quinta-feira, 31 de março de 2016

N@ Capa: Lançamentos para 2016

NaCapa: Expectativa 2016

Com o início do ano repleto de premiações colocando em evidência os lançamentos de 2015, o blog dedicou a capa do mês de março a alguns dos filmes mais aguardados de 2016. Alguns até já chegaram aos nossos cinemas, outros chegam em breve e a maioria você nem deve ter ouvido falar - mas já geram grande expectativa lá fora (comentários seguindo da esquerda  para a direita)


O príncipe de Botswana (Davie Oyelowo) causa polêmica ao casar com uma inglesa (Rosamund Pike) no final de 1940 em A United Kingdom dirigido por Amma Asante Depois de dirigir o clipe Hello de Adele, o canadense prodígio Xavier Dolan dirige Juste La fin du Monde onde um escritor reencontra a família para avisar que está morrendo, no elenco Vincent Cassell e Marion Cotillard Em Gold, o astro Matthew McConaughey procura ouro na Indonésia Tony Stark e Capitão América vão resolver suas diferenças em Capitão América: Guerra Civil, o filme mais ambicioso da Marvel Ryan Gosling e Emma Stone estão juntos novamente em La La Land, um musical com a assinatura de Damien Chazelle (Whiplash) Com elenco feminino, Caça Fantasmas pretende reiniciar a famosa franquia tendo Chris Hemsworth e Kristen Wiig no elenco.  


Antonio Campos dirige Christine sobre a jornalista Christine Cubbuck (Rebecca Hall, com fome de Oscar)  O catalão J.A. Bayona investe na fantasia com A Monster Calls sobre um menino que precisa lidar com a morte iminente da mãe, no elenco estão Liam Neeson e Felicity Jones  Matt Damon volta a encarnar o agente Jason Bourne em Bourne5 ► George Clooney volta a trabalhar com os irmãos Coen em Hail Caesar! Uma comédia sobre a era de ouro hollywoodiana  Aclamado em Sundance, Birth of a Nation do ator e diretor Nate Parker, conta uma rebelião de escravos nos EUA - e já está na lista de favoritos ao próximo Oscar  Tom Hanks é um homem falido que resolve viajar para a Arábia Saudita e conseguir apoio do Rei  em A Hologram for the King do alemão Tom Tykwer.


Se você está com saudades da estética violenta de Nicolas Winding Refn, vem aí The Neon Demon que trará Elle Fanning como uma modelo cheia de ambição   A animação Moana é  cheia de referências à cultura Maui ► Matthew McConaughey é o fazendeiro pobre que lidera um grupo de rebeldes em Free State of Jones, dirigido por Gary Ross  Depois de muito tempo, Steven Spielberg volta a dirigir uma fantasia em The BFG (dessa vez baseado no livro de Roald Dahl onde uma menina torna-se amiga de um gigante)  Lupita Nyong'o  no Oscar de novo? Parece que sim, o motivo é sua atuação em Queen of Katwe da indiana Mira Nair  O filme Silence de Martin Scorsese conta a história de dois jesuítas no século XVII no Japão, elenco Liam Neeson e Adam Driver.


O australiano Justin Kurzel dirige a aguardada versão de Assassin's Creed com Michael Fassbender Natalie Portman é Jacqueline Kennedy após a morte do esposo em Jackie de Pablo Larrain  Joseph Gordon Lewitt é Edward Snowden em Snowden, novo filme de Oliver Stone  A Marvel ataca com mais um filme solo de super-herói com Doutor Estranho (vivido por Benedict Cumberbatch) que insere a magia no universo cinematográfico do estúdio  Ryan Gosling e Russell Crowe em The Nice Guys investigam o desaparecimento de uma estrela pornô nos anos 1970  Parece que O Caçador e a Rainha do Gelo pode até funcionar depois que saiu Kristen Stewart e entrou Jessica Chastain ao lado de Charlize Theron e Chris Hermsworth no elenco. 


Henry Cavill retorna ao papel de Superman em Batman Vs Superman do diretor Zack Snyder - o filme mais comentado do ano   Jim Carrey precisa desesperadamente de uma volta por cima com o suspense policial True Crimes de Alexandros Avranas  Michael Fassbender tenta sair das mãos criminosas da família liderada por Brendan Gleeson em Tresspass Against Us de Adam Smith Park Chan Wook está de volta ao cinema sul-coreano com The Handmaid sobre uma herdeira que se apaixona por um ladrão  ► Jean Grey (Sophie Turner) e Scott Summers (Tye Sheridan) são alguns dos jovens alunos do Instituto Xavier em X-Men: Apocalipse  de Bryan Singer   Kristen Stewart continua sua parceria com Olivier Assayas para ser reconhecida como atriz séria em Personal Shopper.


Pedro Almodóvar está de volta em Julieta, onde conta duas fases distintas de sua protagonista  Rooney Mara revira o passado de Ben Mendelsohn em Una, filme de estreia de Benedict Andrews Emily Blunt continua sua jornada rumo a uma indicação ao Oscar com The Girl on the Train onde espia a vida de seu esposo após o divórcio  Em Forushande, o irariano Asghar Farhadi conta a história de um casal cujo relacionamento começa a mudar após uma montagem de A Morte do Caixeiro Viajante de Arthur Miller  Seth Rogen e Zac Efron se reencontram em Vizinhos 2 ao lado de Selena Gomez  ► Os filmes dirigidos por Jodie Foster sempre chamam atenção, Money Monster promete repetir o padrão com a história de um investidor que invade um programa de TV, no elenco estão George Clooney, Julia Roberts e Jack O'Connell.


A história de uma comunidade formada nos anos 1970 é o foco de Kollektivet de Thomas Vintenberg  A diretora Kelly Reichart conta a história de três mulheres inspiradas nos contos de Maile Meloy em Certain Women ao lado de Michelle Williams O suspense Triplo 9 acabou de estrear no Brasil com a história de uma gang de policiais corruptos, no elenco estão Woody Harrelson, Chiwetel Ejiofor e (a Mulher Maravilha) Gal Gadot ► Com a ajuda de Michael Shannon e Kirsten Dunst, o diretor Jeff Nichols conta a história de uma criança com poderes especiais no elogiado Midnight Special  ► Ampliando o universo, Rogue One - A Star Wars Story é o primeiro spin off da famosa série e conta como rebeldes conseguiram informações sobre a Estrela da Morte, no elenco Felicity Jones, Mads Mikkelsen e Diego Luna ► O estilista Tom Ford volta a dirigir sete anos  após sua elogiada estreia como cineasta, Nocturnal Animals pode dar o Oscar para Amy Adams que atua ao lado de Jake Gyllenhaal, Isla Fisher e Michael Shannon. 


Baseado na obra de Jane Austen, Love & Friendship conta a história de uma viúva (Kate Beckinsale) que tenta arranjar o par ideal - para ela e para a própria filha  Depois das indicações ao Oscar, Richard Linklater faz um filme nostálgico sobre os anos 1980 - e  repleto de desconhecidos - em Everybody Wants Some !! ► Outro filme de Jeff Nichols a estrear esse ano é Loving, drama sobre um romance interracial ambientado na Virgínia de 1958, no elenco estão Joel Edgerton, Ruth Negga e Michael Shannon ► Ira Sachs assina Little Men sobre a história da amizade de dois meninos enquanto os pais entram em conflito, no elenco Jennifer Ehle, Greg Kinnear e Alfred Molina ► O aguardado Esquadrão Suicida junta vilões (defendidos por nomes como Margot Robbie e Will Smith) no segundo longa do universo DC Comics previsto para esse ano ► Michael Fassbender e Alicia Vikander se conheceram e se apaixonaram em The Light Between Oceans de Derek Cianfrance.

domingo, 27 de março de 2016

Pódio: Paul Dano

Bronze: o escritor inseguro. 
Ruby Sparks (2012)
Cansado dos papéis sombrios que os estúdios lhe ofereciam, Paul Dano investiu no filme escrito pela namorada, Zoe Kazan, sobre um escritor que cria uma personagem que se torna de carne e osso e passa a ser sua namorada perfeita (vivida pela próprioa Zoe Kazan). O problema é que o escritor é inseguro demais para manter o romance agradável para os dois. A dupla Jonathan Dayton e Valerie Farris (que revelaram o ator em Pequena Miss Sunshine/2006) dão vida a um romance surreal que revela muito sobre o que pode sabotar um relacionamento promissor.

