segunda-feira, 31 de outubro de 2011

FILMED+: Hedwig


John Cameron Mitchell: ótimo diretor, ator, roteirista, cantor...

Involuntariamente acabei falando dos filmes de John Cameron Mitchell em ordem cronológica inversa e posso dizer que deixei o melhor para o final. Hedwig é uma peça escrita por Mitchell com ajuda do compositor Stephen Trask nas (ótimas) canções. A peça sobre o transexual que vendeu a alma para o rock se tornou um musical premiado, recebendo recentemente uma montagem paulista (a mesma que nasceu no Rio de Janeiro com elenco encabeçado por Paulo Vilhena e direção de Evandro Mesquita -devo dizer que em sua versão para os palcos brasileiros algumas ideias estapafúrdias não ajudaram muito, como o fato de Hedwig ser interpretada por dois homens, e que as canções perderam o impacto com a tradução e interpretação de nossos atores - que não cantam, apenas tagarelam as letras sobre uma banda enfurecida que não deixa ouvir o que eles dizem). Hedwig virou filme em 2001 pelas mãos de seu autor, Mitchell que ainda interpreta, com gosto,  o protagonista. Devo dizer que fico em dúvida se Mitchell é melhor ator ou diretor (já que consegue sempre lidar com uma série de ideias não muito simples de forma articulada e original, seja no drama - como o recente Reencontrando a Felicidade com Nicole Kidman - ou no drama erótico - Shortbus/2006). Ao encarnar Hedwig, Mitchell entrega uma atuação tão comovente quanto impagável, ele simplesmente desaparece em cena (quem já viu o moço vai ficar surpreso com sua cara de rapaz comportado) deixando-se levar pela personagem amargurada por ter suas canções roubadas por um ex-namorado, Tony Gnosis (Michael Pitt, que sempre convence em tipos esquisitos) que se torna famoso a partir delas. Hedwig na verdade é um rapaz nascido na Alemanha Oriental e padeceu do lado comunista do muro (como deixa bem claro primeira canção do filme, "Tear me down", que funciona como cartão de apresentação da trama). Para sair de seu país de origem se submeteu a uma cirurgia de mudança de sexo mal sucedida (que dá origem à "polegada raivosa" do título em inglês e ao nome de sua banda), tendo que assumir a identidade da mãe. O filme constrói a trajetória da personagem  através das músicas (que possuem letras geniais, como "The Origin of  Love" onde explica sua sexualidade híbrida ou o hino "Midnight Radio"). Ao contrário de Shortbus, Mitchell tem o maior cuidado para não deixar seu filme explicíto, optando por momentos puraramente lúdicos - como a utilização das canções, de desenhos de traço infantil para mostrar cenas desagradáveis da vida de sua estrela e o simbolismo das balas em formato de ursos sufocados dentro do pacote plástico. O filme tem tantas ideias e referências tão bem articuladas (glam rock, Nina Hagen, drag queens, Farrah Fawcett...) que é impossível ficar indiferente ao mundo incomum que Mitchell nos convida a mergulhar. Indo da comédia ao drama (tem como não se comover com Hedwig pedindo para amá-lo simplesmente do jeito que ele é?), o filme se equilibra entre a caricatura, o realismo e a fantasia de maneira que parece até fácil. Além dos prêmios de filme e direção em Sundance (2001) o filme ainda foi premiado no Festival de Berlim no ano de seu lançamento. O filme ainda obteve a merecida indicação ao Globo de Ouro (2002) de melhor ator de comédia/musical para Mitchell e acabou virando cult (tão cult que permanece inédito em DVD no Brasil). É o tipo de filme para ver e comprar a trilha, já que o filme merece lugar entre os melhores musicais de todos os tempos (é infinitamente superior às fraudes feitas por Rob Marshall). Voltando à minha dúvida se JCM ser melhor ator ou diretor, o cara ainda manda muito bem no palco (voz correta, punch rockeiro e a sensibilidade nas interpretações que colocam muito rockstar no chinelo)! O ato final, que é puro surrealismo, é de uma  profundidade inacreditável e retrata fielmente o momento em que Hedwig percebe que na vida tudo é transitório, das vitórias às derrotas. 

Hedwig - Rock, amor e Traição (Hedwig and The Angry Inch/EUA-2001) de John Cameron Mitchell com John Cameron Mitchell, Michael Pitt, Mirian Shor, Michael Aronov, Rob Campbell e Stephen Trask.

domingo, 30 de outubro de 2011

DVD: Se enlouquecer, não se apaixone


Keir e Zack: estressados com o mundo contemporâneo.

Se eu fosse dono de uma distribuidora eu iria demitir um funcionário sempre que ele sugerisse títulos cretinos feito esse Se enlouquecer, não se apaixone. O filme, inédito nos cinemas daqui e lançado diretamente em DVD, recebeu esse nome por conta da presença de Zack Galifianakis, de Se Beber, Não Case (2009) e força a barra por conta do romance discreto do protagonista com a personagem de Emma Roberts. Está certo que eu daria um desconto ao meu funcionário, já que o título em inglês deste longa metragem não ajuda muito ("It's kind of a funny story" ainda me parece desengonçado e daria uma tradução: É tipo uma história engraçada) sem dizer muito sobre do que se trata este simpático filme. Baseado no segundo romance de Ned Vizzini (inspirado em sua própria internação por depressão em 2004), o filme acompanha o personagem Craig (o bom Keir Gilchrist) que anda estressado e meio deprimido com as pressões de ser um adolescente. Sei que pode pareceer algo fútil, mas o filme (com a assinatura de Anna Boden, roteirista do down Half Nelson/2006) deixa claro que não aborda os descerebrados da geração American Pie, mas um grupo específico de adolescentes que não consegue lidar com as pressões dos estudos, as expectativas de garantir uma vaga numa boa universidade e ainda ser bem sucedido na profissão, na vida financeira, amorosa, sexual e tudo mais. Craig está à beira de um surto. Claro que a carinha comportada de Keir faz tudo isso parecer um exagero, mas é difícil não se identificar com o que está passando. Fica claro que todos no hospital quer mais do que mostrar para o jovenzinho de dezesseis anos que existem pessoas com problemas mais sérios que ele, mas ao mesmo tempo isso não o isenta de ter problemas. Os personagens que cruzam o caminho de Craig lhes proporciona um crescimento que dificilmente teria em outro lugar. Entre esquizofrênicos, suicídas, agorafóbicos, obsessivos compulsivos e deprimidos, Craig começa a rever os seus valores e perceber que o problema não está com ele, mas no mundo que lhe foi apresentado. Por que todo mundo precisa ser presidente ou executivo milionário? Existe um bocado de pressão na transição da adolescência para a vida adulta e o filme tem seu foco nesse momento em que pensamos decidir o que seremos para o resto da vida levando em consideração o que os outros desejam para nós. Crescer não é fácil e o melhor amigo de Craig na clínica, Bobby (Galifianakis, convincente num papel mais emocional que de costume) deixa isso bem claro. Apesar de simpático, é preciso um bocado de boa vontade para acreditar que um manicômio pode ser um local tal agradável de se viver por cinco dias. Além disso, se toda psiquiatra fosse a Viola Davis (estupenda como sempre na pele da Doutora Minerva) o mundo estaria salvo!   Mas esses são problemas menores diante de um filme  bem realizado e sensível com as inquietações dos adolescentes que levam o mundo a sério. Tanta pressão, quase fizeram com que o personagem quase fosse levado pela sandice de que a arte era um sinal de "decadência burguesa" e despediçasse sua existência. Falando nisso, um dos momentos mais bacanas do filme é quando o elenco dubla Under Pressure, preciosa parceria do Queen de Freddie Mercury e David Bowie - dois talentos que também devem ter sobrevivido a um bocado de crises existênciais.   

Se Enlouquecer, não se apaixone (It's Kind of a funny Story/EUA-2010) Ryan Fleck e Anna Boden com Keir Gilchrist, Viola Davis, Zack Galifianakis, Jeremy Davies e Emma Roberts.

DVD: Os Inquilinos


Descartes: existo, logo, temo!

Quando vejo o nome de Sérgio Bianchi assinando um filme eu já fico assustado, afinal todo mundo que conhece o cineasta sabe do que seu realismo pessimista sobre a sociedade brasileira é capaz de fazer (basta procurar seu clássico Cronicamente Inviável/2000 para lembrar). Apesar de ter feito sucesso em alguns festivais, Os Inquilinos passou em branco nos cinemas e merece ser descoberto em DVD. O filme me revelou um Bianchi mais sereno, ainda assustador por sua perspicácia, porém mais sutil ao abordar seus temas recorrentes. A inspiração do título vem claramente do clássico de Polanski (O Inquilino/1976) e basta ver os primeiros acordes de seu filme para saber que também se trata de um suspense dramático dos bons.  Ambientado na periferia paulistana, o filme explora as mudanças na vida de um casal comum após a chegada de novos vizinhos. Valter (o excelente Marat Descartes) trabalha carregando frutas durante o dia para sustentar a esposa (Ana Carbatti) e o casal de filhos. Apesar da vida dura, Valter estuda à noite na certeza de conseguir algo melhor para a família. Tudo vai bem, até o lar doce lar ser ameaçado pelo trio de vizinhos que se muda para casa ao lado. Ninguém sabe de onde vieram. Eles  falam alto, são barulhentos, levam mulheres para lá, trocam insultos e parecem estar sempre metidos em confusão. Ao invés de optar pelo caminho mais óbvio da violência, Bianchi prefere trabalhá-la por dentro, evidenciando as tensões que corroem seus personagens, seja  pela agressividade que presenciam nas ruas ou a ameaça de que o mundo particular agora está em perigo. Valter tem consciência do que é ser um cidadão correto, mas o mundo ao seu redor parece estar sempre afirmando que não está dando a mínima para isso. Seja pelo patrão que se recusa a assinar sua carteira de trabalho, seja pelo cabeludo motoqueiro que quase o atropela no caminho para o trabalho, as ameaças dos traficantes na área em que estuda, os ônibus queimados pelas ruas ou os vizinhos bagunceiros que estão sempre desafiando as regras que fizeram do bairro em que mora um lugar sossegado. Valter vive repetindo que seu pai construiu aquela casa tijolo por tijolo, sempre que sua esposa demonstra impaciência diante da moradia que tornou-se vizinha de uma bomba-relógio. Essa tensão na vida de Valter só cresce quando a tesnão no bairro aumenta e o vizinho, que o viu crescer, sente que está com a vida ameaçada pelos inquilinos. Bianchi soma uma série de ingredientes que indicam um caminho que o espectador não quer ver (torcemos para que Valter não resolva fazer besteiras, mesmo que suas manias de imitar o cão de estimação aponte cada vez mais para o contrário). A tensão é crescente e o realismo do cotidiano dos personagens é palpável pelas sutilezas que o diretor coloca aqui e ali, talvez por isso o final traga alguma surpresa - mas não impede que sintamos um pouco mais de nossa calada indignação de cada dia.  

Os Inquilinos (Brasil/2010) de Sérgio Bianchi com Marat Descartes, Ana Carbatti, Umberto Magnani, Caio Blat, Cássia Kiss, Zezé Barbosa, Leona Cavalli e Fernando Alves Pinto.

DVD: Você não conhece Jack


Pacino: grande momento como o Dr. Morte.

A eutanásia é um dos temas mais polêmicos da atualidade e talvez por isso fica difícil lembrar de Jack Kevorkian, mais conhecido como Doutor Morte, sem lembrar daquela cara de maluco que estampa jornais e revistas sempre que o cara enfrentava o tribunal. Acho que os produtores deste telefilme da HBO sabiam que para o programa ser um sucesso deveriam ter um ator capaz de modificar totalmente a ideia que poderíamos ter do homem por trás daquela foto, claro que ver Al Pacino em cena ajuda a acompanhar qualquer história, mas neste telefilme sua presença é o que mais prende a atenção. Não que o filme seja ruim, pelo contrário, é bem realizado dentro dos padrões HBO de qualidade, consegue ser imparcial e de quebra ainda rende os melhores trabalhos de seu diretor (Barry Levinson, que faz tempo que não entrega um filme bacana na telona), Susan Sarandon (que vive desperdiçada em produções de gosto duvidoso Made in Hollywood) e o próprio Pacino (que vai pelo mesmo caminho de Susan há tempos) nos últimos anos. O filme não chega a ser um panfleto pró-eutanásia, mas planeja dissecar o homem que se tornou conhecido por ser um dos maiores defensores do suicídio assistido (um eufemismo de cunho científico). Apesar de ter rejeitado mais de 90% dos candidatos aos seus métodos (Jack alegava que a maioria não passava de suicidas) Kervokian  ajudou um bocado de gente a deixar esse mundo. Jack Kervokian é um patologista de origem armênica, médico aposentado de Detroit, que assistiu a morte lenta e dolorosa de sua mãe, ficando evidente a forma como o episódio afetou sua visão sobre doentes terminais. Tornando-se defensor do suicídio assistido, Kevorkian construiu uma máquina que permitia que o enfermo controlasse a própria morte através de medicação pesada. Assim ajudou mais de 130 pessoas morrerem - fato que fazem muitos o classifiquem como serial killer. Se Pacino é o maior responsável pelo centro da narrativa corretamente fúnebre, seus parceiros de elenco não ficam atrás. John Goodman interpreta seu simpático parceiro de serviços, Brenda Vaccaro dá contornos irresistíveis à irmã de Kevorkian, Susan Sarandon vive uma defensora de sua causa e Danny Houston (com uma curiosa cabeleira) dá vida ao seu advogado - que entrou para a carreira política após garantir a capa da revista Time para Jack após inúmeras vitórias perante a justiça americana. Apesar de algumas doses de humor (especialmente quando o protagonista enfrenta os tribunais) o filme não tem medo de ser desagradável ao exibir os métodos do Doutor Morte ou os vídeos que sua equipe registra durante os seus trabalhos. Diante de uma trama tão perigosa, Pacino dita o equilíbrio do filme, sempre certo do que está fazendo exalando paixão pela causa de seu personagem e um bocado de frieza diante de algo que aflige a humanidade desde o início de sua existência: a morte. Hoje, Kevorkian, tem 83 anos e participou da divulgação do filme após ser libertado em 2007 depois de cumprir oito anos da pena de 25 anos por homicídio.    

Você não conhece Jack (You Don't Know Jack/EUA-2010) de Barry Levinson com Al Pacino, John Goodman, Susan Sarandon e Danny Houston.

sábado, 29 de outubro de 2011

DVD: Criação

Bettany: entre a fé e a ciência

Criação foi um filme que acompanhei a produção cheio de expectativas. Afinal de contas não é todo dia que vemos a promessa de uma cinebiografia sobre Charles Darwin no conturbado momento em que criava sua polêmica obra: A Origem das Espécies. Colaborava muito para a expectativa crescente a presença de um dos melhores e mais  desperdiçados atores do cinema atual: Paul Bettany. Acrescente a isso o fato dele atuar ao lado da patroa Jennifer Connely e o filme tinha tudo para fazer bonito nas bilheterias e nas premiações. Não foi bem assim. O filme recebeu críticas mornas e passou praticamente em branco nos cinemas e nas premiações da vida. O motivo? Acho que com medo de levantar mais polêmicas do que deveria, o estúdio preferiu um lançamento discreto em escala mundial e, para piorar, a crítica pegou no pé do diretor Jon Amiel argumentando que seu filme abordava qualquer coisa, menos a genialidade de Darwin e de sua obra. Até entendo esta posição, mas acho extremamente injusto acusar um filme de não ser o que ele nunca quis ser. O roteiro, assinado pelo próprio diretor e John Collee, concentra-se num lado mais íntimo da vida de Darwin e que rendeu grande polêmicas em casa: o fato de muitos considerarem que sua obra matava Deus. Pensar que as espécies surgiram e evoluíram de forma menos divina do que a igreja pensava poderia levá-lo para a fogueira em outras épocas. Quando criou seu legado, Darwin teve que resolver as pendengas em casa com a esposa católica e com o vizinho amigo e padre (Jeremy Northan). Além dessa encruzilhada particular entre ciência e religião, Charles, pai de família, devotado e recluso tinha que lidar com a morte de sua primogênita, Annie (Martha West). O filme deve ser realmente decepcionante para quem espera uma aula sobre Darwinismo, afinal não conta com mais do que alguns causos pautados em suas observações e algumas anedotas interessantes, mas que os iniciados no assunto não devem achar muita graça - assim como o ciclo iniciado pelo jacaré em decomposição que é interessante, ainda que já vista antes.Os Darwinistas também devem se irritar quando vêem seu herói na tela conversando com a filha morta se culpando por ter casado com uma prima, mas, para quem quer conhecer os conflitos que estavam por trás de uma obra revolucionária o filme cumpre o seu papel com muitas qualidades (ainda que quase afirme que seu conflito com a religião ocorreu pela morte da filha). Além de Bettany e Connely, que estão em bons momentos à frente do elenco - que conta ainda com Toby Jones e Benedict Cumberbatch (da série cult Sherlock)- o longa conta ainda com fotografia bem cuidada, belas locações e figurinos corretos. A direção de Jon Amiel também não compromete o resultado final e admiro sua coragem de colocar Darwin em meio a um drama familiar quando todo mundo queria ver um cientista aguerrido. Fragilizado, recluso, observador e questionado,  o filme comove por ter um personagem que é menos mito e mais humano.

Criação (Creation/Reino Unido - 2009) de Jon Amiel com Paul Bettany, Jennifer Connely, Toby Jones, Jeremy Northam e  Benedict Cumberbatch.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

CATÁLOGO: A Morte Lhe Cai Bem

Goldie e Meryl: Eternamente jovens (eternamente mesmo...) 

Neste final de semana revi um filme que sempre me faz dar boas risadas: A Morte Lhe Cai Bem, que deve ser o filme mais escrachado de Robert Zemeckis. Antes de ter um Oscar na estante por Forrest Gump (1994) o diretor já tinha em seu currículos filmes divertidos como a trilogia De Volta para o Futuro (1985/1989/1990) e o inovador Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), mas esta comédia de humor bizarro estrelada por três atrizes renomadas (Meryl Streep, Goldie Hawn e Isabela Rosselini) e um astro que estava com tudo na década de 1990 (Bruce Willis) era o ápice do cinema fantástico do diretor, antes da oscarização com Forrest. Teve crítico que torceu o nariz para essa sandice de Zemeckis que deve muito ao cinema trash. A trama absruda conta a saga de duas inimigas, uma arrogante diva hollywoodiana, Madeline Ashton (Streep que não tem medo de exagerar quando pega uma comédia pela frente) e uma roteirista, Helen Sharp (Hawn). As duas tem um relacionamento estranho regado à muita inveja e ego ferido desde a adolescência - e as coisas só tendem a piorar quando Madeline rouba o noivo (Willis, um perfeito paspalho) de sua amiga. Helen fica inconsolada, passa sete anos engordando e revendo um filme em que Madeline é assassinada (fique atentos à cara de psicótica que Goldie faz quando é levada pela polícia). Como o tempo passa para todo mundo, Madeline enfrenta a decadência de sua carreira e de seu casamento - regado às frustrações dela e do esposo (que de cirurgião plástico se torna maqueador de cadáveres). É nesse período deprimente que o casal recebe o convite do lançamento do livro de Helen  e se surpreendem com a aparência da escritora. Acho que nunca um roteiro fez tanta chacota com a mania das pessoas ficarem jovens para sempre - já que Madeline acabará encontrando uma bruxa (Rosselini, num papel que vive seminua conservaderrerésima aos 71 anos!!!!) que lhe dará uma poção estranha que a  rejuvenescerá e manterá assim para sempre. Sempre mesmo! Madeline só não contava com um pequeno efeito colateral que a tornará uma espécie de morta-viva. Há muito exagero em A Morte Lhe Cai Bem, mas tudo funciona como deve no perfeito tom de farsa impresso por Zemeckis. A brincadeira com o tom dos filmes de terror (trilha de suspense, olhos arregalados, relâmpagos e trovões) e o surrealismo funciona muito bem, especialmente pelas divertidas atuações do elenco e os efeitos especiais - estes até ganharam o Oscar e ainda hoje impressionam (seja pelo que faz com o pescoço de Meryl ou com o buraco no estômago de Goldie Hawn). Não bastasse brincar com essa estranha poção da juventude (que tem a imortalidade como efeito colateral) com personagens fictícios, o roteiro ainda se diverte com a festa onde muitos artistas que estão considerados mortos aparecem para se confraternizar (Marilyn, James Dean, Elvis Presley...). Basta entrar na brincadeira para se divertir um bocado. Aproveita e me diz se você também identificou a expressão de Miranda Priestley (papel de Meryl em O Diabo Veste Prada/2006) entre as caretas de sua Madeline. Revendo os antigos filmes de Zemeckis sempre penso quando ele vai parar de fazer aquelas animações metidas à besta como Beowulf (2007) e Os Fantasmas de Scrooge (2009) e nos divertir de verdade!

A Morte Lhe Cai Bem (Death Becomes Her/EUA-1992) de Robert Zemeckis com Meryl Streep, Bruce Willis, Goldie Hawn e Isabella Rosselini.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Combo: Queridos Ridículos

Existem aqueles atores que não tem limites para mostrar seus talentos, muitas vezes encaram situações improváveis e conseguem sair  vitoriosos dessas situações constrangedoras. Muitas vezes podem não ganhar prêmios, mas aumentam seu fã-clube ao demonstrar que conseguem ser ridículos sem perder a ternura! Preparei uma listinha de filmes com cinco atores despudoradas quando o assunto é fazer rir com seus personagens queridamente ridículos...

5 O Virgem de 40 Anos (2005) Steve Carell já havia aparecido em algumas comédias, sempre como voluntarioso coadjuvante. Seu nome foi para os altos dos créditos quando encarou este arriscado filme de Judd Apatow sobre um homem de quarenta anos que nunca fez sexo. E devemos reconhecer que sem Carrell o filme amparado no contraste de Andy Stitzer (Carrell) com a malícia de seus amigos - e sociedade em geral - o filme teria menos fôlego. O longa parece repetir sempre a mesma piada (mas não evita colocar seu personagem em algumas das situações mais constrangedoras a que um ser humano pode se submeter - a confusão com os preservativos, as suas pretendentes complicadas, a depilação e os xingamentos Kelly Clarkson, o finalzinho com Age of Aquarius). Nos filmes seguintes, Carrell deixou ainda mais claro o seu segredo em ser adoravelmente ridículo: dosar nas entrelinhas de seu humor pitadas de legítimo drama. O cara voltou a demonstrar que não tem medo se ser respeitosamente ridicularizado em filmes lançados no ano passado: o besta  Um Jantar para Idiotas e o hilariante Uma Noite Fora de Série com Tina Fey.

4 A Morte Lhe Cai Bem (1992) Além de ser recordista de indicações da Academia (16!!!) e ter dois Oscars na estante, Meryl Streep adora soltar a franga numa comédia. Ela já havia mostrado que não faz beicinho quando precisa sair do seu status de diva e enfrentar uma perua megera com requintes de crueldade. Ela fez isso antes em Ela é o Diabo (1989), mas foi em A Morte Lhe Cai Bem que todo o senso de preservação é posto para escanteio (que atriz renomada e respeitada se submeteria à cena de... deteminadas partes da anatomia feminina ficando empinada novamente? Pouquíssimas, meus caros, pouquíssimas...). Não bastasse isso, a atriz estava passando dos temidos 40 anos quando participou desta fantasia que brinca com o horror de envelhecer. Esticando o pescoço daqui, empinando o popozão dali, se contorcendo toda acolá, Meryl mostra com quantos truques se (des)faz uma diva! Infelizmente não é sempre que a coisa funciona, e sua partipação no sonolento Mama Mia! (2008) lhe custou posições mais auspiciosas.

3 Trovão Tropical (2008) Owen Wilson teve uma crise depressiva e acabou saindo do filme a ser dirigido pelo amigo Ben Stiller. Acho que ninguém tem dúvida de que Owen é um bom comediante e com muitos fãs pelo mundo - e Stiller se viu num vespeiro quando teve de substituir o louro texano. Sorte que viu que Robert Downey Jr. tinha cara de pau suficiente para interpretar um astro hollywoodiano disposto a mudar de cor e alma para interpretar um negro. No papel de Kirk Lazarus, Downey mostrou que não era só o Iron Man e que conseguia fazer comédia escrachada das boas (o que deve ter rendido a avacalhação do segundo Homem de Ferro, mais cômico e com menos ação em suas mais de duas horas de projeção). Na pele de Lazarus, Downey é uma caricatura ambulante, mas é tão absurdamente brilhante e tão adoravelmente ridículo que acabou indicado ao Oscar de ator coadjuvante (17 anos depois de sua primeira indicação ao careca dourado pela atuação em Chaplin)!

2 Por Trás das Câmeras (2006) Catherine O'Hara é mais conhecida do público como a mãe de Macaulay Culkin em Esqueceram de mim (1990), mas a atriz é uma das musas de Christopher Guest e está sempre disposta a pagar mico em seus filmes! É difícil dizer nos documentários fictícios de Guest quem é capaz de perder mais senso de ridículo, mas,  como o cara coloca quase sempre a mesma patota em seus longas, acho que o desempate fica por conta da overdose de botox da personagem de Catherine que cogita ser indicada ao Oscar por um filme independente. Além da repaginada no rosto (que a faz repetir a mesma expressão monstruosa incansavelmente) ela ainda encurta e decota suas roupas para mostrar que além de boa atriz é uma mulher sexy e atraente [sic]. O'Hara está tão bem no filme que somos capazes de chorar e rir com ela na mesma cena - e como ela deve continuar nos filmes do diretor, ela merece nossa medalha de prata pela promessa de novas adoráveis ridicularizações!

1 Zoolander (2001) Se existe um ator que personifica a Lei de Murphy em todos os seus filmes, este alguém é Ben Stiller. Seja com sogros da CIA pegando no seu pé, criaturas de museu que ganham vida, filmagens no meio de uma guerra de verdade ou ter partes íntimas presas no zíper na noite de forrmatura, Stiller não vê limites em perder o respeito próprio em nome da comédia. Mas seu auge adoravelmente ridículo, foi sua atuação como o top model Derek Zoolander. Um sujeito fashion, filho de carvoeiro, inteligente feito uma ameba, com graves traumas por não saber virar para o lado esquerdo na passarela e que tem seu estrelato comprometido por um ripongo. Da pose de uma expressão só, passando pela conspiração de estilistas liderada por um tal de Mugatu (que pretende transformá-lo em uma máquina mortífera) o filme é puro delírio. Não satisfeito com tanta memorável pagação de mico, Stiller faz chacota até de seus traços faciais imitando um macaco!!! Ainda assim ele não ficou satisfeito e prometeu uma continuação para esta bem humorada sátira ao mundo da moda - e a si mesmo!  

CATÁLOGO: Esperando Sr. Guffman


Guest (ao centro) e sua patota: queridamente ridículos.

Talvez por ter passado a maior parte de minha vida sendo extremamente tímido eu admire tanto quem não tem medo do ridículo. Christopher Guest entrou recentemente na minha lista de queridos ridículos quando vi sua atuação em Esperando por Guffman, filme dirigido por ele mesmo no ano de 1996. Sua carreira como ator é até bem prolífica, tendo feito inúmeras participações especiais em comédias, mas vê-lo como protagonista de um de seus mockumentaries... não tem preço. Ainda mais que interpreta um sujeito tão esquisito como Corky St. Clair, que é convidado por sua cidade, a pequena Maine no estado de Missoury, para fazer uma dramatização sobre a história local. Para a empreitada começa a realizar testes que acaba selecionando um casal de atores decadentes que se dedicam atualmente à carreira de guias turísticos (Catherine O'Hara e Fred Willard), o sério dentista da cidade (Eugene Levy, que também assina o roteito ao lado do diretor), uma jovem sem perspectivas (Parker Posey), um mecânico inexpressivo com pinta de galã (Matt Kesslar) e um velhinho com mais talento do que parece (Lewis Arquette). Para conduzir esse elenco sem muita experiência ele conta com o professor de música com delírios de grandeza da (Bob Balaban) e um bocado de boa vontade. Precisa dizer que os ensaios são um desastre? A graça vem mais uma vez do estilo de Guest em conduzir a narrativa como um saboroso documentário fake, repleto de revelações que não deveriam ser sugeridas, sorrisos amarelos e aquela graça que consegue extrair de um bando de personagens comuns com suas esperanças de sair do anonimato. A busca pelo sucesso é recorrente nas tramas de Guest e desta vez, a promessa de uma grande transformação na vida dos personagens fica pela confirmação da vinda de um renomado crítico da Broadway para ver o tal espetáculo. Com o título inspirado no clássico do dramaturgo Samuel Beckett (Esperando Godot), o roteiro explora o efeito desta visita em um grupo de atores amadores, especialmente em seu diretor, o Sr. Gorky St. Clair. Guest faz o personagem com tanta afetação que desde o início sabemos que o fato dele ser casado com uma mulher é uma invenção (e o fato de ninguém na cidade conhecê-la só comprova o fato) e não satisfeito, ainda o faz delirar pedindo ao governo local um orçamento de 100 mil dólares para fazer uma pecinha modesta na comunidade. Os delírios de grandeza de Gorky chegam ao auge no dia da apresentação, quando o filme alcança seus momentos mais engraçados (e fica a sensação de que o diretor conseguiu construir sua própria companhia de atores, já que trabalha quase sempre com os mesmos parceiros: O'Hara, Levy, Posey, Willard...). O humor de Guest pode até parecer bobo, mas alcança momentos brilhantes (como a chegada do disco voador na peça e a lancheira com o cartaz do sisudo filme Vestígios do Dia são de rolar de rir). Ainda que o final recaia na melancolia recorrente nos desfechos do diretor, o resultado ainda é muito engraçado. 

Esperando Sr. Guffman (Waiting for Guffman/EUA-1996) de Christopher Guest com Christopher Guest, Catherine O'Hara, Eugene Levy, Parker Posey e Bob Balaban.

sábado, 22 de outubro de 2011

CATÁLOGO: Longe Dela

Julie Christie e Gordon Plinsent: entre Alzheimer e provas de amor.

A canadense Sarah Polley é uma atriz famosa no cinema independente. A última vez que a vimos nos cinemas brasileiros foi em Splice (2010) ao lado de Adrien Brody - onde deu uma força para o compatriota Vincenzo Natali naquele que poderia ter sido o melhor filme do diretor. Antes deste sci-fi sobre experiência genética, Polley surpreendeu muita gente em sua primeira  aventura como diretora de longa-metragem, o resultado foi tão elogiado que acabou lhe rendendo uma indicação ao Oscar de roteiro adaptado para o seu trabalho na escrita de Longe Dela. Além do trunfo do roteiro sensível e bem costurado, o filme ainda conta com uma inpirada atuação da diva Julie Christie que lhe rendeu vários prêmios e que só perdeu o Oscar porque o mundo estava descobrindo o fascínio que Marion Cotillard era capaz de provocar na pele de Piaf (2006). Se Christie houvesse ganho, o prêmio estaria em boas mãos.  Na pele de Fiona, a atriz alcança mais um de seus grandes momentos no cinema - não vou nem considerar que nos últimos anos se dedicou a pontas minúsculas em Harry Potter e no emblemático papel da vózinha no micado A Garota da Capa Vermelha (2011). Desde a primeira cena sabemos que Fiona é uma mulher forte e fascinante, mas que começa a lidar com as armadilhas da memória que começa a apresentar traços de Alzheimer. São brilhantes as cenas isoladas que são mostradas no início onde ela confessa que vive saindo de casa em busca de uma coisa que não lembra o que é, ou até mesmo quando não sabe se uma flor em que toca é quente ou se é apenas o efeito de sua imaginação. Curioso é que o filme se dá ao luxo de abordar a situação de sua protagonista através de seu esposo,  Grant (o pouco conhecido Gordon Plinsent). Fica claro, que Fiona foi sempre a grande condutor de uma relação que dura mais de quarenta anos - e que o esposo sente caláfrios só de imaginar que ficará longe dela se algo pior acontecer. Quando é encontrada por ele vagando pela cidade, Fiona deixa clara a sua preocupação e sua internação numa instituição torna-se inevitável. O esposo hesita, especialmente quando descobre que mediante as regras do local, ficará trinta dias sem vê-la. Contrariado ele aceita e a trama de Longe Dela, que já nos comovia desde o início segue por caminhos desconhecidos ao explorar a relação entre este casal. Passado os trinta dias, Fiona não reconhece mais o esposo e para piorar vive com outro paciente por perto, por Aubrey (Michael Murphy), Fiona mostra-se mais apaixonada do que deveria. É neste momento que Polley demonstra seus maiores méritos como diretora, com uma sensibilidade incrível ela consegue dissecar a relação quase platônica que se estabelece no coração de Grant, ao imaginar que um dia ela lembrará dele novamente. Nada é óbvio em Longe Dela, e por isso seu desfecho mostra-se tão imprevisível e emocionante, algo notável para um drama de poucos personagens e trama simples, mas exemplarmente desenvolvida. Polley não perde nenhum de seus coadjuvantes de vista, sempre buscando cenas reveladoras sobre eles (especialmente a enfermeira bondosa e que demonstra saber ler as entrelinhas da relação entre os protagonistas numa cena muito sutil e reveladora) ou a esposa do Aubrey (vivida pela veterana Olimpia Dukakis). Christie merece todos os elogios por sua atuação, mas ela é seguida de perto por Plinsent, que consegue criar várias camadas num personagem difícil com a personalidade girando em torno da esposa.  Banhado em melancolia, Longe Dela é um dos melhores filmes de amor que já vi  e termina com a voz de K.D. Lang entoando os versos de Helpless ajudam um bocado para comover a plateia.

Longe Dela (Far From Her/Canadá-2006) de Sarah Polley, com Julie Christie, Gordon Plinsent, Olimpia Dukakis e Michael Murphy.

