados por sentinelas policiais robóticos, a vida deles não é muito fácil, especialmente a de Connor (Robbie Amell) que foi educado pela mãe (Kari Matchett) a esconder seus poderes para ter uma vida normal, mas, ironicamente, justamente por esconder os seus, ela atravessa problemas sérios de saúde. Com contas para pagar, Connor acaba fazendo serviços clandestinos na construção civil, mas como as coisas nunca funcionam do jeito que deseja, acaba embarcando num arriscado plano de assalto com outros empoderados liderados por Garrett (Stephen Amell da série Arrow e primo de Robbie). A trama segue o personagem e o plano com todos os desdobramentos que aparecem, mas perde ritmo ao tentar aprofundar no drama dos personagens secundários. Esta preocupação com quem está em torno de Connor dá ao filme o maior jeitão de episódio piloto de uma série de TV. Se for visto desta forma, o filme funciona bem melhor, já que as pontas soltas que permanecem até o final poderiam ser trabalhadas em episódios futuros.  Stephen e Robbie já trabalharam juntos na série da DC (Stephen era o Arqueiro Verde e o primo viveu o herói Nuclear) e fizeram tudo que era possível para viabilizar este projeto (bancaram um curta independente, juntaram grana com fãs...). Com o fim de Arrow em sua oitava temporada em 2020, provavelmente, Stephen tenha planos maiores para Code 8 que não faria feio se virasse série. O universo que constrói aqui é bastante promissor, os efeitos especiais são convincentes dentro da atmosfera realista crua (que lembra bastante Poder sem Limites/2012 de Josh Trank) e tem personagens que dariam conta de manter o interesse em uma temporada. Code 8: Os Renegados tem gosto de X-Men reciclado, mas pode agradar os fãs do gênero que andam carentes de filmes de HQ na telona. 

Code 8: Os Renegados (Code 8 - EUA/2019) de Jeff Chan com Robbie Amell, Stephen Amell, Kari Matchett, Sung Kang, Aaron Abrams e Laysla de Oliveira. 

sábado, 11 de abril de 2020

PL►Y: O Escândalo

Charlize, Nicole e Margot: histórias de abuso. 

Charlize Theron deveria entrar para o Livro dos Recordes por ser a atriz mais indicada ao Oscar por filmes que abordam o mesmo tema: abuso sexual. Com O Escândalo a atriz contabiliza três indicações ao Oscar de Melhor Atriz, todas elas por filmes que abordam de um jeito ou de outro esta temática e, de quebra, ainda lhe rende alguma mudança na aparência  (a mais radical de todas foi por Monster/2003 que lhe rendeu a estatueta de Melhor Atriz e deu uma guinada numa carreira que estava cada vez mais voltada para ser a beldade de filmes variados, tanto que dois anos depois foi indicada novamente por Terra Fria/2005 sobre um marco nos processos de abuso sexual nos Estados Unidos). Quando liberaram o trailer deste aqui eu vi um bando de apressadas dizendo que as plásticas deixaram a atriz irreconhecível - calma galera, o truque se chama maquiagem e existe desde que inventaram o cinema (o filme até levou o Oscar desta categoria pelo que fizeram no rosto da atriz e  no de John Lithgow, para ficarem mais parecido com seus personagens reais). Dirigido por Jay Roach (que sempre chama atenção quando aborda temas políticos), o filme conta a história real dos casos de abuso sexual na Fox News, principalmente por conta de seu presidente (vivido por Lithgow) que para além do comportamento machista incorporado ao cotidiano da empresa, ele ainda promovia situações bastante abusivas na privacidade de seu escritório. Quem primeiro coloca o assunto na mídia é Gretchen Carlson (Nicole Kidman) que cansada do comportamento de seus colegas de trabalho, começa a demonstrar sua insatisfação e sofre represálias. Quando Gretchen começa a falar sobre o assunto, ela imagina que várias de suas colegas que passaram por aquelas situações iriam ajudá-la, mas não é isso que acontece. Apontada como traidora, a situação de Gretchen se torna bastante delicada. Enquanto isso, a atual favorita do chefe é Kayla (Margot Robbie, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por uma personagem fictícia) que não sabe como agir diante da situação se percebe presa em uma rotina de vergonha e constrangimento. Quem começa a ajudar Gretchen em suas denúncias é Megyn Kelly (Charlize), que teve uma pendenga contra a postura machista de outra figura célebre que deixou de ser empresário e apresentador de televisão para se tornar o homem mais poderoso dos Estados Unidos. Pois é, o próprio. Com uma trama dessa nas mãos, Jay Roach se atrapalha um pouco para dar ritmo e algum equilíbrio às várias situações que são propostas no roteiro. A edição complica um pouco as coisas, mas o elenco esperto consegue manter a tensão mesmo nos momentos em que a narrativa escorrega. No trio principal é a veterana Nicole que tem menos espaço na história, mas sua presença é marcante e ajuda a manter o interesse na história que mostra-se bastante atual e pertinente, pena que o filme poderia ser um pouco mais lapidado em sua pressa de contar os detalhes de uma história complicada sobre comportamentos indevidos que acabam sendo naturalizados e camuflados.