Prata: o músico genial problemático
Love & Mercy (2015)
No Brasil o filme recebeu o título horroroso de The Beach Boys - Uma História de Sucesso, mas retrata mesmo é a história do vocalista Brian Wilson e todos os problemas que enfrentou na carreira e na vida pessoal. Paul Dano vive o músico quando jovem em sua busca por inovações sonoras para a criação do antológico álbum Pet Sounds. Dano é tão convincente em cena, que até esquecemos que é um ator interpretando um personagem. A serenidade, a paixão pela música e a genialidade de Wilson dividem espaço com seus problemas emocionais (e substâncias ilícitas) numa atuação notável. 

Ouro: o pregador ambicioso
Sangue Negro (2007)
Trabalhar com Paul Thomas Anderson costuma render atuações memoráveis aos atores, com Dano não foi diferente. Vivendo um religioso cheio de cobiça motivada por um acontecimento no passado - que o liga ao explorador de petróleo Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) - o ator vive um antagonista à altura do anti-herói vivido por um astro do quilate de Day-Lewis. Paul conseguiu uma atuação memorável num papel complexo e pouco agradável. O duelo final entre os dois personagens é um dos momentos mais marcantes do cinema do século XXI e serviu para deixar os papéis de mocinho para trás. 

PL►Y: The Beach Boys - Uma História de Sucesso

Dano: a vida e obra de Brian Wilson. 

Love & Mercy foi um dos filmes independentes mais falados do ano passado - rendendo indicações para melhor ator coadjuvante a Paul Dano em mais de uma dezena de premiações (incluindo o Globo de Ouro e Independent Spirit), mas no Oscar ele acabou ficando de fora (como sempre). Dano interpreta a versão jovem de Brian Wilson nesta cinebiografia assinada por Bill Pohlad (mais conhecido como produtor de filmes como A Árvore da Vida/2011 e 12 Anos de Escravidão/2013) e cumpre sua tarefa com muita desenvoltura. Mesclando duas fases na vida do artista, a narrativa divide a história do personagem entre Dano e John Cusack, onde cada um torna-se responsável por concepções diferentes do personagem. Para Dano coube a transição do sucesso da famosa banda Beach Boys para o período mais experimental de sua carreira, iniciada com o aclamado (e fracasso de vendas na época) Pet Sounds, enquanto Cusack tem a tarefa de encarnar a fase mais devastada do artista - onde recolhido ao ostracismo, precisa lidar com os efeitos do uso excessivo de LSD na juventude e um diagnóstico equivocado de esquizofrenia paranoide que lhe rendeu anos de uso errôneo de medicação (além dos cuidados oportunistas do doutor Eugene Landy, vivido por Paul Giamatti). O diretor nem tenta disfarçar o entusiasmo em reconstituir a gravação de Pet Sounds, onde Wilson - motivado pela obra dos Beatles - resolveu ir onde nenhum músico tinha ousado até então. Das músicas praianas, Wilson teve que convencer a banda que adicionar novos instrumentos (e instrumentistas de primeira) às músicas inovadoras que tinha em mente. As sonoridades exploradas em Pet Sounds estavam a frente de seu tempo,  o resultado foi a construção de uma grande sinfonia de vanguarda que terminou incompreendida na época. Se o álbum dividiu a opinião dos membros da banda (formada por dois irmãos de Brian, chamados Carl e Dennis, além do primo Mike Ardine e do amigo Alan Jardine) o desentendimento era ainda maior com o ex-empresário da banda, pai de Wilson, que não aceitava ver seu negócio familiar fugir ao seu controle comercial. Dano consegue construir minuciosamente essa jornada do personagem, até que a pressão somada ao uso de drogas alucinógenas geraram o colapso na construção do álbum seguinte (Smile). Fica evidente que o mais difícil do filme foi construir o futuro do personagem, com a saúde mental comprometida, John Cusack se esforça para manter o interesse da plateia, mas termina ofuscado pelo médico tirano (que prefere mantê-lo dopado e dependente para o resto da vida) e sua pendenga com uma vendedora de carros que se interessa amorosamente pelo músico, Melinda Ledbetter (Elisabeth Banks). Nessa parte, Wilson fica no centro da disputa entre os dois personagens e Cusack não tem muito o que fazer em cena. Sorte que Elisabeth Banks tem a generosidade de ampliar os momentos de seu colega de elenco, rendendo alguns bons momentos. Ou seja, o filme tem seus melhores momentos quando nos transporta numa viagem no tempo e presenciamos os bastidores de um dos álbuns mais influentes de todos os tempos. Com uma história dessas, tenho a impressão que quem escolheu esse título em português, simplesmente não assistiu ao filme! The Beach Boys - Uma História de Sucesso parece muito mais o anúncio de um documentário benevolente do que uma obra sobre as dificuldades atravessadas por  Brian Wilson em sua trajetória. Até se mantivesse o título original (nome de uma canção de Wilson) em algo no estilo Love & Mercy: A História de Brian Wilson seria mais coerente. 

The Beach Boys - Uma História de Sucesso (Love & Mercy/EUA-2015) de Bill Pohlad com Paul Dano, John Cusack, Elisabeth Banks, Paul Giamatti e Jake Abel. ☻☻☻

sábado, 26 de março de 2016

Combo: Eu vs Todos

Com toda a divergência em torno de Batman Vs Superman (que eu gostei bastante) eu resolvi lembrar de alguns filmes que foram sucesso de público e crítica e que eu procuro até hoje o motivo de tanta adoração. Não significa que são filmes ruins, mas que eu discordo de toda a unanimidade que existe em torno deles. Os cinco filme que me custam algumas pedradas em conversas são:

05 Mad Max: Estrada da Fúria (2015) Talvez se eu não conhecesse os outros filmes da série, a criação mais recente de George Miller não aparecesse na lista. Afinal, todo mundo cobriu o filme de elogios, quando na verdade, Miller fez tudo o que queria com a qualidade que desejava com os recursos atualmente disponíveis. O roteiro continua sendo um fiapo - o que deve ter feito a diferença foi a presença de Charlize Theron como a imperatriz fugitiva Furiosa (que deixou o Max de Tom Hardy em segundo plano) e o ritmo alucinante impresso por Miller. De resto, não entendo porque público e crítica enxergam essa repaginada como se fosse uma grande novidade: é o  universo Mad Max adaptado para o século XXI.

04 Homens de Preto (1997) Ano que vem fará vinte anos que os agentes Kay (Tommy Lee Jones) e Jay (Will Smith) apareceram na tela pela primeira vez. A mistura de comédia e ficção científica faturou muito ao redor do mundo, foi indicado a três Oscars (ganhou o de maquiagem) e concorreu ao Globo de Ouro de Comédia ou Musical. O sucesso rendeu duas sequências que fizeram mais do mesmo, mas não repetiram o sucesso do primeiro episódio (o que demonstra que havia muita boa vontade do público com essa brincadeira do diretor Barry Levinson). O humor e os efeitos especiais podem até explicar o sucesso, mas MIB nunca me empolgou. Assisti uma vez (olhando o relógio várias vezes...).

03 Valente (2012) Nunca entendi como o 13º filme da Pixar ganhou o prêmio de Melhor Animação no Oscar. Sempre repito que ele levou o prêmio pela construção minuciosa da cabeleira ruiva da protagonista e só. Talvez se eu conseguisse ver o filme por inteiro, sem dormir ao menos uma vez, eu pudesse até gostar dele... mas... eu não consigo. A história da princesinha marrenta me parece um tanto batida nos dias de hoje (e transformar a rainha mãe num urso está longe de compensar). Longe do frescor e da originalidade Pixar, não considero o filme divertido, emocionante ou comovente, mas sei que o ritmo de aventura tem fãs fiéis. 

02 Matrix (2000) Lembro até hoje dos professores da faculdade e um bando de colegas exaltarem as qualidades filosóficas da saga dos irmãos Washowski. Sério? No meio de toda aquela presepada de efeitos especiais e figurinos estilosos o povo estava pensando na Caverna de Platão? Conta outra! Confessem que vocês gostavam mesmo era de ver como Keanu Reeves ficava bem com aquelas roupas pretas e óculos escuros. Mistura de ficção científica e artes marciais, a luta entre homens e máquinas ainda rendeu duas sequências e uma animação em DVD, mas eu não consigo entender o culto que existe em torno dessa ideia mal aproveitada. 

