terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

HIGH FI✌E: Dezembro e Fevereiro

 Devido as várias listas de final de ano e a correria do início do ano novo, deixei para fazer a lista dos cinco destaques dos filmes de dezembro junto com as de fevereiro (lembrando que em janeiro o blog estava de férias). Segue a lista dos cinco filmes assistidos no período que merecem atenção, especialmente em tempos de Oscar:

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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Na Tela: TÁR

Cate: terceiro Oscar da carreira?

Em sua carreira como diretor, Todd Field possui apenas três filmes no currículo: Entre Quatro Paredes (2001) que concorreu a cinco Oscars (incluindo melhor filme), Pecados Íntimos (2006) que concorreu em três categorias no Oscar (pelos dois, Field colheu indicações a melhor roteiro adaptado) e TÁR, indicado em seis categorias ao Oscar desse ano (filme, direção, roteiro original, melhor atriz, fotografia e montagem).  Desde que foi exibido no Festival de Veneza, o filme colheu vários elogios, sobretudo pela performance de Cate Blanchett no papel da maestrina Lydia Tár que acaba de assumir a orquestra sinfônica de Berlim e cria para si a tarefa de gravar ao vivo a 5ª Sinfonia de Gustav Mahler. O início do filme deixa claro que Lydia é um dos maiores nomes da música clássica de seu tempo, sendo um dos poucos artistas a receber o EGOT, os cinco maiores prêmios artísticos (Emmy, Grammy, Oscar e Tommy), seus feitos são expostos numa longa entrevista que abre o filme e estabelece desde ali a personalidade forte de Tár, assim como seu humor astuto e a seriedade com que encara seu trabalho. Nas cenas seguintes descobrimos um pouco mais de sua personalidade, sua forma um tanto áspera de lidar com as pessoas, especialmente alunos e sua assistente (Mélanie Merlant). Ela mantém um casamento de algum tempo com a musicista Sharon (Nina Hoss), com quem adotou uma filha e tenta viver uma vida normal longe dos holofotes. No entanto, tudo pode ser destruído quando alguns fatos nada edificantes de sua vida profissional começam a vir à tona. Com a precisão com que Field e Blanchett constroem a personagem, muita gente imagina que Lydia Tár exista de verdade, mas trata-se de uma personagem de ficção escrita por Field (em seu primeiro roteiro original para o cinema) exclusivamente para Blanchett. A atriz (elogiadíssima pelo trabalho e premiada no Festival de Veneza) aprendeu alemão e como conduzir uma orquestra para dar ao papel a intensidade necessária. O resultado realmente assusta. Cate está mais do que acostumada em desaparecer em seus papéis, mas a forma como ela constrói Lydia de forma tão íntima nos longos planos realizados pelo diretor, a veracidade das cenas fica ainda maior, o que torna-se ainda mais importante com a pressão crescente perante as denúncias que começam a existir em torno dela e não apenas sua carreira é posta em risco, como sua vida pessoal também. Esta mistura parece ser o foco do filme, que parece beber na fonte da (im)possibilidade de separar a arte do artista em tempos de denúncias de abuso e cancelamentos. Field não toma partido e alguns podem até considerar que o cineasta perdoa os pecados de sua personagem, mas o desfecho irônico está longe de parecer isso. Muita gente reclama que o filme é lento,  que falta cenas ilustrando crueldades cometidas pela personagem e a forma elitista como a música clássica é apresentada no filme. Destaco que nada disso afetou minha relação com a produção. Field não dirigia há dezesseis anos e aqui parece ainda mais preciso  e um tanto mais cortante quando utiliza humor em seu filme, mas seus filmes nunca foram apressados, sua preocupação em todos os filmes são outras, envolvem dilemas morais complicados, seja para os protagonistas ou para a plateia que se vê diante deles. TÁR não faz diferente, mas se eu fosse reclamar de alguma coisa seria da cena em que Lydia perde as estribeiras, desejava que ela fosse um tanto mais longa e catártica, mas minha mente já se encarregou de alongar a cena até onde devia. Me atrevo a dizer que entre os dez concorrentes ao Oscar de Melhor Filme deste ano, TÁR fica entre os três melhores do páreo. 

TÁR (EUA/2022) de Todd Field com Cate Blanchett, Nina Hoss, Noémie Merlant, Sophie Kauer, Mark Strong e Sylvia Flote.  ☻☻☻☻ 

Na Tela: Os Banshees de Inisherin

Colin e Brendan: amizade que chega ao fim. 

Na mitologia celta (irlandesa), Banshees são seres da família das fadas que são consideradas malignas por preverem a morte das pessoas. Não é por acaso que Martin McDonagh oferece destaque a esta palavra no título de seu novo filme. O longa não apenas é localizado na Irlanda (mais precisamente na fictícia ilha de Inisherin), como também narra uma história que traz algumas mortes. A maioria delas não acontece na ilha, mas a certa distância dela, já que na pacata ilha se escuta o som de bombas e tiros vindos do continente por conta da guerra civil que assolava a Irlanda no ano de 1923. Se de um lado irlandeses matavam irlandeses, na ilha dois amigos irlandeses deixam de ser amigos. Pádraic (Colin Farrell) tenta seguir a rotina de todos os seus dias até ali, mas se surpreende quando seu melhor amigo, Colm (Brendan Gleeson) não quer mais conversar com ele, sem apresentar um motivo para isso. Pádraic não aceita. Pensa que deve ter feito alguma coisa quando encheram a cara na véspera. Pensa que é alguma brincadeira de mal gosto e insiste para que continuem sendo amigos, afinal, ontem mesmo, eles eram inseparáveis. Acontece que Colm está irredutível e chegou à conclusão que ser amigo de Pádraic é uma grande perda de tempo. Este é o ponto de partida para um filme de rumos imprevisíveis, que mistura humor obscuro e drama em iguais medidas. Martin McDonagh encontra um equilíbrio entre estes dois pontos com maestria, deixando um tom cômico pairar sobre a história que mergulha cada vez mais no absurdo e incomoda o espectador por deixar  a impressão que aquele rompimento não precisava chegar ao extremo que caminha a passos largos até o desfecho. Se Colin e Brendan estão muito bem em cena (e repetem a outra parceria que tiveram com o diretor, o elogiado Na Mira do Chefe/2008), o primeiro como o homem um tanto ingênuo e o segundo como um homem mais velho e cada vez mais amargo, ambos estão muito bem amparados por atores secundários, sobretudo Kerry Condon na pele de Siobhán (a esclarecida irmã de Pádraic que está prestes a desistir de encontrar sentido nas coisas que acontecem naquela ilha)  e Barry Keoghan, que interpreta Dominic (um rapaz que sofre nas mãos do pai policial e que tenta se aproximar de Pádraic e Siobhán). De um ponto de partida simples, o texto de McDonagh dá voltas sobre si mesmo, intensificando cada vez mais as notas de sua história emoldurada por bela fotografia e uma trilha sonora que casa perfeitamente com cada cena. Embora seja temperado com certo humor, o filme é terno em sua melancolia e caiu no gosto da Academia que o indicou ao Oscar em nove categorias: filme, direção, ator (Colin Farrell), ator Coadjuvante (Brendan e Barry), atriz coadjuvante (Kerry Condon), roteiro original, trilha sonora e montagem.

Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin/Reino Unido - EUA - Irlanda / 2022) de Martin McDonagh com Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Gary Lydon, Aaron Monaghan, Pat Shortt e David Pearse. ☻☻☻☻ 

 

INDICADOS OSCAR 2023: Atriz Coadjuvante

Angela Bassett (Pantera Negra: Wakanda para Sempre) Parece que a temporada de prêmios já tem sua favorita. A veterana de 64 anos atua desde os anos 1970 e é conhecida por vários de seus papéis no cinema e na televisão. Bassett já trabalhou com cineastas importantes do porte de Spike Lee, Kathryn Bigelow, Robert Zemeckis e Wes Craven, mas sua primeira indicação ao Oscar veio somente por sua energia magnética ao viver a estrela Tina Turner em Tina (1993) de Brian Gibson. Ao assumir o peso de carregar metade da continuação de Pantera Negra, Angela já levou os principais prêmios da temporada e deve fazer história ao ser a dona do primeiro Oscar de atuação da Marvel Studios. 

Hong Chau (A Baleia) Pouca gente deve lembrar, mas a atriz de 43 anos esteve cotada para ser indicada ao Oscar por seu trabalho em Pequena Grande Vida (2017), mas a acabou ficando de fora da categoria. De lá para cá, ela teve papéis marcantes em produções variadas como a minissérie Watchmen (2019) da HBO e o recente O Menu/2022. Agora, ela está no páreo de atriz coadjuvante pelo papel da amiga preocupada com o amigo com obesidade mórbida. Filha de vietnamitas e nascida na Tailândia, Chau desbancou suas colegas de elenco Samantha Morton e Sadie Sink ao ser lembrada pela Academia. 

