segunda-feira, 28 de março de 2022

PREMIADOS OSCARS 2022

 
No Ritmo do Coração: o melhor de 2021. 

Com tempo de escrever sobre a cerimonia do Oscar de ontem somente depois do trabalho vamos lá... depois de passarmos anos falando sobre o mico que foi aquela confusão do anúncio de La La Land quando o vencedor era Moonlight, agora o assunto será o tapa que Will Smith deu na cara de Chris Rock. A treta gerou uma mudança considerável na premiação que caminhava até bem capitaneada pelas três anfitriãs Amy Schumer, Wanda Sykes e Regina Hall - se bem que estas duas deslizaram quando abriram as portas da provocação com aquele piadinha ofensiva com O Último Duelo de Ridley Scott alardeando que "ninguém viu, nem o diretor" a plateia preferiu fingir que nem ouviu a alfinetada, dali para o comentário desnecessário de Chris Rock sobre o cabelo de Jada Pinkett foi um pulo... Will e Chris já não se davam bem desde os idos de 2016, quando Jada disse que boicotaria o Oscar por não haver indicados negros e seu esposo ficado de fora por Um Homem Entre Gigantes e Chris (num comentário grotesco envolvendo a cantora Rihanna) disse que Jada nem era convidada para poder fazer algum boicote. Deu no que deu... na hora cogitou-se até que era algo combinado, mas os gritos de Will de que Chris não deveria sua f*cking mouth para falar da esposa dele deixou claro que era real mesmo. Sua atitude foi questionável, mas restou a Chris ficar sem graça olhando para a câmera, se atrapalhar no que deveria ter feito (anunciar o ganhador de melhor documentário) de olhos marejados e ir embora com o rabinho entre as pernas. Com Will não foi diferente, tentando justificar um ato de agressão em rede mundial, naquela que deveria ser a grande noite de sua carreira. Nenhum ganhador  de ontem deu mais o que falar do que o tapa, nem mesmo o fato de CODA ter provado que quem rir por último, ri melhor. Embora seja um filme inclusivo e com o mérito do destaque para um elenco excepcional, por outro lado foi interessante ver a Academia aumentar sua diversidade para ouvir os produtores alardeando que o filme era para toda a família. A ideia que passa é que a Academia mira aqui e acerta ali. Se Ataque dos Cães, o favorito de até pouco tempo atrás levou apenas o prêmio de Direção para Jane Campion (a primeira mulher a ser indicada duas vezes ao Oscar de direção e apenas a terceira a ser premiada na categoria em 95 anos de cerimonia), CODA ainda conseguiu tirar dela o prêmio de roteiro adaptado (já que é a versão do Tio Sam para o francês A Família Bélier/2014). Levando em conta que entre os dez candidatos a melhor filme, quatro são versões renovadas de filmes do passado, o ganhador do maior prêmio da noite diz muita coisa sobre o período atual de Hollywood, assim como o filme que mais levou estatuetas ontem. Segue a lista dos premiados da maior noite do cinema americano e o tradicional  nos meus acertos da noite: 

Melhor Filme

Melhor Direção

Melhor Ator

Melhor Atriz

Melhor Ator Coadjuvante

Melhor Atriz Coadjuvante

Melhor Roteiro Original

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Fotografia

Melhor Trilha Sonora Original

Melhor Canção Original

Melhor Edição
Duna 

Melhor Figurino
Cruella 

Melhor Cabelo e Maquiagem

Melhor Design de Produção
Duna 

Melhor Filme Internacional

Melhor Documentário em Longa-metragem

Melhor Documentário em Curta Metragem
The Queen of Basketball 

Melhor Animação em Longa Metragem
Encanto 

Melhor Animação em Curta Metragem
The Windshield Wiper 

Melhor Curta Metragem em Live-action
The Long Goodbye 

Melhor Som
Duna 

Melhores Efeitos Visuais
Duna 

Placar
Duna - 06 
No Ritmo do Coração - 03
Os Olhos de Tammy Faye - 02 
Ataque dos Cães - 01
King Richard - 01
Amor, Sublime Amor - 01
Encanto - 01
Belfast - 01 
Drive my Car - 01 
007 Sem Tempo Para Morrer - 01 

Acertos: 
18 em 23 palpites!
Mais acertos que no ano passado (apenas 16)! Estou melhorando...

domingo, 27 de março de 2022

#FDS do Oscar: 007 - Sem Tempo para Morrer

 
Daniel: o fim de uma era. 

Fechando este Fim de Semana do Oscar por aqui está o filme de despedida de Daniel Craig enquanto o agente secreto mais famoso do cinema. Bem... na verdade, o Daniel já disse que se aposentaria do personagem desde o sucesso estrondoso de Skyfall (2012). Apesar de todo o sucesso, Craig criticava a postura do personagem, que Bond é machista, misógino e outras coisas que acabou virando motivo de algumas alterações no rumo do personagem a partir de então. O ator acabou topando voltar ao papel em Spectre (2015), que sofria por ser  o filme seguinte do que é considerado por muitos o melhor 007 de todos os tempos. Spectre não chega nem no dedinho do pé do que seu anterior foi, muito por conta de precisar improvisar uma trama que desse continuidade aos fatos que aconteceram no sucesso anterior. De certa forma, Sem Tempo para Morrer padece do mesmo problema. Aqui existe mais uma vez a necessidade de criar uma continuidade a partir de possibilidades pautadas em detalhes de filmes anteriores, colocando, desde a primeira cena o par de James Bond, Madeleine (Léa Seydoux) com uma participação ainda mais importante ao explorar novamente o misterioso grupo vilanesco do lançamento anterior. Desde o início Cary Joji Fukunaga deixa clara a sua intenção de criar um filme impactante. O primeiro momento é cheio de tensão e o espectador começa a entender o que está por vir dali em diante. Fukunaga cria então uma sucessão de cenas impressionantes, de forma que o filme demora a parar para respirar com a chegada dos créditos iniciais embalados por Billie Eilish e a canção tema favorita ao Oscar deste ano. Então conhecemos um MI6 que está diferente após a aposentadoria de Bond e alguns anos de gestão de M (Ralph Fiennes), ao ponto do novo agente 007 ser uma mulher, Nomi (Lashana Lynch) que possui uma visão bastante crítica sobre seu antecessor. Q (Ben Whishaw), Tanner (Rory Kinnear) e Monneypenny (Naomie Harris) também estão de volta em pequenas participações e dispostos a ajudar James em descobrir e impedir os planos do misterioso Lyutsifer Safin (Rami Malek). A história passa a evoluir com mortes misteriosas, experimentos secretos até se misturar de vez com o futuro de Bond. Com duas horas e quarenta minutos de duração, o filme tem alguns problemas para segurar a atenção por tanto tempo, a primeira delas é que o início é tão repleto de momentos arrebatadores que fica difícil manter o ritmo tão elevado dali em diante, quando desacelera para desenvolver a trama ele encontra um grande problema com o vilão da vez, Lyutsifer (sim, é para soar parecido mesmo) que tem uma aparência assustadora (com ou sem máscara), mas que não se sustenta por muito tempo com a atuação gélida de diálogos sem graça ditos por Rami Malek. De ameaçador ele passa a ser estranho e não mais do que isso (sem falar que fiz as contas aqui e uma dúvida ainda paira na minha cabeça sobre o personagem e sua ligação com Madeleine). Outro ponto que me parece desperdiçado foi a presença da nova 007 (e como o filme repete provocativamente ser apenas um número), que não parece desenvolvida o suficiente para tanto alarde que houve em torno dela. Lashana Lynch tem presença forte, charmosa e inteligente, mas... sua personagem não cresce ao longo do filme, tendo um efeito muito parecido com excelente participação de Ana de Armas como a agente novata Paloma, que rouba a cena e vai embora. Tive a impressão que o roteiro assinado pelo diretor, Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe Waller-Bridge foi tão mexido que acabou picotando o que havia de mais promissor e investindo em pontos que na tela não se mostraram tão envolventes (embora tenha um padrão de qualidade que lhe garantiu indicações também ao Oscar de melhor Som e Efeitos Especiais). James Bond chega aqui diferente, é um homem apaixonado com pendores para pai de família (assim como o próprio Daniel Craig) e s acharam que isso era bom para que o ator se aposentasse da franquia. O único astro a viver o papel com chance de fechar sua era com dignidade deve deixar saudade nos fãs e lança um grande desafio para a nova fase que se anuncia. Não é fácil ser Bond no século XXI. 

