terça-feira, 29 de maio de 2012

FILMED+: Drive

Gosling: o Piloto em seu cavalo motorizado.

Existe algo de muito peculiar no protagonista de Drive do sueco Nicolas Winding Refn. Acho que não se trata do fato dele ter poucas palavras, ou ter arroubos violentos tão assustadores quanto qualquer psicopata que nos acostumamos a ver às pencas em filmes de segunda. O que mais me impressiona é a frase com que se apresenta aos seus clientes e espectadores, algo semelhante a: "Se eu dirigir para você, terá dinheiro. Você me diz onde começamos, onde vamos e onde vamos depois. Eu te dou cinco minutos quando chegarmos lá. Qualquer coisa que acontecer nesses cinco minutos eu sou seu. Não importa o que aconteça. Qualquer minuto antes ou depois e você está por conta própria. Eu não carrego arma. Eu dirijo". Parece pouco, mas não é. Impressiona a forma como Ryan Gosling diz essas palavras que servem para resumir a vida de seu personagem, um dublê de Hollywood que nas horas vagas trabalha numa oficina e ganha uns trocados dirigindo para assaltantes. São características que garantem por si só um personagem interessante para a plateia, mas a coisa não pára por aí. Sem falar muito, o papel é um prato cheio para que o ator construa mais um tipo estranho em sua carreira. Concentrando-se no olhar de seu "piloto", ele consegue transmitir emoções variadas a cada nuance que o roteiro prepara para ele, seja entrar num negócio arriscado envolvendo corridas de Stock Car patrocinado por dois sujeitos perigosos - basta ver a carranca de Ron Perlman e Albert Brooks dizendo que suas mãos também estão sujas para perceber que as  coisas vão complicar - ou seja aprofundando sua relação com sua meiga vizinha, Irene (Carey Mulligan). É quando está perto de Irene e do filho dela que o Piloto revela suas características mais nobres, a partir desse ponto que percebemos que nãos e trata de um vilão, mas de um cavaleiro solitário como vimos em tantos faroestes onde um homem precisa fazer o que tem que fazer - a diferença é um toque doentio urbanoóide tão bem explorado por Scorsese em Taxi Driver/1976. Como todo mocinho tem a sua missão, Piloto irá ajudar o esposo ex-presidiário de Irene a se livrar de uma dívida e nesse ponto, dirigir alucinadamente não será mais suficiente para proteger a criança e a moça indefesa que cruzaram seu caminho.  Existe inúmeros méritos na direção de Nicolas Winding Refn, a começar pela sábia opção da economia nos diálogos (deixando que o espectador os preencha como bem entender), a estética retrô (da trilha viajante à jaqueta cool de seu personagem principal) e principalmente pelas elaboradas cenas de perseguição. Todo esforço para criar uma narrativa elegante constrasta excepcionalmente com os momentos em que o sangue jorra na tela - quando a vida tão regrada do personagem sai do controle. Ainda quando a trama atinge seus momentos mais crus, o diretor continua criando cenas inesquecíveis (como o beijo no elevador antes que Piloto 'brinque' de Irreversível/2002 com um oponente - uma manobra narrativa tão brusca que cai como uma luva para a trama de carros envenenados duelando entre si).  Refn saiu premiado como melhor diretor em Cannes2011 e foi merecido, além de seu cuidado estético ele nunca perde de vista as atuações do elenco. Gosling já é de longe o ator mais interessante de sua geração, o sempre cômico Albert Brooks aparece irreconhecível ao ponto de causar arrepios, Bryan Cranston (o mentor do protagonista), Mulligan, Perlman e Christina Hendricks (a voluptuosa Joan de Mad Men) conseguem tornar seus personagens marcantes, mesmo com menos nuances a serem trabalhadas. Indicado ao Oscar de edição de som, Drive é um filme ousado na construção de seu antiherói, torna-se quase um delírio narrativo em sua intenção de conciliar filme de arte com ação - e, por isso mesmo,  já coleciona fãs ardorosos que lhe reivindicam o título de clássico. 

Drive (EUA-2011) de Nicolas Winding Refn com Ryan Gosling, Carey Mulligan, Albert Brooks, Bryan Cranston, Oscar Isaac, Ron Perlman e Crhistina Hendricks. ☻☻☻

10+ Cannes 2012

Sei que no ano passado eu pequei por não colocar O Artista entre uma das maiores promessas lançadas em Cannes, mas como eu poderia imaginar que um filme em preto e branco e mudo ganharia o Oscar? Tento me consolar com o que uma amiga me disse: "ele ganhou um Oscar, mas não foi sucesso". Não vou nem me deter a esses detalhes, mas escrevo aqui, minha mais pura especulação sobre os filmes que você deve ouvir falar muito  durante este ano e que marcaram presença em Cannes2012 - para evitar mal entendidos: 

10 Lawless O australiano John Hillcoat conseguiu aplausos no Festival mas não empolgou muito com seu épico mafioso. Se em A Estrada (2010) ele acabou recebendo mais elogios do que atenção, as coisas podem não ser muito diferentes dessa vez. A trama se concentra na guerra de gangues da década de 1930 nos EUA onde o motor contra a lei seca era o contrabando de bebidas. No elenco Tom Hardy, Gary Oldman e Shia Labeouf dão o sangue para dar seriedade à produção repleta de cenas de ação - e estas são as que mais saem perdendo na temporada de ouro. 

09 Rust & Bone Apesar de misturar dois mundos bem distintos, esta produção francesa dirigida por Jacques Audiard pode se beneficiar da presença (sempre) marcante de sua estrela Marion Cotillard. Marion é uma adestradora de baleias que perde as duas pernas num acidente dentro de um parque aquático. Mergulhar nesse mundo já seria interessante, mas Audiard quer mais e insere a relação da personagem com um homem (Matthias Schoenaerts) metido em lutas clandestinas. Apesar desse dois mundos não darem muita liga, a atuação dos protagonistas deve valer a compra dos ingressos. 

08 Moonrise Kingdon Um filme de Wes Anderson sempre me chama a atenção - ainda mais depois que seu último trabalho foi a reveladora animação O Fantástico Senhor Raposo (2009). Desta vez, Anderson retoma os personagens de carne e osso em seu universo bastante peculiar, para contar uma trama protagonizada por crianças, mas com referências à saga romântica de Romeu e Julieta. Escolhido para abrir o Festival deste ano, o longa não empolgou como se esperava, mas promete fazer sucesso com atuações inspiradas de sua patota habitual de atores e... Bruce Willis! 

07 Cosmópolis  Palavroso, o novo filme de David Cronenberg promete. Repleto de ousadias e provoações, o filme retrata um jovem que vive num universo paralelo dentro de um automóvel. Esse olhar peculiar sobre a sociedade contemporânea é inspirado na obra de Dom Delillo numa analogia à Nova York pós-11 de setembro. O longa tem como maior atrativo a atuação de Robert Pattinson - que finalmente parece ter se encontrado como intérprete depois de procurar papéis que sepultassem seu vampiro crepuscular de vez. Dificilmente suas fãs vão curtir o filme, mas a galera adulta poderá avaliar se ele merece vida depois de avacalhar os vampiros.

06 The Hunt O dinamarquês Thomas Vinterberg é um dos fundadores do movimentos Dogma 95 ao lado de Lars Von Trier e adora uma polêmica - é ela que garantiu o seu maior sucesso até hoje: Festa de Família (1998). Thomas parece retomar alguns temas daquela lavagem de roupa suja em The Hunt, onde um professor é acusado de pedofilia. A proposta de relativizar as aparências, mesmo diante de um tema tão espinhoso, lhe rendeu o prêmio ecumênico e de melhor ator para mais uma inspirada atuação de Madds Mikkelsen - que pode até aparecer no Oscar depois de ser relegado a coadjuvante em superproduções de Hollywood (de 007 até a refilmagem de Fúria de Titãs

05 On The Road Acho que desde que o livro de Jack Kerouac foi lançado que se espera uma versão cinematográfica dele. O clássico da geração beat foi levado para as telas por Walter Salles, num desafio que considero ainda maior do que adaptar Diários de Motocicleta (2003). Apesar de ter dividido as opiniões por conta de sua narrativa viajante (mas que retrata bem a geração a que o livro aborda) sobre o final dos anos 1940 e início dos anos 1950. Narra a rotina na estrada dos amigos vividos por Garrett Headlund (muito elogiado), Sam Riley e Kirsten Stewart (que finalmente parece ter acordado de sua inércia). 

