quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CATÁLOGO: Velvet Goldmine


Meyers: pavão glam inspirado em David Bowie.

Tive a oportunidade de estudar numa Universidade Federal que tinha curso de Cinema e ao início de todo ano letivo eu corria para ver as retrospectivas sobre os melhores lançamentos do ano anterior. Lembro que, enquanto fã de David Bowie, assistir Velvet Goldmine (numa única sessão) era mais do que uma obrigação. Eu sabia que Bowie havia rejeitado o filme de Todd Haynes (ainda que tivesse rendido uma das festinhas mais animadas no Festival de Cannes no ano de seu lançamento e faturado o prêmio de colaboração artística). Mas eu entendo Bowie, no fim das contas o glam rock não pode ser algo tão sombrio quanto o mostrado aqui. Devo ressaltar que Haynes tem todo o direito de ter sua própria leitura sobre a era glitter do rock'n roll - tanto que Bowie não permitiu o uso de suas canções (inclusive a que dá título ao filme) por considerar que elas ficarão melhores em sua própria versão dos fatos. Na verdade, Velvet Golmine é quase uma fantasia sobre o glam, tendo o seu início na infância de Oscar Wilde (!) e terminando com a visita de discos voadores... enfim, trata-se de um filme de Todd Haynes que quando trata de música pop, sucumbe a uma overdose de referências e signos que nem sempre são compreendidas pelo público acostumado a filmes com começo, meio e fim. Trata-se de um musical sobre o estilo que marcou a ambiguidade sexual do rock, com artistas usando maquiagem pesada, roupas espalhafatosas, músicas selvagens e performances incendiárias. A trama é contada a partir do ponto de vista de um jornalista, Artur Stuart (Christian Bale), contratado para investigar o sumiço de um ícone da música pop - o ídolo Bryan Slade (Johnatan Rhys Meyers, devo confessar que sempre que vejo o ator da série Tudors, eu lembro de seu personagem nesse filme) que teria simulado seu próprio assassinato no palco para desaparecer do mapa (e fugir de toda a pressão que sentia com a fama). Enquanto realiza as investigações, Stuart revisita seu passado de fã do glam (recorda seus conflitos sexuais, a incompreensão dos pais, sua saída do armário...) , tem contato com a ex-esposa de Slade, Mandy (Toni Collette, num papel bem diferente do habitual e que tem a personagem inspirada em Angie Bowie), seu parceiro de composições (e um pouco mais) Kurt Wild (Ewan McGregor, encarnando Iggy Pop despudoradamente) e outros personagens que participaram deste movimento musical. O filme retrata o início de carreira hiponga de Slade e a guinada provocada quando assumiu a androginia, construindo um personagem alienígena perdido na Terra (clara alusão ao Ziggy Stardust de Bowie). O filme de Haynes busca uma linguagem própria e a faz com grande ousadia, mesclando tempos e espaços de seus personagens. Obviamente que os anos 1970 retratados com sexo livre e consumo de drogas não deve agradar a todo mundo, mas Haynes consegue reproduzir a época com fidelidade (ainda que sombria) marcada pelo colorido de uma época e o ar decadente de outra (e nesse contraste os atores, especialmente McGregor e Collette estão excepcionais). A trilha sonora só não chama mais atenção do que os figurinos "exuberantes" indicados ao Oscar de Sandy Powell (que acabou ganhando no mesmo ano por Shakespear Apaixonado), mas que ganharam o BAFTA da categoria. Velvet Goldmine vale ser conferido pela sua ousadia estética e narrativa. 

Velvet Goldmine (EUA/Reino Unido-1998) de Todd Haynes com Johnatan Rhys-Meyeres, Ewan McGregor, Christian Bale, Toni Collette e Eddie Izzard. ☻☻   

DVD: Não Estou Lá


Markus, Cate, Ben, Chris, Heath e Gere: as faces de Bob Dylan.

Quem conhece a obra de Todd Haynes sabe que o cara está longe de ser convencional. E quem viu sua versão do glam rock em Velvet Goldmine (1998) sabia que seu filme sobre Bob Dylan estaria longe de ser uma cinebiografia convencional. As coisas ficaram ainda mais promissoras quando foi divulgado que o filme contaria com a presença de Heath Ledger e Christian Bale vivendo o cantor em momentos diferentes. Depois tudo ganhou ares de esquisitice quando foi escalado Richard Gere e CATE BLANCHETT (!!?!) para viver o cantor. Ao estrear no Festival de Veneza, muita gente torceu o nariz e disse que não havia entendido nada. Para quem não conhece o cineasta a coisa deve ser realmente complicada! Mas se você conseguir entrar no clima da produção, verá que as coisas são menos complicadas do que parecem. Quem conhece um pouco da história da música pop sabe que Bob Dylan é um ícone e que sua carreira foi marcada por diversas provocações, rupturas, filosofices, genialidades e contradições. Nada mais justo do que utilizar atores (e personagens) diferentes para dar corpo e voz para as diferentes nuances deste personagem tão rico. O menino Markus Carl Franklin interpreta um guitarrista prodígio misterioso chamado Woody Guthrie, Guthrie serviu de inspiralção para a carreira de Dylan e isso marca a participação de Franklin no filme. Enquanto isso, Christian Bale vive Jack Rollins, cantor que personifica a fase de protesto das canções de Dylan e sua parceria com Joan Baez (que serve de inspiração para a personagem de Julianne Moore na trama - que vive mencionando o sumiço do cantor depois das polêmicas envolvendo até declarações sobre o assassino de John Kennedy). Rollins serve de inspiração para um filme que conta com o ator Robbie Clarke (Heath Ledger) em seu papel. Clarke é um personagem que personifica o flerte de Dylan com o cinema e sua dificuldade em se adaptar à vida familiar (com a patroa vivida por Charlotte Gainsburg). Se essas tramas são intercaladas com cenas de Ben Wishaw encarnando a face mais poética de Dylan (ele parece provocar os espectadores diante da estrutura narrativa construída por Haynes ao dizer que "nunca se deve falar ou fazer coisas que as pessoas não entendam"). Um momento crucial da carreira de Dylan é vivido por Cate Blanchett na pele de Jude Quinn, um artista que abandona a sonoridade folk e se rende ao som da guitarra elétrica, desagradando fãs e crítica. Neste momento que o filme aproveita as maiores provocações de Dylan diante de seu público (é hilariante quando um repórter pede para que diga algo aos fãs perplexos e ele diz: "astronauta"!), seu pouco caso diante da fama, da imprensa, seu contato com os Beatles e os conflitos amorosos com uma loura inspirada em Edie Sedgwick (vivida por Michelle Williams). Se Blanchett constrói um Dylan marcado por grande comicidade (e levou para casa o Globo de Ouro de Coadjuvante além do prêmio de atriz em Veneza) nos fazendo até esquecer que estamos diante de uma mulher interpretando um homem, o toque mais surreal fica por conta da trama anacrônica protagonizada por Richard Gere - que remete ao velho oeste, com crianças fantasiadas e números sombrios com uma mulher num caixão. Haynes constrói um filme tão cheio de referências e detalhes que fica impossível citar todos - e quem é fã de Dylan vai curtir muito mais o filme por causa desses elementos. O que mais impressiona é a habilidade de Haynes em lidar com tantos elementos, contruindo uma unidade caleidoscópica. Ao invés de ir pelo caminho simplista de pensar que os fatos principais da vida de um indivíduo são capazes de definí-lo o filme vai pelo caminho oposto brilhantemente amparado pelos signos que aparecem a todo instante. A certa altura um dos vários Dylans diz que  "não existe política, apenas a linguagem de sinais", este deve ser o maior princípio para se entender os méritos deste filme. 

Não Estou Lá (I'm not There/EUA-2007) de Todd Haynes com Christian Bale, Cate Blanchett, Heath Ledger, Richard Gere, Julianne Moore, Ben Wishaw, Charlotte Gainsbourg e Marcus Carl Franklin. ☻☻     

DVD: Malu de Bicicleta


Serrado e Fernanda: romance de carne, osso e ciúme.