DVD: Revolução em Dagenham


Hawkins (ao centro): luta por igualdade salarial e sexual.

Nigel Cole é um diretor fascinado por atrizes, ou seria por mulheres comuns em situações inusitadas? Em O Barato de Grace (2000) Brenda Blethyn descobria que podia ganhar uns trocados cultivando e vendendo maconha, em Garotas do Calendário (2003) Helen Mirren e suas amigas senhoras resolvem posar nuas para ajudar a comunidade. Agora é a vez de Cole  contar a história real de Rita O'Grady (Sally Hawkins, a premiada atriz de Simplesmente Feliz/2008), uma mulher que na década de 1960 se divide entre os afazeres de casa e a vida de operária na fábrica da Ford na pequena Dagenham. Rita e suas 186 companheiras de trabalho são responsáveis por costurar os forros dos carros produzidos. Quase que por acaso, a tímida Rita é escolhida para representar as operárias numa reunião sindical depois da mudança de categoria da classe (de semi-especializada para não especializada). Não demora muito para perceber que naquela reunião da empresa com o sindicato as cartas já estavam marcadas e ela não tinha muito o que fazer além de escutar. Sorte que Rita nota que aquela era a chance de mudar a vida das operárias e começa a sua carreira de líder das companheiras. De uma paralisação de 24 horas, elas acabam iniciando uma greve que revela os meandros das relações entre os sexos na tranquila Dagenham. Se as mulheres apoiaram os homens nas greves passadas - e no início até despertam alguma simpatia - essa parceria não é correspondida, quando a não fabricação dos forros impedem que os carros sejam terminados. Os conflitos em Dagenham começam a aparecer não apenas entre os maridos e esposas, mas entre os homens e mulheres em geral afetando a relação entre operárias. Cole não deixa de produzir um filme simpático (como todos os outros assinados por ele), mas perde muito de sua força ao suavizar demais as relações em conflito.  O mais revelador da trama é a relação interna do sindicato, onde homens e mulheres permanecem vistos com pesos diferentes - e que no momento do impasse entre os dois toma as dores masculinas e hesita em apoiar as operárias (chegam a citar a versão mais distorcida que Karl Marx pode gerar). Cole poderia dar mais seriedade à atmosfera do filme, mas sua intenção não era fazer um filme de verve política, mas contar a história de um grupo de mulheres que fizeram a diferença - no entanto,  não acredito que as dificuldades encontradas por elas fossem apenas leves alfinetadas em tabus e preconceitos. Apesar de exagerar na leveza (e fazer todas as situações caminharem sempre para o previsível) o diretor tem sorte de contar com atrizes inspiradas para viver as mulheres de sua trama. Hawkins demonstra mais uma vez que consegue carregar um filme nas costas, Rosamund Pike tem bons momentos como a esposa inteligente usada como enfeite pelo esposo executivo e Miranda Richardson faz o que pode como uma Ministra unidimensional. Além delas o filme ainda conta com dois acréscimos visuais: Jaime Winstone (que interpreta Sandra, que reproduz o visual de Twiggy, que muitos consideram a primeira top model) e Andrea Riseborough (que reproduz o penteado usado pela militante Brenda - que é o mesmo celebrado 'bolo' usado por Amy Winehouse. Apesar de divertido e bem produzido, Cole se distancia cada vez mais a saudável audácia de seu maior sucesso,  O Barato de Grace

Revolução em Dangenham  (Made in Dangenham/Inglaterra-2010) de Nigel Cole com Sally Hawkins, Bob Hoskins e Miranda Richardson.

domingo, 16 de outubro de 2011

APOSTAS PARA O OSCAR 2012: CAPÍTULO IV

Coriolanus
Da última vez, eu fiquei devendo o outro filme no páreo das premiações deste ano com inspiração Shakesperiana. Coriolanus é a elogiada estreia do astro Ralph Fiennes na direção (e apesar de ter saído de Veneza com as mãos abanando, o filme foi muito bem recebido). Para o debut, Fiennes resolveu voltar às origens no teatro do bardo inglês e trouxe para as guerras contemporâneas a trama do herói romano banido que volta em busca de vingança. Fiennes interpreta o sujeito do título com seu talento consagrado e é seguido por Gerard Butler, Jessica Chastain, Vanessa Redgrave e Bryan Cox. Depois de muito tempo interpretando o vilão de Harry Potter, Fiennes volta a ter sede de prêmios!

Beginners
Faz tempo que Mike Mills demonstra talento com personagens de carne e osso e desta vez a coisa ficou melhor do que ele esperava. Nessa dramédia com traços autobiográficos, o diretor acompanha um designer gráfico deprimido (Ewan McGregor) que descobre que seu pai de setenta e cinco anos resolveu sair do armário (elogiada atuação de Christopher Plummer). Essa informação afeta até seu relacionamento com a namorada (Mélanie Laurent). Mesmo contando com cenas fantasiosas (como o cão que consegue conversar com seu dono através do pensamento) o filme tem sido um dos mais elogiados nos festivais que passou e não deve passar em branco nas premiações.

Take Shelter
Se Ewan McGregor tem a chance de sair de seu jejum de indicações ao Oscar, Michael Sheen corre o risco de voltar a ter uma indicação por interpretar um sujeito esquisito. Sheen foi indicado por personificar o louco muito esperto de Foi Apenas um Sonho (2008) e agora está na mira da premiações por um dedicado pai de família que parece estar mais do que embarcando nas fantasias da herdeira. Será que ele está enlouquecendo? Esta é a pergunta lançada pelo diretor Jeff Nichols que ainda escalou para o elenco a unipresente Jessica Chastain. Elogiado em Sundance, resta saber se a Academia irá reparar nos méritos de mais uma atuação precisamente insana de Sheen.

My Week With Marilyn
Dia desses estava vendo uma reprise do (aguado) seriado Dawson's Creek e fiquei ainda mais impressionado em como Michelle Williams cresceu como atriz! Depois de duas merecidas indicações (coadjuvante por Brokeback Mountain/2006 e Namorados Para Sempre/2010 que acabou de sair em DVD) a atriz está prestes emplacar uma terceira. Interpretando ninguém menos que Marilyn Monroe neste filme do estrante Simon Curtis,  o filme conta a tensa relação do maior ícone de Hollywood com Lawrence Olivier (Keneth Brannagh) durante as filmagens de The Prince and the Showgirl. O elenco é dos bons: Judy Dench, Emma Watson, Dominic Cooper, Julia Ormond, Dougray Scott e Toby Jones - e todo mundo sabe que revisitar um mito de Hollywood no tom certo costuma render frutos fartos...

The Girl With the Dragon Tatoo
Estou realmente apreensivo para ver como vai ficar o primeiro livro da série Millenium nas mãos de David Fincher (já que o original sueco tinha muito do cinema que Fincher fazia na década passada). Por mais que os americanos rejeitem filmes com legendas, o filme sueco foi lançado recentemente e teve grande repercussão (nas premiações, inclusive) tornando as comparações inevitáveis. O relacionamento entre um jornalista em busca de provar a inocência (Daniel Craig) e uma hacker-genial-punk-reclusa-problemática (Rooney Mara) é o foco do filme que investe no suspense. Diante de todas as expectativas, a transformação de Rooney Mara (vista na refilmagem de A Hora do Pesadelo) é a coisa mais celebrada do filme até agora - e o longa nem estreou - há quem aposta que ela será a grande surpresa da já congestionada bolsa de apostas na categoria de melhor atriz.     

sábado, 15 de outubro de 2011

DVD: O Buraco

O alçapão: caminho para o inferno?