01 Avatar (2009) Prestes a receber uma continuação (que é sempre adiada) o filme de James Cameron foi realizado para nos transportar para outro mundo, no caso, a Lua Pandora, onde um bando de exploradores terráqueos pretendem utilizar suas reservas naturais - e destruir os habitantes locais. Trata-se da velha história da colonização adaptada para o mundo da ficção científica com efeitos especiais de ponta e... efeitos especiais de ponta. O filme tornou-se uma das maiores bilheterias de todos os tempos e ressuscitou o formato 3D definitivamente, mas sua história de Pocahontas, versão "somente uma americano poderá nos libertar" não me convence... talvez por isso tenha concorrido a nove Oscars (ganhou três) e perdido os mais importantes para Guerra ao Terror de Kathryn Bigelow. Pura ironia...

NaTela: Batman Vs Superman - A Origem da Justiça

Batman e Superman: o homem vs o desconhecido. 

Faz tempo que não vejo um filme de super-herói gerar tanta discussão entre os fãs na internet. Portanto, vou logo dizendo: eu curti muito Batman Vs Superman. É verdade que o filme está longe de ser perfeito, mas está ainda mais distante de ser ruim. O fato é que Zack Snyder recebeu a descomunal tarefa de colocar o Superman de volta aos eixos no cinema (depois que Brian Singer falhou nessa missão), no currículo, Snyder tinha aquele que deve ser o filme de HQ mais subestimado de todos os tempos: Watchmen/2009 - que é tão atual que merece ser revisto, pelo menos, uma vez por ano. Depois que Homem de Aço (2013) estreou com sucesso, a Warner ao lado da DC Comics começou a pensar em seguir os passos da Marvel e unificar seu universo nas telonas. O que era apenas uma ideia começou a ganhar corpo nos últimos anos e a sequência de Homem de Aço começou a ganhar contornos de primeira parte de uma obra muito maior, uma verdadeira trilogia sobre a Liga da Justiça. O oscarizado roteirista Chris Terrio já disse em várias entrevistas que dar forma a esses projetos se tornou o trabalho mais difícil de sua carreira e, se você relaxar e entender isso, Batman Vs Superman fará muito mais sentido. Sabiamente o filme começa pelo final de Homem de Aço, mostrando a perspectiva de Bruce Wayne/Batman (Ben Affleck, bastante convincente) sobre toda a destruição ocorrida com a batalha entre Zod (Michael Shannon) e Superman. Não é por acaso que o nome do Homem Morcego aparece primeiro no título, afinal, o filme investe muito na forma como Batman enxerga a vinda de Superman para a Terra e tudo o que ela representa. Enquanto muitos costumam olhar para o kryptoniano como um Deus, outros o encaram como uma verdadeira ameaça (e Snyder já trabalhou essa dicotomia muito bem sobre Dr. Manhattan em Watchmen), entretanto, o roteiro não cansa de tentar humanizar o homem de aço, tanto por sua relação com Lois Lane (Amy Adams), com a mãe (Diane Lane) ou com o pai falecido (Kevin Costner) - esforço que se mostra importante para sua aproximação com Batman (que todo mundo já conhece a tragédia familiar). Entre semelhanças e diferenças, não podemos esquecer que Batman é um homem sem super-poderes que se depara com o desconhecido, um alienígena super poderoso, assim, Batman serve assim, para espelhar o estranhamento da humanidade diante de uma nova era de heróis. Se ele é um homem inteligentíssimo (embora amargo após vinte anos de luta contra o crime à margem da justiça), Superman é um herói exaltado por uma batalha épica que deixou milhares de mortos em Metrópole e... ele ainda irá se deparar com uma filha dos deuses: a Mulher Maravilha (Gal Gadot).

Mulher Maravilha (Gal Gadot): finalmente, um toque feminino. 

Um dos maiores obstáculos sempre sinalizado para criar um filme da Liga da Justiça é a dificuldade de apresentar um equilíbrio entre os vários personagens que estão em cena. A Marvel foi esperta ao apresentar seus personagens separadamente para depois reuni-los em Os Vingadores (2011) e a Warner junto à DC Comics resolveu aceitar o desafio. Incluir a Mulher Maravilha ao lado de Batman e Superman pode ter sido um grande risco, mas que o filme consegue realizar de forma coerente, inserindo o alter-ego da amazona em algumas cenas, deixando uma aura de mistério até que seu segredo seja revelado e ela ajude os rapazes quando precisam de... um toque feminino. Seriedade à parte, ver os três maiores nomes da Liga da Justiça juntos na tela é bom demais! Mais complicado foi citar os outros heróis como metahumanos e inserir cenas rápidas que introduzem o que será mais explorado nos filmes da Liga. No filme o resultado fica meio desengonçado, mas sabendo que é uma trilogia dá para relevar (e perceber porque Batman fica tão preocupado com o que se aproxima). Snyder pontua os pavores do Cavaleiro das Trevas com pesadelos, cria cenas com o Homem de Aço comendo o pão que Lex Luthor (Jesse Eisenberg) amassou e deixa claro que a arma mais devastadora da humanidade não é páreo para o que está por vir. Luthor é um capítulo à parte. Eu não entendi a escalação de Jesse (achei jovem demais para o papel), mas depois que entendi exatamente qual era a intenção, o ator de A Rede Social/2010 injeta verdadeiro sangue novo (e perturbador) ao maior inimigo de Kal-El. Batman Vs Superman será criticado por ser exagerado, pesar a mão no tom sombrio, esgarçar o que os heróis tem de mais violento... mas (putz!) o filme é dirigido po Zack Snyder, oras! Ele não é sóbrio como Brian Singer ou solene como Christopher Nolan, por isso mesmo, consegue inserir algo novo no que poderia soar um pastiche (afinal, foram sete filmes do Homem Morcego e cinco do Homem de Aço, além de inúmeras séries de TV, até se juntarem na tela). Snyder ainda faz o favor de não jogar no lixo os filmes de Nolan (talvez só o Alfred, que agora tornou-se mais irônico e ofensivo... quase o filho da pá virada do personagem de Michael Caine nos filmes do Cavaleiro das Trevas), encaminhando seu desfecho para a introdução do ambicioso Liga da Justiça e não para outro filme solo do herói. Existe muito som (alto) e fúria no filme, mas seria injusto dizer que o filme é vazio de emoção. Pelo contrário, tem muita, especialmente quando percebemos que a guerra entre Batman e Superman é inglória e sem sentido, como todas as outras, mas aqui (pelo menos) ela serve para que os "inimigos" percebam que são mais semelhantes do que imaginam em sua luta por um bem comum. Essa seria a Origem da Justiça? Pelo visto, o filme acredita que sim. Que venha a Liga!

Alexander Luthor (entre Clark e Bruce): vilão renovado. 

Batman Vs Superman - A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice/EUA-2016) de Zack Snyder com Ben Affleck, Henry Cavil, Gal Gadot, Jesse Eisenberg, Amy Adams, Diane Lane, Laurence Fishburne, Holly Hunter e Scoot McNairy. ☻☻☻☻

sexta-feira, 25 de março de 2016

PL►Y: Como Sobreviver a um Ataque Zumbi

O trio e a beldade: zumbis e dilemas teen. 

Sabe aquele dia em que você não quer ver nada muito elaborado, quer esquecer debates políticos, ideológicos ou analogias sobre o mundo, pois é, esse é o dia ideal para ver Como Sobreviver a um Ataque Zumbi, uma comédia de terror que flerta com o besteirol sem perder o tom. Acho que o filme funciona bem por alguns toques sobre a adolescência de qualquer mortal. Os amigos Ben (o ótimo Tye Sheridan, que será o jovem Cyclope do novo X-Men) e Carter (Logan Miller) são escoteiros desde os seis anos de idade, mas o tempo passou e o escotismo parece ter saído de moda - e quando visitam escolas com o líder Rogers (David Koechner) isso fica ainda mais evidente. Junto aos amigos está ainda o rechonchudo Augie (Joey Morgan) que colocará amizade do trio em questão quando, na mesma noite em que precisam acampar, acontece a festa do terceiro ano (que Ben e Carter enganam o amigo para ir). Onde entra os zumbis nessa história? Entra quase acidentalmente por um misterioso incidente, restando ao trio apenas a ajuda de uma beldade, que trabalha numa casa de strip-tease (nada mais nerd), para salvar a irmã de Carter -  e todos os outros que estão na cobiçada festa. Como Sobreviver a um Ataque Zumbi é o típico filme de uma piada só (no caso, colocar jovens tímidos e nada populares em confronto com zumbis), mas contada de forma bastante divertida. Na primeira cena, o diretor Christopher Landon já consegue estabelecer a atmosfera de todo o filme - e a graça é perceber como ele manterá o clima entre as mortes grotescas (o ataque dos gatos zumbis é de rolar de rir), diálogos espertinhos e jorros de sangue enquanto os mocinhos resolvem enfrentar os monstrengos. Faz tempo que os zumbis deixaram de ser aqueles mortos-vivos lerdos comedores de cérebro - e o humor descobriu que os personagens costumam funcionar muito bem em comédias que soam como paródias dos clássicos filmes do gênero. Se você quer levar alguns sustos e dar risadas, Como Sobreviver a um Ataque Zumbi é definitivamente uma boa pedida. 