Marcelo Rubens Paiva (o mesmo do clássico Feliz Ano Velho) tem se dedicado em suas últimas obras a explorar os conflitos da oposição entre a solteirice e a vida comprometida com seu par. Os fãs do livro Malu de Bicicleta reclamaram um bocado quando viram que sua adaptação para a telona alterou o final da trama. O diretor argumenta que a ideia foi mostrar um amadurecimento do protagonista... bem, vamos começar do começo. Luiz (Marcelo Serrado, em boa atuação) é um paulistano que construiu uma longa fama de conquistador (acho muito bem sacada a ideia dele "ler o pensamento" das mulheres que passam por ele, ou os closes estratégicos na anatomia feminina - isso além de seus pensamentos ácidos sobre as conversas com os outros personagens). Luiz é quase vitimado por uma ex-conquista descontrolada. Ele acaba procurando refúgio nos ares do Rio de Janeiro e é atropelado por uma bicicleta. Malu (Fernanda de Freitas, numa atuação até surpreendente que a livrou do estigma de sósia de Débora Secco) é a ciclista que está indo para o analista e não dá muita confiança para aquele rapaz com pinta de conquistador. Mas Luiz a espera no mesmo lugar do acidente depois de sentir algo diferente pela ciclista. Os dois vão se reencontrar e se apaixonar num carinho crescente. Acho louvável o empenho do diretor evitar os excessos e saber dosar o erotismo do relacionamento do casal com doses equillibradas de humor e romance. Não existe aquelas picuinhas e discussões bestas que se tornaram uma overdose nos filmes americanos do gênero (e influenciaram várias obras tupiniquins), mas uma tentativa de tornar Luiz e Malu em seres de carne e osso com suas inseguranças e sacrifícios para que o relacionamento dê certo. Assim, Luiz se torna um cara fiel e Malu é capaz de mudar de vida para morar com o amado em São Paulo. Contando com Paiva como roteirista e direção correta de Flávio Tambellini, tudo é coerente no encademento do filme, especialmente quando ele muda de tom do humor leve e dá lugar ao lado mais obscuro de Luiz, que de romântico se torna num chato em menos de um ano de relacionamento. Basta ele encontrar uma carta não assinada num livro (pudera, encontrar uma carta daquelas dentro de um exemplar de Madame Bovary deve ser realmente arrepiante - já que o livro de Flaubert é notóriamente um corte literário sobre o romantismo) para que pense que Malu o trai. Deste ponto em diante as viagens ao Rio de Janeiro, as conversas com outros homens e até um sujeito que aparece pedindo para que Luiz não se envolva com a esposa serve de motivo de suspeitas sobre Malu. Suspeitas por parte de Luiz, registre-se. Enquanto Serrado realiza uma bom trabalho na transição de seu personagem para um idiota completo (custava conversar com a namorada ao invés de ficar remoendo suspeitas? Ficar de cara emburrada?), Fernanda de Freitas faz um trabalho ainda mais impressionante como Malu, a tornando numa personagem inesquecível. Qualquer sujeito ficaria feliz de ter uma garota daquelas em casa, bastava aqueles momentos juntinhos para não desejar mais nada! Mas isso só ressalta o tema principal do filme: o ciúme. Essa coisa daninha que inferniza os casais é o elemento surpresa deste filme nacional simpático que merece ser descoberto em DVD. Além do desenvolvimento agradável da trama e das atuações, as locações, os figurinos e cenários são de muito bom gosto, mostrando que uma comédia romântica pode ser bem humorada e fazer pensar em como o ciúme pode servir apenas de argumento para o ciumento meter o pé pelas mãos.

Malu de Bicicleta (Brasil/2011) de Flávio Tambellini com Marcelo Serrado, Fernanda de Freitas, Marjorie Estiano e Otávio Martins. ☻☻

DVD: Os Agentes do Destino


Emily e Matt: romance em mais uma paranóia K.Dickiana.

Alardeado como mais uma adaptação da obra de Phillip K. Dick (precisa lembrar que ele é autor de obras que inspiraram Blade Runner, Minority Report, Vingador do Futuro...). No entanto, o filme  ao invés de investir num "show de efeitos especiais" prefere utilizar a ficção científica do autor para embasar uma trama centrada na emoção dos personagens defendidos por bons atores. O filme é muito mais digno do título de romance do que ficção-científica, já que sinal de sci-fi se deve somente ao misterioso grupo de homens que seguem o casal principal e se entitulam como os tais agentes do destino (que a certa altura pode são comparados a um grupo de anjos). David Norris (Matt Damon) é um candidato ao senado de história complicada e origem humilde, ele nem faz ideia, mas sua vida mudará de rumo ao conhecer a bailarina Elise Sellas (Emily Blunt) num banheiro masculino (!). Por um acidente do destino ele acaba perdendo a eleição e a reencontra num ônibus, chegando a repensar os rumo que sua vida deve tomar. O que ele vai descobrir é que só encontrou Elise no ônibus por descuido do agente encarregado de evitar que se encontrassem e fazer com que seus destinos permanecessem afastados. Sendo assim, a missão dos agentes é corrigir o erro e afastar David de Elise. Até certo momento da trama eles não explicam o motivo do casal não poder ficar juntos, dexando nossa imaginação esperar por alguma catástrofe decorrente desta relação. George Nolfi (corroteirista de A Identidade Bourne/2002) faz o impossível para a trama não descambar para o ridículo (em vários momentos tive a sensação de que com algumas alterações o filme daria uma excelente comédia romântica) e nessa missão conta com atuação inspirada de Damon e Emily. Apesar de algumas perseguições e alguns truques de câmera (nitidamente inspirados no cinema de Michel Gondry) o filme só iria funcionar com uma dupla de atores capaz de dar credibilidade ao amor à primeira vista vivenciado por Elise e David (e desviar a atenção dos momentos mais delirantes da trama). Não precisa dizer que Damon e Emily são dois atores bem convincentes e tem a chance de fazer papéis bem diferentes dos que encarnaram nos últimos anos. Emily está bem leve como Elise (ela até sorri várias vezes!!) e Matt consegue fazer David (apesar das acusações de ter se metido em briga de bar e mostrado o traseiro numa festa com amigos) estar longe de ser um brucutu desmiolado. Posso até dizer que sem a dupla o filme seria um desastre. Além da dupla principal o elenco conta com Terence Stamp como um agente especial conhecido por métodos mais agressivos e John Slattery, mas é Antony Mackie que tem a atuação coadjuvante mais coesa como o agente do destino bonzinho. Apesar de alguns problemas de ritmo e piadinhas jocosas (como o chapéu que deve ser preservado na cabeça por mais que um agente corra) o filme deve agradar especialmente os mais carentes por um romance envolvente. Curiosamente, vendo o filme, me dei conta de como as tramas de Phillip K. Dick são paranóicas, mesmo quando se trata de uma trama rasgadamente romântica.

Os Agentes do Destino (The Adjustment Bureau/EUA-2011) de George Nolfi com Matt Damon, Emily Blunt, Terence Stamp, Antony Mackie, John Slaterry e Michael Kelly. ☻☻

terça-feira, 29 de novembro de 2011

DVD: Reino Animal


Os Codys: família da pesada!