Sem Tempo Para Morrer - 007 (No Time to Die / Reino Unido - EUA / 2021) de Cary Joji Fukunaga com Daniel Craig, Léa Sydoux, Rami Malek, Lashana Lynch, Ralph Fiennes, Naomie Harris, Ben Wishaw, Rory Kinnear, Jeffrey Wright, Ana de Armas, Billy Magnussen e Christioph Waltz. 

APOSTAS PARA O OSCAR 2022

 
Oscar 2022: Quem leva?

Hoje saberemos quem são os grandes favoritos dos votantes do Oscar. Foram 9.300 membros da Academia que elegeram os premiados que conheceremos esta noite e se você acompanhou as premiações da temporada de ouro deve ter alguma ideia sobre artistas que deverão ser premiados, no entanto, um contingente de votos maior do que qualquer outra premiação torna as coisas um tanto imprevisíveis em algumas categorias, especialmente após a Academia seguir firme no convite à novos membros para tornar mais diversificado o seu resultado. Sim, ainda precisa melhorar muito os critérios dos votantes, especialmente em tempos em que as campanhas de marketing falam mais alto do que a qualidade do que o cinema produziu durante o ano passado ainda marcado pela pandemia. Eu arrisco abaixo quem deverá sair premiado hoje à noite (o que não quer dizer que sejam meus favoritos) e amanhã comento os meus acertos. E você aposta em quem?

Melhor Filme
Ainda acho difícil o filme perder para CODA. 

Melhor Direção
Não tem jeito, será ela.
 
Melhor Ator
Coitado do Cumberbatch. 

Melhor Atriz
Acho que chegou a hora de Jessica mesmo. 

Melhor Ator Coadjuvante
A performance que mais ganhou força na reta final.

Melhor Atriz Coadjuvante
Merecido. Nasce uma estrela. 

Melhor Roteiro Original
Paul Thomas Anderson merece faz tempo. 

Melhor Roteiro Adaptado
Um livro complicado vira um ótimo roteiro. 

Melhor Fotografia
Acho merecido. 

Melhor Trilha Sonora Original
Johnny Greenwood merecia três indicações na categoria. 

Melhor Canção Original
Se Billie perder a audiência despenca. 

Melhor Montagem
O filme vai levar várias categorias técnicas. 

Melhor Figurino
Merecido. 

Melhor Cabelo e Maquiagem
Jessica Chastain nem vai ao tapete vermelho para ver.

Melhor Design de Produção
Acho difícil perder esta. 

Melhor Filme Internacional
Já pode preparar a festa, Japão!

Melhor Documentário em Longa-metragem
Como não votar num filme destes?

Melhor Documentário em Curta Metragem
The Queen of Basketball
É apontado como favorito faz tempo. 

Melhor Animação em Longa Metragem
Eu preferia Flee...

Melhor Animação em Curta Metragem
The Windshield Wiper
Curtas são sempre imprevisíveis... mas...

Melhor Curta Metragem em Live-action
The Long Goodbye
Riz Ahmed fazendo a diferença. 

Melhor Som
Dúvidas? Nenhuma...

Melhores Efeitos Visuais
E Duna será o mais premiado da noite. 

sábado, 26 de março de 2022

INDICADOS AO OSCAR 2022: Melhor Filme

Terminando nosso especial sobre os indicados ao Oscar deste ano, chegamos finalmente à categoria principal: Melhor Filme (e espero que este ano retomem à apresentá-la como encerramento da cerimonia para não ser aquele desastre que foi no ano passado). No entanto, como consegui assistir todos os indicados nesta categoria resolvi deixar a maledicência de lado e destacar o motivo pelo qual cada um pode levar o careca dourado mais cobiçado da noite e, no final, lembro de um que poderia estar entre os dez indicados à Melhor Filme de 2021:

Merece levar pela audácia de Spielberg refazer um clássico.

Merece levar por ser um anti-western que nunca é o que parece.

Merece levar porque o Jude Hill é uma fofura. 

Merece levar por ser tão poético que chega a doer.

Merece levar porque impressiona (e apaga o vexame do filme de 1984).  

Merece levar porque as irmãs Williams fazem História. 

Merece levar por ser do Paul Thomas Anderson. 