Jamie Lee Curtis (Tudo em Tudo Lugar ao Mesmo Tempo) recentemente começou em Hollywood um papo sobre os "nepo babies" ou filhos de celebridades que seriam favorecidos ao ingressarem na carreira artística. Pensando em Jamie Lee Curtis, não vejo muita profundidade nesta crítica que diz menos do que pretende. Jamie é filha de Tony Curtis e Janet Leigh. Sua estreia na televisão foi em 1977, quando tinha apenas 19 anos e sua indicação ao Oscar só veio agora aos 64 - depois de fazer filmes que fizeram sucesso e outros nem tanto (como tantas outras nepo babies ou não). Aqui ela se despe de toda vaidade para viver uma auditora da receita federal que inferniza a vida a protagonista (na maioria dos multiversos...). 

Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin) A atriz irlandesa faz filmes desde 1999 e apesar de já ter trabalhado em filmes de Alan Parker e Paolo Sorrentino, o grande público não faz ideia de que já ouviu a voz dela em várias produções. Kerry é a responsável pela voz de Sexta-Feira, o sistema operacional dos filmes da Marvel. No novo filme de Martin McDonagh (com quem ela trabalhou no oscarizado Três Anúncios para um Crime/2017) ela é a única personagem que parece ter algum discernimento na ilha de Inisherin enquanto observa seu irmão ser totalmente ignorado pelo ex-melhor amigo. Com frases de efeito e personalidade perspicaz, muitos apontam a atriz como a única capaz de surpreender na categoria durante a cerimonia. 

Stephanie Hsu (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo) debaixo de toda originalidade caótica do filme dos Daniels, o que sustenta toda a narrativa é o relacionamento entre as pessoas de uma família. Portanto, nada mais justo que a filha da trama seja lembrada no Oscar de atriz coadjuvante. Apesar de ter feito vários trabalhos para televisão e alguns para o cinema (como Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis/2021), a californiana Hsu não era muito conhecida do público, mas foi celebrada por sua performance no filme que a colocou entre as grandes revelações. Pelo trabalho que mistura drama e comédia, seu maior problema é a divisão de votos com sua colega de elenco na mesma categoria. 

A ESQUECIDA: Jessie Buckley (Entre Mulheres) Com tantas atuações femininas marcantes, esperava-se que uma das atrizes do filme de Sarah Polley marcassem presença no Oscar. Tendo Rooney Mara, Jessie Buckley, Claire Foy e Frances McDormand nos créditos, parece que o estúdio investiu para que todas tivessem chance nas premiações. O que houve foi a divisão de votos, deixando todas de fora. Quando o Critics Choice conseguiu destacar o trabalho de Jessie, esperou-se que o Oscar pudesse captar a mensagem e concretizar uma indicação de atuação para a produção. No entanto, o filme acabou indicado somente à Roteiro Adaptado e Melhor Filme. Nem a indicação a melhor elenco no prêmio do sindicato (SAG Awards) ajudou.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

PL►Y: Pantera Negra - Wakanda Para Sempre

Bassett e Huerta: A revolta dos excluídos. 

Já está disponível no Disney+ o sucesso Pantera Negra - Wakanda Para Sempre, o filme se tornou o filme mais visto da Marvel no complicado ano de 2022, em que as produções do estúdio não apenas sofreram críticas severas dos fãs como precisou passar por uma reavaliação dos rumos que o estúdio tomará em diante. O curioso é que Wakanda Para Sempre não é apenas o filme que fecha a fase mais desengonçada do estúdio, como também foi o mais aguardado após o duro golpe que foi o falecimento de Chadwick Boseman, alçado ao posto de astro com o sucesso de T'challa/Pantera Negra e que morreu em decorrência de um câncer. A Marvel se viu num dilema. Diante da perda de um dos seus atores mais populares, o que fariam com a franquia? Usar efeitos especiais para substituí-lo? Colocar outro ator no lugar dele? Criar uma trama para um novo herdeiro do manto do herói? As cenas iniciais deixam claro a opção do filme de Ryan Coogler. Uma justa homenagem, que emociona se esquivando do melodrama e da promoção da tragédia que se abateu sobre a carreira promissora do artista, o problema é o que vem depois. Sem um protagonista pré-definido, o filme se beneficia bastante da presença de Angela Bassett (favorita ao Oscar de melhor atriz coadjuvante deste ano após receber os principais prêmios da temporada) na pele da Rainha Ramonda preocupada com os rumos de seu reino, agora que só lhe resta a filha, Shuri (Letitia Wright) - que não se conforma de não ter conseguido salvar o irmão. Para além do drama familiar, está o olho gordo de outras nações sobre o minério Vibranium que, até onde se sabe, só existe em Wakanda. Eis que subitamente descobre-se que nas profundezas do mar também existe o cobiçado minério, só não contavam que a ambição internacional se depararia com uma civilização que mora nas profundezas do Oceano e está disposta a se proteger sob a liderança do príncipe submarino Namor (Tenoch Huerta). Ele pede uma aliança com Wakanda... que não concorda muito com as medidas radicais do rapaz. Diante de todas as narrativas que se propõe desenvolver, Wakanda Para Sempre funciona melhor do que eu esperava, embora lá para o meio da sessão dependa cada vez mais de Letitia Wright para segurar a narrativa - e a moça está longe de ter a força de Angela Bassett. Visualmente e sonoramente o filme continua um deslumbre e soube muito bem lidar com o desafio de evitar comparações com Aquaman, embora toda aquela parte de exposição do reino de Talokan tenha se estendido um pouco mais do que devia. No entanto, não deixa de ser interessante a analogia que o filme faz na identificação que Namor percebe entre Talokan e Wakanda, duas nações que se esconderam por muito tempo devido à colonização sofrida em países da África e da América Latina. Neste ponto, Coogler demonstra mais uma vez que sua intenção não é apenas fazer um filme de super-heróis, mas contextualizar os conflitos que movem seus personagens, especialmente, aqueles que podem ser apressadamente chamados de "vilões da história" (não por acaso, ele encontra até espaço para uma participação especial de Killmonger). Outro fator interessante é como a maior parte da história se move em torno de personagens femininas, o que também denota uma diferenciação com os outros filmes de herói que vemos por aí. No entanto, nada impede a sensação de que o filme fez o que foi possível - o bom é que, ainda assim, se tornou melhor do que os dois últimos filmes da Marvel da fase 4. 