Fazia tempo que um filme não me deixava tão tenso quanto este filme australiano do estreante David Michôd. O filme foi premiado na categoria de filme estrangeiro em Sundance do ano passado, mas nenhum distribuidor brasileiro resolveu fazer-lhe o lançamento merecido nos cinemas. Em DVD o filme também chegou sorrateiramente, mesmo sendo um drama familiar criminal como há muito tempo não se via. O filme chegou a concorrer ao Oscar de atriz coadjuvante deste ano com a atuação de Jackie Weaver na pele de uma matriarca de um clã barra pesada de Melbourne. O filme começa com a chegada de Joshua (James Frecheville), um rapaz de dezoito anos que ficou órfão e foi morar com a avó e os tios. A avó estava sem falar com a mãe dele desde uma discussão sobre cartas e era notório o quanto a mãe de Josh tinha medo da influência que os tios poderiam ter sobre ele. Desde o início sabemos que a família não é das melhores. Tio Barry é um ladrão de banco (Joel Edgerton) que planeja se aposentar, Tio Craig (Sulivan Stapleton) é nervosinho e ganha fortunas com o tráfico, tio Darren (Luke Ford) é apenas dois anos mais velho que Joshua mas já está encrencado até o pescoço na cumplicidade com os outros. No entanto, o mais procurado é Tio Paul (uma atuação arrepiante de Ben Mendelsohn) que é o maior responsável pela polícia estar sempre observando os passos dessa família disfuncional. O título funciona como metáfora perfeita para as relações estabelecidas neste clã que acaba funcionando como uma cadeia alimentar dentre suas relações de parentesco - e as situações indevidas que os envolverãos irão incluir a polícia e qualquer outro que cruzar o caminho desta família nesta luta por sobrevivência.  É no rumo sempre desgovernado dos passos de seus tios que Joshua terá que escolher fazer parte de seus crimes ou colaborar com a polícia na prisão de seus familiares numa sucessão de fugas, emboscadas e mortes. O estreante David Michôd demorou oito anos para construir sua trama e seu esmero no texto fica evidente. Apesar de conter poucos diálogos, o filme prima por situações que exploram os limites de seus personagens e do público. Michôd cria uma tensão absurda até o fim da sessão num final que pode soar pessimista e redentor ao mesmo tempo. Michôd parece o diretor de um programa do Animal Planet devido ao distanciamento que se obriga a contemplar esta família de valores distorcidos - e neste ponto brota o grande mérito de seu trabalho. Não bastasse a trama subir cada degrau  com minuciosa exatidão, o filme ainda conta com uma trilha sonora densa (que se dá ao luxo a mesclar com canções pop se aparecerem pela trama, fazendo com que soem estranhamente sombrias). Diante das boas atuações (que inclui a de Guy Pearce como o personagem mais confiável da trama) não é surpresa que Jacki Weaver tenha chamado tanta atenção. Num elenco repleto de testosterona ela encarna uma mãe que defende seus filhotes como uma leoa (como deixa claro o quadro apresentado logo no início) e que não hesita em tomar caminhos menos ortodoxos para livrá-los de suas responsabilidades. Embora ambientada na década de 1980, a permissividade da matriarca é um aspecto cada vez mais presente na sociedade do século XXI.

Reino Animal (Animal Kingdon/Autrália-2010) de David Michôd com James Frecheville, Ben Mendelsohn, Guy Pearce, Jacki Weaver, Joel Edgerton, Sulivan Stapleton e Ben Mendelsohn. ☻☻☻☻

DVD: Coração Louco


Bridges e Maggie: filme country de pinguço.  

Não vou discutir que Jeff Bridges é um bom ator, mas não achei justo ele levar o Oscar de melhor ator em 2010 por sua atuação como o cantor de música country alcoolatra e irresponsável neste filme (eu admito que torcia para Colin Firth em Direito de Amar), mas enfim, valeu como reconhecimento pela carreira. Coração Louco é mais um desses filmes de redenção tardia, a diferença é que está repleto de boas canções country que não decepcionam (a principal, The weary kind recebeu vários prêmios). Mas o filme em si é mais do mesmo sobre esse tipo de artista que tem problemas de enfrentar seus problemas e prefere afogar as mágoas na birita. Bad Blake (Bridges) é um cantor country que jogou fora sua carreira bebendo, caindo e levantando para beber mais um pouco. As coisas não andam muito bem,  já que se apresenta em botecos dispostos a reunir seus fãs antigos, contratar uma banda para carregá-lo nas costas e ainda esperar que ele volte ao palco depois dos revertérios provocados pelo goró. O filme é isso aí, sorte que Bridges coloca tudo no bolso numa atuação correta e que coloca toda a responsabilidade do filme sobre seus ombros (já que a direção está longe de ser original, estando em perfeita simetria com o roteiro simplista). Para mostrar que Blake ainda tem jeito, colocaram em seu caminho uma jovem repórter local (Maggie Gyllenhall, numa discutida atuação indicada ao Oscar de coadjuvante - o que foi uma maldade) que não tem sorte com homens. Como dois e dois são quatro, não importa o quanto Blake tenha a boca mole, pança de chopp, barba por fazer, cabelo desleixado e que tenha álcool correndo nas veias, ela, mesmo com a cara de certinha vai se apaixonar por ele - apesar da cara certinha. Esse relacionamento poderia até fazê-lo repensar na vida, mas não é bem isso que acontece. Ele não muda muito e o máximo que consegue é voltar a ter contato com um de seus discípulos musicais (vivido por Colin Firth, que mais parece cigano do que cantor country) e se apegar ao filhinho da namorada. O filme poderia aprofundar mais as relações de Blake com quem está ao seu redor, mas tudo gira em torno da atuação de Jeff Bridges. Se por um lado ele está bem no papel, por outro a impressão é que o filme esta sempre indo e voltando para o mesmo lugar (até a participação de Robert Duvall parece um desperdício). Quando o filme parece ter alguma novidade ele já está terminando, sorte que para não deixar tudo mais óbvio resolveram dar um final realista ao romance do bebum com a repórter! Com pequenas alterações o roteiro servirá para a cinebiografia de Amy Winehouse!

Coração Louco (Crazy Heart/EUA-2009) de Scott Cooper com Jeff Bridges, Maggie Gyllenhall, Robert Duvall e Colin Farell. ☻☻

CATÁLOGO: Desejo e Perigo

Wang e Sr. Yee: brincando de quente e frio.

Ang Lee ainda saboreava seu Oscar de direção por Brokeback Mountain (2005) quando retornou ao oriente para dirigir um romance com fortes doses de erotismo. O filme causou escândalo ao ser exibido no Festival de Veneza (e em todos os países por onde passou) devido às (um tanto) despudoradas cenas de sexo em sua narrativa. O filme conta a história de uma jovem estudante e atriz, a jovem Wang (Wei Tang) que é escaladada para uma missão: seduzir e matar Sr. Yee (Tony Leung Chiu Wai), um chinês que trabalha para o governo de ocupação de Hong Kong durante a Segunda Guerra Mundial. Mas apesar do tipo inocente de Wang soar irresistível como isca, Sr. Yee é mais esperto do que parece em seu convívio social - já tendo escapado de diversas emboscadas, recompensando seus algozes com prisões e assassinatos. Wang não está sozinha em sua missão, ela conta com estudantes de seu grupo de teatro para realizar a emboscada ao seu alvo. Mas nem tudo sai como o esperado e ela acaba tendo de fugir subitamente. Não se preocupe, eu não contei o final do filme, este é só o início. Anos depois, Wang retorna, resgata sua amizade com a Senhora Yee (a renomada Joan Chen) e faz o impossível para seduzir Sr. Yee o carregando para sua armadilha. É neste segundo ato que estão presentes as desesperadas cenas dos amantes. Ang Lee disse que as cenas de sexo do filme são comparáveis às cenas de luta de O Tigre e o Dragão (filme que lhe deu o Oscar de filme estrangeiro em 2001), onde morte e vida estão em jogo. Os fãs do filme conseguem ver inúmeros significados em cada gesto dos amantes sobre a cama, cada beijo, gesto, olhar, lambida e mudança de posição indicariam quem está no domínio em determinado momento da trama. Embora mais agressivas do que amorosas, as cenas realmente impressionam e funcionam em perfeito contraste com a trama lenta, longa e arrastada. Não consigo esquecer que ao abordar os cowboys gays de Brokeback  Mountain, Lee havia realizado uma desastrosa declaração dizendo que não havia mais novidades em retratar relacionamentos entre homens e mulheres. O comentário foi preconceituoso, mas diante do sucesso do filme pouca gente esquentou a cabeça. Talvez por isso, Lee tenha encontrado no livro Se, Jie de Eileen Chang para se desculpar (dizem que a autora demorou 30 anos para escrever sua obra e que esta tem traços autobiográficos). Apesar de Lee utilizar a trama para criar cenários, figurinos e fotografia de encher os olhos numa Xangai pobre e ainda sedutora, a narrativa padece de uma frieza insuportável. A beleza visual e esforço do elenco podem até servir de desculpa para a ideia de reproduzir o estilo noir do cinema americano dos meados do século XX, mas a emoção parece ter ficado restrita às cenas mais apimentadas do casal (e uma cena de violência regada com muito sangue ao fim do primeiro ato). Podem dizer que o povo oriental é mais contido, tolhido, castrado, conservador... mas da forma como as coisas são feitas durante a sessão o final é mais do que previsível - afinal é o único caminho a que o desejo e perigo da trama poderia conduzir (e para chegar lá, o público terá de ficar acordado por quase três horas de exibição).

Desejo e Perigo (Lust, Caution/EUA-China/2007) de Ang Lee com Tony Leung Chiu Wai, Wei Tang, Joan Chen e Wang Lee-Hom. ☻☻

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

APOSTAS PARA O OSCAR - CAPÍTULO FINAL

É meus caros, estamos à cinco dias do fim do mês e as premiações já estão començando a colocar suas impressões na caixinha de surpresas desse fim de ano. As indicações ao Globo de Ouro saem no dia 15 de dezembro já para animar o fim de ano de quem sobreviveu a um ano de grandes bocejos cinematográficos. Todos os favoritos já apareceram por aqui (eu admito que esse ano eu exagerei e listei quase tudo que foi lançado no fim de ano americano, mas quem garante que até o pior dos bugalhos não tem chance de ter uma mísera indicação à figurino ou fotografia, ou até mesmo lançar um azarão nas categorias mais robustas?). Este capítulo final está destinado á raspa do tacho, produções que podem ser indicadas mas que devem ficar de fora das categorias principais (e nem vou comentar W.E. de Madonna, que tem chances de ser indicado pelo seu figurino ou fotografia):

Hugo
É o primeiro filme de Martin Scorsese voltado para o público infantil. No início, o medo era se o resultado não pudesse soar sombrio demais ao adaptar o livro A Invenção de Hugo Cabret de Brian Selznik. No livro, o menino Hugo (Asa Butterfield de O Menino do Pijama Listrado) é um moleque que vive numa estação ferroviária e após encontrar um robô quebrado promete viver grandes transformações. Depois que o filme foi exibido em alguns festivais a desconfiança se dissipou e o filme pode aparecer em categorias que vão além das técnicas. O elenco ainda conta com Ben Kingsley, Chloe Moretz e Sacha Baron Cohen.  

As Aventuras de Tintim
Esta primeira aventura de Steven Spielberg pelo campo da animação deve render uma indicação ao Oscar na categoria (e deve ser o maior concorrente para Rango) e ainda lhe conferir outra franquia milionária (já que Indiana Jones 4 não emplacou). Baseado no personagem de Hergé, o filme conta com a participação de Andy Serkis e Jamie Bell na captação de movimentos e deve render grandes bilheterias. O filme é baseado nas histórias O Segredo de Lancorne e O Tesouro de Rackhan, o Terrível. No longa Tintim conta com a ajuda de seu cão Milu e o controverso Capitão Haddock.

Jane Eyre
Enésima adaptação do consagrado romance de Charlote Brontë, o filme de Cary Fukunaka tem como missão dissipar todas as impressões que os outros deixaram e mostrar que tem identidade própria. O elenco é encabeçado por Mia Wasikowska - e não que eu tenha má vontade com a garota, mas espero que a direção tenha injetado um pouco de energia na atriz que tem sido elogiada, mas que ainda não me convenceu com sua cara pálida de apática. Eyre é uma típica heroína romântica, órfã, infeliz e vive romances complicados (inclusive com um homem casado). O elenco ainda conta com Michael Fassbender e Jamie Bell como seus pretendentes - além de Sally Hawkins! Será que o filme vai emplacar? Quem viu o estilo meio "filme de Jane Austen" garante que sim.  

Win Win
Paul Giamatti já demonstrou que convence como treinador esportivo. Em "A Luta pela Esperança" de Ron Howard ele foi o único ser pulsante e acabou garantindo sua primeira indicação ao Oscar como o treinador de Russel Crowe. Agora num contexto completamente diferente (ele ajuda um jovem a aspirante a lutador) ele se entrega à batuta de Tom McCarthy nessa comédia simpática e despretensiosa. Giamatti já levou o Globo de Ouro neste ano pelo pouco visto Barney's Version e já demonstrou que não precisa de grandes campanhas marketeiras para se impor. Será que tem força para chegar ao Oscar dessa vez?

Like Crazy
Com o congestionamento de candidatas ao posto de melhor atriz do ano, esse drama romântico independente perdeu força - mas como as indicações costumam sempre reservar alguma surpresa (especialmente para atrizes novatas) ela pode ficar por conta da atuação de Felicity Jones neste filme laureado pelo júri de Sundance. Trata-se do romance entre um jovem americano (Anton Yelchin) e de uma garota britânica (Jones) que é banida dos EUA - fazendo com que o relacionamento tenha que sobreviver à distância. O elenco ainda conta com Jennifer Lawrence. A ala indie da Academia pode ajudar o longa de Drake Doremu a colher alguma indicação pela honesta intensidade com que a história é contada. 

Agora dê uma olhada em tudo o que apareceu por aqui e faça suas apostas. No dia 15 de dezembro eu volto com os meus favoritos à uma vaga no Globo de Ouro - que sempre serve de ensaio para os indicados ao Oscar!

