Bullock: calando os desconfiados.
É sempre interessante quando acompanhamos a produção de um filme desde que ele era apenas um embrião. Quando ouvi falar de Gravity pela primeira vez, Alfonso Cuarón ainda procurava uma atriz capaz de facilitar a produção de um filme complicado para realizar. Afinal, toda a ação ressaltava como o espaço pode ser desolador. Apesar de ser um diretor bastante elogiado, Cuarón teve como maior bilheteria de seu currículo Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004), terceiro livro do milionário bruxinho que chegou ao cinema depois das morosas adaptações de Chris Columbus. Na época, o filme foi classificado como o melhor da série (e muitos o colocam nesse posto até hoje), mas até os mais otimistas precisam reconhecer que o sucesso ocorreu mais por conta da franquia do que pelo talento inegável de Cuarón. Seu filme seguinte, Filhos da Esperança (2006) recebeu tantos elogios quanto problemas com a distribuição. Por isso, mal arrecadou o que custou para ser feito. Ainda assim, a Academia reconheceu os méritos do filme que rendeu duas indicações ao Oscar (Edição e Roteiro Adaptado), vale lembrar que antes o diretor recebera a indicação pelo roteiro de E Sua Mãe Também (2001), filme mexicano que se tornou cult entre os cinéfilos. Mas (infelizmente) nada nesse currículo capacitava o diretor perante os estúdios para filmar Gravidade. A coisa só começou a andar quando o texto caiu nas mãos de Sandra Bullock. Na época a atriz acabava de colocar o seu Oscar pelo açucarado Um Sonho Possível (2009), e entre tantos comentários que repetiam que sua atuação não era para tanto, ter em roteiro de ficção científica em que você é o centro das atenções mexe com o ego de qualquer um (além de poder servir de ótimo instrumento para calar os mais desconfiados). Ok, Sandra! Você venceu. Seria uma completa maldade creditar todo o espetáculo organizado por Cuarón somente aos efeitos especiais. Gravidade é acima de tudo um filme genial por preencher de humanidade toda a tecnologia que ostenta. Quem for ao cinema para assistir uma aventura de astronauta poderá encontrar só isso, mas quem mergulhar nas camadas de seu roteiro irá perceber que o filme é muito mais do que isso. Além das qualidades técnicas irrepreensíveis, penso que o filme não conta a história de uma astronauta à deriva lutando para sobreviver, mas de como o ser humano precisa lidar com seus fantasmas e medos para prosseguir. A atuação de Bullock mostra isso na medida certa! Contida e introspectiva, podemos sentir o nó que sente na garganta, o desconforto de não coordenar os movimentos, a sensação de que o seu destino não lhe pertence mais... a história poderia se passar num submarino, num cofre, num road movie, mas o espaço amplia o desconfortável isolamento de forma ainda mais devastadora - e dá a chance de Cuarón criar cenas plasticamente inesquecíveis. Os mais xiitas vão reclamar, mas Cuarón bebe diretamente na narrativa de 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, justamente no que ela possuía de mais complicado: a lentidão nos movimentos e os longos silêncios. É visível o cuidado na criação de cada cena, cada emoção de cada personagem, cada efeito visual (em 3D a sensação de ser um astronauta é a mais próxima que poderei ter). É verdade que Cuarón teve a necessidade de criar cenas de ação para captar a quantidade de público necessária para que o filme se pague (afinal é um filme que custou mais de cem milhões de dólares, mas já arrecadou o dobro disso num ano minguado), mas em nenhum momento o longa desafina. Cuarón mostra que cinema pode ser de entretenimento sem perder qualidade artística, prova que um filme para ser bom deve dizer mais do que o aparente. Há quem critique a sucessão de acidentes, a história da filha morta, George Clooney (ótimo em cena) parecer um anjo da guarda, sinceramente, esses devem procurar outro filme para assistir. Vai ser brega eu dizer que todos somos Ryan Stone (e o nome não é unissex por acaso), que contempla o silêncio do vazio até preferir sentir o conforto do lar - que de tão longe parece nem existir mais. Quando o lar parece cada vez mais distante, a voz de um desconhecido, o latido de um cachorro, uma canção de ninar é capaz de inebriar a alma e até motivar para que possamos caminhar novamente... E a Terra? Imensa. Azul. Nunca emanou tanta segurança, tanto acolhimento, tanto lar.
Gravidade (Gravity/EUA-Reino Unido/2013) de Alfonso Cuarón, com Sandra Bullock, George Clooney e Ed Harris. ☻☻☻☻☻
Gravidade (Gravity/EUA-Reino Unido/2013) de Alfonso Cuarón, com Sandra Bullock, George Clooney e Ed Harris. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário