segunda-feira, 13 de maio de 2024

PL►Y: Até o Cair da Noite

Ziegler e Thea: investigação e lavagem de roupa suja.
 
Leni Malinowski (Thea Ehre) cumpre pena por tráfico de drogas em uma penitenciária, mas a polícia considera que seu conhecimento no submundo pode ajudar na investigação sobre um traficante que atua misteriosamente online. Se colaborar e a operação obter sucesso, Leni poderá ter sua pena reduzida ou até conquistar a liberdade. Para conseguir isso, ela deverá reencontrar seus antigos contatos e fingir que o investigador Robert (Timocin Ziegler) é seu companheiro. Acontece que Robert já teve um relacionamento com Leni antes de sua transição de gênero e o que a polícia imaginava que poderia ajudar no disfarce, acaba se tornando um grande problema. Como se percebe desde o início de Até o Cair da Noite, Leni é uma mulher trans e Robert é gay e bastante ressentido. O diretor Christoph Hochhäusler desconsidera que o espectador percebe desde o início que a ideia absurda da polícia daria errado ao colocar o casal para trabalhar junto e faz a trama caminhar quase que em círculos. Conforme o filme avança, a investigação em torno do traficante Victor (Michael Sideris) fica cada vez mais em segundo plano perante a constante discussão de relação que se instaura. Hochhäusler tenta vender seu filme como um thriller policial, mas está bem longe disso, já que está mais para um drama amoroso queer com uma trama policial de pano de fundo. O fato é que, por mais que possamos entender os motivos do temperamento de Robert, ele é um personagem bastante desagradável e a forma como ele trata Leni é por vezes difícil de assistir. Obviamente que aqui existem sentimentos bastante confusos sobre o que um personagem sente pelo outro e o roteiro de Florian Plumeyer se complica um pouco para conciliar estas emoções com outros elementos da narrativa. Curiosamente é o criminoso Victor que por vezes ajuda o investigador a entender seus próprios sentimentos. No entanto, a sorte mesmo é ter a austríaca Thea Ehre na pele de Leni, ela consegue construir uma personagem que dá conta de todas as ambiguidades que o roteiro lhe oferece com bastante eficiência. Leni transparece estar deslocada em todo aquele universo áspero que a cerca e deseja algo diferente para dali em diante, fica fácil torcer por Leni ao longo da sessão e até compreender suas atitudes na reta final do filme. Pelo papel Thea Ehre recebeu o prêmio de melhor coadjuvante no Festival de Berlim no ano passado. Até o Cair da Noite é interessante por inserir um relacionamento diferente no centro de uma narrativa policial, embora o resultado seja um tanto confuso, rende momentos interessantes como aquela cena de reconciliação com seu casal protagonista em lados opostos do vidro de um carro. Após uma temporada nos cinemas, o filme está disponível na Reserva Imovision. 

Até o Cair da Noite (Bis ans Ende der Nacht / Alemanha - 2023) de Christoph Hochhäusler com Thea Ehre, Michael Sideris, Ioana Iacob, Rosa Enskat e Aenne Schwarz.

CATÁLOGO: Claire Dolan

Vincent e Katrin: uma pequena dose de amor.
 