Merece levar por retratar o mundo doido em que vivemos.

Merece levar porque é o filme mais querido da lista. 

Merece levar pelo visual com a marca Del Toro de qualidade. 

Merecia ser indicado porque é melhor do que metade da lista. 

#FDS do Oscar: Flee

 
Amin (à direita) e seu amigo: o passado presente. 

Mesmo que saia do Oscar de amanhã sem prêmio algum, o representante dinamarquês na categoria de melhor filme estrangeiro já fez história, uma vez que conseguiu três indicações raras para uma animação encaminhada para a Academia, cravando também indicações à melhor animação e melhor documentário. Nos últimos anos se tornou comum um documentário transcender a categoria de filme estrangeiro e concorrer em outra (foi assim com Honeyland/2019 e Collectiv/2020, no entanto, o efeito é de a chance em uma categoria, anular os votos na outra - já que ambos eram favoritos e perderam nas duas categorias em que concorria). O caso de Flee está mais próximo das ambições do israelense Valsa com Bashir (2008) de Ari Folman, documentário em animação sobre a Invasão do Líbano em 1982 que tentou as mesmas indicações triplas e concorreu apenas na categoria de filme estrangeiro e, mesmo sendo favorito, perdeu a sonhada estatueta. Resta cruzar os dedos para que Flee alcance um resultado diferente de todos os citados aqui e faça História de forma ainda mais memorável. O fato é que o filme consegue ser comovente ao abordar um tema bastante atual de forma bem mais humanista do que costumamos ver nos telejornais. Neste ponto toda dor da guerra entre Rússia e Ucrânia pode ajudar ainda mais a sensibilizar os votantes com a história real de Amin, um homem que está prestes a se casar com  seu parceiro e em uma entrevista revisita sua história marcada pela fuga do Afeganistão em guerra. Há vinte anos que ele esconde a história real de sua família. A fuga com a mãe, as duas irmãs e um irmão para a Rússia (único país que aceitou os refugiados), mas a rotina de pobreza e perseguições fez com que sonhassem com uma vida melhor, recorrendo à ilegalidade para conseguir refúgio em outros países. O diretor Jonas Poher Rasmussen constrói uma narrativa em animação que reproduz as situações lembradas por Amin, das dores do desaparecimento do seu em meio à guerra, o sonho de encontrar-se com o irmão mais velho da Suécia e reunir sua família novamente, além de poder contar sua história sem ter medo de ser deportado. A ideia de não ter um lar e ter que mentir sobre sua origem para não voltar à uma terra natal devastada são aspectos muito presentes no filme. Além do recurso de contar a história através de cenas de animação, o filme utiliza alguns cortes de telejornais relacionados à história de Amin e estabelece uma história individual dentro das consequências de um cenário muito mais amplo e desolador. O mais interessante é como mais uma vez a animação se mostra um recurso interessante para o trabalho com narrativas e memórias, algo que navega bastante contra o preconceito de que "desenho é coisa de criança", quem considera isso irá se chocar ainda mais na forma como o filme retrata o relacionamento de um casal gay com a naturalidade que merece. É um filme real. Triste. Sofrido. Mas no final consegue ainda deixar uma mensagem de esperança com uma realidade que teima em se repetir ao longo da História. Como o filme tem poucas chances na categoria de filme estrangeiro (frente a Drive my Car e A Pior Pessoa do Mundo, ele ficaria em terceiro lugar nos votos) e o prêmio de melhor documentário deve ir para Summer of Soul, eu adoraria vê-lo levar para a casa o prêmio de melhor animação. Entre os cinco concorrentes é o único inesquecível. 

Flee (Dinamarca - França - Noruega - Suécia - Países Baixos - Reino Unido - EUA - Finlândia - Itália -Espanha - Estônia - Eslovênia) de Jonas Poher Rasmussen com vozes de Daniel Karimyar, Fardin Mijdzadeh, Milad Eskandari, Belal Faiz, Elaha Faiz, Sadia Faiz e Georg Jagunov. ☻☻

sexta-feira, 25 de março de 2022

#FDS do Oscar: A Pior Pessoa do Mundo

Renate e Anders: o poder das incertezas.