Como Sobreviver a um Ataque Zumbi (Scouts Guide to the Zombie Apocalypse/EUA-2015) de Christopher Landon com Tye Sheridan, Logan Miller, Sarah Dumont, Joey Morgan e David Koechner. ☻☻☻

FILMED+: White God

Revolução Canina: retrato húngaro de um mundo cão.  

Da animação A Dama e o Vagabundo (1955) ao mexicano Amores Brutos (2000), os cães são frequentemente utilizados para metáfora sobre situações sociais. Enfim, o melhor amigo do homem serve para contar, de uma forma diferente, histórias sobre o próprio homem em sociedade. Infelizmente, poucas pessoas deverão ir ao cinema para ver esse filme húngaro que a acaba de entrar em cartaz. Ganhador do prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes, White God conta uma espécie de fábula urbana canina hardcore que torna-se ainda mais interessante quando percebemos sua analogia sobre os excluídos e marginalizados. A citação "tudo que é terrível precisa do nosso amor"  do poeta alemão R.M. Rilke  cai como uma luva para todas as dores que veremos durante as duas horas de filme. A trama começa quando a mãe de Lili (Zsófia Psotta) precisa viajar por três meses, durante esse período ela deixará a filha morando com o ex-marido sisudo, Dániel (Sándor Zsóter). Desde o primeiro encontro de Lili com o pai, percebemos que existe um abismo entre os dois -  e o fato da menina levar Hagen, o fiel cachorro de estimação, para a temporada na casa do pai irá deixar tudo ainda mais delicado. Depois de alguns incidentes, Dániel considera insustentável a permanência do cão em seu apartamento e o abandona na rua. Esse apenas é um dos momentos que promete tirar lágrimas de quem gosta de animais, já que White God irá mostrar o encontro de Hagen com várias pessoas mal intencionadas. A saga da menina em busca do seu cão perdido fica em segundo plano, já que o filme se arrisca em contar a jornada de Hagen por um mundo cada vez mais sombrio. Se usar a história do cãozinho domesticado que se torna o líder de uma verdadeira gang pode soar um tanto batido, o que torna o filme único é o fato de tudo ser uma brilhante encenação construída pelo diretor Kornél Mundruczó - que conduz os caninos como verdadeiros atores diante das câmeras (e imagino como foi difícil). Após várias cenas desagradáveis com Hagen (vivido pelos talentosos Luke e Body - merecidamente premiados em Cannes com a tradicional Palm Dog), o roteiro conduz a trama para um verdadeiro filme de terror sobre violência urbana até o belíssimo desfecho. White God pode até exigir nervos de aço de sua plateia, mas o que mais me incomoda é a densidade dos personagens em sua primeira hora, todos desagradáveis e mal humorados, sei que essa era a ideia do diretor (assim como as ruas vazias a maior parte do tempo, antes mesmo de estabelecer um toque de recolher), mas seu mundo cão poderia ter aliviado a rigidez para fluir melhor em sua primeira hora. White God (um título provocativo sobre os preconceitos que perpassam o filme) com sua revolta canina (que ficará na sua cabeça por um longo tempo) já garante seu lugar entre os grandes filmes lançados no Brasil em 2016.

Kornél, Zsófia, Body e sua treinadora: prêmios em Cannes. 

White God (Fehér Isten / Hungria - Alemanha - Suécia / 2014) de Kornél Mundruczó com Zsófia Psotta, Sándor Zsóter, Lili Horváth e Lili Monori. ☻☻☻☻☻

segunda-feira, 21 de março de 2016

PL►Y: Suite Francesa

Michelle e Matthias: dupla de respeito. 

Suite Francesa estreou nos cinemas brasileiros no final de janeiro e não chamou atenção entre a penca de obras que foram indicadas ao Oscar. Curiosamente, o filme passou por aqui antes mesmo de estrear nos Estados Unidos - que até o momento não encontrou espaço para ele nas telas. Vale dizer que qualidades não faltam ao filme, a reconstituição de época é caprichada, a fotografia é muito bem cuidada, o roteiro é eficiente e os atores estão ótimos em cena, talvez o problema para estrear por lá seja sua perspectiva um tanto polêmica: humanizar um oficial nazista através de uma história de amor. Pode parecer de mau gosto, mas as performances do belga Matthias Schoenaerts e da americana Michelle Williams conseguem nos fazer acreditar que a árdua tarefa é possível. O filme conta a história de um vilarejo na França que, durante o início da Segunda Guerra Mundial, passa a hospedar oficiais nazistas. Assim, os moradores comuns passam a ter em suas casas militares sob as ordens de Hitler, tendo a rotina diária totalmente alterada. Entre os anfitriões está Madame Angellier (Kristin Scott Thomas, ótima como sempre), uma proprietária de imóveis locais, que vive do aluguel cobrado de seus inquilinos de poucos recursos. Durante a Guerra, a madame é obrigada a conviver somente com a nora, Lucille (Michelle Williams), enquanto o filho está em combate. As duas não parecem ser muito próximas - e a chegada do tenente Bruno Von Falk (Matthias Schoenaerts) provocará mais atrito entre as duas. Embora as duas se sintam pouco a vontade com a presença do oficial, Von Falk revela-se um verdadeiro cavalheiro (além de tocar piano muito bem). Falk está longe da esposa, Lucille está longe do marido e existem faíscas (nem sempre abafadas) quando os dois estão juntos em cena. Some isso aos dramas dos moradores locais com seus hóspedes indesejados (especialmente o vivido pelo casal Sam Riley e Ruth Wilson) e você verá que a direção de Saul Dibb tem o mérito de elaborar a narrativa como se fosse uma bomba relógio. A cena do bombardeio aéreo no início (muito bem executada) deixa a impressão permanente de que a ameaça está presente e pode exterminar todos que vivem naquela ali, deixando para o romance que se anuncia a tarefa de mostrar que por trás das monstruosidades do holocausto, havia pessoas de carne e osso. A humanização de Von Falk, embora alguns possam considerar um verdadeiro  absurdo, serve para desconstruir a ideia de que o nazismo foi produzido por monstros e não por seres humanos - o que torna tudo ainda mais assustador. Por isso, torna-se ainda mais importante o trabalho excepcional de Michelle e Matthias. Sempre que estão em cena, temos a impressão que em outras condições, os dois formariam um casal irresistível - mas diante da tragédia que se anuncia, cabe apenas questionar os sentimentos que sentem um pelo outro. Suite Francesa é um competente drama de época e, ao revelar a história da obra em que se inspira, deixa tudo ainda mais interessante.