Lembro quando Claire Dolan passou nos cinemas brasileiros e muita gente elogiava o trabalho da atriz principal, a inglesa Katrin Cartlidge que ficou conhecida de alguns cinéfilos por seus trabalhos com o diretor Mike Leigh (Naked/1993, Simplesmente Amigas/1997 e Topsy Turvy/1999), como a cunhada de Ondas do Destino/1996 de Lars Von Trier ou suas participações em filmes do leste europeu que concorreram ao Oscar (Antes da Chuva/1994 e o oscarizado Terra de Ninguém/2001). Assistindo ao filme me dei conta de como ela estava sumida dos cinemas e descobri que ela faleceu em 2002 por conta de septicemia em decorrência de uma pneumonia. Vê-la em Claire Dolan ressalta muito seus méritos como atriz, especialmente sobre a sua capacidade de transparecer sentimentos complicados de forma bastante sutil. Durante todo o filme ela carrega o olhar triste da protagonista que pretende dar uma guinada em sua vida, mas sempre encontra dificuldades. Claire se prostitui para pagar uma dívida com Roland Cain (Colm Meaney) que parece ser infinita. Quando ela recebe a notícia de que sua mãe faleceu, ela resolve mudar definitivamente os rumos de sua vida. Ela muda de cidade, entra em contato com uma prima que não via faz tempo e arranja um novo emprego. Aos poucos percebemos que suas emoções relacionadas ao amor e ao sexo permanecem confusas, especialmente quando ela conhece Elton (Vincent D'Onofrio), um taxista de poucas palavras que parece disposto a ter um relacionamento sério com Claire. No entanto, o passado da protagonista volta a complicar seu destino e resta saber o que Elton lidará com isso tudo. O segundo filme do diretor e roteirista Lodge Kerrigan consegue ser bastante eficiente ao exalar  o desconforto da personagem, utilizando uma narrativa seca que pode ser considerada bastante fria (inclusive nas cenas de sexo). No entanto, existe uma química interessante entre Katrin e Vincent (o ator aparece aqui com mais sex appeal do que na maioria dos seus papeis no cinema), cada um ao seu modo consegue dar vida a um personagem perdido que precisa se agarrar em uma dose de amor para recomeçar. Quem também está bem em cena é Colm Meaney como um antagonista realmente nojento. O filme foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e concorreu nas categorias de melhor filme, melhor direção e melhor atriz no Independent Spirit Awards e está disponível na Reserva Imovision. Kerrigan acabou embarcando no mesmo universo décadas depois ao idealizar a série The Girlfriend Esperience (2016).  
 
Claire Dolan (EUA-França/1998) de Lodge Kerrigan com Katrin Cartlidge, Vincent D'Onofrio, Colm Meaney, Patrick Hustead e Madison Arnold. 

domingo, 12 de maio de 2024

4EVER: Paulo César Pereio

 19 de outubro de 194012 de maio de 2024 
 
Paulo César de Campos Velho, nasceu em Alegrete no Rio Grande do Sul e se tornou um ícone de rebeldia com seus trabalhos marcante no teatro, no cinema e na televisão. Filho de um militar com uma funcionária da assembleia legislativa, Pereio se interessou por atura nos anos 1950. O ator estreou no cinema ocm Os Fuzis de Ruy Guerra e desde então trabalhou em mais de 60 filmes assinados por nomes como Glauber Rocha, Hector Babenco e Arnaldo Jabor. Estão em seu currículo clássicos da cinematografia brasileira como Terra em Transe (1967) e Toda Nudez Será Castigada (1973). Nos anos 1960 fez parte da montagem antológica do musical Roda Viva de Chico Buarque. Apesar de continuar ativo nos últimos anos em sua carreira de ator, Pereio ficou mais famoso nos últimos anos pelo uso de sua voz grave no mercado publicitário. Pereio vivia no Retiro dos Artistas desde o início da pandemia em 2020, uma vez que declarava precisava de atenção quanto à sua saúde. O ator faleceu em decorrência de uma doença hepática.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

PL►Y: Puan

Marcelo e Leonardo: batalhas acadêmicas. 
 