Julie (Renate Rensvie) está prestes a completar trinta anos. Ela já começou a faculdade de medicina e deixou pela metade quando decidiu que preferia ser psicóloga - mas ao começar o curso, achou que não era muito a sua praia e acabou deixando a faculdade para enveredar na sua paixão pela fotografia. No entanto, ela não sabe muito bem como se aplicar à nova carreira. Na vida amorosa ela também se apaixonou por vários rapazes em relacionamentos curtinhos que não deram em grande coisa... pelo menos até ela encontrar Aksel (Anders Danielsen Lie), um autor relativamente conhecido de graphic novels que já passou dos quarenta anos e está naquela fase de encontrar um relacionamento sério, planejar casamento e filhos... não demora muito para que os dois percebam que estão em fases diferentes da vida, mas eles tentam lidar com isso e permanecerem juntos (pelo menos até Julie começar a repensar se aquele relacionamento será satisfatório dentro de todos os planos de Aksel). Indicado ao Oscar de filme estrangeiro e roteiro original, A Pior Pessoa do Mundo é mais um acerto na carreira de Joachim Trier, cineasta norueguês (e parente  distaaaante de Lars Von Trier) do qual sou fã desde que assisti Mais Forte que Bombas (2015) e Thelma (2017), mas este aqui tem mais relação com o que está sendo chamada de trilogia Oslo, formado pelos dois primeiros filmes de sua carreira (Reprise/2006 e Oslo, 31 de Agosto/2011 que já assisti e prometo comentar em breve por aqui). Como em suas obras anteriores, A Pior Pessoa do Mundo é mais uma prova do talento que Joachim possui para contar suas histórias com uma fluência narrativa atraente, mesmo que esteja contando a história mais comuns do mundo. Aqui o filme mistura um tanto de comédia romântica, coming of age até chegar num drama de fazer chorar, no entanto, mais do que qualquer coisa, o filme é sobre um período decisivo na vida de Julie, aquele em que decidirá o rumo que sua vida tomará. Família? Carreira? Casamento? Filhos? São pontos fundamentais nas decisões que Julie tomará com a chegada da vida adulta e Renate Reinvie transpira cada emoção da personagem com uma notável naturalidade. Suas incertezas e contradições são sempre presentes de uma forma bastante humana, evitando que ela se torne o que o título anuncia e se aproxime cada vez mais uma pessoa normal que ainda busca os rumos de sua vida. Claro que no caminho algumas decisões irão magoar quem está por perto e até ela mesma, mas Joachim conduz o filme com uma elegância que sempre o afasta do lugar comum e do melodrama. Existe um cuidado com o enquadramento e a construção de cada cena que gera alguns momentos inesquecíveis (a cena de Julie correndo com o mundo inerte ao seu redor é uma delas). No desfecho não há rancores, culpas ou ressentimentos, no lugar disso, vemos gratidão às pessoas que foram importantes em sua vida. A Pior Pessoa do Mundo é sobre crescer e tornar-se você mesmo e, por isso mesmo, se torna uma história tão atrativa quanto universal (que se não fosse pela presença do japonês Drive my Car na categoria de filme estrangeiro, provavelmente levaria o Oscar para casa sem problemas). Se Joachim não foi indicado pela direção, ao menos foi lembrado na categoria de roteiro (ao lado do eterno parceiro Eskil Vogt), mas se muita gente reclama que Lady Gaga (Casa Gucci) ficou de fora do Oscar, agora faço parte do time que acha que Renate Rensvie merecia uma vaga no páreo de melhor atriz. Sua performance é tão luminosa que imagino o estrago que outra atriz poderia ter feito na pele de Julie. Assisti em uma entrevista que ela já havia feito uma pequena participação no segundo filme de Joachim Trier e que estava prestes a desistir da carreira por achar que não estava seguindo o caminho que gostaria. Ela acabou levando para casa o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes e foi lembrada com uma indicação ao BAFTA pelo papel de Julie. Mesmo que o Oscar não tenha reconhecido seu trabalho extraordinário, ela é uma das atrizes mais interessante a se ficar de olho nos próximos anos. 

A Pior Pessoa do Mundo (The Worst Person in the World/ Noruega - França - Suécia - Dinamarca / 2021) de Joachim Trier com Renate Reinsvie, Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum, Hans Olav Brenner e Vidar Sandem. ☻☻

quarta-feira, 23 de março de 2022

INDICADOS AO OSCAR 2022: Direção

Jane Campion (Ataque dos Cães) Até pouco tempo atrás, a diretora neozelandesa era imbatível no páreo, mas bastou um comentário controverso no Critic's Choice para todas as certezas de seu Oscar de direção se dissiparem. Será que ainda é a favorita na categoria? Só no domingo iremos descobrir. O fato é que seu talento para fermentar uma história debaixo da trama que se vê é realmente notável. Jane já se tornou a primeira mulher a ser indicada duas vezes ao Oscar de direção (a primeira foi por O Piano/1993 que lhe rendeu o prêmio de roteiro original). Se levar a estatueta da categoria, ela será apenas a 3ª mulher a recebê-lo. Jane ainda concorre ao prêmio de roteiro adaptado e pela produção do filme cotado na categoria de melhor filme. 

Kenneth Branagh (Belfast) Parece que o longa baseado nas lembranças da infância do diretor começa a recuperar o fôlego de quem já foi favorito aos prêmios deste ano. Transitando entre o drama e a comédia com bastante nostalgia, Kenneth entra para história como a pessoa que mais concorreu ao Oscar em categorias diferentes (ele já concorreu em sete categorias diferentes: diretor, ator, ator coadjuvante, curta metragem, produção, roteiro adaptado e roteiro original). Por Belfast ele concorre pela segunda vez à melhor direção (a primeira foi pelo shakesperiano Henry V em 1989). Por Belfast ele concorre ainda a roteiro original e melhor filme enquanto produtor. Kenneth nunca ganhou um Oscar. 

Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza) Procurando fotos do diretor nos sets de filmagem, encontrei apenas fotos dele usando máscara por conta das filmagens na pandemia. Seu nostálgico retrato da juventude na Los Angeles no início dos anos 1970 será conhecido como o filme mais leve de sua carreira. Envolvente em sua narrativa, com ele, o diretor já soma onze indicações ao Oscar (são cinco indicações nas categorias de roteiro, três na categoria de filme e três de direção). Ele já concorreu pela direção de Sangue Negro/2007 e Trama Fantasma/2017. Vale lembrar que pelo filme ele concorre também aos prêmios de melhor filme e roteiro original, se levar algum, será o primeiro de sua carreira.  

Ryûsuke Hamaguchi (Drive my Car) concorrendo também ao prêmio de roteiro adaptado, o japonês em atividade desde 2003 finalmente foi reconhecido pela Academia de Hollywood. Sua habilidade de tecer uma narrativa envolvente em três horas de duração não poderia passar  desapercebida pelo Oscar. Depois de ser aclamado no Festival de Cannes, no Globo de Ouro e no BAFTA, o filme surpreendeu ao transcender a categoria de filme estrangeiro na premiação deste ano. Vale ressaltar que o cineasta lançou outro filme em 2021 que também é digno de elogios, Roda do Destino - que toca em algumas questões também presentes neste aqui. 

Steven Spielberg (Amor, Sublime Amor) parecia uma grande sandice refilmar um clássico ganhador de dez Oscars, mas ao criar para si de criar este desafio somado ao fato de nunca ter filmado um musical ao longo de sua carreira, Spielberg prova que nunca se deve subestimar seu apelo perante a Academia. Embora o filme tenha fracassado nas bilheterias, a trama sobre o romance proibido entre grupos rivais de imigrantes caiu no gosto da crítica e dos votantes do Oscar. Com o filme, o cineasta alcança dezenove indicações ao Oscar, oito na categoria de direção (levou duas vezes por O Resgate do Soldado Ryan/1998 e A Lista de Schindler/1993 que também lhe rendeu o prêmio de melhor filme). 

O ESQUECIDO: Denis Villeneuve (Duna) Quando foi exibido pela primeira vez todo mundo esqueceu de vez aquele vexame que foi o filme de 1984. Quando o longa entrou em cartaz e sua bilheteria provou que as pessoas estavam dispostas a voltar aos cinemas depois da pandemia, o filme foi celebrado de vez e começaram a considerar que Villeneuve era um nome forte para as premiações. De fato ele apareceu em algumas, mas perdeu força na reta final, ficando de fora dos indicados deste ano. Embora sua capacidade de criar mundos realmente impressione, a Academia lembrou dele somente na categoria de Melhor Filme (em que Denis concorre como produtor) e pelo roteiro adaptado. Denis concorreu como diretor uma única vez, por A Chegada (2016). Enfim, como será uma trilogia, Denis tem chances de aparecer mais vezes...

terça-feira, 22 de março de 2022

Na Tela: Drive my Car

 
Hidetoshi e Tôko: a vida em troca de narrativas. 