Pantera Negra - Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever / EUA-2022) de Ryan Coogler com Angela Bassett, Letitia Wright, Tenoch Huerta, Danai Gurira, Lupita Nyong'o, Martin Freeman, Winston Duke, Michaela Coel, Julia Louis Dreyfus e Michael B. Jordan. 

sábado, 4 de fevereiro de 2023

PL►Y: Rainha de Copas

Tryne e Gustav: rumo à tragédia. 

Peter (Magnus Krepper) e Anne (Tryne Dyrholm) são casados e vivem com as duas filhas pequenas numa rotina que funciona feito um relógio. Ele trabalha como físico, ela é advogada que trabalha com casos de abuso sexual e as coisas começam a ficar tensas quando Peter precisa trazer seu filho, Gustav (Gustav Lindh) para viver na mesma casa que eles. Gustav é fruto do primeiro casamento de Peter e seu comportamento rebelde lhe custou a matrícula em uma escola e a falta de paciência da mãe em lidar com ele. É fato que Gustav é um tanto arredio, por mais que suas pequenas irmãs demonstrem empolgação com a sua presença. Já Anne não vê a sua chegada com bons olhos, pelo menos até que ao se deparar com o estado morno de seu casamento, ela note que ter um jovem rapaz, repleto de testosterona possa ser algo tentador. É importante que ao se deparar com o dinamarquês Rainha de Copas, o espectador não se engane perante o que presencia. Não é uma história de amor. Trata-se aqui de uma mulher mais velha que seduz um adolescente e sabe exatamente o que fazer quando a coisa começar a desandar. A alusão do título à clássica personagem de Alice no País das Maravilhas, famosa pelo bordão "cortem a cabeça dela" não é por acaso, lá pelo terceiro ato temos a impressão que é exatamente esta a ordem que Anne dará ao rumo da vida de seu enteado, afinal, até mesmo em termos profissionais, ela conhece as estratégias necessárias para desmontar qualquer argumentação que possa destruir sua reputação. A dinamarquesa May El-Toukhy demonstra habilidade em construir uma narrativa desiludida sobre um relacionamento proibido, caprichando nas entrelinhas de gestos e diálogos. Há de se destacar a construção instigante de Anne (em mais um bom trabalho de Tryne Dyrholm a protagonista de Nico1988) ao longo da história, já que sabemos pouco sobre o seu passado e existem indícios de que ela mesma tenha sobrevivido a um relacionamento abusivo. Quando seu casamento se percebe em uma encruzilhada o filme se torna ainda mais doloroso para a plateia, que compartilha com ela e o enteado a verdade de toda a situação, enquanto Peter se demonstra cada vez mais perdido até o final trágico. O tom amargo do filme lhe rendeu o prêmio da audiência em Sundance em 2019 e quatro prêmios Bodil (o Oscar dinamarquês):  melhor filme, melhor atriz (Tryne), melhor ator coadjuvante (Gustav) e fotografia.