O Escândalo (Bombshell / EUA -2019) de Jay Roach com Charlize Theron, Margot Robbie, Nicole Kidman, John Lithgow, Kate McKinnon, Alice Eve e Ashley Greene. ☻☻

10+: Directed by Clint Eastwood

Clint Eastwood começou a carreira como ator em 1955 e continua na ativa até hoje com quase 90 anos! A carreira de diretor começou em 1971 com Perversa Paixão e desde então foram 41 filmes assinados por ele! Os gêneros são variados e esta lista é sobre os meus trabalhos favoritos do cineasta Eastwood em ordem de favoritismo: 

#10 Um Mundo Perfeito (1993)
Da série "só-gostei-quando-vi-a-segunda-vez". Depois de ganhar o Oscar por Os Imperdoáveis, Clint buscou um filme mais sensível (do jeito dele, claro). Pouca gente entendeu esta relação de policial e bandido. 

#09 Gran Torino (2008)
Eastwood lança um olhar muito particular sobre o americano conservador a partir de um vizinho rabugento com uma vizinhança cheia de latinos. Resultado: seu filme de maior bilheteria. 

#08 Cowboys do Espaço (1999)
Tenho a maior simpatia por este filme. Com um elenco de peso, Clint brinca de Steven Spielberg num filme sobre astronautas experientes provando seu valor (ou seria apenas sobre envelhecer)? 

#07 Os Imperdoáveis (1992)
O ganhador do Oscar de melhor filme, melhor diretor (Eastwood), melhor ator coadjuvante (Gene Hackman) e edição ressuscitou o gênero faroeste (com outras cinco indicações no currículo) e tom amargo. 

#06 Invictus (2009)
Eastwood acordou um belo dia e sentiu que o mundo precisava de uma história de esperança. Pegou uma história real misturando Mandela e rúgbi, chamou o amigo Morgan Freeman para ajudar  e funcionou. 

#05 As Pontes de Madison (1995)
Quando foi lançado o filme era uma nota dissonante na obra de Eastwood. Sensível e com o semáforo mais angustiante da história, Eastwood e Meryl Streep tem uma química inacreditável (e você sabia que o papel quase ficou com a Cher?).

# 04 Menina de Ouro (2004)
Todo mundo já esperava que Hillary Swank e Morgan Freeman levassem para casa os Oscars de atriz e ator coadjuvante por este filme, o susto ficou por conta dos prêmios de Melhor Filme e direção para Eastwood (que juravam ir para "O Aviador" de Scorsese). 

Este talvez seja o filme mais odiado desta lista. Tem que ter coragem para bancar a biografia de uma figura tão controversa quanto J.Edgar Hoover, mas Eastwood faz direitinho, com polêmicas e boa condução de atores. O único problema é a maquiagem que parece feita de papel machê.

#02 Cartas de Iwo Jima (2006)
Já com quatro Oscars na bagagem, Clint estava tão animado que resolveu filmar dois filmes complementares em 2006 . Quem gostou do olhar americano em A Conquista da Honra ficou surpreso em com o tom árido deste aqui falado em japonês. 

#01 Sobre Meninos e Lobos (2003)
Poucos filmes conseguem ter um grau de intensidade emocional como este aqui. A partir de um crime que retoma do tom amargo da trajetória de três amigos, Clint faz um trabalho de partir o coração.

PL►Y: O Caso Richard Jewell

Os agentes e Jewell: credibilidade em risco. 