Marcelo Pena (Marcelo Subiotto) parece estar bem tranquilo ministrando aulas de Filosofia na Universidade de Buenos Aires, embora seu renomado mentor tenha recentemente falecido por conta de um infarto, as coisas  parecem que irão se organizar para que os alunos não fiquem sem aula até que um novo professor ocupe a responsabilidade sobre a disciplina de Filosofia Política. Entre movimentos estudantis e encontros com a comunidade acadêmica, tudo parecia seguir como antes até que Rafael Sujarchuk (Leonardo Sbaraglia) reaparece após uma temporada dando aulas na conceituada Universidade de Frankfurt e cause certo burburinho entre professores e alunos, afinal, Sujarchuk ganhou atenção da mídia recentemente por namorar uma estrela de cinema. Pena e Sujarchuk foram alunos do falecido e não poderiam ser mais diferentes, se Pena é a discrição em pessoa, o outro adora os holofotes que vez por outra se voltam para ele. Obviamente que ao vermos o primeiro encontro de ambos em PUAN vemos se estabelecer ali a semente de uma certa rivalidade, uma sensação de que haverá uma disputa entre os dois, menos pela cadeira que acaba de ficar vaga na Universidade, mas sobre quem é mais digno de atenção. Enquanto Rafael é todo concebido para ser um galã, Pena é moldado como uma homem comum, que precisa lidar com os compromissos, as tarefas de uma esposa engajada e um filho que paira sobre os dois sempre atento ao que está acontecendo. O roteiro e a direção da dupla María Alché e Benjamín Naishtat acerta quando segue o cotidiano de Marcelo Pena no que ele tem de mais comum, do encontro com os amigos, na vida domiciliar, nos momentos com os alunos e faz com que o ótimo Marcelo Subiotto transpire aquela estranha sensação de que sem a sombra do seu mentor, irão descobrir que ele é um impostor, sobretudo com a chegada de um acadêmico tão renomado como Sujarchuk. No entanto ele está longe de ser isso, é sobre esta descoberta que o filme trata, o que interessa é a forma como Marcelo irá aos poucos tomar as rédeas de seu lugar naquele espaço por mérito próprio, sem jogadas de marketing ou truques emocionais. O próprio Marcelo precisa reconhecer o seu valor, como se Sócrates dissesse a todo instante "conhece-te a ti mesmo" em sua calejada consciência. É verdade que o filme utiliza um golpe baixo desnecessário com toda aquela bobagem sobre uma fralda suja, que recai sobre o personagem como a materialização grotesca de um desconforto de que a qualquer momento ele "será descoberto", mas sorte que é que depois o filme engata em um senso de humor diferente que cai como uma luva às questões internas que o personagem precisa lidar. Puan retrata um pouco da escaldada vida acadêmica no constante tempo de crise pela América Latina, mas consegue fazer isso com leveza e bom humor, o que não é tarefa fácil, embora ele até faça pensar o contrário. Com alfinetadas sutis aqui e ali, o filme é um acerto. O longa está em cartaz no Prime Video e merece ser descoberto. 
 
PUAN (Argentina, Alemanha, França, Itália, Brasil - 2023) de María Alché e Benjamín Naishtat com Marcelo Subiotto, Leonardo Sbaraglia, Andrea Frigerio, Cristina Banegas, Lali Espósito, Julieta Zylberberg e Zulema Galperín.

terça-feira, 7 de maio de 2024

NªTV: Lucky Hank

Mireille, Odenkirk e seus visitantes: adeus, Saul Goodman.
 