04 Kill Them Softly O thriller produzido por Brad Pitt para o seu chapa Andrew Dominik criou alguma polêmica e recebeu elogios acalorados pela saga de um mercenário (Pitt) contratado para caçar dois bandidos que roubaram uma casa de jogos ilegais da máfia. Com humor negro, violência e uma atuação que pode render prêmios para James Gandolfini, o longa se tornou um dos queridinhos do Festival - e o verniz politizado imposto pelo diretor de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007) deve ajudar um bocado na projeção mundial do filme. 

03 Amour A Palma de Ouro em Cannes sempre credencia um filme para voos mais altos - ou pelo menos garante uma distribuição considerável ao redor do mundo alimentado pela curiosidade da massa cinéfila. Some isso ao fato de ser dirigido pelo cultuado Michael Haneke que perceberemos que o lirismo premiado de Amour tem tudo para ser um sucesso mundial. Centrado na história de amor de um casal de velhinhos na proximidade da morte, Haneke retoma algumas temáticas de sua cinematografia num tom mais delicado e isso pode fazer a diferença nas premiações que sempre ficam com o pé atrás com ele.

02 The Paperboy O diretor de Preciosa (2009) aceitou dirigir uma adaptação antes oferecida para Pedro Almodóvar. Vendo a trama logo imaginamos o porque de terem lembrado do cineasta espanhol: Uma mulher misteriosa (Nicole Kidman, elogiadíssima) com fetiche por se corresponder com bandidos tenta provar a inocência de um malfeitor que acredita ser o amor de sua vida (John Cusack), para isso conta com a ajuda de um jornalista gay (Matthew McConaghey) e seu jovem parceiro (Zac Effron). Misturando comédia, filme de tribunal e drama policial com bastante esperteza, o filme já é visto como uma das grandes promessas do ano. 

 01 Mud Se no ano passado Jeff Nichols provou que era digno de atenção com O Abrigo, neste ano ele mostra que merece mais do que isso: merece ser reconhecido como cineasta de mão cheia! Afinal, quantas vezes você viu Matthew McConaghey cotado para as premiações de fim de ano? No papel de um bandido no meio do Mississipi que é auxiliado por dois garotos, McConaghey se reinventa ao compor um personagem cheio de camadas - e não perde o tom até quando o filme apresenta cenas de ação de tirar o fôlego. Não bastasse isso, até Reesee Witherspoon ganhou um papel decente! Mas esse deve ser o ano de McConaghey.

domingo, 27 de maio de 2012

Ganhadores Cannes 2012

Haneke (ao centro): mais um para sua coleção. 

Após a divulgação dos contemplados pelo júri do Festival de Cannes deste ano (presidido pelo italiano Nani Moretti), fico me perguntando se Michael Haneke ainda tem espaço para mais Palmas de Ouro em sua casa, eu já perdi a conta de quantos prêmios seus filmes já receberam no festival (A Professora de Piano/2001 A Fita Branca/2009, Caché/2005...). Está certo que seu novo longa é sobre o amor entre dois velhinhos com a proximidade da morte - e isso é bem mais lírico do que os outros de sua filmografia - mas a galera de Moretti não precisava ignorar aclamados filmes feitos em Hollywood. Os badalados On The Road de Walter Salles, Cosmópolis de David Cronenberg, Mud de Jeff Nichols e The Paperboy de Lee Daniels saíram sem nada, mas nada que as premiações futuras não possam corrigir (podem escrever, seus protagonistas prometem aparecer na temporada de ouro deste ano). Enfim, os contemplados neste ano:

Palma de Ouro: "Amour" de Michael Haneke (França-Áustria)
Grande Prêmio: "Reality" de Matteo Garrone (Itália)
Melhor Diretor: Carlos Reygadas / "Post Tenebras Lux" (México)
Atriz: Cosmina Stratan e Cristina Flutur / "Beyond the Hills" (Romênia)
Ator: Mads Mikkelsen / "The Hunt" (Dinamarca)
Roteiro: "Beyond the Hills" (Romênia)
Prêmio do Júri: "The Angel's Share" de Ken Loach (Reino Unido)
Palma de Ouro - Curta Metragem: "Sessiz-be deng" de L. Rezan Yesilbas (Turquia)
Câmara de Ouro: "Beasts of the Southern Wild" de Behn Zeitlin (EUA)

DVD: Reféns

A família: reféns de um roteiro ruim 

Em Hollywood deveria haver uma manual de sobrevivência no meio cinematográfico. Um dos mandamentos deveria ser: "Quando sua carreira estiver em apuros, jamais se meta num filme com um ator em decadência dirigido por um cineasta do mesmo calibre". Com estas instruções dificilmente Nicole Kidman teria se metido numa presepada como Reféns, onde contracena com Nicolas Cage sob a batuta de Joel Schumacher. Além de Nicolas Cage raramente acertas em suas escolhas, Schumacher ainda tem aquela mancha indelével de Batman & Robin () no currículo - além de tudo isso, Kidman ainda tem um dedo podre para escolher filmes caça-níqueis. Ela pode até se dar bem quando procura trabalhos mais sérios (como no recente Reencontrando a Felicidade/ de John Cameron Mitchell), mas desde que ganhou o Oscar por As Horas, qualquer filme de apelo mais popular é desprezado pelo público e pela crítica. Sorte que a loura  ainda tem crédito com diretores importantes, como o americano Lee Daniels que a escalou para The Paperboy, um dos filmes mais aclamados do Festival de Cannes deste ano e que pode lhe render mais uma indicação ao Oscar. Enquanto Paperboy não estreia por aqui, temos que nos contentar com a ruindade desse Reféns nas locadoras. Trata-se de um dos filmes mais risíveis que assisti recentemente. Existem tantas reviravoltas no filme que em determinado momento eu pensei estar assistindo uma paródia do Casseta e Planeta. A trama já começa no lugar comum de ser um casal de ricaços (Kidman e Cage) que são tontos o suficiente para abrir a casa para um sujeito que não mostra a cara para câmera (só o distintivo). Acho que o filme empata nos quesitos buracos e reviravoltas. Os quatro assaltantes estão em busca dos diamantes guardados no cofre da mansão e tentam exaustivamente conseguir a combinação que o abre. Mais do que o pavor dos seus reféns, o expectador começa a ficar um bocado aborrecido quando o filme investe cada vez mais na gritaria  e na violência gratuita. Quando o diretor percebe que a coisa já está cansando começam as "surpresas", desde a filha que deu uma fugidinha de casa que retorna como existe a especulação de que a dona da casa ter um caso com um dos assaltantes (o boneco Cam Gigandet). Depois os bandidos dizem estar ali por uma causa nobre - conseguir dinheiro para comprar um rim para a mãe de um deles e se não conseguir, eles pegarão o de um dos reféns - mas essa ideia é tão mal trabalhada que logo a abandonam. Aos poucos vemos que o excesso de mudanças bruscas no roteiro só dizem que ele não faz a mínima ideia para onde vai - e nisso sofre não só os personagens como o público e os próprios atores. Nicolas Cage está tão exagerado que nem parece um ator premiado (a mistura de plásticas, botox e implantes de cabelo está cada vez mais desastrosa), está tão canastrão que só torna o final mais ridículo. Kidman se esforça entre gritos e lágrimas que são prejudicadas pelas centenas de vezes em que repete "Kyle! Kyle!". A filha de ambos é uma pamonha e os bandidos são tão estereotipados que nunca rendem o que deveria - se Gigandet não é digno de crédito o mesmo não se pode dizer de Ben Mendelsohn (o tio malvado de Reino Animal/2010) que aqui não tem respaldo algum do roteiro. Enfim, a coisa é ruim de doer! A cereja do bolo é a família toda estropiada terminando o filme abraçada - que revela que em sua essência é apenas trata-se apenas de um filme família trash

Reféns (Trespass/EUA-2011) de Joel Schumacher com Nicolas Cage, Nicole Kidman, Liana Liberato, Ben Mendelsohn e Cam Gigandet.