Joe Dante já acertou uma vez na mistura de filme de terror e filme para adolescentes. O feito faz tempo, foi em 1984 com Greemlins, tentou repetir a dose na continuação, mas algo se perdeu. Embora tenha trabalhado muito desde então (inclusive em produções para a TV), Dante nunca mais teve outro grande sucesso. Ano passado ele lançou O Buraco um filme filmado em 3D (e não convertido como a grande maioria que aparece por aí), mas acho que por ser simplista demais o filme não fez o sucesso esperado nas bilheterias americanas e acabou saindo direto em DVD por aqui. Realmente o filme é bem fraquinho. A premissa já não é das melhores ao começar com uma família formada pela mãe (a perdida Teri Polo, o par de Bem Stiller da trilogia Entrando Numa Fria) de dois filhos. O mais velho e o mais novo padecem daquela síndrome comum entre os manos de filme americano: agressões físicas e verbais mútuas encaradas como brincadeirinha - o que já não tem a mínima graça. Aos poucos sabemos que todos não gostam muito de falar sobre o patriarca da família e... que vivem se mudando. Poderia ser só mais um draminha desses que passa na sessão da tarde todos os dias, mas a casa nova tem uma espécie de alçapão no porão e, que trancado com um monte de cadeados, promete esconder algo muito perigoso. Quando os irmãos xeretas abrem a tal passagem, descobrem que existe um buraco profundo e que parece não ter fim. Esse toque sombrio poderia colocar o filme nos eixos se não seguisse um caminho cada vez mais óbvio com uma menina fantasma, o brinquedo com a cara mais sinistra desde Chucky e passos de alguém andando pela casa. Você pode até levar um sustinho ou outro, mas é difícil se empolgar com o filme, ainda mais que lá pela metade já dá para entender do que se trata o tal buraco e a lição de autoajuda se torna inevitável. Ou seja, o draminha se torna um suspensezinho de sessão da tarde! Não sei bem como se filma um filme em 3D (ouvi dizer que usam câmeras específicas em posicionamentos diferentes para filmar a mesma cena e dar a impressão de destaque e profundidade), mas deve ser uma técnica muito complicada, principalmente para Dante que trata com total desleixo o seu elenco e os diálogos. Está certo que as falas estão longe de ser uma maravilha, mas são ditas com tantas artificialidade que tudo parece ainda pior quando se tem jovens atores tão chatinhos em cena. Chris Massoglia (que faz o irmão mais velho) está quase pedindo socorro para que alguém lhe diga o que deve fazer em cena, seu olhar é fixo e me parece sempre desengonçado querendo posar de jovem rebelde. Haley Bennett, a lourinha de olhos miúdos que vira seu par romântico também não deixa grande impressão - assim como o irmão caçula (Nathan Gamble) que parece saído de algum seriado da Disney. Quem curte terror inofensivo pode até gostar do filme, mas não custava nada elaborar algo mais do que duas ou três cenas de sustos para satisfazer a plateia.  

O Buraco (The Hole/EUA-2010) de Joe Dante com Chris Massoglia, Nathan Gamble, Teri Polo, Halley Bennett e Bruce Dern.

FILMED+: Garotos Incríveis

Douglas: um sujeito que ensina e que ainda tem o que aprender.

Meus colegas de profissão vão querer me matar quando virem que no Dia dos Professores (que nem tem tanta graça este ano, já que caiu num sábado!!!) eu postei elogios a um filme com um professor que está longe de ser exemplar. Garotos Incríveis não é um filme de professor como estamos acostumados a ver (aquelas tramas edificantes sobre o professor que irá ensinar a um bando alunos desajustados o que devem fazer), para falar a verdade é mais do que um filme de professor, trata-se de um filme sobre pessoas em geral - estes seres-humanos esquisitos cheios de manias, fraquezas, contradições e surpresas.  Curtis Hanson estava no auge quando resolveu adaptar o delicioso livro de Michael Chabon para o cinema. Hanson emoldurou a trama como deveria, com uma levada libertária digna da década de 1960 - mesmo com a trama ambientada no século XXI (a trilha conta com Neil Young, Leonard Cohen e até Bob Dylan cantando a música tema "Things have changed" que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro). Ambientado na Universidade de Pittsburgh, os personagens são pessoas intelectualmente privilegiadas e que possuem um lugar ao sol no mundo da literatura e quem não possui, pelo menos, ambiciona! A trama acontece numa semana especial para esse espaço acadêmico, onde a faculdade recebe a visita de editores dispostos a descobrir novos talentos e é nesta semana tão especial (a Semana da Palavra)  que o professor Grady Trip (Michael Douglas, no papel de sua vida) é abandonado pela esposa e terá que lidar com uma série de situações inesperadas. Não bastasse Trip ser amante da reitora (Frances McDormand, num papel mais charmoso que o habitual) e descobrir que ela está grávida, ele ainda enfrenta o assédio de uma aluna escritora prodígio (Katie Holmes, em um de seus raros bons momentos) e os conflitos com um promissor jovem escritor problemático, James Leer (Tobey Maguire antes de ser Spider Man). Mas todos esses problemas são externos ao mundinho particular de Trip, já que ele ainda receberá a visita de seu editor (Robert Downey Jr.) que está há anos esperando pelo seu novo e aguardado livro. Desde que lançou seu primeiro romance (o cultuado 'A filha do Incendiário') que Trip não entrega um novo trabalho, e se levarmos em consideração que isso já faz sete anos, sabemos que há algo de errado com Trip. Apesar do tempo ter passado, o professor Trip continua preso à uma insegurança quase adolescente que o impede de fazer escolhas (e isso fica muito bem ilustrado quando descobrimos que seu novo e interminável livro já ultrapassa as duas mil páginas) o que afeta diretamente sua inspiração e relaciomento com quem está aos seu redor. Entre essa dificuldade de tomar as rédeas da vida e um baseadinho aqui e ali - além de constantes "blecautes",  Trip conduz sua vidinha até que o criativo (até demais) James começa a envolvê-lo em uma encrenca atrás da outra (um cachorro assassinado, um casaco valioso roubado, mentiras, invasão domiciliar e o assédio do editor gay). Se anteriormente Hanson já havia demonstrado talento em lidar com vários personagens e tramas paralelas de LA Confidential (1997), aqui ele faz a festa com um material rico e infinitamente mais leve. Com atuações inspiradas do elenco encabeçado por Douglas (que alcança aqui uma atuação inacreditável), Hanson conseguiu fazer outra obra-prima. Para quem está cansado de explosões, efeitos especiais em excesso e atores metidos a engraçadinhos o filme é uma grande satisfação! Mesmo sem grandes reviravoltas, o filme consegue trabalhar as surpresas da narrativa sem . sair do tom. Inteligente e divertido, o longa pode parecer uma comédia maluca bem produzida, mas na verdade é um verdadeiro manifesto contra ficar em cima do muro. E ficar em cima do muro, definitivamente não é coisa de Curtis Hanson. Depois deste aqui conseguiu sucesso (e elogios) dirigindo 8 Mile (2002) protagonizado pelo rapper Eminem, um filme de contornos femininos com memorável atuação de Cameron Diaz (Em Seu Lugar/2005)  e caiu na besteira de achar que Eric Bana daria conta de cativar em seu Bem Vindo ao Jogo (2007). Sumido por um tempo, Hanson voltou à ativa com o filme televisivo Too big to fail (2011) que concorreu a onze prêmios Emmy. Para quem está com saudade do cara na tela grande, ele prepara para o ano que vem o drama esportista Of Men and Mavericks com Gerard Butler e Elizabeth Shue... hummm... ainda acho que L.A confidential e Wonder boys serão seus melhores filmes por muito tempo!

Garotos Incríveis (Wonder Boys/EUA-2000) de Curtis Hanson, com Michael Douglas, Tobey Maguire, Frances McDormand, Robert Downey Jr., Katie Holmes, Rip Torn, Jane Adams, Michael Cavadias e Alan Tudyk.

DVD: Usina de Sonhos


Saarsgaard e Foster: arrastando o filme nas costas.

Art Bechstein (Jon Foster) é o jovem filho de um gângster, mas quer distância dos negócios do pai. Por isso prefere ficar distante do pai e trabalhar numa livraria enquanto faz um cursinho preparatório para atuar na bolsa de valores. Talvez por se culpar pela perda da mãe, Art tem problemas sérios de relacionamento, tendo dificuldades de manter vínculos e se satisfazendo em manter relações sexuais com sua gerente (Mena Suvari). As coisas mudam quando conhece Jane (a sempre linda e competente Siena Miller) e o namorado esquisito dela, Cleveland (Peter Saarsgaard). Ao lado do casal, Art estabelecerá um triângulo romântico temperado com muita instabilidade emocional e revelando desejos que Art ainda não havia percebido em sua personalidade. Essa é a trama de Mysteries of Pittsburgh, o primeiro livro de Michael Chabom, lançado em 1988, e que chegou por aqui com o nome Usina de Sonhos após se tornar best seller nos EUA. Convertido em filme palas mãos de Rawson Marshall Thurber fica claro que algo se perdeu pelo caminho. Não conheço este livro do escritor, mas pela escrita de outro que gosto muito (Garotos Incríveis) sei que é deve ser bem mais animado e audacioso do que o que vemos na tela. Quem leu me garante que o diretor mudou muitas coisas para dar um trato mais cinematográfico à trama - especialmente atenuando os contornos homossexuais do protagonista. A impressão é que Thurber jogou toda a responsabilidade da trama sobre os ombros do elenco e esqueceu de criar a atmosfera apropriada para a trama. No elenco, as meninas estão de parabéns. Siena Miller consegue criar uma personagem de carne e osso sem dificuldades (se bem que nunca fica claro como uma garota bonita, sensível e de pendores artísticos se envolve com um sujeito marginal e problemático como Cleveland) e até Mena Suvari se sai bem como o objeto sexual de Art que no fundo é uma romântica. Já os meninos tinham uma tarefa complicada nas mãos, Saarsgaard consegue dar um tom perigoso para o personagem mas peca ao não conseguir lhe dar um contorno tão sedutor quanto a trama sugere e Foster exibe a mesma cara de bom moço de sempre que funciona num personagem tímido de conflitos interiorizados (curioso como ele faz o caminho oposto do irmão Ben Foster, que sempre faz sujeitos obscuros em filmes como Pandorum), mas convenhamos que um pouco mais de energia não faria mal ao personagem - especialmente quando se intensifica a relação com Cleveland (que o diretor demonstra claramente ter receios em aprofundar). Ainda que conte com a participação de Nick Nolte em um bom momento, de nada adianta o esforço dos atores se o entorno não colabora (e não estou me referindo à boa fotografia). A narrativa é arrastada, cansativa e algumas boas ideias (como a fábrica que produz nuvens, que deve ter originado o título em português e o desfecho poético que se resulta desanimado) se perdem pelo caminho. No fim das contas, parece apenas mais um filme de rito de passagem.  Exibido em Sundance sem estardalhaço e com lançamento direto em DVD por aqui, Usina de Sonhos poderia ser um filme memorável se o diretor não demonstrasse tantos pudores em abraçar os sentimentos de seus personagens. É graças ao elenco que o filme consegue sair (um pouco) da superfície.