Foi num clima estranho no qual assisti a cada episódio da série Lucky Hank da AMC. Afinal, quando ela começou a ser exibida no Brasil, ela já estava cancelada pelo canal. Sendo assim, cada episódio era um passo rumo à despedida. O maior terror de quem acompanha uma série é que ela termine sem um final, com aquela ideia aberta que pode ir para qualquer lugar que sua mente direcione. A sorte é que Lucky Hank terminou neste domingo deixando ao menos um arco fechado sobre seus personagens - e que você pode imaginar o que acontecerá com  o protagonista a partir dali como um recomeço. Seria ótimo ter mais uma temporada, mas já que não tem, não me arrependo de ter acompanhado oito episódios sobre o professor William Henry Devereaux Jr. vivido por Bob Odenkirk se despedindo de vez do advogado Saul Goodman, que começou a dar vida em Breaking Bad (2008-2013) e terminou em Better Call Saul (2015-2022). Para um ator que viveu o personagem por tanto tempo, o protagonista de Lucky Hank foi um presente, já que é um sujeito bem diferente para defender. Henry Jr. escreveu um livro que encontrou algum sucesso, mas sempre viveu à sombra do pai, de quem carrega o mesmo nome e carreira. Já que a carreira de escritor não decolou, Henry trabalha como professor em uma universidade e é o controverso chefe do departamento de Literatura (que é composto por personagens bastante diferentes entre si e que tornam tudo mais divertido quando seus egos acadêmicos se chocam continuamente). Ele não é propriamente um tipo simpático, mas os episódios tendem a revelar que Henry é bem menos rabugento do que aparenta. O fato é que ele colecionou várias mágoas ao longo da vida e como não deve acreditar nos benefícios de psicoterapia, lida com suas amarguras na marra. Assim, o relacionamento com os colegas não é dos melhores, mas a situação o sustenta ao lado da esposa Lily (Mireille Enos), ou pelo menos até ela dar vazão às suas  próprias ambições (que colocará Henry em uma verdadeira encruzilhada cheia de gatilhos). Henry tem contas a acertar com seu passado, especialmente com o pai, que em determinado momento irá voltar para convivência da família, mas sem a possibilidade daquela conversa catártica que Henry tanto deseja. No meio do caminho também tem a filha de Henry, Julie (Olivia Scott Welch) que é casada com um rapaz que é desprezado pelo sogro, Russell (Daniel Doheny). Henry também tem um melhor amigo, Tony Conigula (Diedrich Bader), que por vezes faz o amigo olhar para o mundo à sua volta com uma nova perspectiva (embora o personagem esteja bem longe de ter o perfil de conselheiro). Embora os episódios de Lucky Hank fluam muito bem isoladamente com o tom de uma comédia dramática (que poderia ter rendido um belo filme indie a ser cultuado na temporada de premiações e a assinatura de Peter Farrelly do oscarizado Green Book/2018 realça isso), como minissérie, a ideia pode ser considerada um tanto esticada demais (e nisso o fato dos episódios semanais ajuda muito a prender a atenção). Particularmente eu gostei muito da série, especialmente por ser um programa que aborda temáticas de personagens maduros em suas crises sobre o que fizeram de suas vidas. É verdade que a coisa começa a ficar um tanto cansativa quando Henry precisa fazer uma lista de demissão de professores a mando de um novo investidor e a série deixa de lado o relacionamento tempestuoso do protagonista com os seus alunos (que rende momentos sempre interessantes). O elenco está ótimo em cena e adoraria vê-los por mais algumas temporadas, especialmente Bob Odenkirk desenvolvendo as nuances mais emocionais ao longo de uma nova temporada (como no episódio do jantar que me deu um nó na garganta). Bob está ótimo em cena, mas se a série não vingou, pelo menos serviu para desvencilhar sua imagem de Saul Goodman para aqueles que se aventuraram pela primeira e única temporada de Lucky Hank. Para quem curtir a série, resta procurar o livro Straight Man de Richard Russo, lançado em 1997 que serve de inspiração para a trama. 
 
Lucky Hank (EUA-2023) de Paul Lieberstein e Aaron Zelman com Bob Odenkirk, Mireille Enos, Sara Amini, Suzanne Cryer, Shannon DeVido, Jackson Kelly, Cedric Yarbrough, Oscar Nunez, Diedrich Bader, Nancy Robertson e Anne Gee Byrd.

PL►Y: Mil e Um

Teyana e Josiah: segredos de mãe e filho.