CATÁLOGO: Chicago

Se em 2003 o melhor filme do Oscar era O Pianista de Roman Polanski, como explicar que ele tenha perdido prêmio máximo para Chicago (se fosse para As Horas eu até relevava...). Bem, vamos por partes. No ano anterior os fãs fervorosos de Moulin Rouge de Baz Luhrman não foram suficientes para dizer aos estúdios que o gênero musical havia ressuscitado. Está certo que o filme estrelado por Nicole Kidman era moderninho demais para o gosto da Academia (até eu tenho meus questionamentos sobre aquela edição nervosinha de sua primeira metade). Chicago tinha a intenção de trazer o gênero de volta às suas origens, com figurinos, números de dança deslumbrantes e canções oringinais que empolgassem. O projeto vinha se arrastando desde a década de 1990 nos estúdios (na época, Madonna estava tão animada com seu Globo de Ouro por Evita/1996 que estava envolvida na produção, onde seria Roxie Hart e Goldie Hawn seria Velma Kelly, mas a ideia não decolou). O filme só ganhou forma quando o diretor Rob Marshall (que havia dirigido vários musicais nos palcos) assumiu a direção e atraiu nomes de peso (para a época) como Renée Zellwegger, Catherine Zeta Jones e Richard Gere. Para ajudar no elenco ainda escalou os menos conhecidos (pelo grande público) John C. Reilly e uma rapper disposta a ganhar a telona, Queen Latifah. Quando Bob Fosse construiu este musical para os palcos, sua intenção era criticar a obsessão pela fama, ao ponto da mídia tratar criminosos como se fossem celebridades. A linguagem tinha a ousadia típica de seu idealizador, tendo muito de sática corrupção. Essa mistura é o que está por trás da história de Roxie Hart (Zellwegger, indicada ao Oscar de atriz e ganhadora do Globo de Ouro) que tem talento medíocre, não sabendo dançar ou cantar muito bem, mas que sonha em protagonizar seu próprio musical. Ironicamente, Roxie acaba se tornando famosa por matar o amante e na prisão conhece sua musa, Velma Kelly (Catherine, que disputou o Globo de Ouro com Renée e ganhou o Oscar de Coadjuvante) que está presa por matar o marido e sua irmã gêmea. Ao contrário de Roxie, Velma é realmente talentosa: canta, dança e interpreta como uma diva hollywoodiana - e por isso mesmo não é muito confiável. No meio dessa história está o advogado doido para se promover na mídia (Gere, ganhador do Globo de Ouro), uma carcereira de fina ironia (Latifah, indicada ao Oscar e Globo de Ouro de Coadjuvante) e o esposo traído de Roxie (Reilly, indicado ao Oscar e Globo de Ouro de Coadjuvante). No entanto, a exuberância visual do filme não consegue disfarçar as dificuldades de Marshall para lidar com a telona. Todos os elogios que as cenas musicais lhe renderam não me convenceram, até porque o que o filme possui de melhor é pura transposição dos palcos para o cinema, Marshall apenas copiou o que viu no teatro e fez diante de uma câmera. Nesse caso, tenho que admitir que o cara contou com excelentes parceiros na produção técnica do filme (direção de arte, fotografia, edição, trilha sonora) que é impecável, mas todas as provocações do texto original ficaram pelo meio do caminho em nome do espetáculo que tonra tudo mediano. Marshall convenceu porque não se deram conta, em sua estreia, que ele pensa cinema como se estivesse fazendo teatro - tanto que seus números musicais sempre acontecem num palco com a desculpa de ser a imaginação dos personagens (francamente, até o seco Lars von Trier já fez melhor do que isso em Dançando no Escuro/2000). Mas quem entende do gênero vai notar os cortes bruscos para esconder que parte do elenco não sabe fazer o que os personagens pedem (John C. Reilly deixa claro que não consegue nem fazer passos simples de dança e tem que ser muito ingênuo para acreditar que Richard Gere está sapateando... e não vou nem falar da voz de taquara rachada de Zellwegger). O mais curioso é que de todo este enorme bolo de noiva quem sai intacta é Catherine Zeta-Jones, impecável como a vilã Velma Kelly. Jones mostra-se uma diva às antigas, com corpão, carisma, brilho descomunal em cenas de canto e dança (ela dispensou qualquer dublê para as suas cenas) tanta disposição valeu a pena no Oscar e fez até os acadêmicos acreditarem que Chicago é um filme melhor do que realmente é. Sem ela, o filme teria padecido completamente com seu roteiro fraco e um diretor que já provou que não entende muito de falar por ele mesmo.  O pior é que Marshall continuou fazendo filmes (todos pisoteados pela crítica: Diário de uma Gueixa/, Nine/2009 e o recente Piratas do Caribe 4) enquanto Catherine tem se dedicado cada vez mais ao teatro. Não poderiam inverter essa situação?
  
 
Zellwegger: desculpe Renée, mas Catherine é a estrela do filme...

Chicago (EUA-2002) de Rob Marshall com Renée Zellwegger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere, Queen Latifah, John C. Reilly, Christine Baranski e Lucy Liu. ☻☻

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

FILMED+: O Show Não Pode Parar

Scheider: atuação irrepreensível num clássico de Bob Fosse.

Se antes eu já achava Nine (2009) um filme tolo e desnecessário (apesar do apetitoso elenco), depois que vi esse clássico de Bob Fosse eu considero o musical de Rob Marshall ainda pior. Primeiro porque se a ideia de Marshall era fazer um musical inspirado em Oito e Meio (1963) de Fellini , ele já estava feito há trinta anos quando Fosse brincou com seu imaginário criativo neste musical que está entre os melhores de todos os tempos. É verdade que é um dos mais originais por mostrar os bastidores da produção de um espetáculo musical enquanto desvenda as entranhas de seu criador. Embora fictício, Joe Gideon (Roy Scheider que me surpreendeu bastante com sua atuação genial que valeu uma indicação ao Oscar de ator) tem muito do próprio Fosse, ao encarnar várias de suas características gestuais em um papel que herdou seu perfeccionismo e lascívia. Fosse fez sucesso em sua transposição da Broadway para os cinemas porque sabia mesclar linguagens artísticas como ninguém, por isso, O Show Não Pode Parar é mais do que um musical, trata-se de uma obra de um diretor visionário (neste caso o adjetivo cabe perfeitamente, já que o cara vislumbrou a sua própria morte neste que é sua obra mais sombria). O roteiro acompanha o diretor Gideon enquanto prepara um novo espetáculo - o qual nem sabe muito bem o que vai fazer e há rumores que se trata apenas de um pedido de desculpas à ex-esposa, Kate (Ann Reiking) pela infidelidade constante. Entre a seleção do elenco, elaboração dos números musicais e preparação de um longa-metragem (no qual Gideon não leva a menor fé), conhecemos o interior da mente criativa deste artista - desde suas reflexões diante da morte (encarnada por Jessica Lange, num papel que soa misterioso podendo ser encarado como uma musa ou sua inspiração), ideias fervilhantes e casos que decepcionam sua namorada e filha, o conhecemos cada vez mais.  Definitivamente quando resolveram ressuscitar os musicais, esqueceram de injetar-lhe a alma, já que All That Jazz é mais ousado e rico do que muito filme recém-lançado. Basta ver a indefectível cena em que passos de dança são realizados como se fosse uma luta entre Kate e Gideon, ou a graciosidade de uma coreografia que serve apenas de contraste para uma outra repleta de luxúria sob o título de "Air Rotica". Como se não bastasse ainda tem todos aqueles números imaginários enquanto Gideon agoniza após uma cirurgia cardíaca. Mas nem só de músicas e coreografias se faz o filme. A edição e o roteiro são brilhantes ao mesclar diversas imagens e diálogos de determinada cena dentro de um novo contexto (especialmente a utilização dos estágios da perda de Kubler-Ross: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação quando o protagonista percebe que a morte é inevitável). A narrativa entrelaça vários fios de seu personagem até o final apoteótico que é uma celebração à... morte? Pode soar irônico, bizarro e sombrio, no fim das contas, mas Fosse deixa claro que o importante é deixar um legado - e que através da arte aparece de forma ainda mais memorável. É arrepiante a cena em que Gideon desliza até encontrar com a personagem de Lange (desculpe repetir, mas a atuação de Scheider me impressionou muito, principalmente quando lembro de como foi subaproveitado na maioria de seus filmes seguintes). Fico imaginando o trabalho que deu para o filme ser realizado com sua linguagem inovadora e audaciosa, mesmo para a década de 1970 onde o cinema americano sofria sua guinada mais marcante. Embora muita gente considere os musicais como uma fuga da realidade, um gênero escapista e alienante, Fosse mostra neste filme ganhador da Palma de Ouro em Cannes,  como ele pode ser profundo, reflexivo e extremamente existencialista. São elementos assim que fazem de Fosse um gênio e O Show Não Pode Parar algo bem distante de obras ocas de Rob Marshall.

O Show Não Pode Parar (All That Jazz/EUA-1979) de Bob Fosse com Roy Scheider, Jessica Lange, Ann Reiking, Leland Palmer e John Lithgow.

DVD: Abutres


Darín e Guzman: amor, violência e golpes em seguradoras. 