Clássicos de Cannes

A Edição 2012 do Festival de Cannes termina hoje e eu preparei uma lista com alguns filmes relatados aqui no blog que fizeram história no Festival. Nem todos foram premiados, mas vale a pena conferir cada um deles:

A Árvore da Vida (2011) de Terrence Mallick
O Anticristo (2009) de Lars Von Trier
Bastardos Inglórios (2009) de Quentin Tarantino
À Deriva (2009) de Heitor Dhalia
Biutiful (2010) de Alejandro Gonzalez Iñarritú
Cidade dos Sonhos (2001) de David Lynch 
Dançando no Escuro (2000) de Lars Von Trier 
Dogville (2003) de Lars Von Trier
Ensaio sobre a Cegueira (2008) de Fernando Meirelles
Os Incompreendidos (1959) de François Truffaut 
Inquietos (2011) de Gus Van Sant 
Ireeversível (2002) de Gaspar Noé
La Nostra Vita (2010) de Danielle Luchetti
Los Angeles - Cidade Proibida (1997) de Curtis Hanson
Maria Antonieta (2006) de Sofia Coppola
Melancolia (2011) de Lars Von Trier
A Pele que Habito (2011) de Pedro Almodóvar
Persépolis (2007) de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud 
Preciosa (2009) de Lee Daniels
O Profeta (2009) de Jacques Audiard 
O que Resta do Tempo (2009) de Elia Suleiman
Réquiem para um Sonho (2000) de Darren Aronofsky 
O Sétimo Selo (1957) de Ingmar Bergman
Sinedóque Nova York (2008) de Charlie Kauffman 
Trabalho Interno (2010) de Charles Ferguson
A Fita Branca (2009) de Michael Haneke
Velvet Goldmine (1998) de Todd Haynes 

Só de pensar nos próximos que entrarão nessa lista eu já começo a salivar...

DVD: La Nostra Vita

Germano: realismo premiado em Cannes.

Inédito nos cinemas brasileiros, La Nostra Vita ficou conhecido por aqui somente quando seu ator principal, Elio Germano, dividiu com Javier Bardem (Biutiful/2010)o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes em 2010. Curiosamente os dois personagens tem várias semelhanças, a diferença é que enquanto o espanhol se vê num universo cheio de excessos construídos pelo diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú, Elio Germano tem ao seu favor a direção de Danielle Luchetti que prefere ser econômico e deixar que as situações aconteçam num encadeamento natural, sublimado pelo realismo e alguma poesia. É como se o tempo inteiro, Luchetti soubesse que todo o drama das situações cotidianas do protagonista pudesse ser expressado pelo olhar de seu ator principal. Germano interpreta Claudio, um homem comum que divide a vida entre o trabalho em obras no subúrbio de Roma e o lar, onde descansa ao lado da esposa grávida (Isabella Ragonese) e seus  adoráveis dois filhos pequenos. Sua vida é tão segura quanto previsível e o filme mostra o quão confortável isso pode ser - mesmo com os namoros noturnos interrompidos pelos pequenos ou nos almoços com os familiares no fim de semana. A lógica desse universo tão particular começa a se transformar quando Claudio descobre um homem morto no fundo o poço do elevador em que trabalha. Trata-se do vigia noturno, um imigrante ilegal que morreu ali por acidente - e o patrão de Claudio quer enterrá-lo ali, fingindo que nada aconteceu. Mal vive esse dilema, uma tragédia familiar acontece e ele precisa aprender a viver sozinho com seus três filhos. Luchetti não investe no melodrama, ao contrário, apresenta as situações como se elas ficassem pela metade, como se coubesse ao espectador construir a sequência de cada uma delas. Não chegam a ser cenas soltas graças à intensidade que Germano consegue imprimir a cada cena de seu personagem. Mesmo quando está calado, podemos perceber que existe um bocado de fúria prestes a explodir, mas que ele saberá controlar. Embora sua vontade de enriquecer possa guiá-lo por caminhos pouco ortodoxos, ele está longe de ser um vilão - e nisso seu personagem parece mais ainda com o de Javier Bardem em Biutiful. Tendo que lidar com dois filhos e com imigrantes ilegais, nem sempre suas atitudes serão as mais corretas. O mais interessante do filme é ver a construção de um personagem assustadoramente humano, equilibrando-se entre qualidades e defeitos e que consegue conquistar a nossa simpatia e torcida. Luchetti consegue conduzir os acontecimentos como se não assitissemos um filme, mas acompanhassemos o dia-a-dia desse personagem numa espécie de documentário onde os coadjuvantes aparecem pouco e sempre tem alguma colaboração para a jornada de Claudio, seja o vizinho cigano casado com uma imigrante africana, seja o irmão tímido (Raoul Bova) ou a viúva do homem encontrado morto e Andrei, o filho do operário morto - que terá um dos momentos mais importantes da trama, onde fica ilustrado magistralmente o quanto a verdade pode doer. Sem grandes surpresas o filme avança até o final onde revela que mesmo num ambiente marcado pela dureza da realidade, ainda pode existir um espaço para a fantasia. 

La Nostra Vita (La Nostra Vita/Itália-França-2010) de Daniele Luchetti com Elio Germano, Isabella Ragonese, Raoul Bova e Luca Zingaretti.
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sexta-feira, 25 de maio de 2012

DVD: Sherlock Holmes | O Jogo das Sombras


O Jogo das Sombras: Moriarty e Sherlock sem empolgar

Se o Oscar criasse a categoria Fênix entre suas categorias, Robert Downey Jr. teria ganho fácil há alguns anos.  Lembro de todos os problemas que teve com álcool e drogas e nos últimos anos reconquistou o respeito dos colegas ao estrelar Homem de Ferro (2008) e recebendo indicações a prêmios - seja por Trovão Tropical (2008) ou Sherlock Holmes (2009), que lhe rendeu um Globo de Ouro. Com duas franquias milionárias em suas mãos (e nem estou contando as continuações de Os Vingadores), o cara não tem do que reclamar. Embora eu considere que ele está cada vez mais sendo um tipo do que um personagem, eu teria que ser muito rabugento para não dar algumas risadas com o que ele faz na pele do agente mais famoso da Scotland Yard. Quando estreou a primeira versão de Guy Ritchie para Sherlock Holmes, devo confessar que estranhei um bocado. Ele estava sem cachimbo, dominando artes marciais muito bem e com um humor que nunca havia reparado possuir. Pudera, o filme não era baseado no clássico personagem de Arthur Conan Doyle, mas numa releitura feita numa HQ que nem chegou a ser lançada. Do Sherlock original havia restado apenas o nome, a astúcia, o período histórico (final do século XIX) e as piadinhas com seu fiel assistente Dr. Watson (Jude Law, em sua melhor atuação em muuuuito tempo), que estava prestes a se casar com Mary (Kelly Reilly). Com  o filme Ritchie tirava o pé do casamento malfadado com Madonna, que quase levou sua carreira para o ralo. O cineasta retomava o ritmo ágil de narrativa e tramas emaranhadas tratadas com a segurança de quem sabe que um mais um são dois. No filme, Holmes e Watson somavam forças para desmascarar uma ameaça à Inglaterra, essa ameaça se chamava  Lorde Blackwood (Mark Strong), um ilusionista considerado morto e que parece estar assombrando o país  com uma série de crimes através de magia negra. O roteiro conseguia ser esperto o suficiente para misturar as investigações com os dilemas de Sherlock com sua atração pela ladra Irene (Rachel McAdams) e a promessa de ser  abandonado por Watson. Com bom ritmo e visual interessante, Ritchie até que conseguiu me fazer engolir este detetive clássico repaginado. Pena que a ousadia não teve fôlego para gerar uma continuação igualmente interessante. Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras falha em vários aspectos. A trama deste aqui, para quem conhece o personagem clássico, tinha o apelo irresistível de ser o confronto do detetive com seu maior inimigo - o Professor Moriarty (Jared Harris, da série Mad Men) - mas o roteiro dá tantas voltas que consegue ser desinteressante de tão confuso. A edição do filme colabora ainda mais para essa sensação, já que opta por contar como funciona a mente do detetive em cenas rápidas que antecipam suas ações. O recurso pode até ser interessante no início, mas lá pela terceira vez já incomoda e parece querer apenas disfarçar a falta de assunto do roteiro baseado na ligação de Moriarty com uma série de crimes que podem caminhar para uma Guerra Mundial. No início as investigações parecem só uma desculpa para Holmes atrapalhar a lua-de-mel de Watson, mas a coisa se mostra séria quando Irene se torna uma das vítimas de Moriarty. Embora o roteiro seja cheio de gracinhas (as alfinetadas sobre o affair Holmes/Watson tenham ficado mais explícitas), falta a energia obscura que perpassava a aventura anterior. O suspense peca ao investir no desaparecimento do irmão de uma cigana,  Simza (Noomi Rapace da trilogia sueca Millenium) que não tem muito o que fazer na trama do que correr com a dupla principal. Eu queria saber quem foi o pateta que achou melhor tirar Rachel McAdams do elenco e colocar Noomi Rapace! Sem os piercings e visual punk de Lisbeth Salander a atriz está com a expressão congelada o filme inteiro escondida por uma cabeleira exagerada. Ela não convence nos poucos diálogos e simplesmente o personagem não decola. Ela não é a única deslocada na história, o irmão de Sherlock, Mycroft (Stephen Fry) também tem quase nada para fazer. No fim das contas, O Jogo das Sombras se alimenta das lembranças do primeiro filme, mas não é capaz de criar a vontade de assistir um terceiro filme. 

Watson, Holmes e Irene: o primeiro é muito melhor.

Sherlock Holmes (EUA-Alemanha-Reino Unido-2009) de Guy Ritchie com Robert Downey Jr, Jude Law, Mark Strong, Rachel McAdams, James Fox e Kelly Reilly. 

Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras (Sherlock Holmes: Game of Shadows/EUA-2011) de Guy Ritchie com Robert Downey Jr, Jude Law, Jared Harris, Noomi Rapace, Stephen Fry, Kelly Reilly e Rachel McAdams. 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

LADIES & GENTLEMEN: Viola Davis

Nascida na Carolina do Sul (EUA) em 1965, Viola Davis se tornou o tipo de atriz que quando você assiste sente que ela capturou sua alma.Isso acontece mesmo quando ela não aparece muito, em Dúvida (2008) ela aparece em duas cenas - o que foi suficiente para ser indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar - além de ter sido considerada pela revista TIME uma das três atuações feminina mais marcantes daquele ano. Viola nasceu na fazenda de sua avó, sendo a segunda mais nova de uma família de seis filhos. Sua mãe era operária e empregada doméstica, enquanto  seu pai era treinador de cavalos. A infância foi um período difícil para a menina, apesar do esforço dos pais, a situação financeira da família era cada vez mais preocupante. Na adolescência Viola Davis percebeu que tinha dotes dramáticos suficientes para se tornar atriz. Se formou em teatro pela Rhode Island College em 1988, mas na faculdade quase desistiu da carreira. Uma de suas maiores motivadoras - e amiga  desde então - foi Meryl Streep, que notou que Viola conseguia injetar uma emoção genuína nos personagens que vivia. Apesar de estrear no cinema em 1996, como uma enfermeira no pouco lembrado  The Substance of Fire, a atriz chamou atenção de Steve Soderbergh no período de seu renascimento como cineasta. Steve a escalou para atuar em Irresistível Paixão (1996) num papel pequeno ao lado de George Clooney e Jennifer Lopez. Satisfeito com o desempenho da atriz tornaram-se amigos e a escalou novamente no premiado Traffic (2000) onde vivia uma agente social. Se a carreira no cinema ia devagar, Viola conseguia papéis mais importantes no teatro, especialmente quando em 2001 levou para a casa o prêmio Tony de melhor atriz pela peça King Reilley II, onde interpretava uma mulher grávida que pretende fazer um aborto. Nesta época podiamos vê-la no modesto The Shrink In e na comédia romântica Kate & Leopold ao lado de Meg Ryan (além de podermos ouvir sua voz no interrogatório a Danny Ocean em Onze Homens e um Segredo). Em 2002, Viola recebeu um doutorado honorário na Faculdade de Belas Artes, pelo seu incentivo nos projetos destinados aos jovens que pretendiam seguir a carreira artística (ela mesma participou de um desses programas, graças ao empenho de Bernard Masterson, que era diretor de um deles e lhe conseguiu uma bolsa na escola de artes). Neste momento especial ela estava nas telas no novo filme do amigo Soderbergh, o subestimado Solaris e ao lado de Julianne Moore no drama Longe do Paraíso. Porém, seu destaque ficou na atuação em Antwone Fisher que lhe valeu uma indicação ao Independent Spirit de coadjuvante. A vida de coadjuvante continuaria em seriados e  relativos sucessos do cinema como Syriana (2005), As Torres Gêmeas (2006), Paranóia (2006) e até como a avó de 50 cent em Fique Rico ou Morra Tentando (2005) e outras produções esquecidas. A coisa melhorou quando conseguiu o papel da mãe do menino que pode ter sido molestado em Dúvida (2008). Em menos de 10 minutos, Viola alcança a melhor atuação do filme, sendo indicada ao  Oscar de coadjuvante ao lado de seus colegas de elenco, Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams e a amiga Meryl Streep. A indicação pode não ter lhe rendido a primeira estatueta da carreira, mas abriu caminho para produções de maior apelo perante o público como Intrigas do Estado (2009), Código de Conduta (2009), Encontro Explosivo (2010) e Comer, Rezar, Amar (2010), além da participação em seriados como United States of Tara e Law & Order. O mais interessante é que seu papel mais interessante no cinema foi numa produção independente onde vivia uma psiquiatra de sanatório no pouco visto Se enlouquecer, não se apaixone (2010). Era apenas um aperitivo do que estava por vir. Em 2011, Viola atuou em dois filmes que chegaram à categoria de melhor filme no Oscar. Um deles era Tão Forte, Tão Perto (onde era um dos coadjuvantes do filho de Tom Hanks e Sandra Bullock) e o outro era o sucesso Histórias Cruzadas. Na pele da doméstica Aibeleen Clark ela sofre com o racismo do Mississipi da década de 1960. Pelo desempenho, Viola Davis colecionou prêmios e seu desempenho colossal foi a maior oponente de Meryl Streep na disputa que lhe rendeu o terceiro Oscar de sua carreira. O momento em que Viola levantou-se para parabenizar a amiga foi um dos momentos mais elegantes da história da premiação, não duvide que Meryl teria feito o mesmo por ela. Neste ano Viola será uma das mães dedicadas de Won't Back Down e ano que vem estará no drama Beautiful Creatures e na pele de uma militar em Ender's Game. Ao que tudo indica, os dias de coadjuvante ficaram para trás. 

Dúvida: o mundo descobre Viola Davis. 

DVD: Histórias Cruzadas


Não é todo dia que podemos desfrutar de um filme repleto de talentos. Não digo um desses filmes cheios de celebridades que pretendem arrecadar milhões de bilheteria a bordo de um roteiro preguiçoso, mas um filme de verdade com atores consistentes que podem não ser muito conhecidos pelo grande público, mas que conseguem nos fazer lembar o que é um verdadeiro talento diante das câmeras. Histórias Cruzadas é uma grande coleção de talentos femininos, atrizes veteranas e novatas brilham como ouro em pó no filme do estreante Tate Taylor - prova disso é que juntas levaram o Prêmio do Sindicato de Atores na categoria Melhor Elenco de 2011. Bastou o filme (adaptado do best-seller baseado em fatos reais de Kathryn Stockett) estrear para que todo mundo o apontasse como um dos favoritos  ao Oscar. Parece pouca coisa, mas não é fácil um filme estrear em agosto e permanecer na memória coletiva de votantes em premiações e do público até o início do ano seguinte. Embalado pela aclamação do público e de parte da crítica, o filme ainda fez os sobrinhos do Tio Sam refletirem sobre um passado recente que explica muito sobre seu presente. Apesar de alguns críticos apontarem defeitos na inexperiência de Taylor (que foi escolhido por ser amigo da escritora), há de se concordar que ele consegue evitar que o filme caia no melodrama barato, retratando nuances doloridas na relação das empregadas negras com as patroas brancas do preconceituoso estado do Mississipi na década de 1960. O filme é narrado por Aibileen (a magistral Viola Davis, que recebeu o prêmio do sindicato dos atores deste ano e quase impediu a terceira oscarização de sua amiga Meryl Streep), uma doméstica que cuida dos filhos de uma jovem dondoca que prefere conversar com qualquer amiga do que passar um tempo com os filhos. A jovem patroa ainda pertence ao grupo da esnobe racista-mor Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard, colocando a carreira nos eixos) que pertence a uma espécie de comitê racista que prega ações como um banheiro separado para as domésticas negras por motivo de higiene. Hilly é a patroa de Minny (Octavia Spencer, ganhadora de todos os prêmios de coadjuvante da temporada), uma pessoa que está prestes a explodir com os atos da moça (ainda mais quando ela precisa enfrentar uma tempestade para ir no seu banheiro "privativo" do lado de fora da casa). Existe um bocado de crueldades nas histórias dessas personagens - e não apenas as relacionadas ao cotidiano no lar dos brancos, mas numa sociedade que tendia a segregá-los cada vez mais, mesmo quando a cruzada de Martin Luther King começou a ganhar força. Numa sociedade opressora onde os negros eram vítimas de preconceito a todo instante existe a jovem jornalista  Skeeter Phelan (Emma Stone, provando de vez que pode fazer mais do que comédias adolescentes), que, assim como todas as suas amigas, foi criada por uma babá negra, mas enxerga com mais criticidade o racismo mal-disfarçado de sua época. Skeeter convidará Aibileen para ajudá-la numa coluna sobre prendas domésticas num jornal local e depois irá convidá-la a relatar sua história em um livro. Não vai demorar muito para Minny colaborar com a atitude. Para completar o rico universo de personagens femininas, ainda existe Celia Foote (a sempre competente Jessica Chastain, indicada ao Oscar de coadjuvante), uma loura que vive isolada da cidade com seu esposo e que tem atitude completamente diferente das outras patroas que aparecem no filme. Sei que há quem torça o nariz para o fato de Skeeter servir de porta-voz para as mulheres negras do filme, servindo de libertadora e blábláblá mas é um exagero! Embora Skeeter não fuja do estereótipo de menina-a-frente-do-seu-tempo, se observarmos históricamente a história do estado onde nasceu a Ku Kux Klan, seria quase impossível que as histórias dessas mulheres conseguissem por conta própria a projeção que o livro causaria. Além disso, a salvadora da história é Aibileen que fez Skeeter ser quem é. Sem abordar o racismo através do sensacionalismo, o diretor tem consciência de que suas atrizes são capazes de envolver as plateias com mais eficiência do que muito discurso panfletário. Equilibrando doses generosas de humor com os dramas de pessoas comuns, Histórias Cruzadas é um filme que faz rir e pensar em igual medida, afinal de contas, são as relações que nos marcam como indivíduos. 

Stone, Spencer e Davis: ótimos desempenhos contra o racismo. 

Histórias Cruzadas (The Help/EUA-2011) de Tate Taylor com Viola Davis, Emma Stone, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Bryce Dallas Howard, Allison Janney, Sissy Spacek e Mike Vogel. 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

MOMENTO ROB GORDON: Séries Favoritas

Sei que muita gente vai reclamar de eu não ter incluído produções badaladas como Game of Thrones ou Boardwalk Empire na minha lista, mas o que eu posso dizer? Listas são listas? Gosto não se discute? Essas são as séries que me fazem grudar na TV:

5 - HOMELAND
A série ganhadora do prêmio de melhor série dramática no último Globo de Ouro acabou de ter o seu capítulo final da primeira temporada exibido no canal FX e se alguns a consideravam apenas uma herdeira dos fãs de 24 Horas, ela terminou mostrando que tem vida própria ao explorar o emaranhado conspiratório em torno do retorno de um herói de guerra e uma agente psicótica da CIA (que acredita que ele é um terrorista). Claire Danes (ganhadora do Globo de Ouro de atriz dramática em TV) tira o fôlego quando mergulha nas ambiguidades de sua personagem - e durante a temporada o roteiro soube criar surpresas quando tudo parecia rumar para o previsível. Desenvolvido por Howard Gordon e Alex Gansa a partir de um seriado israelense a série lança um olhar mais profundo sobre o terrorismo. Ainda no elenco o ruivo Damien Lewis e a brasileira Morena Baccarin também tiveram momentos marcantes. 

4 - MODERN FAMILY
Na terceira temporada a produção da Fox rende boas risadas e muitos prêmios com sua fórmula de documentário fake sobre uma família cheia de particularidades. O patriarca Jay (Ed O'Neill) é casado com uma bela colombiana, Gloria (a hilária Sofia Vergara), algumas décadas mais jovem que ele e mãe de Manny (Rico Rodriguez).  Jay é pai da metódica Claire (Julie Bowen), casada com o pateta Phil (Ty Burrell) ela tem três filhos beirando a adolescência com personalidades  bem distintas. Completa a família o irmão de Claire, Mitchell (Jesse Tyler Fergusson), seu parceiro Cameron (Eric Stonestreet) e a filha adotiva, Lilly. Fazendo graça das famílias contemporâneas, Modern Family nunca se leva a sério e isso é o mais importante para que permaneça com sua legião de fãs ao redor do mundo. Criada por Steve Levitan e Christopher Lloyd o filme acaba de renovar seu contrato para mais uma temporada.

3 - THE KILLING
Ao lado de Homeland, The Killing foi a coisa mais interessante que encontrei nas estreias do ano passado. É impossível não notar as semelhanças desta série com a clássica Twin Peaks - e ao mesmo tempo podemos sinalizar as diferenças. Enquanto David Lynch delirava com as possibilidades em torno de "Quem matou Laura Palmer?" a série da AMC mantém o pé no chão acompanhando cada dia da investigação (cada episódio corresponde a um dia) em torno de "Quem matou Rose Larsen?". O piloto foi um dos melhores momentos de minha vida de telespectador. Misturando as dores da família da jovem e conspirações políticas a alma do seriado é a atuação sutil de Mirelle Enos (indicada ao Emmy) como a policial encarregada do caso na chuvosa Seatle. Baseado numa série dinamarquesa, a segunda temporada estreia esse ano e terá a missão de conter os ânimos depois que o público se decepcionou com o último episódio da primeira temporada. 

2 - THE BIG BANG THEORY
Vai parecer que foi proposital eu intercalar séries dramáticas com séries cômicas, mas não é. Em sua quinta-temporada o temperamental Sheldon (Jim Parsons), o simpático Richard (Johny Galecki), o gênio judeu Leonard (Simon Helberg) e o indiano Raj (Kunal Nayyar) continuam rendendo boas risadas ao lado de Penny (Kaley Cuoco) e as namoradas que conquistaram ao longo das temporadas. Quem diria que um seriado baseado no cotidiano de nerds crescidos (professores universitários nos mais variados ramos da ciência) seria sucesso de audiência. O mais legal é que nem precisamos entender aquele emaranhado de fórmulas e teorias para achar graça do que estão dizendo. Preciso dizer que o programa me fez assumir de vez a minha nerdice? Depois da série criada por Chuck Lorre e Bill Prady, ser nerd pode ser cool!

1- MAD MEN
A série com a melhor abertura de todos os tempos também está na quinta temporada, Mad Men é um primor de produção. Lembro até hoje da primeira temporada quando Don Drapper (Jon Hamm) descartou seu irmão pouco antes de criar a campanha publicitária para um aparelho de projetar fotografias. Aquilo doeu um bocado. Depois disso foram tantos cigarros, goles de álcool, amantes, machismos, sexismos, racismos, homofobia, separações e acontecimentos históricos da década de 1950 que o seriado mostrou nunca ficar sem assunto. Com o ritmo lento, figurinos elegantes e um elenco fenomenal, Mad Men nos leva a uma viagem ao passado para que possamos olhar criticamente o nosso tempo e viver uma crise de identidade como a do protagonista com pinta de galã, mas escorregadio como brilhantina. Em pensar que os canais desprezavam a ideia de Matthew Weiner em contar as relações em torno de uma agência publicitária de meados do século passado.

terça-feira, 22 de maio de 2012

NªTV: Game Change

Harris e Moore: com quanta informação se faz uma candidata?  

Este Na Tela é diferente, uma vez que não é sobre um filme em cartaz no cinema, mas um filme feito para a TV com o padrão HBO de qualidade - que estreou neste fim de semana na programação do canal. Baseado no livro de Mark Halperin que busca destrinchar a campanha de oposição à Barack Obama à presidência americana em 2008, o canal apostou no apelo político da produção. O filme se concentra na campanha de John McCain, mais especificamente quando precisava aumentar a sua popularidade e escolheu, junto aos seus assessores, a governadora do Alaska, Sarah Palin para dar uma vitaminada à sua campanha - no posto de candidata à vice-presidência. Muito se questiona no filme sobre onde termina a realidade e começa a ficção, uma vez que existem situações e personagens que não existem na vida real. No filme, a escolha de Palin deve-se à sua argumentação sobre energia, sua campanha contra o aborto e fatos de sua vida pessoal (casada, cinco filhos - sendo um deles soldado no Iraque e o caçula com síndrome de Down) que causavam uma identificação instantânea com os eleitores republicanos, some a isso um magnetismo ímpar e será fácil entender como ela foi parar na campanha de McCain. Palin é interpretada pela soberba Julianne Moore, que imprime nuances variadas à personagem sem perder de vista sua dimensão humana numa montanha-russa de emoções, sua personagem é exposta ao ridículo com o mesmo vigor como é exaltada pela sua desenvoltura em discursos. Palin é mostrada como uma candidata despreparada ao cargo que pretende ocupar, seu pensamento é mostrado como provinciano ao excesso (em meio à uma exposição nacional ela sempre pergunta sobre as pesquisas de opinião no Alaska - que estava longe de ser uma prioridade da campanha, já que possui apenas três colégios eleitorais). Palin chega a não conhecer aspectos históricos importantes da política americana e internacional. Com o auxílio de Steve Schmidt (Woody Harrelson, mais sério que de costume) e Nicolle Wallace (Sarah Paulson), a tarefa de Sarah era se instruir para debates e entrevistas, mas ela se perdia entre inúmeras fichas de informações - as quais sob tensão, tornava-se ainda mais difícil compreender. Sarah Palin vai da euforia da candidatura, às crises com a pressão da imprensa sobre sua família e o passado na política. Aos poucos o nervosismo transforma uma candidata carismática em uma personagem cheia de conflitos, ao ponto de dizer sandices como o Alaska ser vizinho da Rússia (!?) - a situação virou alvo de piadas no humorístico Saturday Night Live (onde Tina Fey a ridicularizou algumas vezes - e por pouco Fey não ficou com o papel por conta da semelhança física). Moore consegue alcançar notas variadas em sua atuação, mas ressalta o tempo todo a ambição que existia debaixo da aparente ternura de Palin. De fala vigorosa e mente um tanto confusa, ela se torna o personagem mais bem cuidado do filme. No início eu pensei que a produção iria aprofundar sua relação com John McCain (nunca pensei que Ed Harris poderia ficar tão parecido com ele), mas esta fica apenas na superfície, deixando que ele seja apenas uma figura admirada por ela. Existe um bocado de crítica à forma como McCain é mostrado, ele aparece como um senhor simpático e bem intencionado, capaz de retroceder quando a campanha parte para a baixaria em ofensas a Obama. Dizem que o verdadeiro McCain é um sujeito bem mais amargurado do que aparece no filme, mas ele aparece tão pouco que  temos a impressão de que ele foi o que menos trabalhou na campanha - deixando Schmidt e Palin com o trabalho árduo e as rugas de campanha. Apesar do roteiro enfileirar guinadas nem sempre bem desenvolvidas, o resultado consegue ser envolvente (o que é notável para um filme sobre política) e até uma análise curiosa sobre a figura de Sarah Palin (especialmente na aclamação pública perante a derrota). O mais impressionante é que a obra foi feita por Jay Roach (o mesmo do premiado Recontagem/2008 também da HBO), que demonstra saber lidar com temas políticos com desenvoltura na telinha - enquanto no cinema está envolvido em comédias de sucesso como Entrando numa Fria (2000) e fracassadas como Um Jantar para Idiotas (2010), isso só não é mais impressionante do que descobrir que a verdadeira Sarah Palin gostou mais da imitação cômica de Fey sobre a sua figura do que da atuação de Julianne Moore!