Em tempos que muita informação sobre produções do cinema é sempre uma grata surpresa se deparar com um filme que você não faz a mínima ideia para onde vai.  A primeira vez que ouvi falar de A Thousand and One foi por conta das indicações que recebeu para o Independent Spirit Awards (melhor filme e melhor atuação) e tive uma vaga noção de que o filme era sobre a relação de uma mãe com seu filho. Isso está de bom tamanho para não estragar as surpresas que o filme oferece ao espectador, mas existem outros detalhes que posso comentar por aqui, sem dar SPOILER e fazer você ficar ainda mais interessado pelo filme. Posso dizer que Inez (Teyana Taylor) passou um tempo no presídio e ao sair, deseja apenas reaver o filho, o pequeno Terry, agora com seis anos, que mal lembra dela, mas sabe que no tempo em que esteve presa viveu em um abrigo e foi  encaminhado para a adoção. Ela deseja tanto viver ao lado do menino que é capaz até de burlar o sistema para que possam viver como uma família. Começa então uma jornada clandestina de Inez e Terry para seguirem a vida juntos a partir de meados dos anos 1990. A narrativa avançará por anos, sempre demonstrando as dificuldades encontradas pela dupla nos subúrbios de Nova York, com dificuldades, a grana curta e a companhia de Lucky (William Catlett) que se juntará à família quando Terry ainda for menino. A diretora e roteirista A.V. Rockwell se desvia com maestria dos clichês, embora a vida árdua dos personagens seja visível, ela desvia de um cotidiano de crimes, violência e drogas que geralmente são associados aos filmes sobre a realidade das periferias e se concentra na busca dos personagens por uma vida melhor (mas sem perder de vista que uma ação do passado de Inez poderá ter um custo alto que pode colocar o sonho de todos a perder). O espectador assiste o filme torcendo por aquela família e o desfecho deixa um nó na garganta por tudo passaram ao longo de todo o filme. É notável que este seja o primeiro longa-metragem da diretora. É preciso também destacar o trabalho arrebatador de Teyana Taylor, que apesar de ter mais trabalhos como cantora do que como atriz, demonstra um grande controle das emoções da personagem, sempre intensa, ela transparece com maestria as emoções da personagem, mesmo contida em cena, parece prestes a explodir! Pelo trabalho, ela foi lembrada no Independent Spirit e no Gotham Awards e poderia até ter aparecido em outras premiações se o filme não optasse por, no terceiro ato, destacar o trabalho do promissor Josiah Cross, que vive Terry aos 17 anos, prestes a conquistar seu próprio espaço no mundo. Embora o filme utilize algumas analogias pouco sutis (como o apartamento se deteriorando enquanto a família enfrenta seus piores momentos), Mil e Um (que está disponível no TeleCine via GloboPlay) é um filme que consegue conquistar o espectador com uma história que é tão cheia de segredos quanto de esperança. 

Mil e Um (A Thousand and One / EUA - 2023) de A.V. Rockwell com Teyana Taylor, Josiah Cross, William Catlett, Aven Courtney, Aaron Kingsley Adetola, Terri Abney e Delissa Reynolds.

domingo, 5 de maio de 2024

PL►Y: Vidas Passadas

Teo, Greta e Magaro: entre duas vidas. 
 