Em época de fake news é interessante ver um filme como O Caso Richard Jewell pelas mãos calejadas de Clint Eastwood. Criticado por sua postura política conservadora, Eastwood tem buscado temas que tornam um pouco mais complexo o seu olhar sobre os Estados Unidos de hoje, embora ainda possamos observar certo saudosismo no tratamento de suas histórias. Em termos de narrativa isso já é bastante evidente, já que sua linha é old school mesmo, optando por uma linha mais direta na hora de contar suas histórias, sem firulas, cru e seco. Não existe problema algum em seguir esta linha, especialmente quando se tem nas mãos uma história polêmica como a de seu protagonista que existiu de verdade. O homem que trabalhava como segurança nas Olimpíadas de Atlanta em 1996 foi de herói nacional a suspeito de ato terrorista em questão de dias. Na ocasião, Jewell identificou uma mochila com explosivos e, seguindo os protocolos a risca, foi o grande responsável por salvar centenas de vidas naquele dia. Considerado herói nacional, bastou a especulação de um jornal para virar sua vida do avesso - e a postura do FBI não ajudou muito a amenizar a situação. Aos poucos vários episódios da vida do segurança ganhou atenção da mídia sempre com uma narrativa tendenciosa para aguçar a sensação de que ele não era uma pessoa instável. O resultado foi desastroso na vida de Richard e e sua mãe que se viram num doloroso processo de investigação paralelo ao ter que provar a inocência. O Caso Richard Jewell desde o início já escolhe seu lado na história, mas conta com o bom trabalho do ator pouco conhecido Paul Walter Hauser (antes visto em Eu, Tonya/2017) , que trabalha as ambiguidades do personagem de forma bastante sutil, afinal, se por um lado ele parece inofensivo, por outro ele é capaz de exagerar no zelo e se meter em confusões variadas (e o verdadeiro Jewell era assim mesmo, com sua obsessão por regras militares e policiais). No entanto, é inevitável a tristeza com que assistimos sua ascensão e queda sob o olhar da mídia. Em termos de autação, a passividade do personagem acaba o deixando ofuscado pelos ótimos coadjuvantes que estão ao seu redor. Kathy Bates está confortável no papel da mãe indignada que sofre ao lado do filho (tanto que foi indicada a melhor atriz coadjuvante no Oscar deste ano) e Sam Rockwell também tem um bom momento (mais contido que de costume) como o advogado amigo do protagonista. Jon Hamm e Olivia Wilde encarnam respectivamente o que há de pior no mundo da investigação e do jornalismo, sedentos por notoriedade e reconhecimento, seus egos inflados erram na medida sem medir as consequências de suas ações irresponsáveis. O roteiro não tem muita paciência para trabalhar o detetive e a jornalista que terminam unidimensionais no final das contas. Apesar de tratar uma situação polêmica, O Caso Richard Jewell é um filme simples, ao qual se assiste sem grande esforço. A narrativa flui bem sem grandes surpresas e o final é justamente do jeito que se espera desde o início (mesmo para quem não conhecia a história real dele). Ainda assim, o filme gerou alguma polêmica pela forma negativa com que apresenta o trabalho da mídia e do FBI, afinal, em épocas de fake news a credibilidade ainda vale mais do que ouro. 

O Caso Richard Jewell (Richard Jewell / EUA - 2019) de Clint Eastwood com Paul Walter Hauser, Kathy Bates, Sam Rockwell, Jon Hamm, Olivia Wilde e Brandon Stanley. ☻☻

quinta-feira, 9 de abril de 2020

CICLO GHIBLI: O Mundo dos Pequeninos / Da Colina Kokuriko / Meus Vizinhos, os Yamadas

O Mundo dos Pequeninos: detalhes ampliados. 