Game Change (EUA/2012) de Jay Roach com Julianne Moore, Woody Harrelson, Ed Harris e Ron Livingston.  

quinta-feira, 17 de maio de 2012

DVD: Qual é o seu Número?

Faris e Evans: momento Borat.

Quando vejo uma comédia romântica eu percebo um dilema como aquele de "quem veio primeiro, o ovo ou a galinha"? Isso porque nunca consigo chegar à conclusão se os personagens desse tipo de filme motivam as pessoas a ficarem mais idiotas ou se os idiotas motivam esse tipo de filme. O pior de tudo é que trata-se de um gênero com seguidores fiéis, que costumam pagar ingressos para ver sempre a mesma coisa: um casal que se desentende até o final, onde descobrem que são feitos um para o outro. Obviamente que existem exceções para esta fórmula, mas elas só parecem confirmar a regra. Qual é o seu Número? Não chega revolucionar o gênero (e nem quer isso), mas rende algumas situações curiosas em sua pouco mais de hora e meia de duração. Claro que os personagens não fogem ao padrão bidimensional de noventa por cento do gênero, mas pelo  menos a dupla central possui vestígios de massa encefálica - mesmo que a trama parta de uma premissa bobinha, mas que o roteiro explora com invejável cara de pau. Ally (Anna Faris, interpretando a mesma personagem de sempre) é uma jovem que se depara com uma pesquisa que constata que uma mulher  com mais de 20 parceiros sexuais tem 96% de chance de permanecer solteira. A partir daí, ela reluta em acreditar que seus vinte ex-namorados foram pura perda de tempo e que a solteirice caiu sobre ela como uma espécie de maldição (colabora muito para isso a proximidade do casamento de sua irmã). Ally se recusa a acreditar que os vinte caras que atravessaram o seu caminho a fizeram perder seu precioso tempo - já que nenhum deles era sua alma gêmea. Diante dessa constatação, ela resolve procurar seus ex para convencer a si mesma que no meio de todos eles estava o homem de sua vida. Como ela não tem a mínima habilidade para a investigação que ultrapasse o google ou o facebook ela conta com a ajuda de um vizinho mulherengo (Chris Evans, relaxadamente canastrão) que após seduzir a mulherada costuma se esconder na casa da vizinha até que elas deixem seu apartamento. Precisa dizer mais alguma coisa? O roteiro até evita que Ally gaste nossa paciência encontrando cada um de seus ex-namorados, apresentando ao público somente alguns com os quais ela acredita ainda ter alguma chance (geralmente introduzidos por cenas de flashback temperadas com bizarrices). Entre os que casaram, tiveram filhos, ficaram noivos de cientistas, tornaram-se politicamente influentes, ricos ou continuaram na mesma é até divertido acompanhar a saga de Ally e seu vizinho que mostra-se mais gente boa do que aparentava. É o tipo de filme que você só precisa desligar o cérebro e acreditar que ela é forte e suficiente para resistir a aproximação cada vez maior com seu cúmplice (principalmente por ele ser o número 21 de sua lista!!!). Não vou nem ousar apontar semelhanças do filme com Alta Fidelidade (2000) que era baseado no best seller de Nick Hornby. O diretor Mike Mylod pode não se distanciar muito do trivial, mas consegue temperar seus personagens com uma desenvoltura incomum - especialmente na capacidade de Evans aparecer sem roupa para agradar a plateia feminina. Falando em Evans fico impressionado com sua capacidade de fazer todo tipo de filme, aqui ele pode ser o mesmo pateta de Quarteto Fantástico (2005), mas ele já mostrou que consegue ser sério (até demais) como Capitão América (2011) e na pele do astronauta encrenqueiro de Sunshine (2007), para quem estreou como o desconhecido de Celular (2004) ele bem que já merecia um papel mais complexo para ver se alcançava voos mais altos. Mas voltando ao filme, Qual é o seu número? é uma verdadeira comédiota romântica - e tem o maior orgulho disso. 

Qual é o seu número? (What's your number?/EUA-2011) de Mike Mylod com Anna Faris, Chris Evans e Mike Vogel. 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

FILMED+: Os Incompreendidos

Antoine: os quinze anos como auge de um personagem.

Aproveitando esse clima de Cannes me senti tentado a escrever sobre meu filme favorito de François Truffaut. Os Incompreendidos é um dos filmes mais envolventes que já assisti. Sei que muita vente vai torcer o nariz porque o filme é em preto e branco e (sei que muitos detestam) francês, isso sem falar que data de 1959, mas é infinitamente mais moderno do que muito filme em cartaz hoje em dia. Acho impressionante como o filme de estreia de Truffaut consegue ser atual e ágil com uma história aparentemente simples, mas que flui de uma forma espontânea, nos fazendo até esquecer que estamos diante de um longa de ficção. Esse frescor da narrativa de Truffaut serviu de marco para um dos movimentos mais importantes do cinema, a chamada Nouvelle Vague. Não sou grande estudioso sobre o assunto, mas sei que o movimento foi fundamental para que o cinema francês saísse dos estúdios e buscasse locações nas ruas de Paris. Aqui é evidente o maravilhamento de Truffaut seguir seus personagens pelas ruas, da mesma forma como marca a busca por um cinema com voz própria e cheio de ideias que, ainda hoje, soam originais e atraentes. Antes da Nouvelle Vague os filmes franceses eram majoritariamente de época, soando descolados da realidade francesa. Assim, o cinema de Truffaut, Godard, Claude Chabrol e Agnès Varda (além de muitos outros que antes eram críticos de cinema) buscava novos caminhos para retratar seu país nas telas (e a referência era o cinema de autor feito por Hitchcock e John Ford nos EUA). Deixando a linguagem clássica e se aproximando de temáticas  modernas e contemporâneas, torna o filme, ainda hoje, uma obra que transcende o tempo tornando-se um verdadeiro clássico. Baseado em sua própria infância, Truffaut conta a história do pequeno Antoine, um menino que sente-se deslocado na escola e na própria família (daí o título escolhido no Brasil) - o que retrata com bastante fidelidade a juventude francesa da década de 1950. A pouca liberdade, as regras arbitrárias, a pouca atenção recebida, a opressão e a voz silenciada estão presentes o tempo todo e motiva Antoine a se tornar um pequeno rebelde (que cultua o escritor Balzac, o qual, acredita que o ajudará a melhorar o rendimento na escola). Essa rebeldia é compreensível, já que o motivo para se respeitar uma autoridade era somente o fato dela ser uma... autoridade! O trunfo do filme é não mostrar Antoine como uma criança problemática, mas apenas uma criança como tantas outras - com dúvidas, anseios, desejos e demais preocupações típicas de sua idade (sempre tenho a sensação que em suas desventuras, ou 400 golpes do título original francês, ele revela-se como uma espécie de Menino Maluquinho francês que deu o azar de nascer na década de 1950). O filme deixa bem claro que o olhar dos adultos sobre ele transformava suas ações em algo muito mais problemático do que realmente era. Seja na escola ou em casa, existe tanta punição em Os Incompreendidos que fico pensando se ainda hoje, seja em qual extremo (ou você é totalmente repressor ou totalmente permissivo), ainda não percebemos as crianças como adultos em miniatura, exigindo-lhes posturas e decisões que ainda não estão preparados a ter. Por mais que toda narrativa seja tratada com muito humor, a dureza dessa realidade fica ainda mais ressaltada quando notamos que há apenas uma cena que Antoine aparece feliz ao lado de seus país - dali em diante vai tudo ladeira abaixo. A cena em que Antoine vai para o reformatório é de partir o coração, por mais que beire o surreal  - assim como a sua fuga rumo a imensidão do litoral, como se o futuro se mostrasse vasto e cheio de possibilidades (o que funciona como um excelente contraponto para a curiosa cena do garoto girando numa espécie de centrífuga - que se tornou marca do filme). Com toda a poética em imagens de Truffaut em cortes precisos, direção impecável, belíssima fotografia em preto e branco, roteiro admiravelmente fluente (indicado ao Oscar) o filme tem ainda o benefício de contar com Jean-Pierre Leáud no papel de Antoine Doinel. Aos quinze anos ele apresenta uma das atuações mais memoráveis do cinema. A empatia com o público foi tão grande que Truffaut convidou Leáud para interpretar outros filmes da saga de Antoine nos longas O Amor aos Vinte Anos (1962), Beijos Roubados (1968), Domicílio Conjugal (1970) e O Amor em Fuga (1979) onde acompanhamos o crescimento de Antoine e seus dilemas com o casamento, a fidelidade e a paternidade. Embora todos sejam cultuados, eu considero Os Incompreendidos o auge do personagem. 