Suite Francesa (Suite Française / Reino Unido - Canadá - França - Bélgica/2014) de Saul Dibb com Michelle Williams, Mathias Schoenaerts, Kristin Scott Thomas, Sam Riley, Ruth Wilson e Margot Robbie. ☻☻☻☻

PL►Y: Serena

J. Law e Bradley: jogados no lixo. 

Jennifer Lawrence e Bradley Cooper é uma dupla de química. Isso é fácil de perceber quando lembramos que a dupla é a favorita do diretor David O. Russell e estrelaram O Lado Bom da Vida (2012), Trapaça (2013) e tiveram algumas cenas juntos no recente Joy (2014). Apesar de aparecerem nos três últimos filmes do diretor, a dupla sempre representa tipos distintos, provando a versatilidade que podem alcançar em cena. Essa versatilidade até aparece em Serena, filme da dinamarquesa Suzanne Bier, mas a falta de um roteiro bem costurado mostra-se um grande obstáculo para os atores. O filme foi um fiasco nas bilheterias mundiais. Curiosamente, ele funciona até a metade, depois, uma série de mudanças súbitas nos personagens comprometem a sessão. Tudo começa como um romance de época, quando durante a Grande Depressão, o madeireiro George Pemberton (Cooper) ainda tenta manter-se no ramo no estado da Carolina do Norte. Entre acidentes e baixas entre os funcionários, ele acredita ter conhecido a mulher de sua vida ao conhecer a bela Serena (Lawrence), uma mulher forte que sobreviveu a uma tragédia familiar e está disposta a colaborar na ascensão do futuro marido. Bier faz questão de mostrar que a vida sexual do casal é bastante animada (em cenas bem rápidas), além de provar que a loura não fica intimidada com o universo essencialmente masculino em que se meteu. Além de entender de cortar árvores, ela ainda sabe domar águias e criar torniquetes eficientes quando acontece um acidente por perto! Até a ambientação do filme (na cidade no meio de uma floresta) funciona para dar ao filme uma cadência agradável e enigmática... até que uma ex-namorada de George volta para as redondezas enquanto Serena espera o primeiro filho. Um acontecimento irá mudar o rumo da protagonista e Suzanne Bier não faz a mínima ideia de como conduzir essa guinada da personagem. Tudo se transforma rapidamente, de forma esquemática desinteressante, deixando o elenco perdido em cenas que beiram o ridículo (Rhys Ifans como cúmplice de Serena beira o risível, assim como o encontro de George com o Puma). Embora tenha filmes dinamarqueses elogiados no currículo (Brothers/2004 recebeu até uma refilmagem americana, Depois do Casamento/2006 foi indicado ao Oscar e o superestimado Em Um Mundo Melhor/2010 ganhou o Oscar de filme estrangeiro) é na carreira em Hollywood que Suzanne expõe seus maiores problemas na condução de sua obra. Geralmente seu gosto pelo melodrama compromete tramas promissoras, onde os personagens tropeçam em suas próprias fraquezas. Serena poderia ser um bom filme se ela não jogasse o que ele tem de promissor no lixo (e isso inclui sua dupla renomada de protagonistas e um elenco  de apoio acima da média). 

Serena (EUA-França/2014) de Suzanne Bier com Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Toby Jones, Rhys Ifans, Sean Harris, Ana Ularu e David Dencik. 

Na Tela: Boa Noite, Mamãe

Suzanne e Elias: confronto de cicatrizes. 

Fazer um filme de terror é mais difícil do que se pensa, especialmente se você pretende um resultado que seja levado a sério - e não caia no lugar comum da mais apelativa sanguinolência. Durante boa parte do austríaco Boa Noite, Mamãe a dupla de diretores Severin Fiala e Veronika Franz tenta fazer um filme elegante a partir de uma matéria prima interessante. O filme conta a história de dois irmãos gêmeos Lukas e Elias (vividos pelos gêmeos Lukas e Elias Schwarz) que vivem numa casa isolada ao lado da mãe - que surge de rosto coberto, após o que parece ser uma cirurgia plástica. Ela parece cada vez mais nervosa, rígida e sempre disposta a punir as crianças. No ritmo lento da narrativa, cresce a tensão entre a família. Fala-se de um divórcio e um acidente, sem deixar claro o que realmente aconteceu. Entre uma cena e outra, os dois meninos começam a desconfiar que aquela mulher não é a verdadeira mãe - e um conjunto de cenas surreais dão apenas uma amostra do que está por vir. Toda a campanha de divulgação investe no questionamento da identidade materna no filme. A mulher seria uma intrusa? Seria uma sequestradora (afinal, em momento algum os meninos tem contato com o pai)? Mas o espectador mais esperto irá perceber que o segredo do filme é outro (especialmente se ficar atento à uma das cenas iniciais, que, de certa forma, se repete em outros momentos do filme). O resultado poderia ser ainda mais instigante se os diretores não jogassem fora toda a sutileza arrastada no último ato - que revela-se um verdadeiro teste para os nervos do espectador, em uma sucessão de cenas desagradáveis de tortura física e psicológica. Para além da casa isolada, do bicho de estimação que irá sofrer  e de crianças sinistras, o filme tinha realmente uma grande ideia na mão ao explorar a convivência de uma família traumatizada, mas se perde nas cicatrizes não curadas de um acidente. A metáfora para isso é a própria cirurgia da mãe que aguarda recuperação (na intenção de que as marcas fiquem para trás), no entanto, as feridas internas dos outros permanecem aguardando o momento de ser expostas. Boa Noite, Mamãe poderia ser mais interessante se não pesasse a mão em seu desfecho um tanto óbvio e de forte inspiração trash - mas como se trata do primeiro longa metragem eu até perdoo... mas o próximo tem que ser melhor. 

Boa Noite, Mamãe (Ich Seh Isch Seh / Áustria - 2014) de Severin Fiala e Veronika Franz com Lukas Schwarz, Elias Shwarz, Suzanne Wuest e Hans Escher. 

domingo, 20 de março de 2016

§8^) Fac Simile: Corey Stoll

Corey Daniel Stoll
Corey Stoll acabou de completar 40 anos e aparece como um dos nomes em ascensão em Hollywood. Em 2015 ele participou de cinco filmes (foi, inclusive, o vilão de Homem-Formiga) e está em três longas previstos para 2016 (incluindo o novo de Woody Allen e o aguardado Gold, ao lado de Matthew McConaughey). Na televisão ele aparece no vampiresco The Strain, no descolado Girls, além de ter voltado para uma participação em House of Cards, a cultuada série do Netflix. Com a carreira em alta, sobra pouco tempo para curtir a família, mas ao encontrar com nosso repórter imaginário numa lanchonete de Nova York ele aceitou responder a essas cinco perguntas de uma entrevista que nunca existiu: 

§8^) Foi difícil ser o vilão de Homem-Formiga/2015 e se impor num vilão chamado Jaqueta Amarela?

Corey Vivi um grande dilema por conta disso! Era como se houvesse uma mutante maligna em X-Men e o nome dela fosse Vestido Rosinha. Imagine Wolverine dizendo: "Temos que deter  a Vestido Rosinha!". Eu pedi, mas eles não toparam mudar o nome! Fiz o possível. Obviamente que eu preferia ser o Lex Luthor! Mas como o nome do super-herói era Homem-Formiga, acho que o nome do vilão estava à altura! 

§8^) Sua esposa não reclama por você trabalhar tanto?

Corey Não mesmo! Nossa família acabou de crescer e fico impressionado com os gastos que um bebê exige! É uma experiência fascinante e talvez eu precise trabalhar ainda mais se quisermos ter outros filhos, ser tipo o Morgan Freeman e fazer uns dez filmes por ano... realmente espero que a Marvel ainda lembre de mim nos próximos filmes! 

§8^) Outro papel que as pessoas comentaram muito foi o de sua participação no seriado Girls, onde , num episódio recente, você apareceu numa cena de sexo com outro homem. Foi difícil?

Corey Fazer a cena para mim foi algo um pouco estranho com aquele bando de pessoas olhando no estúdio. Com relação ao meu colega de cena eu fiquei tranquilo, porque foi tudo realizado de uma forma cômica e engraçada... e pouco explícita... mas ainda acho que as pessoas vão falar dissopor muito tempo... principalmente porque rompe com estereótipos e paradigmas... e aquele rapaz precisava de um pouco de diversão no programa [rsrs]. Mas o que eu posso fazer? Eu sou um ator! Assim como encarno heróis, vilões, carecas ou cabeludos, eu posso interpretar héteros ou gays. 

§8^) E vale ressaltar que você é um raro caso de sujeito que fica bem de peruca! Eu realmente acreditei que aquele cabelo em The Strain era seu! Como você lida com isso, afinal, a maioria das pessoas repararam em você em Meia-Noite em Paris/2011, onde interpretou o escritor Ernest Hemingway, depois te viram na mídia e.. você nem tem cabelo!

Corey Bem... eu tenho, mas... é pouco! E quando me escolhem para um papel, mas acham que o personagem precisa de cabelo... eu sempre fico desconfiado! Sempre me vem à cabeça aquele cabelo do Javier Bardem em Onde os Fracos não tem Vez/2007 Mas o pessoal que cuida dessa parte realmente capricha, até eu esqueço que aquela cabeleira toda é de mentira. 