O nome Abutres pode até parecer que anuncia um filme de terror, mas na verdade é um drama de grande conotação marginal.  O filme foi exibido em Cannes rodeado de grande expectativa, já que é estrelado pelo alpha galã local Ricardo Darín, que estava ainda mais em alta depois que O Segredo dos Seus Olhos (2009) deu o Oscar para a Argentina. Abutres pode não ter feito o mesmo sucesso que o seu premiado longa anterior, mas é um programa interessante para conhecermos um golpe que aqui no Brasil não é tão popular, pelo menos não que eu saiba que por trás das mortes no trânsito exista uma máfia que movimente milhões em golpes contra as seguradoras. Logo no início do filme somos apresentados às assustadoras 8.000 mortes no trânsito da Argentina. Caçando brechas legais nesses casos está Sosa (Darín), um dos abutres do título, um advogado sem licença para exercer a profissão e que aplica esses golpes em pessoas acidentadas e com pouco esclarecimentos sobre seus direitos. Assim, as idenizações robustas acabam ficando em maior parte com a própria companhia em que trabalha. O problema é quando Sosa conhece a paramédica Luján (a bela Martina Guzman, esposa do diretor), uma jovem recém chegada do interior e que se depara com os clientes de Sosa. É visível a reprovação de Luján ao trabalho de Sosa, mas os olhos brilhantes de Darín irão falar mais alto. Mas as coisas só pioram quando ela desconfia que um dos golpes de Sosa acarretou a morte de um paciente. Vai passar um bom tempo até que os dois se reencontrem e ele tentar convencê-la que deixou os golpes para trás. Se Sosa quer deixar o passado para trás, a recíproca não é verdadeira. A máfia dos golpes sobre as seguradoras aparece de forma aburdamente realista e contundente após um acidente com um ônibus que deixa vários clientes em potencial e uma disposição violenta pelo dinheiro que isso pode gerar. O filme é fiel ao estilo cru em que os cineastas argentinos se tornaram especialistas nos últimos anos. Conduzido como um suspense policial, Abutres só peca mesmo perto do final onde uma série de acontecimentos espetaculares  comprometem o desfecho da trama. Até se meter a ser hollywoodiano demais o diretor Pablo Trapero (de Leonera/2008) consegue envolver o espectador em sua tensão crescente. O filme causou tanto impacto na Argentina que mudou até as leis do país que favoreciam o trabalho dos Caranchos. Pensando bem, o filme é mesmo de terror!

Abutres (Caranchos/Argentina-2010) de Pablo Trapero com Ricardo Darín, Martina Guzman e Carlos Weber.

FILMED+: Uma Vida Iluminada


Hütz, Wood e Leskin: iluminados pela luz do passado.

Nesta temporada de estreias de séries americanas nenhuma me empolgou, não adiantaram as expectativas de nomes que anseiam por reconhecimento cinematográfico como Kat Jennings em Two Broken Girls ou Patrick Wilson em A Gifted Man. Mas, a minha maior decepção foi Wilfred, estrelado por Elijah Wood que tem que lidar com o cachorro da vizinha. O grande atrativo do seriado é que o tão cãozinho é vivido por um ator fantasiado. O problema é que nos dois episódios que foram ao ar neste domingo pelo FX às 22:00, tudo me pareceu meio vulgarizado e a ideia do cão traiçoeiro acabou se perdendo em meio às escatologias e vulgaridades. Depois dessa decepção eu quis rever o meu filme favorito do eterno Frodo: Uma Vida Iluminada, filme de estreia do ator Liev Shreiber e que é baseado no livro de Johnatan Safron Foer (o mesmo de Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, o novo filme de Stephen Daldry). Elijah com seus olhos grandes (e óculos maiores ainda) está perfeito como Johnatan, um rapaz judeu que desde pequeno coleciona memórias (não vou nem aprofundar as referências ao trabalho de Marcel Proust). Preservativo, dentadura, punhado de areia e uma batata são alguns objetos que veremos em sua coleção durante o filme.  É com a morte de seu avô que Johnatan decide ir para a Ucrânia e conhecer a mulher que o salvou da perseguição nazista. Em sua jornada irá contar com um guia turístico que afirma ser cego, seu neto, Alex Jr. (o ótimo Eugene Hütz, que adora o Brasil e é vocalista da banda Gogol Bordello - que colaborou na trilha sonora). Alex se comporta como um jovem novaiorquino, mesmo que tenha graves problemas com as expressões idiomáticas americanas (e por isso mesmo alfineta o que é politicamente correto). Para tornar a viagem mais interessante, os três dispõem da companhia da cadelinha guia Samy Davis Jr. Jr. (devidamente uniformizada com uma confusão linguística estampada na camisa) e um carro caindo aos pedaços. Shreiber surpreende ao conduzir este road movie de forte carga emocional e grandes influências do cinema  russo - o que lhe confere uma identidade incomum entre as produções americanas. Entre uma parada e outra, as diferenças culturais entre o trio aparecem cada vez mais fortes, especialmente quando o guia afirma que odeia judeus (mesmo que seu neto tenha, ironicamente a cara de um jovem judaico - mas como ele afirma ser cego talvez nem tenha percebido). Aos poucos, não só Jonfen (como é chamado por Alex) descobre um pouco mais de sua história, mas os outros personagens lidam com revelações surpreendentes de suas próprias identidades. É belíssima a cena do sobrevivente do holocausto banhada em uma luz dourada - que demarca a iluminação que o filme retrata: todos somos iluminados pela luz do passado. Só por esta colocação o filme já merece lugar cativo na memória, mas ele faz mais, ao conduzir Johnatan na descoberta de que não é o único a colecionar memórias e que no fundo as pessoas não são tão diferentes quanto parecem - como ilustra brilhantemente a cena final de sua chegada ao aeroporto. Uma mensagem que pode parecer simples, mas que faz toda a diferença quando vemos um filme como um filme sobre o Holocausto. Bem produzido, surpreendentemente dirigido, com a presença de atores dedicados o filme é um grande acerto. Ao final da sessão dá até vontade de revê-lo diante da riqueza das simbologias e imagens que utiliza (com colaboração de Matthew Libatique, colaborador de Darren Aronofsky em vários de seus filmes), além disso não é todo dia que temos uma atuação de Eugene Hütz (inspiradíssimo e que depois só apareceu em Filthy & Wisdom/2009 a estreia de Madonna na direção). Uma Vida Iluminada é uma despretensiosa obra-prima.

Uma Vida Iluminada (Everything is Iluminated/EUA - 2005) de Liev Schreiber com Elijah Wood, Eugene Hütz e Boris Leskin

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

DVD: Quadrilogia Pânico


Pânico 4: mais do mesmo (o que é ironicamente arrepiante).