Usina de Sonhos (Mysteries of Pittsburgh/EUA-2008) de Rawson Marshall Thurber com Jon Foster, Peter Saarsgaard, Siena Miller, Nick Nolte e Mena Suvari.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DVD: VIPs

Moura no Amaury Jr.: Cenas reais de uma mentira em rede nacional.


O filme VIPs de Toniko Melo é um desses casos baseados na vida real que, se não advertissem, você sairia do cinema dizendo que a história jamais aconteceria. Baseado no livro Histórias Reais de um Mentiroso de Mariana Caltabiano, o filme dá uma romantizada na trajetória de Marcelo da Rocha. Rocha ficou conhecido pelos golpes que aplicou assumindo a identidade de outras pessoas, chegando ao auge de assumir a identidade de um dos magnatas da aviação brasileira. Para dar vida a esse controverso personagem os produtores (no caso Fernando Meirelles e Paulo Morelli) tiveram mais do que bom senso em chamar Wagner Moura, um dos atores mais multifacetados de nosso cinema. Wagner dá conta das nuances mais esquisitas de seu personagem, das fantasias com o pai piloto, passando por suas aventuras como Carrera - um piloto envolvido com o tráfico - e culminando como o ricaço que aparece até no programa do Amaury Júnior numa cobertura do carnaval de Recife! Pena que o roteiro (Thiago Dottori e Bráulio Mantovani) não consegue o ritmo certo nas mãos do diretor estreante Toniko, nunca saindo do nível curioso. A trajetória de Rocha aparece episódica e com cortes bruscos, de forma que compromete o desenvolvimento do personagem que vive nos limites da fantasia e da realidade. Embora tenha algumas soluções interessantes (como a foto de carnaval, a postura da mãe cabelereira diante das aventuras do filho, o fantasma paterno), tudo surge fragmentado demais para ter uma unidade. O aprofundamento do personagem obtém seus melhores momentos no último ato, onde ele nem lembra quem é de verdade, mas aí tudo já caminha para o desfecho que todo mundo sabe. Sorte que além de Wagner (que abraça as tendências esquizofrênicas de seu personagem com euforia) o filme conta com um elenco de apoio excepcional - destaque para Gisele Fróes como a mãe e Malu Galli como a socialite que pode desmascará-lo. Curiosamente, a história de Marcelo da Rocha também deu origem a um documentário (chamado Confissões Reais de Um Mentiroso e que assim como VIPs concorreu a uma vaga no MinC para representar o Brasil no Oscar) e que dizem dar uma abordagem bem mais interessante do personagem. Seja retratando um deslumbrado, um estelionatóario ou um mentiroso compulsivo,  tive a impressão que o filme perdeu a chance de explorar de forma mais contundente a busca por um lugar ao Sol da Ilha de Caras que se tornou mania entre a população.   

VIPs (Brasil/2011) de Toniko Melo com Wagner Moura, Gisele Fróes, Juliano Cazarré, Roger Gobeth, Milhem Cortaz e Malu Galli. ☻☻

DVD: Meu Mundo em Perigo


Eucir: olhos que carregam todo o peso do mundo.

É interessante como a lógica dos distribuidores brasileiros faz com que coisas inusitadas aconteçam. Uma delas é que o elogiado cineasta José Eduardo Belmonte tenha visto seu primeiro longa metragem estrear em circuito comercial somente depois que seus filmes posteriores, o polêmico A Concepção (2008) e Se Nada Mais der Certo (2009) lhe deram fama. Meu Mundo em Perigo fez sucesso nos Festivais tupiniquins, inclusive no de Brasília que em 2007 o consagrou como o melhor da mostra competitiva - mas só foi lançado nos cinemas em 2010, em circuito modesto. O mais interessante do filme é que ele serve de perfeito cartão de visita para um dos cineastas mais inventivos que surgiram por aqui no século XXI. Belmonte deixa claro que não tem a intenção de promover espetáculos, mas explorar as entranhas de personagens intimistas e angustiados com os rumos de uma vida que sai do controle.  Para quem conhece os outros filmes do cineasta irá identificar facilmente elementos (o mar, a identidade perdida...) que o torna o primogênito de sua obra. Em seu filme de estreia, Belmonte nos conta a história de Elias (o excelente desconhecido Eucir de Souza). Não bastasse o desgastante processo pela guarda do filho, após a separação com a esposa problemática, Elias acaba se envolvendo num acidente e foge para um hotel onde vive uma mulher (Rosanne Mulholland, a musa de Belmonte) que avistou no metrô e o deixou intrigado. Esta relação com a tal mulher é desenvolvida de uma das formas mais originais do cinema brasileiro recente e revela muito de Elias (como seu gosto por fotografias triviais que expõem a vontade de parar o tempo) que desde o início parece saber que está condenado à tragédia. Acho que não posso contar muito mais do que isso (já que poderia estragar as descobertas sensoriais que Belmonte nos proporciona), mas logo nas primeiras cenas - onde vemos o olhar de Eucir transbordando tristeza - sabemos que as coisas não devem acabar muito bem. Diante da tragédia que se anuncia (especialmente quando vemos Milhem Cortaz no elenco) é o olhar de Elias que nos faz acreditar que no final das contas o caos possa dar lugar ao perdão. Entre o provocador (cenas que ajustam o foco, as fotos e  os bilhetinhos como recurso narrativo) e o singelo, o filme de Belmonte não tem medo de contar sua história entre a sutileza dos símbolos e peso das palavras (que parecem entrelinhas da narrativa). Ainda que opte por uma trilha desconjuntada e o constraste gritante entre os dois núcleos da narrativa, o filme é um grande acerto ao retratar a brutalidade das relações contemporâneas - que colocam em risco o mundo de cada um e de todos nós.  

Meu Mundo em Perigo (Brasil/2010) de José Eduardo Belmonte com Eucir de Souza, Rosanne Mulholland, Milhem Cortaz, Ziza Brizola, Wolney de Assis, Justine Otondo, Rafael Henrique, Bruno Giordano e Juliano Cazarré. ☻☻

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Combo: Dia das Crianças.

Hollywood está cheia de crianças prodígios, o problema é que para cada uma que consegue manter a carreira (e a cabeça) no lugar (Natalie Portman, Jake Gyllenhall, Jena Malone, Freddie Highmore...) existe uma dezena que se perde pelo caminho (precisa citar os nomes?). Nesse ano no Dia da Criança resolvi destacar cinco filmes com atores mirins que merecem toda a nossa atenção - e como o tempo passa rápido é bom ficar de olho já que daqui a pouco já serão adultos e só Deus sabe o que vai acontecer! Meus cinco prodígios favoritos (se bem que eles podem ser vistos como adolescentes atualmente):

5 Super 8 (2011) Acredito que a empreitada de JJ Abrams não seria tão eficiente e nostálgica se não contasse com o novato Joel Coutney como protagonista. Joel consegue captar aquela nostalgia dos meninos da década de 1980 com perfeição - sabendo exatamente como dosar dramaticidade, romantismo e coragem. Isso sem contar que a trama dos meninos que ambicionam ser cineastas tem muitas características biográficas do próprio JJ (e o alienígena que aparece na cidade tem muito do apelo Spielbergiano sobre o jovem JJ). Entre efeitos especiais e elenco simpático, Joel se destaca - e é forte candidato ao posto de ator revelação do ano (mesmo tendo apenas 14 aninhos).