§8^) Perder o cabelo foi difícil?

Corey É um processo estranho, mexe com a vaidade, identidade... ego... mas não tem jeito é uma coisa que você precisa se acostumar e se convencer que vai acompanhar você para o resto da vida! Eu tive até que conversar com o meu analista recentemente porque eu acabo me apegando às perucas que uso em cena. Quero levá-las para casa, lavar, usar o secador, pentear... minha esposa fica até com ciúmes e diz que não preciso delas. Ela acha que eu tenho uma cabeça linda... e eu achando que era só um rostinho bonito!

Corey, Hemingway e The Strain: as melhores perucas. 

sábado, 19 de março de 2016

PL►Y: Lugares Escuros

Charlize: a arte de ver o que não existe. 

Não satisfeita de ser respeitada como atriz dramática e estar entre as mulheres mais lindas do mundo, a sul africana Charlize Theron recebeu um verdadeiro coro ao redor do mundo clamando por uma indicação ao Oscar para ela no elétrico Mad Max - Estrada da Fúria. O filme terminou sendo o que mais levou estatuetas na cerimônia do Oscar 2016 (convertendo em seis prêmios das dez a que concorria), mas Charlize teve que contentar com a indiferença da Academia ao seu notável trabalho num filme de ação. Talvez o que tenha prejudicado sua campanha, seja o resultado mediano de seu outro lançamento de 2015, o suspense Lugares Escuros de Gilles Paquet-Brenner. O filme conta a história de uma escritora, Libby Day (Charlize) que sobreviveu ao massacre de sua família quando era criança. O suspeito pelo crime foi seu irmão mais velho, Ben Day, que na adolescência era suspeito de se envolver com rituais de satanismo. Na época, o testemunho de Libby foi primordial para que ele fosse considerado culpado pela morte da mãe e de duas irmãs. Trinta anos depois da tragédia, Libby é convidada a revisitar o caso com a ajuda do jovem Lyle Wirth (Nicholas Hoult), que começa a duvidar que Ben seja realmente o culpado pelo crime. Desse ponto em diante, o que vemos é a jornada de Libby pelo passado obscuro da família, das relações de Ben e o reencontro com figuras que fizeram parte da sua história na infância. Repleto de flashbacks, o diretor constrói um quebra-cabeça interessante sobre o caso em si, dando contornos interessantes para a matriarca da família (Christina Hendricks em um bom momento) e mais ainda para o jovem Ben (na juventude interpretado pelo ótimo Tye Sheridan), que de bom e voluntarioso termina acusado de um crime assustador. Ben também recebe um tratamento especial na autação de Corey Stoll na vida adulta, onde (mesmo atrás das grades) deixa o espectador em dúvida sobre a sua culpa na atrocidade que se abateu sobre a família. O filme segue cheio de revelações (às vezes cansativas) e não traz muito material para Charlize trabalhar em cena  (até o figurino da personagem beira o patético com aquele bonézinho) lhe proporcionando umas duas cenas realmente interessantes. O que mais desaponta é o "final surpreendente" que não convence e deixa o gosto daqueles suspenses familiares pasteurizados da década de 1990. O filme é baseado num livro de Gyllian Flynn e admito que não conheço muito as obras da escritora, mas diante do sucesso de Garota Exemplar (onde a própria Flynn assinou o roteiro) e o resultado desse aqui, percebo alguns cacoetes estilísticos que nas mãos erradas podem beirar o ridículo. David Fincher soube fazer de Garota Exemplar uma alegoria surreal sobre a relação entre marido e esposa, já Gilles Paquet- Brenner, faz de Lugares Escuros ecoar no vazio apelativo de uma família complicada, perdendo os contornos de crítica aos preconceitos e conservadorismo no interior das terras do Tio Sam.  

Lugares Escuros (Dark Places/EUA-2015) de Gilles Paquet- Brenner com Charlize Theron, Corey Stoll, Nicholas Hoult, Christina Hendricks, Tye Sheridan e Chloë Grace Moretz. ☻☻

sexta-feira, 18 de março de 2016

Na Tela: A Senhora da Van

Maggie Smith: veterana longe da aposentadoria.  

Nascida em 28 de dezembro de 1934, a veterana Maggie Smith continua cheia de energia. Nos últimos cinco anos, realizou as tiradas mais espirituosas da recém-terminada série Downton Abbey -  mas não deixou a carreira cinematográfica de lado. Desde que assumiu o posto da aristocrata Violet Crawley no programa, ela atuou em dez filmes, sendo o último deles A Senhora da Van, que acaba de chegar aos cinemas. Smith já fez o mesmo papel nos palcos e apresenta aqui, mais uma vez, o apelo cômico de seu talento (o que lhe valeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia/musical). Curiosamente o filme é baseado numa história real envolvendo o próprio roteirista Alan Bennett (vivido no filme por Alex Jennings). Quando o dramaturgo se mudou em 1970 para um bairro de Londres, ele conheceu a tal senhora do título, uma idosa um tanto confusa que vivia dentro de uma decrépita van - que estacionava (segundo ordens da Virgem Maria) na frente da residência de qualquer morador. Diante de alguns acontecimentos no bairro, Bennett convidou a senhora senhorita Shepherd para estacionar o veículo em sua garagem por alguns dias. Mal sabia que ela ficaria por lá nos próximos quinze anos. A relação entre os dois acabou rendendo uma peça de enorme sucesso e que recebe pelas mãos do diretor Nicholas Hytner (da minha adorada versão de As Bruxa de Salém/1996 com Daniel Day Lewis) sua versão para o cinema. Trata-se de uma comédia tipicamente inglesa, que a partir de uma situação aparentemente simples, revela muito sobre a sociedade inglesa, não apenas através do desconforto polido que os personagens sentem quando se deparam com Shepherd (que é mandona, temperamental, inteligente e difícil de se conviver), mas também sobre a sensação de esgotamento que as regras podem causar em alguém (e que tanto Shepherd quanto Bennett demonstrarão conhecer tão bem). Um elemento curioso da narrativa é que o personagem de Bennett é dividido em dois: o sujeito comum (que precisa lidar com a situação) e o escritor (que tem um olhar ácido sobre toda a situação). Dos pequenos conflitos que ocorrem em cada cena, passando pelas motivações dos personagens resolverem suas próprias pendengas emocionais, o destaque fica por conta da química entre Maggie e Alex - que exploram todo o humor que emerge de gestos ora dramáticos, ora cômicos, banais ou significativos entre os personagens. 

A Senhora da Van (The lady in the Van/2015) de Nicholas Hytner com Maggie Smith, Alex Jennings, Jim Broadbent e Dominic Cooper. ☻☻☻

PL►Y: O Universo no Olhar

Pitt e Astrid: romance aos olhos da metafísica. 

O Universo no Olhar entra para minha lista de filmes mais desengonçados de todos os tempos. Antes que os admiradores do filme comecem a jogar pedras, isso não quer dizer que o filme seja ruim, apenas que - apesar da ideia interessante - o diretor Mike Cahill não faz a mínima ideia de como contar a história que tem em mãos. A trama segue vários anos na vida do biólogo Ian Grey (Michael Pitt), que possui como objeto de estudo o olho humano. Nos tempos de faculdade ele transa com uma desconhecida de rosto coberto e passa a querer reencontrá-la, não por acaso, sua única referência é o olho da garota. Assim, enquanto realiza sua pesquisa científica ao lado da amiga Karen (Brit Marling), ele tenta reencontrar a garota desconhecida - e ele a encontrará. Ela se chama Sofi (Astrid Bergès- Frisbey) e está disposta a manter um relacionamento sério com o jovem cientista, embora comecem a aparecer grandes diferenças na forma como ambos enxergam o mundo. Ian pensa como um cientista, enquanto Karen acredita que existe um outro mundo que não conseguimos enxergar, apenas sentir. Assim, o filme começa a explorar o abismo que existe entre o ceticismo de um e a fé do outro. Talvez se o filme desenvolvesse essa relação por mais tempo eu gostasse mais dele, mas basta os dois adiarem o casamento para que eles comecem a se desentender. Ela começa a ficar desapontada com a visão científica que ele tem do mundo e ele começa a considerar que sua amada pensa feito uma criança. Resta dizer que uma guinada brusca do roteiro irá mudar a vida de todos e fazer Ian começar a questionar suas certezas após o nascimento do seu primeiro filho - que colocará em seu caminho uma menina indiana que possui olhos idênticos ao de Sofi. O filme possui três atos que seguem num ritmo oscilante de acontecimentos, para cada momento curioso existe um seguinte que parece estar sobrando. Para cada diálogo interessante existe um seguinte que não acrescenta muita coisa. São três atos que almejam ser profundos em suas pretensões científicas/metafísicas, mas que nem sempre funcionam. Minha decepção só não foi maior por conta da última parte que não chega a surpreender - mas funciona com uma carga emocional que faltou durante toda a história. Exibido em 2014 no Festival de Sundance, o longa deixou claro que o cinema de Mark Kahill é caracterizado por um jeito diferente de fazer ficção científica. Assim como fez em A Outra Terra (2011) ele explora dramas humanos diante da rupturas das certezas científicas, no entanto, o que agrada alguns pode causar bocejos. Penso que falta a Kahill a sutileza de Shane Carruth (de Primer/2004 e Cores do Destino/2013) que cria sci-fis de baixo orçamento engenhosos e de textos meticulosamente lapidados. 