Último filme indicado ao Oscar de melhor do ano a entrar em cartaz por aqui, o japonês Drive my Car pode ser visto em poucas salas no território nacional, mas a partir do dia 1º de abril estará em cartaz na MUBI. Até chegar ao streaming, o filme já deverá ostentar em seu currículo o Oscar de Filme Estrangeiro após a cerimonia que será realizada no próximo domingo, dia 27 de março (o filme também concorre na categoria de roteiro adaptado e direção, pode ganhar os dois também já que a torcida por ele aumenta cada vez mais. Considerado por muitos críticos o melhor entre os dez concorrentes da categoria de Melhor Filme, Drive my Car é um daqueles acontecimentos cinematográficos que a Academia não pode ignorar. Embora muitos o comparem com Parasita (2019), principalmente por ser um filme asiático no meio de produções em língua inglesa, os dois filmes são bastante diferentes. Drive my Car é mais contemplativo e silencioso. O mais interessante é que se trata de um filme de três horas de duração baseado em um conto de Haruki Murakami com pouco mais de quarenta páginas. O fato é que o diretor Ryûsuke Hamaguchi escreve ao lado de Takamasa Oe ampliando todas as possibilidades que a história do personagem Yûsuke Kafuku oferece em seu contato com diversos personagens. Quando o filme começa, Kafuku (Hidetoshi Nishijima de Creepy/2016) está casado faz tempo com Oto (Reika Kirishina). Os dois possuem uma rotina peculiar ao fazerem sexo, já que ela conta histórias ao esposo, mas que são esquecidas por ela na manhã seguinte e ele as reconta para ela. Suas histórias se tornam roteiros que costumam fazer sucessos. Se Oto ganha a vida como roteirista, Kafuku é um ator de reconhecimento nacional, pelo menos até que uma série de acontecimentos o impeça de continuar na profissão. Quando Kafuku deixa a carreira de lado, ele está no meio da encenação do clássico de Tchekov, Tio Vanya, peça em que interpreta o próprio (e para o qual contava com gravações de Oto para decorar o texto). Passado algum tempo, ele é convidado para dirigir uma versão desta mesma peça e fatos do seu passado vem à tona com a presença de um jovem ator (Masaki Okada), jovem astro televisivo que trabalhou com sua esposa no passado. Ryûsuke Hamaguchi tece então sua narrativa misturando os fios de vida de seus personagens de uma forma desconcertante, revelando cada vez mais um pouco sobre quem está ao redor de seu protagonista, principalmente a jovem contratada para dirigir seu carro (Tôko Miura) que tem sua cota pessoal de tragédias a serem superadas. Existe aqui uma preocupação muito especial com a linguagem, seja em forma de silêncios, idiomas (que inclui uma personagem que se comunica através da língua coreana de sinais), da linguagem teatral ou cinematográfica, no trato objetivo de um texto para chegar à sua subjetividade sobre ele e assim por diante. Com fotografia límpida, trilha sonora singela, o filme promove reflexões de uma forma muito especial ao sobrepor o texto de Tchekov sobre seu protagonista como se fosse um verdadeiro espectro pairando em torno dele. Esta mescla torna o filme tão rico que na contundente cena final sobre o palco você não sabe se o texto se refere ao Tio Vanya ou a Kafuku. Se torna um daqueles momentos mágicos  que vez por outra o cinema é capaz de produzir. Ganhador de três prêmios no Festival de Cannes2021 (incluindo melhor roteiro), Drive my Car dificilmente levará o Oscar de Melhor Filme para casa, mas é o melhor entre os dez concorrentes na categoria. 

Drive my Car (Doraibu mai Kâ/ Japão - 2021) de Ryûsuke Hamaguchi com Hidetoshi Nishijima, Tôko Miura, Masaki Okada, Reika Kirishina, Park Yu-Rim, Jin Dae-yeon e Sonia Yuan. ☻☻