4 O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) Chega a ser covardia dizer que ao aparecer numa tela aos seis anos (em Provocação/2004 como a filha de Kim Basinger e Jeff Bridges) a menina já era uma boa atriz. Irmã da igualmente precoce Dakota Fanning, Elle se dedica a filmes mais singelos e românticos do que a sua irmã. Em O Curioso Caso de Benjamin Button ela tem uma participação pequena, mas inesquecível como a amada do personagem de Brad Pitt. Em poucos minutos em cena, ela consegue sintetizar todos os sentimentos e possibilidades da ruivinha Daisy. Mesmo que Cate Blanchett assuma o papel na maior parte da sessão (e tente dar conta da personagem que se torna uma chata) sempre que lembramos de Elle, como a menina Daisy, nós entendemos todos os motivos de Button ser apaixonado  por ela. Aos 13 anos, Elle é considerada uma das melhores jovens atrizes de Hollywood - e é capaz de fazer a mocinha de indies como Em Qualquer Lugar (2010) ou super produções como Super 8 sem esforço.

3 Deixe Ela Entrar (2010) Nascido na Autrália, Kodi Smitt McPhee atua desde 2006, mas foi em 2009 como o filho de Viggo Mortensen no apocalíptico A Estrada que chamou a atenção. Não demorou para ganhar o papel de protagonista na versão americana de Let the right one In. Kodi realiza mais uma vez um trabalho exemplar como o menino frágil que tem de lidar com o bullying na escola e conter seu lado agressivo. As coisas mudam muito quando se apaixona por uma garota (Cloë Grace Moretz) que na verdade é uma vampira. A química entre McPhee e Moretz impressiona e o moleque consegue carregar até os momentos mais difíceis com seu estilo intimista. O resultado foi tão positivo que o garoto já está escalado para mais quatro filmes para os próximos anos. Nada mal para um mocinho que nem passou dos doze anos!

2 A Órfã (2009) Poucas atrizes mirins me impressionaram tanto quanto Isabelle Fuhrman - e num tempo onde filmes de terror com crianças aparece mais do que parente de quem acerta na loteria, isso não é pouco. Fuhrman tem a melhor atuação do filme. Atuando desde 2006 (em sua maioria para programas da TV) seu destaque foi como a perturbada Esther neste terror polêmico, mas que funciona muito bem. Desde que Natalie Portman estreou em O Profissional (1994) eu não via uma criança atuando de forma tão visceral. Isabelle realiza um trabalho de gente grande (isso aos onze anos) e não desafina nem quando tudo parece descambar para o ridículo. Desde A Órfã ela já atuou em mais sete filmes. Atualmente com quatorze anos, o próximo a estrear por aqui é Salvation Boulevard onde atua ao lado de Ed Harris, Marisa Tomei e Jennifer Connely.

1 Kick Ass - Quebrando Tudo (2010)  Chloë Grace Moretz é a minha pequena favorita desde que a vi em 500 Dias com Ela (2009). A menina tem se superado a cada papel e Kick Ass de Matthew Vaughn é a prova de que ela tem tudo para se tornar um dos nomes mais dabalados de Hollywood. Precisa dizer que a adaptação da HQ é uma das mais sangrentas e divertidas de todos os tempos? No papel da pequena máquina mortífera Hit Girl, Chloë tem uma das melhores atuações do ano passado. Ela chuta, chora, ri, debocha, atira, soca, apanha e posa de super-herói com um gosto que há muito tempo não se via. Atuando desde 2004, a atriz tem oito filmes na agenda ( o próxximo a estrear é Hugo de Martin Scorsese). Apesar de ter perdido a vaga de atriz coadjuvante para a chata Hailee Steinfeld (de Bravura Indômita) nas premiações, Chloë, aos 14 anos, é a queridinha de sua faixa etária entre os cinéfilos.


DVD: Sucker Punch - Mundo Surreal


Malone, Browning e Cornish no roteiro sem noção de Snyder.

Enquanto filmes ambicionam um posto nobre entre as premiações deste ano, outros começam as suas orações para que o Framboesa de Ouro os esqueça. Um dos sérios candidatos a piores do ano é Sucker Punch de Zack Snyder. Acredito que faz um tempo que os votantes das bombas do ano querem a cabeça do diretor de 300 (2007) - e não vão perder a chance de fazer essa (des)homenagem quando Snyder inventou um roteiro de sua própria cabeça (todos os seus quatro filmes anteriores eram adapatações). Misturando influências claras de histórias em quadrinhos (especialmente os mangás), games e filmes recentes (Mouling Rouge, Chicago, Garota Interrompida e A Origem, acreditem!!!) o diretor só esqueceu de fazer algo que fizesse sentido. No meio de tantas referências faltou recheio, ou melhor, uma costura mais competente. Apesar da estética bem construída (afinal, esse é o grande forte das obras do diretor) o roteiro é um desastre ao acompanhar os delírios de Babydoll (Emily Browning), uma garota internada num sanatório pelo próprio pai e que será submetida ao radical processo de lobotomia. Acontece que sempre que algo de muito ruim vai acontecer, a garota recorre a um mundo de fantasia (um não, dois, como percebemos no final), sendo assim os funcíonários da instituição, incluindo a Drª Gorsky (Carla Gugino, que esteve no melhor filme do diretor, a adaptação de Watchmen/2009) e o insano Blue (Oscar Isaac) aparecem em seus delírios como membros de um cabaré clandestino - onde as internas têm que preparar um show para seus visitantes. Babydoll se torna a queridinha do pedaço por dançar como nenhuma outra (mas ironicamente não há cenas de dança, já que sempre que a garota precisa preparar um número ela foge para um mundo paralelo onde enfrenta batalhas inusitadas). Nessa parte da trama, Babydoll conta com a ajuda de outras garotas internadas, Rocket (Jena Malone), Sweet Pea (Abbie Cornish), Amber (Jamie Chung) e Blondie (a ironicamente morena Vanessa Hudgens). O quinteto têm a missão de juntar alguns objetos para que possam sair da instituição, essa busca é o que move a trama, ou pelo menos deveria. Lidar com várias camadas narrativas não é tarefa para qualquer um, ainda mais quando se tem uma premissa tão trivial como a busca pelos objetos "libertadores". A costura dos universos paralelos de Sucker Punch é de uma fragilidade de principiante, ficando claro que pouco importa a história, o principal a ser mostrado são os efeitos especiais, as cenas de ação absurdas (e bem realizadas) e as curvas das garotas. Falando em garotas as suas atuações não ficam no mesmo nivel. Abbie Cornish (a ótima atriz de Brilho de Uma Paixão) está visivelmente desconfortável e disse em entrevistas que em vários momentos se sentia como uma manequim de lingeries. Vanessa Hudens (que ganhou a fama como a mocinha de High School Musical) até surpreende num papel pequeno, mas bem diferente do que a consagrou. Jamie Chung faz mais do mesmo (a oriental sexy e ponto). A surpresa é Jena Malone que encara com gosto seu primeiro papel como heroína de filme de ação, mostrando que cresceu desde sua estréia como a menina de Marcas do Silêncio (1996) e que se tornou uma atriz muito atraente. Pena que Snyder caiu na besteira de colocar Emily Browning como protagonista. Browning é um desastre, fria, inexpressiva e de cabelos oxigenados esquisitos a garota não convence (e parece que em seu novo filme, Sleeping Beauty ela vai pelo mesmo caminho como uma prostituta que é dopada para satisfazer seus clientes) é uma pena ver no que se transformou a doce meninha de Desventuras em Série (2006). Embora se esforce para arrancar atuações do elenco, o roteiro não ajuda e por isso Zack ainda apareceu na imprensa reclamando que por exigência dos estúdios muita coisa se perdeu e blábláblá, mas não convenceu. De qualquer forma, o cineasta deveria ter exaltado um pouco mais o seu primeiro roteiro original, já que a impressão deixada é que nem ele achava que sua trama era tão importante. No fim das contas o visual exuberante evita o desastre absoluto, mas isso não é novidade já que foi a estética apurada que fez o diretor ser chamado de visionário por aí. Veremos o que ele reserva para o novo Superman e como o Framboesa de Ouro vai digerir essa empreitada que de surreal só tem o título tupiniquim.

Sucker Punch - Mundo Surreal (Sucker Punch - EUA/2011) de Zack Snyder com Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Carla Gugino, Oscar Isaac, Hon Hamm, Scott Glenn e Jamie Chung.