O Universo no Olhar (I Origins/EUA-2014) de Mark Kahill com Michael Pitt, Astrid Bergès- Frisbey, Brit Marling e Steven Yeun. ☻☻

domingo, 13 de março de 2016

PL►Y: Aprendendo com a Vovó

Julia e Lily: jornada entre presente, passado e futuro. 

Em 2015, a veterana Lily Tomlin completou 76 anos e voltou aos holofotes ao participar da série Grace and Frankie do Netflix (que lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor atriz em série de comédia) e do filme Grandma de Paul Weitz (que poderia ter lhe rendido uma indicação ao Oscar de melhor atriz, mas ela teve que se contentar com uma indicação ao Globo de Ouro de atriz de comédia/musical e uma derrota inexplicável para Jennifer Lawrence em Joy). No Brasil o filme teve ainda menos sorte, recebendo o título equivocado de "Aprendendo com a Vovó" e recebendo uma estreia apagada nas telas brasileiras após o lançamento no Festival do Rio do ano passado. Deixando tudo isso para trás, o filme serve para perceber o motivo de Lily ser considerada um dos maiores nomes da comédia americana. Após colecionar dezenas de personagens simpáticos, aqui ela enfrenta um personagem diferente: Elle, uma poetisa lésbica que amarga a morte de sua companheira de várias décadas. Apesar de ainda ter algum prestígio, os dias de glória da escritora definitivamente ficaram para trás, agora ela mal consegue organizar sua vida financeira (especialmente depois que cortou todos os cartões de crédito para fazer um móbile para sua varanda) e amorosa, que anda de mal a pior quando sua namorada mais jovem, Olivia (Judy Greer), mostra-se um tanto cansada com a instabilidade da parceira. Não bastasse todos os conflitos que enfrenta em sua vida pessoal, Elle recebe a visita da neta Sage (a sempre interessante Julia Garner), que aparece para lhe pedir dinheiro emprestado. Como Elle não tem dinheiro e está disposta a ajudar a neta, elas partem em busca de quem possa ajudar, obviamente que o mais interessante não é a busca pelo dinheiro, mas os laços entre as duas que recebem novas nuances e... os fantasmas do passado que Elle encontra pelo caminho. O filme tem uma realização bastante simples, sem edição moderninha, diálogos elaborados ou fotografia exuberante, optando por uma atmosfera realista e investindo na interação entre Lily e Julia. O filme funciona ao ser pontuado por encontros que revelam mais sobre Elle - seja o reencontro com um amor hétero do passado (vivido com charme por Sam Elliot) ou com a filha ressentida (uma elétrica Márcia Gay Harden) - mostrando que o texto e a direção de Paul Weitz conseguem desenhar uma personagem que descobre que embora a graça de sua existência tenha diminuído, Elle deve continuar tentando reencontrar o rumo para os próximos anos que tem pela frente.

Aprendendo com a Vovó (Grandma/EUA-2015) de Paul Weitz com Lily Tomlin, Julia Garner, Marcia Gay Haden, Judy Greer, Sam Elliot e Laverne Cox. ☻☻☻

sábado, 12 de março de 2016

PL►Y: Belle

Raw e Sarah Gadon: preconceitos no século XVIII

Embora não tenha sido lançado nos cinemas brasileiros, Belle traz uma história bastante interessante e nunca explorada no cinema. Dido Elizabeth Belle realmente existiu e, segundo o filme, teve papel importante dentro do movimento abolicionista na Inglaterra. Dido era filha de um oficial da marinha real com uma mulher negra que morreu devido a enfermidades. O oficial encontrou a filha e a levou para ser criada junto à sua família aristocrática -  que ficou preocupada com a repercussão de ter uma criança ilegítima e mestiça criada na família. Esse é justamente o início do filme que, além de contar alguns dos preconceitos enfrentados por Belle, tem como pano de fundo o escandaloso caso de um navio negreiro que matou por afogamento todos os negros a bordo - que  seriam vendidos como escravos - sob a desculpa de não haver suprimentos suficientes na embarcação. Assim, a roteirista Misan Sagay ao lado da diretora Amma Asante, contam duas histórias que se mesclam com perfeição. Gugu Mbatha-Raw tem atuação competente como a jovem negra que cresce junto à uma família nobre da Inglaterra, mas que não pode participar das festas da família ou ser apresentada à sociedade ao lado da prima Elizabeth (Sarah Gadon). Intruída e esperta, Belle começa a perceber que existe algo que não se encaixa na sociedade em que vive - e que seu avô (Tom Wilkinson) sempre evita que ela conheça a pior face. O avô de Belle era chefe de justiça da Inglaterra - o que o colocava no posto de segundo homem mais importante do país (atrás somente do Rei) e tem que resolver o complicado caso do navio assassino. Para auxiliar no trabalho, ele contaria com a ajuda do jovem John Davinier (Sam Reid), mas as ideias abolicionistas de John não são consideradas apropriadas para a convivência com Belle, especialmente porque ela passa a ser cortejada pela interesseira família Ashford. Curioso é que o roteiro utiliza o triângulo amoroso que se forma para lançar um olhar ainda mais interessante sobre as relações da época, sempre vinculadas a dotes, heranças e prestígio. PAra além de tudo  isso, a protagonista terá que encontrar seu lugar no mundo através de sua própria identidade mestiça. Com bela fotografia, boa reconstituição de época e um elenco competente (que conta ainda com Emily Watson, Penelope Wilton e Miranda Richardson), Belle surpreende pelas camadas de sua história (ainda que a diretora tenha optado por nunca deixar a trajetória de sua protagonista muito desagradável aos nossos olhos). Pela história real que retrata de forma tão perspicaz, o filme merece ser descoberto como um retrato do período em que homens eram tratados como simples mercadorias.  

Belle (Reino Unido/2013) de Amma Asante com Gugu Mbatha-Raw, Sarah Gadon, Tom Wilkinson, Sam Reid, James Norton, Emily Watson, Miranda Richardson e Tom Felton. ☻☻☻☻

PL►Y: O Último Sacramento

O Pai e os jornalistas: registros de uma tragédia. 