Rainha de Copas (Dronningen / Dinamarca - 2019) de May El-Toukhy com Tryne Dyrholm,  Gustava Lindh, Magnus Krepper e Liv Esmår Dannemann. ☻☻

PL►Y: O Menu

 
Fiennes, Joy e Brandon: rumo à indigestão. 

Tyler (Nicholas Hoult) é um rapaz um tantinho arrogante que espera há tempos para experimentar o menu de um renomado restaurante localizado em uma ilha remota. As reservas para uma refeição por lá são disputadíssimas e somente uma elite de poucas pessoas no mundo conseguem uma vaga (e pagar uma pequena fortuna) pelo que servem. Acontece que quando Tyler finalmente consegue ir para o tal restaurante, ele é deixado na mão por sua namorada e convida uma outra garota, Margot (Anya Taylor Joy) para lhe fazer companhia. Diferente de Tyler, e todos os demais convidados, Margot acha tudo aquilo um bocado estranho e menos interessante do que deveria. Da viagem de barco, aos demais fregueses pedantes, passando pela excursão para verificar como cada ingrediente é produzido e até mesmo qual é a ideia por trás de cada prato, enquanto todos os outros apontam a genialidade do chef Slowik (Ralph Fiennes), Margot considera tudo aquilo um verdadeiro circo gastronômico pedante. Tyler percebe isso e não consegue disfarçar o constrangimento pela sua companhia. Slowik também percebe que aquela moça, que sequer foi convidada, é diferente dos demais e, por isso mesmo, todos o planejamento de seu menu pode ir por água abaixo. O que começa como uma comédia aos poucos ganha cores cada vez mais sombrias e se torna no misto de um olhar crítico sobre gastronomia, mas também sobre arte, elitismo, culto, seitas, delírios coletivos e temas derivados disso. Conforme os atos de O Menu avançam junto com cada prato (descritos elegantemente com seus nomes e ingredientes) o filme se aproxima do terror numa alegoria sobre a forma como vivemos cada vez mais voltados para jogos sociais de aparência. Não por acaso é o conflito de Slowik e Margot que move a história quando ela começa a ficar repetitiva, de forma que gera certa identificação entre os dois personagens, aparentemente tão opostos. Assim, entre cozinheiros que adoram o chef como se fosse um guru acima do bem e do mal e fregueses (que nem sabem muito bem o motivo de estarem naquela presepada), O Menu é uma alfinetada sobre o motivo de se fazer o que se faz, seja comer temperos em uma rocha ou optar por um cheeseburger. Sim, trata-se de um filme sobre aparências e o bocado de loucura que se esconde por trás delas e, por isso mesmo, não vale revelar muito sobre os rumos estapafúrdios da trama os ingredientes da história. Bom apetite.  

O Menu (The Menu) de Mark Mylod com Ralph Fiennes, Anya Taylor Joy, Nicholas Hoult, Janet McTeer, Hong Chau, John Leguizamo, Judith Light, Rob Yang e Aimee Carrero. ☻☻

PL►Y: PAMELA ANDERSON: Uma História de Amor / Pam & Tommy

 
Pamela: olhar reflexivo sobre o passado. 

Pamela Anderson foi descoberta meio que por acaso em um estádio no Canadá durante um jogo. A câmera a focalizou durante a partida e foi quase como se um contrato fosse selado instantaneamente. Dali em diante se tornou garota propaganda de uma marca de cervejas, foi convidada para posar para a revista Playboy e depois foi escalada para viver uma das salva-vidas do seriado Baywatch, (chamado por aqui de S.O.S Malibu) que se tornou sucesso mundial de 1989 até 2001. No entanto, no meio da ascensão deste verdadeiro furacão dos anos 1990 houve um conjunto de polêmicas que acabou lhe custando a carreira, sobretudo a famigerada fita com um registro íntimo dela com seu então marido Tommy Lee, bateirista da banda Mötley Crüe. A tal fita foi roubada de um cofre na mansão do casal e fez o casal mergulhar num verdadeiro pesadelo em tempos em que a internet estava engatinhando e ninguém sabia muito bem como lidar com a comercialização daquele conteúdo em sites obscuros. Muito se falou na época sobre Pamela e Tommy tirarem proveito da situação, mas ela queria apenas conciliar sua carreira com as duas vezes em que ficou grávida e, posteriormente com os dois filhos pequenos. Quase três décadas depois do seu auge e toda a confusão que gravitou em torno de sua carreira, Pamela conta finalmente a sua versão da história no documentário Pamela Anderson: Uma História de Amor que está em cartaz na Netflix e que serve de complemento para a minissérie lançada no ano passado, Pam & Tommy disponível no Star+ que dramatiza (em tom quase cômico) toda a confusão em que os dois atravessaram nos anos 1990. Agora com 55 anos, a artista coloca sua trajetória em perspectiva com ajuda de seus inúmeros diários e fitas de registros pessoais (que era uma verdadeira mania nos anos 1990), fazendo questão de aparecer sem maquiagem durante a entrevista, Pamela surge tranquila vivendo na mesma ilha canadense em que cresceu, mas desta vez na companhia dos filhos e do atual marido. Ela fala sobre a forma como a mídia lidava com ela sempre de forma sexualizada, especialmente após a tal fita se tornar pública, comenta seus casamentos e projetos que não deram certo, demonstrando certa melancolia por nunca ter sido levada a sério (e sabemos bem como a sociedade pode ser cruel com uma mulher que encara o sexo sem tabus). Pamela demonstra ter revivido o pesadelo quando a minissérie foi lançada pela plataforma Hulu e que teve medo de que aquilo a machucasse novamente. Agora com a vida longe dos holofotes, dedicada a causas ambientais e a retomada de sua carreira com uma nova montagem de Chicago, a minissérie pairou sobre ela como um fantasma. Produzida por Seth Rogen (que interpreta o marceneiro responsável pelo roubo da fita), Pam & Tommy olha de forma sensível para todos os problemas que o casal atravessou. Do início apaixonado (que gerou um casamento após quatro dias de namoro) e alguns excessos cotidianos, a fama dela se expandia, quando a dele declinava com a mudança do rock gerado pelo grunge . A coisa só piorou quando a fita demonstrou como a sociedade americana ainda era conservadora - mesmo com as revistas Playboys sendo sucessos editoriais e a fita vender inúmeras cópias na terra do Tio Sam. Porém, ficava cada vez mais claro que Pamela era objetificada com tudo aquilo e que esperavam que ela se calasse perante todo o rosário de humilhações que surgiu em torno dela. Pam & Tommy deixa de ser uma trama baseada na vida dos dois e se torna um pesadelo marital quando as fronteiras entre a vida pública e a íntima se desfizeram de vez na era da internet. Vale dizer que Sebastian Stan está muito bem encarnando Tommy Lee, mas é Lily James que surpreende ao dar vida à uma Pamela Anderson de carne e osso. Embora a Pamela da vida real demonstre mágoas com a produção da minissérie, seu documentário serve de complemento para o programa, expondo como o estrelato pode ser bastante cruel e, inacreditavelmente, desrespeitoso. 

Lily e Sebastian: Pamela e Tommy Lee

Pamela Anderson, Uma História de Amor (Pamela Anderson, A Love Story / EUA - Reino Unido / 2023) de Ryan White com Pamela Anderson, Tommy Lee, Kelly Slater, Brandon Thomas Lee e Dylan Jagger Lee, Kid Rock 

Pam & Tommy (EUA-2022) de Robert Siegel com Lily James, Sebastian Stan, Seth Rogen, Nick Offerman, Taylor Shilling, Paul Ben-Victor e Fred Hechinger. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

PL►Y: O Pálido Olho Azul

Melling: Edgar Allan Poe de respeito.

Harry Potter e seus amigos que me perdoem, mas quem se tornou o melhor ator de toda aquela galera de Hogwarts é Harry Melling (o ator revelação aqui do Blog em 2018). Melling era o primo chatinho, ou trouxa, de Potter na cinessérie e a cada novo papel que recebe no cinema, mostra-se um dos atores mais interessantes de sua geração. Seus enormes olhos expressivos já chamavam atenção em A Balada de Buster Scruggs (2018) dos Irmãos Coen em que tinha pouco mais do que o rosto disponível para interpretar. Agora ele encarna Edgar Allan Poe em um filme disponível na Netflix em que rouba a cena do premiado Christian Bale. Bale interpreta o renomado investigador Augustus Landor, que é contratado para investigar mortes macabras de cadetes na Academia Militar de West Point nos Estados Unidos no ano de 1930. Os detalhes arrepiantes das mortes que assombram o local faz alusão a rituais de bruxaria e geram bastante insegurança na localidade. Enquanto Landor investiga as mortes, quem cruza seu caminho é um cadete com dotes literários, Edgar Allan Poe, que curiosamente possui relação com as vítimas. No entanto, embora o moço tenha interesse por temáticas sombrias e pendores góticos, ele parece pacífico demais para ser um serial killer e esperto demais para ser enganado pelos rumos equivocados que investigação pode tomar. Dirigido e escrito por Scott Cooper (responsável pelo Oscar de atuação de Jeff Bridges por Coração Louco/2009 e pela transformação física de Johnny Depp em Aliança do Crime/2015) o filme é baseado na obra de Louis Bayard, um craque na construção de tramas fictícias envolvendo personagens que existiram de verdade. Aqui, a história carece de uma atmosfera sombria, que Cooper visivelmente não domina, o que deixa o filme depender mais da curiosidade do espectador do que propriamente da atmosfera construída, colabora muito para manter o interesse o trabalho de Bale e, sobretudo de Harry Melling que está perfeito na pele de um jovem Edgar Allan Poe (e dar conta de um personagem histórico icônico cultuado até hoje não é pouca coisa). O meu maior problema com o filme está no último ato que se enrola demais nas explicações para criar um desfecho surpreendente, mas que acaba gerando mais indiferença do que aplausos. Embora tenha um visual bem cuidado e um ator sensacional ganhando destaque, faltou um diretor com mais pulso para provocar os arrepios de que a história tanto necessita. 