Quando pequena, Nora (Greta Lee) mudou com sua família para o Canadá. A mudança implicou até no nome de todos de sua família que buscava um recomeço fora da Coreia do Sul. Em sua partida, ela deixou o seu melhor amigo, Hae Sung (Teo Yoo) sem uma despedida apropriada. O tempo passou e Nora se tornou escritora e reencontrou o amigo com ajuda das redes sociais. Porém, o reencontro não ocorre conforme o esperado e os dois perdem contato novamente até que se reencontram vários anos depois. Ela agora é casada com Arthur (John Magaro) e Hae Sung irá viajar para Nova York para se reencontrar com ela. Indicado ao dois Oscars (Melhor filme e melhor roteiro original) o longa de estreia da diretora Celine Song consegue ser elegante, sutil e bastante melancólico ao contar uma história de amor que nunca se concretiza, mas que consegue ser ampliada pelas atuações de Greta Lee e Teo Yoo. Ambos dão vida a personagens que estão amarrados aos rumos que suas vidas tomaram e, ao mesmo tempo, sempre se indagam sobre o que a vida poderia ter sido se a separação nunca tivesse acontecido. Esta sensação fica bastante evidente em Hae Sung, que sempre contido, muitas vezes não sabe reagir diante de sua amiga. São visíveis os sentimentos que o estão mastigando por dentro, por outro lado, Nora quando o vê lembra da menina que foi um dia, mas agora tem ciência de que é a mulher que se tornou quando está ao lado de seu esposo. É neste ponto que outro personagem merece destaque, o marido. O texto e a direção de Celine fazem questão de fazer Arthur tão adorável quando Hae Sung, embora ambos sejam bastante diferentes. É visível a mistura de insegurança e empatia que o personagem sente sobre aqueles dois amigos que se reencontram após tanto tempo. Não por acaso, escolhi a foto que ilustra esta postagem com base na cena que abre o filme em que surgem várias especulações sobre quem são aqueles três personagens, ao mesmo tempo que se trata da conversa mais honesta entre Nora e Sung quase no final da sessão. Falando em conversa, o filme tem alguns dos diálogos mais cirúrgicos dos últimos tempos, sobre isso, por mais que existam algumas conversas sobre as outras vidas que podemos ter vivido antes da atual, o filme tem sua força maior sobre a expectativa do casal protagonista sobre uma vida que nunca teve. E se tivessem ficado juntos? Teria sido melhor? O romance entre os dois teria funcionado? Estariam juntos ainda? Quando chega a última cena a sensação é que nunca saberemos e talvez, aquela mistura de sentimentos sobre quem já fomos alguns dia seja o mais seguro a experimentar. Quando o filme terminou eu confesso que não o achei nada demais, mas conforme eu voltava a pensar nele, suas emoções genuínas o deixavam mais interessantes em minha memória. Não tem como, visto pelo prisma sobre o que deixamos para trás para sermos o que somos hoje o filme se torna ainda mais marcante. O filme saiu do Oscar de mãos abanando, mas se tornou um dos indies mais celebrados do ano passado, foi eleito o melhor filme no Gotham Awards e no Independent Spirit, no qual ainda ganhou o de melhor direção.

Vidas Passadas (Past Lives / EUA - Coreia do Sul / 2023) de Celine Song com Greta Lee, Teo Yoo e John Magaro, Moon Seung-ah e Choon Won-Young. 

sábado, 4 de maio de 2024

PL►Y: Transmissões Sinistras

Shum: impressões traiçoeiras.
 
Um amigo ficou tão instigado com Transmissões Sinistras que recomendou que eu assistisse. O título não ajuda a despertar interesse e o longa está escondido no acervo do Prime Video sem muito destaque. De fato o ponto de partida do longa é muito interessante, já que é baseado em uma história real sobre transmissões piratas que invadiram o sinal de emissoras nos Estados Unidos nos anos de 1963 e 1987 com imagens estranhas e sons bizarros. Nunca foram identificados os responsáveis ou as intenções daquelas imagens, mas algumas pessoas tiveram arrepios com o que viram na tela. Divagando sobre o que aconteceu e inúmeras teorias envolvendo o ocorrido, os roteiristas Phil Drinkwater e Tim Woodall construíram a história de James (Harry Shum Jr), um rapaz que ao final dos anos 1990 trabalha como arquivista de vídeo em uma emissora e se depara com uma das transmissões. Ele não conhece aquela história e começa a desenvolver uma verdadeira obsessão sobre o que aquelas imagens queriam dizer. No entanto, enquanto busca desvendar os mistérios da transmissão, James tem sua objetividade comprometida com acontecimentos mal resolvidos de sua própria vida - o que faz com que associe aqueles vídeos a alguns crimes sem resolução. O diretor Jacob Gentry consegue fazer um bom trabalho durante a primeira metade da sessão, em que consegue explorar o tom de paranoia junto às imagens esquisitas que apresenta e as teorias que começam a surgir no caminho do protagonista. Ainda que seja notório o orçamento curto do filme, ele consegue construir uma tensão envolvente na busca pela verdade sobre aquele sinal pirata que foi até investigado pelo FBI. O problema é que conforme o filme insere outros personagens no caminho de James o filme se embola nas intenções, se torna repetitivo e pouco convincente com os rumos escolhidos. A intenção é até interessante, já que aponta para uma  determinada cegueira do protagonista, que está tão obstinado a encontrar as respostas que deseja que é incapaz de questionar qualquer indicação de que esteja errado. Lembra um pouco o caminho feito por figuras notórias que produzem suas próprias verdades inquestionáveis e ainda atraem seguidores. O desfecho bizarro aumenta ainda mais o tom pessimista do desfecho e reforça a atmosfera de terror que aparecia nas entrelinhas da história. Ao terminar o filme, tive a impressão que este ponto de partida ainda pode ser retomado em uma produção mais ambiciosa e interessante no futuro. 
 