Na maioria das vezes em que assisto um filme de terror, eu penso que o gênero está entre os mais maltratados do cinema (ao lado das comédias românticas - e, agora, até das comédias cada vez mais cheias de baixarias e vulgaridades pouco variadas). Sendo assim, torna-se gratificante ver um filme de terror que consegue realmente assustar sem truques sanguinolentos ou serial-killers que beiram o ridículo. Esse é o caso de O Último Sacramento, que ainda consegue se safar de um cacoete recente do gênero: a câmera trêmula (que, não sei o motivo das pessoas considerarem que isso injeta realismo nas cenas que se dizem inspiradas no estilo documental - mas... que documentário esse povo anda vendo, eu não faço a mínima ideia). O filme é inspirado num caso bastante conhecido da década de 1970 sobre um grupo de seguidores de um líder religioso, que passou a viver num retiro longe da sociedade "nociva e destruidora dos valores morais e cristãos", mas o que encontraram foi um final trágico - que dá título ao filme. O roteiro utiliza um trio de repórteres do jornalismo investigativo da Vice que resolve seguir a história da irmã de um membro do grupo, o fotógrafo Patrick (Kentucker Audley). Ela passou a viver junto a um grupo no meio de uma floresta, num lugar conhecido como Paróquia Eden. Quando Patrick resolve visitar a sua irmã, consegue autorização para fazer uma matéria sobre o local e chega por lá junto com o jornalista Sam Turner (AJ Bowen) e o cameraman Jake (Joe Swanberg). Após uma longa viagem, chegam ao local e são recepcionados por homens armados, o que já começa a criar desconfiança sobre o pacifismo dos seguidores do tal grupo, mas quando encontram a tal irmã, ela faz questão de deixar claro que aquele lugar é o paraíso. Ainda desconfiados, eles acreditam que depois da entrevista com o líder, que todos chamam de Pai (Gene Jones, arrepiante), a história poderá ser passada a limpo. Não é bem assim. Pai mostra-se um líder tão carismático para o seu grupo quanto assustador para os demais, sempre citando a Bíblia e condenando a vida em sociedade - mas seu discurso deixa mais lacunas do que respostas - e o contato dos jornalistas com alguns moradores que indicam que há algo de muito errado ali só torna tudo ainda mais sinistro. Não cabe contar mais sobre o que acontece no filme, resta dizer que o diretor Ti West foi bastante elogiado pela forma como conduz a tensão de seu filme sem truques baratos, investindo apenas no horror de que o ser humano é capaz ao liderar um grupo de pessoas sem esperança. Em tempos de histeria coletiva motivada pelas redes sociais, O Último Sacramento parece ainda mais aterrorizante, especialmente pelo seu último ato perturbador - e que nos faz pensar que em alguns lugares do mundo, tudo que é apresentado está realmente acontecendo.  

O Último Sacramento (The Sacramentent/EUA-2013) de Ti West com AJ Bowen, Joe Swanberg, Kentucker Audley, Gene Jones e Amy Seimetz. ☻☻☻

sexta-feira, 11 de março de 2016

FILMED+: Eu, Você e a Garota que Vai Morrer

Mann e Cooke: a culpa não é das estrelas... 

Premiado em Sundance e exibido no Festival do Rio do ano passado, o filme Eu, Você e a Garota que Vai Morrer demorou tanto para estrear que foi lançado direto em DVD - algo que realmente não entendo. Adaptado da obra homônima de Jesse Andrews (com roteiro do próprio escritor), o filme conta a história da relação do adolescente Greg (o promissor Thomas Mann) com Rachel (a ótima Olivia Cooke da série Bates Motel) após ela ter diagnóstico de leucemia. Os dois nem eram amigos, mas, como Greg deixa bem claro, ele foi obrigado pela mãe a se aproximar da garota que atravessa um momento delicado. O que parece uma amizade difícil de se firmar, aos poucos ganha forma e.... vemos que o filme não é apenas sobre a relação entre Greg e Rachel, mas de Greg com o próprio mundo que o cerca. Afinal, Greg sempre manteve relações superficiais de amizade com todos os que atravessam seu caminho - até com o nunca declarado "melhor amigo de infância" Earl (o bom RJ Cyler) -, mas é com Rachel que ele aprende a realmente se importar com alguém (não que ele seja uma pessoa fria e desagradável, mas por conta de um mecanismo de defesa que os adolescentes conhecem tão bem - e que Earl explica lá pelo meio do filme). O que poderia ser apenas um filme meloso de romance juvenil é elevado a outro patamar pelo diretor texano Alfonso Gomez-Rejon  (que já foi diretor assistente de Ben Affleck, Scorsese e Alejandro Gonzalez Iñárritu), que injeta uma emoção legítima, nada apelativa, na história que assistimos! Além da maneira única como divide a história em capítulos, outros atrativos para a história são o uso de animações e os filminhos feitos por Earl e Greg parodiando sucessos do cinema (destaque para Apocalipse Now e "Laranja Meicânica"). Ao ser exibido nos EUA houve comparações do filme com A Culpa É das Estrelas/2014 e com o estilo de Wes Anderson, mas, vale destacar, que o trabalho de Alfonso com os atores é completamente diferente (porém as menções ao cinema de Wes aparecem na trilha, em alguns cenários e ilustrações), sem falar que sua narrativa é muito mais criativa do que a impressa em A Culpa é das Estrelas. Vale destacar que o diretor encontrou um elenco adolescente inspirado, com destaque para Olivia Cooke que entra para o time de garotas mais bacanas do cinema e Thomas Mann (pois é, até a grafia é igual ao do escritor alemão), cujo protagonista aos poucos se humaniza diante do espectador. É verdade que os personagens adultos poderiam ser mais tridimensionais e que alguns irão achar um exagero eu considerar o longa dentro da minha cotação máxima, mas o filme realmente me surpreendeu (principalmente quando pensei que teria mais um daqueles finais arrastados e me deparei com um par de cenas que estão entre as mais lindas que já vi num filme com personagens adolescentes - sempre tão acostumados com seu universo umbigo). Eu, você e a Garota que Vai Morrer pode ter ficado de fora dos cinemas, mas em DVD tenho a vantagem de assistir quantas vezes eu quiser (e não serão poucas).  

Eu, Você e a Garota que Vai Morrer (Me, Earl and the Dying Girl/EUA-2015) de Alfonso Gomes-Rejon com Thomas Mann, Olivia Cooke, RJ Cyler, Nick Offerman, Connie Britton, Molly Shannon e John Bernthal. ☻☻☻☻☻

segunda-feira, 7 de março de 2016

PL►Y: Orgulho e Esperança

O LGSM: tudo por uma boa causa. 

A elogiada comédia Pride (que foi indicada ao Globo de Ouro em 2015) chegou ao Brasil direto em DVD e com um nome que parece retirado de um livro de Jane Austen: Orgulho e Esperança. Assim, dificilmente conseguirá chamar atenção para sua história sobre um grupo de homossexuais londrinos que apoiaram a causa dos mineradores durante a famigerada greve de 1984, contra as medidas do governo Margareth Tatcher. Liderados pelo carismático Mark (Ben Schnetzer), o grupo de ativistas percebeu que poderia fazer doações para os mineradores que viam as finanças minguarem durante a greve. Obviamente que a própria tarefa de prestar ajuda não foi fácil, já que com o preconceito existente, somente um grupo da pequena aldeia de Onllwyn, no vale Dulais do País de Gales, aceitou as doações de Mark e seus amigos - quase que por engano, já que não se deram conta de que era um grupo de gays e lésbicas que ligaram para  o comitê grevista oferecendo ajuda. O diretor Matthew Warchus faz o possível para deixar os filmes nos moldes de uma produção capaz de agradar todos os públicos, não ousa nas cenas homo-afetivas e capricha no bom humor para contornar os momentos de mal estar que começam a existir entre as famílias mais conservadoras. Enquanto os dois grupos tentam ajustar as diferenças em nome de uma causa comum, o roteiro mistura as histórias de alguns personagens, a que recebe mais destaque é a do jovem Joe (Adam MacKay) que está começando a descobrir sua sexualidade e a  esconde dos pais. Os nomes mais famosos do elenco estão entre os habitantes do vilarejo grevista, que conta com Imelda Staunton, Bill Nighy e Paddy Considine como os maiores entusiastas da união entre os dois grupos tão semelhantes em sofrer injustiças e perseguições na Inglaterra dos anos 1980. Embora alguns possam argumentar que o filme é uma versão ingênua do que realmente aconteceu durante o episódio, resta lembrar que o filme enquadra-se num gênero cada vez mais comum no cinema inglês - que já deu fruto a Revolução em Dagenham (2010), Garotas do Calendário (2003) e  Ou Tudo ou Nada (1997), onde os ingleses fazem humor com o contexto social do país, o resultado gerar filmes que são agradáveis de se assistir e que fazem pensar por não perderem de vista os problemas que abordam. Em Orgulho e Esperança, para além do preconceitos e da importância de ressaltar como é produtivo grupos oprimidos se unirem ao invés de ficarem isolados em seus guetos próprios, ele ainda aborda um período em que o fantasma da AIDS começava a assombrar a comunidade gay mundial. Simpático e bem humorado, o filme de Matthew Warchus merece uma conferida, nem que seja para ver a energia que o desconhecido Ben Schnetzer imprime no engajamento de seu personagem.

Orgulho e Esperança (Pride/Reino Unido - França/ 2014) de Matthew Warchus com Ben Schnetzer, Adam MacKay, Paddy Considine, Imelda Staunton, Bill Nighy, Dominic West e Andrew Scott. ☻☻☻☻