O Pálido Olho Azul (The Pale Blue Eye /  EUA - 2022) de Scott Cooper com Christian Bale, Harry Melling, Gillian Anderson, Toby Jones, Timothy Spall, Charlotte Gainsbourg, Robert Duvall, Lucy Boynton, Fred Hechinger, Harry Lawtey e Steven Maier. 

INDICADOS AO OSCAR 2023: ATOR

Austin Butler (Elvis) Depois de colecionar elogios e prêmios na temporada, o então novato de Hollywood chega com força para levar para casa seu prêmio pela perfeita personificação do Reio do Rock. Se o filme de Baz Luhrman está longe de ser perfeito, podemos dizer que o trabalho de Butler é uma unanimidade entre os indicados. Nada mal para um rapaz de 31 anos que passou desapercebido em séries de TV e em filmes como Era uma Vez em Hollywood (2019) e Os Mortos não Morrem (2019). Pelo trabalho o ator californiano já levou o Globo de Ouro para casa. 

Bill Nighy (Living) Muita gente ficou surpresa quando descobriu que o veterano ator inglês de 72 anos recebeu somente agora sua primeira indicação ao Oscar. Com participação em mais de cem produções, Bill é um rosto bastante conhecido do público após sua participação em filmes como Questão de Tempo (2013), O Exótico Hotel Marigold (2011) e sua antológica participação em Simplesmente Amor (2003). Nesta adaptação de Ikiru de Akira Kurosawa para Londres dos anos 1950, Bill vive um homem que decide mudar os rumos de sua vida após receber um preocupante diagnóstico. Será que o veterano leva?

Brendan Fraser (The Whale) O favorito na categoria é este ator que já colecionou sucessos no cinema até mergulhar numa fase complicada por conta de ter sofrido um assédio (que só veio a público muito tempo depois). Fraser ganhou apoio de muita gente e retomou sua carreira aos poucos na TV. Seu primeiro grande papel nas telonas depois de muito tempo é neste drama do diretor Darren Aronofsky sobre um homem com mais de duzentos quilos que tenta colocar sua vida em ordem. Indicado aos principais prêmios da temporada, Brendan já recebeu o Critic's Choice pelo papel. Esta é a primeira indicação do ator que já merecia uma indicação pelo ótimo trabalho em Deuses e Monstros (1998) ao lado de Ian McKellen. 

Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin) Esta também é a primeira indicação do ator irlandês que já é bastante conhecido em Hollywood. Colin sempre foi considerado um bom ator, mas seu temperamento já lhe rendeu críticas (e suas sobrancelhas já foram motivo de piada),  nos últimos anos se tornou um dos artistas mais respeitados do cinema. Em sua retomada com a parceria com o diretor Martin McDonagh (eles já trabalharam juntos em Na Mira do Chefe/2008), ele interpreta um homem comum que subitamente descobre que seu melhor amigo não quer mais ser amigo dele. O ponto de partida simples se torna o ponto de partida para uma comédia dramática que se tornou um dos favoritos ao Oscar 2023. 

Paul Mescal (Aftersun) Antes da Academia divulgar suas indicações, a quinta vaga da categoria ainda era considerada um mistério. No fim das contas, quando Paul foi anunciado, os fãs do filme indie queridinho da temporada foram ao delírio. Paul ficou famoso por seu trabalho na minissérie Normal People (2020) e agora deve aparecer em cada vez mais projetos interessantes após dar vida a Calum, o jovem pai que, em férias com a filha, tenta disfarçar seu desânimo perante a vida. Esse é o terceiro filme do ator irlandês de 28 anos que teve uma pequena participação em A Filha Perdida (2021) e está em God's Creatures (2022) ao lado de Emily Watson. 