Transmissões Sinistras (Broadcast Signal Intrusion - EUA / 2021) de Jacob Gentry com  Harry Shum Jr, Kelley Mack, Chris Sullivan, Michael B. Woods, Justin Welborn e Jennifer Jelsema.

 

PL►Y: Todos Nós Desconhecidos

Andrew e Paul: de amor e fantasmas.
 
Adam (Andrew Scott) é um escritor que foi morar em um prédio recém inaugurado. Um dia, quando soa o alarme de incêndio, ele vai até a calçada sem muita empolgação. Olhando para o prédio, ele descobre que não é o único morador daquele lugar. Mais tarde ele irá conhecer o vizinho, Harry (Paul Mescal), que bate à sua porta e demonstra um interesse genuíno pelo vizinho, mas Adam não se empolga muito. Pelo menos no primeiro encontro. Desde a primeira cena em que estão juntos, percebemos que os dois são almas solitárias e que podem ser a companhia mais agradável de um para o outro. Poderia ser mais um romance gay urbano idealizado pelo diretor Andrew Haigh, da série Looking (2014-2025) e  Weekend/2011, mas um dia em suas andanças pela cidade, Adam é guiado para casa em que viveu com seus pais até os onze anos. O pai (Jamie Bell) e a mãe (Claire Foy) não aparecem envelhecidos, mas com a mesma aparência de quando o filho ainda era um menino, antes do acidente iria leva-los embora para sempre, ou pelo menos, até aquele encontro inusitado. No celebrado 45 Anos (2015), Haigh já demonstrava saber lidar com histórias de fantasmas na mente de seus personagens, mas aqui ele eleva esta habilidade a outro patamar. O diretor não gasta tempo explicando o que está acontecendo, faz com o que o espectador escolha a melhor leitura para o que observa na tela. Estaria  Adam delirando? Estaria vendo realmente os fantasmas de seus pais? Estaria criando um novo roteiro? As questões acabam ficando em segundo plano na narrativa, já que aqueles encontros servirão para que o protagonista conte aos seus pais sobre sua sexualidade e tenha que lidar com suas reações. A ideia de sair do armário, leva o personagem a confrontar a forma como ele mesmo lida com sua vida, inserindo momentos que até aquele momento ele não precisou lidar perante a ausência dos pais em sua vida adulta. A trama é baseada no livro Strangers de Taichi Yamada e Haigh enriquece a trama ainda mais ao inserir o tema da sexualidade em sua adaptação. Andrew Scott está (mais uma vez) ótimo em cena como um personagem que não demonstra certeza do que está acontecendo em cena, seja nos encontros com os pais ou em sua aproximação com o novo parceiro. Pelo papel, Scott foi indicado ao Globo de Ouro e Gotham Awards e tinha até chances de indicação ao Oscar.  Paul Mescal foi lembrado como coadjuvante no BAFTA, assim como Claire Foy. Todas as indicações foram merecidas, já que o elenco está ótimo em cena e transforma o filme numa jornada emocional bastante sensível. Tudo vai muito bem até o final, que deixa um tom amargo e algumas dúvidas na mente do espectador. Ainda assim, a forma poética como diretor entrega a última cena nos faz até relevar (um pouco) que ele perdeu a chance de fazer um drama romântico perfeito. Faltou ousadia para fazer um final feliz. O filme está disponível no STAR+.

Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers / Reino Unido - EUA / 2023) de Andrew Haigh com Andrew Scott, Paul Mescal, Claire Foy e Jamie Bell.