Os Incompreendidos (Les 400 Coups/França-1959) de François Truffaut com Jean-Pierre Leáud, Claire Maurier, Albert Rémy e Patrick Auffay.   

Cannes 2012

Monroe: bolo recheado de cinema.

Hoje começou a 65ª edição do Festival de Cannes - aquele que considero o mais importante do mundo, sendo o único que consegue exibir filmes que manterão fôlego para competir na temporada de ouro das premiações. Só no ano passado foi no Festival que as pessoas deram a primeira olhada nas exibições de O Artista, Meia-Noite em Paris, Precisamos falar sobre Kevin, A Árvore da Vida, Drive e outras pérolas que se destacaram entre os melhores de 2011. Neste ano, o festival conta com filmes que já despontam na atenção da crítica mundial. Entre os filmes a serem exibidos na mostra competitiva eu destaco aqueles que, provavelmente, você ouvirá falar muito até o final do ano:

Amour de Michael Haneke
Angels Share de Ken Loach
On the Road de Walter Salles
Cosmopolis de David Cronenberg
Holly Motors de Leos Carax
In Another Country de Hong Sang-soo
The Fog de Sergei Loznitsa
Killing them Softly de Andrew Dominik
Lawless  de John Hillcoat
Like Someone in Love de Abbas Kiarostami
Moonrise Kingdom de Wes Anderson
Mud de Jeff Nichols
After the Battle Yousry Nasrallah
Paradise: Love de Ulrich Seidl
Post Tenebras Lux de Carlos Reygadas
Reality de Mattero Garrone
The Paperboy de Lee Daniels
The Taste of Money de Im Sango-soo
De Rouille et Do's de Jacques Audiard
Beyond the Hills de Christian Mungiu
The Hunt de Thomas Vinterberg
Vouz N'avez Encore Rien Vu de Alain Resnais

Além de contar com diretores familiarizados com o Festival, a pequena lista acima consta com nomes de Brad Pitt,  Jessica Chastain, Gary Oldman, Tilda Swinton e o casal Crepúsculo Kirsten Stewart e Robert Pattinson. E eu nem mencionei os filmes exibidos fora de competição, que inclui o aguardado Hemingway & Gelhorn com Clive Owen e Nicole Kidman dirigido por Phillip Kauffman, Me And You de Bernardo Bertolucci e a animação Madagascar 3.   Até o dia 25 de maio a França será a capital mundial do cinema.

terça-feira, 15 de maio de 2012

DVD: Sujos e Sábios

Hütz:  fetiches, músicas e filosofices.

Um cineasta estreante que tende a ser mais, digamos, "artístico", costuma embaralhar uma penca de ideias, exagerar na estilística cênica em alguns momentos e costuma até pensar que o público terá a mesma sensação que ele ao ver o filme realizado. Apesar de ter atuado em dezenas de filmes e ter vasta experiência em compor shows e videos, Madonna sucumbe a todos os cacoetes de estreia que mencionei acima em seu longa de estreia. Para falar a verdade Sujos & Sábios não é nem o seu primeiro longa,  antes ela havia realizado o documentário sobre o Malaui sob o título I am because We are/2008. Se o documentário bem intencionado não chamou atenção, o oposto aconteceu com sua estreia na ficção - pena que a atenção foi  recheada de críticas. Quem conhece a carreira da cantora é capaz de identificar tintas autobiográficas na história dos três amigos que dividem um apartamento enquanto buscam rumos para suas vidas. Um deles é AK (o ótimo Eugene Hütz), um imigrante ucrâniano que tem uma banda de punk rock cigano que busca o sucesso (mas ganha uns trocados satisfazendo as fantasias de marmanjos que gostam de ser submetidos a humilhações) e gosta de divagar sobre o que vê (por isso se considera um sábio). Ele divide o apartamento com Holly (Holly Weston), uma dançarina que precisa de dinheiro e acaba aceitando a ideia do amigo de trabalhar numa boate de striptease. A outra membro do trio é Juliette (Vicky McLure), que trabalha numa farmácia enquanto pensa em ajudar os necessitados nos confins do continente africano. Quem conhece um pouco da carreira da popstar é capaz de identificar traços dela nos três amigos - seu passado como dançarina,  a forma como explora as fantasias sexuais de seu público e algum engajamento em causas sociais. Pena que a diretora Madonna não aprofunda as relações entre os personagens, tudo fica na superfície em situações que não possuem muita graça ou apelo na humanização desses sujeitos que poderiam ser até curiosos.  Muitas situações que aparecem na tela ficam pelo meio do caminho, como se tivesse medo de mergulhar os três amigos no mundo que os cerca. Mesmo AK que é defendido com a simpatia usual de Hütz poderia ganhar cores muito mais interessantes se fosse aprofundado sua admiração pelo vizinho cego (Richard E. Grant) - que nutre um interesse platônico por ele. Molly também não tem muito o que fazer além de aprender a tirar a roupa para um bando de marmanjos (infelizmente o roteiro ignora solenemente as possibilidades ao lado  do dono do inferninho em que vai trabalhar que é vivido por Stephen Grahan e  sua instrutora, a sexy Francesca Kingdon que é a cara da cantora Lilly Allen) e Juliette é tão sem graça que suas pendengas com o patrão indiano parece apenas perda de tempo. Apesar de todas as possibilidades, todas ficam pelo meio do caminho no roteiro de Dan Cadan e Madonna tenta disfarçar sua inabilidade em conduzir atores com cenas que parecem clipes (como as fotos fetichistas com uniformes escolares ou o desfecho animado com o Gogol Bordello, a banda de Hütz). O resultado foi tão decepcionante que foi desprezado pelos distribuidores de cinema - de forma que Madonna disponibilizou o filme para download na internet. Acho que nem vale citar aqui os cineastas que Madonna diz servir de referência para sua cinematografia (Visconti? Pasolini? Truffaut? Fellinin? Godard? Onde?!), a estética apresentada aqui está mais próxima dos piores indies ingleses. Se a última empreitada da cineasta Madonna (W.E./2011) merece ser vista pela atuação de Andrea Riseborough, esta primeira aventura  tem como maior mérito a presença de Hütz - em mais um bom momento diante das câmeras num personagem totalmente diferente do emocional Uma Vida Iluminada/2005. Quanto ao título do filme, sua sujeira é apenas superficial e a sabedoria também não é o seu forte.  