Lembro quando o primeiro Pânico (1996) de Wes Craven foi lançado numa estratégia arriscada nos EUA, chegando às salas na semana de Natal. O filme estreou mal das pernas e caminhou lentamente até chegar à lista dos filmes mais vistos daquele ano. Além disso, o mercado de filmes de terror -que estava de mal a pior - ganhou uma injeção de ânimo com suas piadas autoreferenciais, alguma metalinguagem e muito, muito suspense. O diretor Wes Craven e o roteirista Kevin Williamson acabaram criando um novo parâmetro para os filmes do gênero e se tornou uma febre mundial a trama dos assassinatos na fictícia cidade de Woodsboro. A cena de suspense estrelada por Drew Barrymore no início do longa já se tornou clássica por sintetizar magistralmente o atmosfera do longa centrado num assassino viciado em filmes de terror. Na perseguição à jovem Sidney (Neve Campbell, que na época estrelava a série Party of Five), o roteiro triturava referências dos filmes de terror clássicos, ironizava as regras vistas no gênero e apontava tendências que caiam no gosto popular como uma crítica aos filmes de serial killers e a celebrização deste tipo de personagem. Foi uma ideia tão bem sacada que quando o MTV Awards ainda era uma premiação esperta lhe conferiu o prêmio de melhor filme do ano. A sequência era inevitável. Pânico 2 (1997) chegou aos cinemas no ano seguinte trazendo os sobreviventes do elenco original: a própria Sidney (que agora estava na universidade), a repórter oportunista e arrogante Gale Wheaters (Courtney Cox, que nasceu para este papel) que escreveu um livro sobre os crimes do filme anterior e o policial bonzinho Dewey (David Arquette que acabou casando com Courtney enquanto ela estava no auge da série Friends). As vagas para uma pequena participação foram disputadas aos tapas pelos jovens atores de Hollywood e no fim das contas nomes em ascenção como Sarah Michelle Gellar e Jerry O'Connel, levaram a melhor. O filme era mais longo, mais violento e as piadinhas giravam em torno da sequências cinematográficas além da versão para o cinema da saga de Sidney, sob o título de Stab (Apunhalada). Estava claro que a intenção era superar o primeiro. Não foi bem assim, Williamson se levou a sério demais e enquanto Craven caprichava no suspense, o filme tentava aprofundar os traumas de Sidney e a sua relação com a história promíscua de sua mãe. Mais uma vez o assassino possui relação com o passado de sua progenitora. Mas o filme carecia de uma cena memorável - ainda que a cena inicial com Jada Pinkett cause arrepios (mesmo com os problemas de percurso, Campbell foi eleita a melhor atriz do ano pelo MTV Movie Awards). Em 2000, Pânico 3 já demonstrava sinais de cansaço, mas ainda apresentava um suspense acima da média. O terceiro episódio resgatou muito do humor que parecia ter se perdido no anterior e era baseado nas filmagens da continuação de Stab. Os próprios personagens viraram motivos de chacota, de Sidney que era vivida por Tori Spelling, Gale Weathers recebia caprichada paródia de Parker Posey. O filme contava com uma participação pequena de Sidney que passa a viver no isolamento - e mesmo assim não evita que o passado de sua mãe volte a motivar assassinos a procurá-la. Essa participação pequena da personagem se deve mais ao esforço de Campbell desligar sua imagem da personagem, mas não funcionou. Onze anos depois do último filme, com a carreira de seu elenco principal precisando de ânimo, Wes Craven tenta revitalizar a franquia trazendo Sidney novamente para Woodsboro e reencontrando Dewey, Weathers, familiares (uma prima vivida pela bonitinha Emma Roberts e uma tia interpretada pela renomada Mary McDonnel com uma juba digna de Rei Leão). Apesar das tiradas sobre internet, celulares, SMS, redes sociais e youtube  (para atualizar a saga) a espinha dorsal da narrativa continua a mesma: piadas sobre filmes de terror (especialmente sobre a série calcada em Sidney, a fictícia Stab que aparece desgastada após sete episódios e rende rumores de uma refilmagem - o que é o alvo das autorerências do longa). Se o lema do filme é "nova década, novas regras", esta aparece mais como uma pegadinha para o público do que um princípio - principalmente porque qualquer indício de novos personagens tomando o lugar dos velhos mostra-se uma frustração - já que todos são alvos do massacre. Estão lá as piadinhas cinéfilas ao gênero, o suspense de arrepiar, as atuações corretas do elenco (mais uma vez vindo da TV, em sua maioria) e sangue, muito sangue. Em tempos do horrendo Jogos Mortais, Pânico 4 (ainda que sendo mais do mesmo) tem mais frescor do que as refilmagens dos clássicos de horror que aparecem por aí. Prova disso foi a arrecadação de mais que o dobro de seu custo somente nos EUA.

Pânico (Srecam / EUA-1996) de Wes Craven com Neve Campbell, Drew Barrymore, Rose McGowan. David Arquette, Courtney Cox, Skeet Ulrich, Jamie Kennedy e Matthew Lillard. 

Pânico 2 (Scream 2 - EUA/1997) de Wes Craven com Neve Campbell, David Arquette, Courtney Cox, Jerry O'Connel, Jada Pinket-Smith, Tymothy Olyphant e Sarah Michelle Gellar.

Pânico 3 (Scream 3 - EUA/2000) de Wes Craven com Neve Campbell, Courtney Cox, Parker Posey, David Arquette, Scott Floley, Patrick Dempsey e Heather Matarazzo.

Pânico 4 (SCRE4M - EUA/2011) de Wes Craven com Neve Campbell, Emma Roberts, Courtney Cox, Rory Culkin, David Arquette, Mary McDonnel, Hayden Panettiere e Anna Paquin.  

DVD: 3 Macacos


3 Macacos: contemplando a tempestade sobre uma família.

Este filme sempre me chamou atenção pela imagem que pretende evocar quando vemos seu título. 3 Macacos se refere ao célebre provérbio imagético daqueles três macaquinhos onde um tampa a vista, o outro os ouvidos e o outro esconde a boca. Essa coisa de fingir que não se ouve, vê ou contar o que está diante dos olhos é o que move o núcleo familiar deste filme. Mais do que um drama familiar, o filme está mais para uma tragédia diante das situações que o roteiro arma para os seus personagens, especialmente para o patriarca, que inicia o filme assumindo um crime que não cometeu. Após a intrigante cena inicial, onde um carro é conduzido em meio à escuridão (o filme todo se concentra nesta ideia de se conduzir na penumbra, a fotografia é muito escura e quando demonstra alguma luz ela é mostrada em tonalidades diferentes a que estamos habituados) um acidente é capaz de prejudicar um aspirante a político local (Erkan Kesal). Este é o ponto de partida para que um motorista (Yavuz Bingöl) assuma o crime em troca de auxílio financeiro permanente para a esposa e o filho. Ele permanecerá nove meses preso enquanto sua esposa (Hatice Aslan) e o filho (Ahmet Sungar) são sustentados pelo tal político. Quando mãe e filho buscam meios de conseguir dinheiro com o tal político (para comprar um carro) e vemos o encontro da esposa com o tal político já vemos como a coisa vai caminhar - e que irá se complicar depois que o esposo for libertado, mostrando-se cada vez mais impaciente com os rumos tomados por sua família enquanto estava fora. A trama de três macacos funciona bem como um jogo de omissão. A impressão é que os três membros da família sabem exatamente o que está acontecendo com o outro, mas preferem não comentar, fingir que não estão vendo e até mesmo ouvindo o que não lhes convém. Caminhando para a tragédia quando um deles sente-se rejeitado, os rumos dos acontecimentos indicam que ser omisso é apenas seguir o rumo para que a história se repita e por isso a ideia de ter como pai um motorista soa tão irônica - afinal ele parece sempre conduzir para os caminhos que os outros indicam para ele, sem seguir o caminho que realmente ambiciona. O mais interessante é que considero o roteiro de 3 Macacos muito superior à sua realização, não que o trabalho do diretor Nuri Bilgen Ceylan seja ruim na condução de seus atores (ele foi até premiado em Cannes pelo seu trabalho neste filme), mas a fotografia muito escura, planos arrastados e longos silêncios parecem não casar muito com a história que está contando, tudo parece pretensioso e solene em exagero. Ainda assim, os vários prêmios internacionais só comprovam a força de sua história e o poder das belas imagens quando a luz invade a vida de seus angustiados personagens. 

3 Macacos (Üç Maymum / Turquia-França-Itália /2008) de Nuri Bilgen Ceylan com Yavuz Bingöl, Hatice Aslan, Ahmet Sungar e Erkan Kesal.  

terça-feira, 22 de novembro de 2011

FILMED+: O Que Resta do Tempo


A família Suleiman: quatro episódios de uma família em Israel.

