sábado, 5 de dezembro de 2020

PL►Y: Mank

 
Amanda e Gary: rumo ao Oscar. 

Cidadão Kane é mais do que um clássico do cinema, tornou-se um verdadeiro marco histórico e desde o seu lançamento em 1941 é lembrado em todas as listas de melhores filmes da história (frequentemente ficando em primeiro lugar). No entanto, décadas de história lhe garantiram não apenas méritos, mas várias polêmicas, algumas lendárias como bem lembra este novo filme de David Fincher produzido pela Netflix. Mank é um filme inspirado nos bastidores da celebrada obra de Orson Welles e não se amedronta diante de vender a ideia de que o roteirista  Herman J. Mankiewicz, o Mank para os íntimos, foi uma figura injustiçada pela história. Embora eu compreenda que um filme batizado de Mank parta da leitura de seu personagem principal sobre a história é preciso cautela ao crer em tudo que aparece ali, já que Fincher tem toda a liberdade criativa para contar sua história e Cidadão Kane passou por tantas revisões e alterações que seria difícil imaginar que o roteiro de Herman tenha chegado imaculado à tela do cinema. Se você deixar de lado as discussões em torno do papel de Welles na escrita de Kane, você irá apreciar muito mais o filme. Mankiewicz (interpretado por Gary Oldman) era uma figura conhecida em Hollywood. O dramaturgo foi responsável por fazer ajustes em textos de vários roteiristas ao longo de sua carreira (o caso mais conhecido é de O Mágico de Oz/1939 que é citado várias vezes no filme). No filme, é após um acidente de carro que Mank é convidado para escrever o roteiro para o filme de estreia de Orson Welles (Tom Burke). Ele fica isolado em uma casa, com a ajuda de uma assessora (Monica Gossman) e uma secretária (Lilly Collins) que devem zelar por sua escrita e para que fique longe da bebida durante o trabalho. É neste período que Cidadão Kane ganha forma, muito inspirado pelas lembranças do escritor que aparecem no filme em forma de flashbacks. Quem assistiu ao clássico de 1941 é capaz de identificar várias relações com Mank, o que torna o trabalho de David Fincher ainda mais interessante. É interessante perceber a relação de Marion Davies (uma ótima Amanda Seyfried) e William Randolph Hearst (Charles Dance) com os personagens da obra de Welles, ver onde começa a ficção e onde termina a vida real, da mesma forma, o filme conta como nasceu a ideia de Mank de como um magnata da comunicação é capaz de moldar a percepção que as pessoas tem de mundo diante da credibilidade dos meios de comunicação. Fincher não deixa de enveredar pelo tema atual das Fake News em um outro contexto histórico, com o respaldo de ter nas mãos o roteiro escrito pelo seu pai, Jack Fincher, um jornalista que estudou muito sobre os anos retratados no filme. O cineasta consegue compor uma rede de acontecimentos hollywoodianos e políticos que se integram com bastante elegância, indo e vindo no tempo numa narrativa calcada nos padrões cinematográficos daquele tempo. Trilha sonora, fotografia, a dicção dos atores, tudo parece ter sido moldado em outro tempo (até as "queimaduras de cigarro" no canto direito aparecem - e nas mãos do diretor de Clube da Luta/1999 ganha um sabor ainda mais especial). O texto de Jack Fincher esperou mais de duas décadas para chegar às telas e embora possa soar datado sobre as discussões em torno da autoria de Orson Welles no texto de sua obra-prima, mostra-se um exercício cinematográfico interessante, embora esteja muito longe do tom que tornou David Fincher célebre. Famoso por suas minúcias nas filmagens, aqui ele faz aquele trabalho digno de cair nas graças do Oscar, mas não consegue disfarçar aquela sensação de que "aprendi a lição" para agradar os votantes da Academia. Gary Oldman também deve ser lembrado na categoria de melhor ator e Amanda Seyfried no páreo de atriz coadjuvante, também acho que Mank será o peso pesado na categoria de Melhor Filme (e considero seu maior concorrente Nomadland da Chloe Zhao) e fará bonito nas categorias técnicas. Para os brasileiros, Mank é o filme que abre de vez a corrida pelo Oscar neste ano atípico. 

Mank (EUA-2020) de David Fincher com Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collings, Charles Dance, Joseph Cross, Arliss Howard e Toby Leonard Moore. ☻☻☻☻

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