Sujos e Sábios (Filth and Wisdom/Reino Unido-2008) de Madonna com Eugene Hütz, Holly Weston, Vicky McLure, Richard E. Grant e Francesca Kingdon. 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Na Estante: Madonna - 50 Anos

Faz algumas semanas que eu conversava com uma amiga sobre como era interessante nossa vida de leitor. Eu começo a ler vários livros, alguns eu consigo terminar, outros deixo pelo caminho - alguns desses eu retomo, uns ficam só na vontade de recomeçar em outra oportunidade. É estranho como os critérios para acompanhar um livro até o final parece ser mais inconsciente do que consciente. Eis que na minha pilha de livros (é sério, deve ter uns dez nela atualmente), o que tive fôlego de terminar recentemente foi essa biografia da popstar Madonna. Não gosto muito de biografias, mas é um gênero que recentemente me chamou atenção. Lucy O'Bryen já havia mostrado que era capaz de escrever sobre o universo pop de forma interessante em She Bop e na biografia de Annie Lennox, mas aqui ela dá um passo mais largo ao explorar a história da construção do mito que se tornou Madonna. No primeiro capítulo, a escritora apresenta uma situação que perpassará toda a carreira da cantora - a morte da mãe vitimada pelo câncer. Parece que naquele ponto, Madonna mudou seu olhar sobre as relações familiares e sua relação e religião - suas provocações e sexualidade utilizada como marketing nasceram daí. É interessante acompanhar o período em que Madonna frequentava grandes companhias de dança em Nova York até o momento em que decide que deveria estar no centro dos holofotes. São citados muitos nomes de quem conviveu de perto com ela e, desde o início, fica claro que a loura sempre foi bastante astuta nos negócios quando sentia o cheiro do sucesso. Quem gosta de fofocas (as pendengas de Madonna com Courtney Love, Boy George e até alguns comentários de Cindy Lauper) terá como se divertir, mas o melhor do livro é a forma como Lucy trabalha as ideias por trás dos álbuns (a relação do divórcio com Sean Penn por trás da sonoridade mais sombria e ousada de Like A Prayer/1989, a maternidade e a cabala em Ray of Light/1998 e a volta às pistas com Confessions on a Dance Floor/2005), clipes (a de Secret é a mais interessante, sabia que Madonna foi a primeira a perceber o potencial cinematográfico do livro de Saphyre que deu origem ao longa Preciosa/2009) e das turnês, um dos aspectos mais elogiados de sua carreira. O'Bryen ainda faz o favor de não se prender muito aos inúmeros relacionamentos da cantora (dedicando mais espaço aos seus casamentos com o ator Sean Penn na década de 1980 e com Guy Ritchie no século XXI), priorizando uma apreciação crítica dos diversos caminhos que a estrela resolveu seguir, da carreira cinematográfica com atuações criticáveis (passando pela premiação no Globo de Ouro com Evita/ e o fundo do poço com sua parceria com Guy em Desntino Insólito/, onde, depois dele, resolveu nunca mais atuar no cinema), sua carreira como autora (sofrível) de livros infantis e até como diretora cinematográfica (o livro aborda até o momento em que Sujos e Sábios/2008 foi massacrado em Veneza. O'Bryen nunca perde de vista a tentativa de compreender melhor Madonna, a forma como lida com o sucesso e com os fracassos. Em suas contradições como pessoa destaca-se os momentos em que é a mãe dedicada (e que cria polêmica até quando adota uma criança de um país miserável), a garota nascida em Detroit com humor grosseiro e arrogante, a artista nascida no underground que torna-se senhora de terras no Reino Unido, a cantora de voz pequena que luta pelo reconhecimento de ter pavimentado o caminho para Britneys e Gagas, a estrela que não consegue viver sem os holofotes... O livro sempre ressalta o quanto esse mundo pop é escorregadio e o esforço de Madonna em captar referências que possam fluir através dela. Às vezes as situações soam afetadas, postiças e até forçadas em todo esse espetáculo (especialmente quando a estrela tende a filosofar sobre sua obra), mas percebe-se como Madonna é uma profissional dedicada e sabe exatamente o que quer quando entra em estúdio. O livro, lançado em 2008, termina quando Madonna está preparando o álbum Hard Candy (2008), curiosamente foi o momento em que os críticos começaram a repensar sua relevância no mundo pop - o que foi ainda mais questionado com o recente MDNA -, mas acompanhar a trajetória de três décadas dessa artista pela escrita de Lucy O'Bryen demonstra que depois de períodos conturbados ela costuma ressurgir com um sucesso ainda maior.

Madonna: o auge embalado por "Vogue".

sábado, 12 de maio de 2012

DVD: O Primeiro Amor


Madeline e Callan: como tornar-se gente grande. 

Faz um tempo que li na Internet sobre o novo filme de Rob Reiner (diretor de pérolas como Conta Comigo/1986 e Harry & Sally/1989, mas que nos últimos anos se rendia ao mais trivial feijão com arroz). Lembro que a premissa me parecia interessante e o nome curioso (Flipped) me deixava instigado ao revisitar um subúrbio americano na década de 1960. Apesar dos elogios acalorados o filme acabou fracassando nos cinemas americanos e chegando aqui em poucas locadoras que acreditavam no potencial do filme. Com o pouco sugestivo nome de O Primeiro Amor, quem se aventurar em assistí-lo terá uma grata surpresa. Numa primeira olhada o filme parece mais um daqueles romances pré-adolescentes artificiais e sem sal, mas aos poucos ganha corpo de um filme bastante interessante. Pra começar Reiner utilizou um recurso já gasto de narrativa (contar as situações sob a perspectiva do garoto e depois conta a mesma situação pelos olhos da garota), mas que resulta sempre interessante quando o roteiro sabe ser sincero e consegue equilibrar os dois lados da questão. Retomando seu dom em trabalhar com adolescentes (como no aclamado Conta Comigo) o diretor conta o romance que brota entre os jovens Julie Baker e Bryce Loski (vividos pelos ótimos Madeline Carroll e Callan McAuliffe). Na verdade, um amor que se anuncia na infância, quando a família Loski torna-se vizinha da família Baker. Desde aquele dia, onde era só uma menininha, Julie anunciava para si que seu primeiro beijo seria de Bryce. O mais bacana do roteiro é como ele mostra para a garota que a coisa não é tão simples como a infância anuncia. Quando estão mais crescidos, cursando o sexto ano, a distância entre os dois personagens só tende a aumentar - e por isso o recurso de alternar o olhar de um e do outro é tão válido. São nas impressões (e reflexões) de ambos sobre os fatos que os cercam que começam a perceber o outro de uma nova forma. Se Julie desde o início não consegue esconder seus interesses pelo vizinho, aos poucos percebe que ele não é tão perfeito quanto imaginava - sendo sempre capaz de desapontá-la em situações capazes de partir o coração de um ogro. Por outro lado, Bryce se esquiva daquela menina que sempre o persegue e que considera esquisita (ela cria galinhas, o quintal dela é pouco cuidado e até se manifesta contra o corte de uma árvore da vizinhança), mas que nem faz ideia o quanto a admiração dela lhe é importante. Além de Callan e (mais ainda) Madeline darem conta do recado com muita competência, eles recebem o apoio de veteranos sumidos. Julie tem como pais Aidan Quinn e Penelope Ann Miller, enquanto Bryce é filho de Anthony Edwards e Rebecca DeMornay, e todos eles apresentam atuações críveis, sem exageros, num texto que trata seus personagens com muita esperteza e que não se esquiva de explorar os conflitos que surgem entre a "educação" dos humildes Baker e os esnobes Loski. Soma-se a esse universo o vovô Loski (John Mahoney) e os irmãos cantores da família Baker (Shane Harper e Michael Bolten) e o resultado é dos mais simpáticos.  Como deu para perceber, visto de perto, o filme deixa de ser apenas sobre o romance dos personagens e se amplia para temas mais ricos, como a passagem para a fase adulta - especialmente aquele momento em que começamos a dar conta da realidade que nos cerca, os conflitos familiares, os preconceitos e discordâncias de um universo que antes mostrava-se tão acolhedor e seguro. É impossível não se identificar com os momentos em que o casal de adolescentes começa a questionar a lógica que regem suas família e tudo que era aceito com naturalidade (o quintal abandonado, um tio com problemas mentais recluso, os presentes jogados fora, a tirania de um pai) passa a ser alvo de reflexões. O final é doce e nostálgico na ideia de que Julie & Bryce finalmente se entenderam e que aceitaram os sentimentos que um tinha pelo outro, mas ainda deixa aquela sensação de que aquele momento é apenas um ponto de partida. Como curiosidade, vale lembrar que no livro em que o filme se baseia a história se passava nos dias atuais e não há cinquenta anos. Crescer é crescer em qualquer época. 

O Primeiro Amor (Flipped/EUA-2010) de Rob Reiner com Madeline Carroll, Callan McAuliffe, Aidan Quinn, Antony Edwards, Rebecca DeMornay e Pennelope Ann Miller.