O ESQUECIDO: Hugh Jackman (The Son) Havia grande expectativa para saber quem pegaria a última vaga ao páreo de melhor ator. Houve quem apostasse em Tom Cruise pelo hit Top Gun: Maverick, mas após Jackman aparecer no páreo do Globo de Ouro de ator dramático, imaginou-se que ele seria lembrado pela Academia. O seu maior problema é que o filme sobre a relação problemática do pai com seu filho do primeiro casamento foi mal de público e crítica. No fim das contas, o ator australiano acabou ficando de fora, mas nada que desmereça sua atuação. Com a idade chegando, Hugh deverá fazer cada vez mais filmes sérios, mas segue até agora somente com sua indicação de melhor ator por Os Miseráveis (2012).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

PL►Y: Aftersun

 
Frankie e Paul: costurando memórias

Retomando as atividades por aqui após um mês de descanso, acho bastante justo que o primeiro filme a comentar em 2023 seja Aftersun, que está em cartaz na MUBI após o lançamento em alguns cinemas brasileiros. O filme de estreia da cineasta Charlotte Wells já carrega o título de um dos mais elogiados do ano passado e conseguiu cravar uma aguardada indicação de melhor ator para o irlandês Paul Mescal no Oscar desse ano. Muitos aguardavam a presença do filme em outras categorias, mas levando em consideração a dificuldade da Academia em lidar com a linguagem um tanto difusa da montagem, já era de se esperar uma certa esnobada. O fato é que Aftersun se desenvolve como uma espécie de quebra-cabeças, com pedaços que parecem antigos registros e lembranças das férias na Turquia de um pai e uma filha. Mescal é responsável por dar vida a Calum, um rapaz que se tornou pai cedo e aos trinta anos precisa lidar com a distância da filha, a falência do relacionamento com a mãe da menina, o término de um namoro recente, uma vida financeira que não vai muito bem e o passar do tempo trazendo mais dúvidas do que certezas. No entanto, as férias planejadas com a filha Sophie (muito bem interpretada por Frankie Corio) parecem programadas para dissipar tudo isso e render bons momentos ao lado dela. O roteiro deixa aqui e e ali uma ideia do crescimento de Sophie, que começa a voltar seus olhos para os namoros que estão ao seu redor e nota que embora esteja próxima fisicamente dos pais naqueles dias, algo os distancia - o que fica bem representado naquela cena em que ela está na sala e ele no banheiro tentando tirar o gesso do braço, na cena em que ela o convida para cantar Losing my Religion do R.E.M. (ressignificada com brilhantismo pelo roteiro) ou todas as demais em que ele se vê distante da menina e a face das adversidades que Calum atravessa surgem sem máscaras de bem estar. A opção de fazer de Aftersun um filme de narrativa pouco óbvia, deixa o espectador com um nó na garganta quando percebe o que acabou de presenciar. Confesso que é um tipo de filme que passei a gostar mais no decorrer dos dias, em que o refiz na minha cabeça e compreendi o teor emocional de tudo que testemunhamos ao longo da sessão, especialmente as alegóricas cenas da rave. No final das contas, o filme é um olhar tão sensato quanto astuto sobre o passado e a busca por respostas que talvez nunca tenhamos. (Cuidado SPOILER!) A ideia de que o que vimos foram dias de uma despedida se torna mais forte quando lembramos daquela cena em que o pai caminha para o mar na escuridão da noite. 

Aftersun (Reino Unido - EUA / 2022) de Charlotte Wells com Paul Mescal, Frankie Corio, Spike Fearn, Harry Perdios e Brooklyn Toulson. ☻☻

4EVER: Glória Maria

 
15 de agosto de 1949✰02 de fevereiro de 2023

Glória Maria Matta da Silva nasceu em Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro e sempre foi muito discreta quanto à sua vida pessoal (ao ponto de sua idade ter se tornado um mistério até a data de seu falecimento). Formada em jornalismo pela PUC do Rio de Janeiro, Glória chegou à Rede Globo disposta a conseguir um estágio e se tornou a primeira repórter preta a ter destaque na emissora nos anos 1970. Entre suas matérias históricas que foram ao ar, ela foi a repórter a aparecer ao vivo na primeira transmissão jornalística a cores da televisão brasileira. Aos poucos se consolidou como âncora nos principais programas jornalísticos da emissora em especial no Fantástico (de 1998 a 2007) e em 2010 passou a integrar a equipe do Globo Repórter. Famosa por seu estilo despojado, seja como jornalista ou apresentadora, Glória se tornou uma referência icônica no jornalismo brasileiro, além de ser a primeira pessoa a usar a Lei Afonso Arinos, em 1988 ao ser vítima de racismo. Em 2009, Glória adotou suas duas filhas. A jornalista faleceu em decorrência de metástase cancerígena.