Continuando minha apreciação agradecida à Netflix por disponibilizar os filmes do estúdio Ghibli, comentarei mais três filmes deste irresistível pacote de animações japonesas. Começarei esta postagem por O Mundo dos Pequeninos que é a versão de Hirosama Yonebayashi para o livro de Mary Norton (que já foi adaptado em Os Pequeninos/1997, filme britânico com John Goodman e Jim Broadbent do qual ninguém lembra). Quando vi a pequenina Arietty a minha referência era o clássico A Polegarzinha, mas esta história segue um caminho completamente diferente. Arietty e sua família vivem escondidos num casarão há anos. A sobrevivência deles depende se catar coisas durante a noite e a rotina é abalada com a chegada de novos moradores naquela casa. Entre os novos moradores está um menino com problemas de saúde que acredita que não viverá muito. Ele que descobre a existência da pequenina Arietty na casa e a amizade entre os dois acabará colocando em risco a vida da família da pequenina. A partir de uma história de amizade, o filme compõe uma bela história de fantasia que é puro pretexto para o detalhamento. que é a marca registrada do estúdio, aparecer de forma ampliada. As plantas, os objetos em miniatura, os insetos, as gotas... tudo aparece em um capricho que transforma o filme num espetáculo visual irresistível. A protagonista também é puro carisma em suas aventuras e coragem! Aqui Yonebaiashi já demonstra grande sensibilidade ao lidar com seus personagens (e ele aprofundou isso ainda mais no premiado As Memórias de Marnie/2014 que foi indicado ao Oscar, além de seu trabalho mais recente Heróis Modestos/2018, ambos na Netflix). O Mundo dos Pequeninos é um filme irresistível e ainda lança um olhar bastante crítico na forma como algumas pessoas tendem a achar que outros seres podem ser tratados como brinquedos. Muito mais dramático é Da Colina Kokuriko, segundo filme dirigido pelo filho de Hayao Miyasaki. O longa tem o maior jeito de drama adolescente com sua trama ambientada em uma escola e um segredo envolvendo o casal principal. A animação conta a história de um movimento estudantil para salvar um prédio antigo da demolição sob o pretexto da construção de instalações para as Olimpíadas de 1964. Porém, o que é apresentado como trama principal serve como pano de fundo para um roteiro que aborda valorização busca pelas origens e valorização da história.

Da Colina Kokuriko: drama romântico adolescente. 

A mocinha do filme é a doce Umi, que é responsável pelos afazeres domésticos da casa em que reside e que acaba se aproximando de um líder estudantil chamado Shun. Os dois ficam cada vez mais próximos, até que paira uma suspeita de parentesco entre os dois. Este é o ponto de partida para que o passado das famílias de ambos seja esmiuçado e o romance entre os dois é abordado de forma muito sutil, mas ousa em sugerir uma situação de incesto. Mais uma vez o visual do filme é um grande destaque, com detalhes urbanos e na paisagem natural, com destaque para a vista que Umi possui da colina do título, que lhe proporciona uma verdadeira pintura em movimento da baía com os navios que chegam e vão embora. Não por acaso, o mar tem importância fundamental no roteiro que ainda encontra espaço para críticas sociais da busca pela modernidade sem reconhecer o valor do passado. Não por acaso, a trama contra com muitos personagens adolescentes em defesa de um espaço que não pode ser destruído. Depois que o primeiro filme de Goro Miyasaki (Contos de Terramar/2011) não vingou e foi considerado pretensioso demais,  este aqui contou com maior participação de seu pai na confecção do roteiro (baseado num mangá da década de 1980) e no conceito, sendo melhor recebido pela crítica mundial. Bem mais simples é a história de Meus Vizinhos, os Yamadas (1999) que acompanha a família do título em uma série de situações cotidianas de forma que mistura doses de poesia, comédia e fantasia. O resultado é bem gostoso de assistir, embora a ausência de um fio condutor deixe a impressão de assistirmos vários episódios de um desenho animado. Ambientado num Japão contemporâneo, o traço do filme é mais simples, quase um rascunho, o que se torna uma brincadeira em vários momentos em sua estética quase infantil, mas bastante estilizada. O uso de aquarela também confere ao filme um visual bastante particular e o mais curioso é que este foi o primeiro filme totalmente digital do Estúdio Ghibli. O filme traz um grupo de personagens bastante simpático e faz humor com temas como casamento, relação pai e filho, o cotidiano de marido e esposa, comidas, domínio do controle remoto, esquecimento e até vizinhos barulhentos. O filme de Isao Takahata é uma adaptação de uma popular tirinha de jornal japonesa criada por Hisaichi Ishii. 

Os Yamadas: humor, poesia e fantasia (reparem o caracol gigante). 

O Mundo dos Pequeninos (Kari-gurashi no Arietti - Japão / 2010) de Hirosama Yonebayashi com vozes de Moises Arias, Bridgit Mendler, David Henrie, Carol Burnett, Will Arnett, Amy Poehler e Saoirse Ronan e Tom Holland. ☻☻☻☻

Da Colina Kokuriko (Kokuriko-zaka kara - Japão /  2011 ) de Goro Miyazaki com vozes de Masami Nagasawa, Jun'ichi Okada, Keiko Takeshida e Jun Fubuki. ☻☻☻☻

Meus Vizinhos, os Yamadas (Hôhokekyo tonari no Yamada-kun - Japão / 1999) de Isao Takahata com vozes de  Yukiji Asaoka, Tôru Masuoka e Masako Araki. ☻☻

PL►Y: Roda Gigante

Justin, Cate e Juno: colagens de outros filmes de Woody Allen.

Sempre curti os filmes de Woody Allen e sei sobre toda a polêmica em torno de sua pessoa nos últimos anos, mesmo assim, acho complicado exigir o boicote às suas obras por conta disso. No entanto, acho impossível ver seus filmes sem ter um outro ponto de vista depois de tudo que se falou acerca do artista. Talvez este tenha sido meu problema com Roda Gigante. O filme foi o último do diretor a seguir a rotina de um lançamento por ano, saiu em meio à toda polêmica sobre as alegações de Mia Farrow sobre aquela situação com a filha do casal e tudo mais. Por conta disso a pauta das entrevistas de divulgação do filme caiam neste assunto e Kate Winslet, que estava toda prosa com seu primeiro trabalho com o diretor teve que lidar com perguntas sobre abuso sexual e o quanto ela não dava a mínima para todas aquelas acusações. Tanto alarde gerou a fria recepção ao filme e o total desprezo à boa atuação de Kate. A atriz inglesa parece confortável em seu trabalho no papel da garçonete Ginny, que é casada com um operador de carrossel (James Belushi) num parque de diversões. Desde a primeira cena, Ginny deixa claro que sua vida não foi fácil, embora ela sonhasse em ser atriz, ela acabou num casamento complicado que lhe rendeu um filho que está com mania de tacar fogo em tudo (o bom Jack Gore da série As Crianças Estão Bem). Casada novamente, este segundo casamento parece mais cômodo do que realmente feliz, mas tudo muda com a chegada da enteada Carolina (Juno Temple) que enfrenta problemas com a máfia. Para complicar ainda mais, Gnny conhece o salva vidas Mickey (Justin Timberlake, saradão e propositalmente canastrão) que é o narrador desta história e parece não valer muita coisa. Mickey e Ginny acabam engatando um romance proibido, que é temperado com uma mentira aqui e outra ali, mas que é incapaz de deixar a protagonista relaxada. A tensão parece ser o tom da personagem. Winslet constrói uma personagem constantemente desesperada por estar presa à uma vida que não lhe agrada, o tipo de personagem que já vimos em vários filmes do diretor. No entanto, ela não é indefesa como a Mia Farrow de A Rosa Púrpura do Cairo /1985 ou pedante como Cate Blanchett em Blue Jasmine /2013 (o último filme memorável de Allen), Ginny está sempre a um passo de um grande tropeço., seja em seu relacionamento com a família ou com o amante que é mais distante do que ela consegue notar. Quando um triângulo amoroso se instaura e o ciúme toma conta, o filme caminha para aqueles desfechos criminais que Allen sempre curte, mas que aqui soa um tanto previsível. Talvez por ter identificado vários lugares comuns da obra de Allen o filme não me empolgou, parece uma colagem de tudo que já vimos várias vezes em sua obra, mas aqui o final é ainda mais melancólico. No entanto, além do trabalho de Winslet ainda merecem destaques a reconstituição de época e a belíssima fotografia de Vitorio Sttoraro, no entanto, não considero um filme memorável de Woody Allen. Lançado em 2017, este foi o penúltimo filme de Allen a ser exibido por aqui, o seguinte, Um dia de Chuva em Nova York encontrou espaço somente em novembro do ano passado e, sem previsão de lançamentos futuros, os fãs que se acostumaram com um filme de Allen por ano devem estar com saudades. 

Roda Gigante (Wonder Wheel / EUA - 2017) de Woody Allen com Kate Winslet, Justin Timberlake, James Belushi e Jack Gore. ☻☻