No ano em que Cannes coroou A Fita Branca e aclamou O Profeta, um outro filme, bem mais leve ainda que igualmente politicamente provocador, também arrebanhou fãs, tratava-se de O que Resta do Tempo, um desses filmes incomuns que merecem ser descobertos. Eu não conhecia o trabalho do diretor Elia Suleiman, mas o filme me estimulou a procurar e seguir as obras deste palestino que na obra em questão conta a história da construção do Estado de Israel a partir de um núcleo que lhe é bastante particular: sua própria família. A partir das memórias paternas, maternas e suas, Suleman constrói uma história que gira em torno de persongens em situações que beiram o absurdo, mas que por isso mesmo parecem tão triviais. Esse efeito paradoxal é fruto de um diretor que sabe exatamente utilizar a imagem para dizer o que quer, a seu favor conta com uma montagem sublime que consegue enfileirar cenas que poderiam parecer desconexas, mas que, de uma forma muito particular. pode ser tão assustadora quanto bem humorada. Poucos cineastas são capazes que alcançar tamanho equilíbrio ao ponto de fazer um tema pesadamente histórico  soar como uma comédia de costumes sem parecer arrogante ou idiotizante. No início, no ano de 1948 somos apresentados à família Suleiman em meio à constituição do Estado de Israel e o banimento dos muçulmanos para uma sociedade judaica. O clima ainda era tenso e só depois nos damos conta que aquele sujeito que estava sentado com amigos e que chama um iraquino para conversar é um dos protagonistas do filme e constrói armas na clandestinidade de seu porão. Existe um corte temporal que nos leva para o ano de 1970, onde nos deparamos com Fuad (Saleh Bakri) que tem pinta de galã hollywoodiano e vive numa confortável casa de subúrbio com a esposa e o filho, Elia - que tem problemas na escola ao repetir que os EUA são colonialistas. O moleque ainda chega invariavelmente, todos os dias com um prato de lentilhas que vai direto para o lixo num ritual cotidiano que beira o hilariante. Outro elemento que pode causar alguns risos é o vizinho de Fuad que todo sia se banha em querosene e ameaça atear fogo em si mesmo devido a conjuntura política do país. Fuad também é acusado de produzir armas clandestinamente em seu porão - e neste ponto parece a versão paradisíaca do personagem que vimos no primeiro ato. É na década de 1970 que o roteiro entrega outras pérolas sobre a passagem do tempo e as mudanças sócio-político-culturais do país através desta família. Do coral de estudantes muçulmanas, passando pela lentilha, ao videokê ao som de My heart will go on e a festinha animada ao som de trilha tecno na Nazaré atual - que é interrompida por guardas que não conseguem se fazer ouvir. São tantas mudanças culturais trituradas e atrocidades causadas pela intolerância (como o vizinho que é seguido por um tanque enquanto atravessa a rua e fala no celular) que naturalizadas pelo cotidiano que nos últimos atos, o antes menino Elia (vivido agora pelo próprio diretor) parece um cartoon ao observar o universo ao seu redor enquanto a mãe padece dos malefícios da diabetes (mesmo que sejam decorrentes de sorvetes saboreados às escondidas). Elia parece um espectador de um país surreal e a última cena onde se encontra sentado na sala de espera de um hospital ilustra bem isso -  ao observar os jovens israelenses que não diferem muito de alguns adeptos da cultura hip hop americana. A impressão é que desde o início ele estava certo sobre o Tio Sam - e por isso, nada mais irônico e genial do que os créditos ao som de uma versão moderninha de Staying Alive dos Bee Gees. Apesar de não gastar seu tempo explicando detalhes ao espectador, Suleiman criou uma bela alegoria sobre as minorias que procuram manter sua cultura entre a realidade do Oriente Médio.   

O Que Resta do Tempo (The time that remains/Israel - 2009) de Elia Suleiman, com Ali Suleiman, Saleh Bakri, Samar Tanus, Sahffika Bajjali e Ayman Espanioli. ☻☻

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CATÁLOGO: Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo (e tinha medo de perguntar)


Allen (o sptz à esquerda): biografia de sua gênese existencial?

Em alta novamente depois do sucesso de Meia-Noite em Paris (que deve lhe render outra indicação ao Oscar de roteiro original) Woody Allen é famoso por ser o único cineasta capaz de lançar um filme por ano. Entre seus longas temos romances (Vicky Christina Barcelona), comédias românticas (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa), mockumentary (Zelig), dramas (Match Point), comédias despretensiosas (Scoop) e delícias surreais como este Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo (e tinha medo de perguntar). O título é tirado do famoso livro de David Reuben, só que não se trata de uma adaptação literal de seus capítulos, Allen prefere satirizá-los em situações absurdas como homens apaixonados por ovelhas (se a situação já causa estranhamento imagina ver a ovelha ganhando colares de diamantes e vestido cintaliga!) ou espermatozóide em crise existencial (este vivido pelo próprio Allen, claro). Para dar ainda mais graça ao filme, o roteiro busca relacionar temáticas sexuais aos mais variados gêneros cinematográficos. Assim, a temática pode estar presente na comédia pura e simples de um bobo da corte querendo seduzir sua rainha (Lynn Redgrave) com uma sinistra laranjada (no capítulo "Os Afrodisíacos realmente  funcionam?" ou numa elaborada sátira aos filmes de terror. Mas o brilhantismo de Allen fica mais evidente em sua caricatura de galã italiano (só de imagnar já dá vontade de rir, pois nada menos garanhão italiano do que ter a cara de Allen) que tenta lidar com a esposa frígida, mas acaba descobrindo que ela gosta de manter relações em locais públicos. Outro ponto alto é o programa de televisão em preto e branco entitulado "Qual é a sua perversão?". Além de provar sua versatilidade na frente a atrás das câmeras ele ainda realiza citações que vão de Hamlet e até Rocky Horror Show (um jovem casal de desconhecidos vai parar na casa de um sexólogo famoso e acabam envolvidos numa trama trash que  mistura de Frankenstein com o Ataque dos Tomates Assassinos com um cientista maluco que afirma ter deformado um homem por lhe proporcionar quatro horas seguidas de orgasmo. O nome do episódio? "As descobertas e pesquisas científicas sobre sexo são confiáveis?"). Mas nenhum episódio consegue ser mais Woody Allen do que o espermatozóide que enfrenta dilemas existenciais no capítulo "O que acontece durante a ejaculação?". Entre piadas sobre diafragmas e outros desperdícios seminais, Allen se dá ao luxo de colocar Burt Reynolds como um mero operário cerebral. Apesar da despretensão, Allen tem a preocupação de criar atmosferas bastante específicas para cada episódio, ao ponto da história do médico (Gene Wilder, numa atuação estranhamente convincente) que se apaixona por uma ovelha parecer séria demais. Para fazer o filme ele contou com um bando de atores dispostos a se divertir em serviço. Acho que este é o filme do cineasta em que fica mais evidente seu gosto pelo improviso e a ausência de ensaios - e como sempre alguns se beneficiam deste método (como o próprio Allen e Lynn Redgrave) e outros não conseguem desfarçar o desconforto (como Burt Reynolds). Com a única pretensão de fazer rir com suas esquisitices originais, o filme pode até não responder tudo o que você queria saber sobre sexo mas vai lhe garantir uma hora e meia de boas risadas. 
  
Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo (mas tinha medo de perguntar) (Everything you always wanted to know about sex - but were afraid to ask/EUA-1972) de Woody Allen com Woody Allen, Lynn Redgrave, Gene Wilder, Burt Reynolds e John Carradine.

DVD: De Pernas para o Ar


Ingrid: Alice no país do coelho sacana.

Talver porque em minha modesta vidinha familiar o sexo nunca foi um assunto digno de escândalo, eu não considere muita graça no humor de carga sexual. Não que sexo não tenha graça, mas, na grande maioria das vezes as piadinhas se sustentam mais em preconceitos emaranhados em clichês de vulgaridade do que propriamente o sexo em si. Digo isso sem medo de parecer moralista porque sei que a maioria das piadinhas sexuais dependem muito mais do moralismo de quem escuta e as conta do que qualquer outra coisa. Por mais que o sexo tenha propagado ter se despido de culpa enquanto as mulheres festejam suas conquistas, as piadinhas costumam ser traiçoeiras quando são analisadas com um mínimo de profundidade. Pode parecer cruel fazer uma introdução dessas para um filme tão despretensioso quanto De Pernas Para o Ar, cujo o único interesse é fazer rir, mas custava caprichar um pouco mais na história da executiva workaholic que após uma maré de azar redescobre a autoestima ao ajudar uma sexshop a decolar no mercado? A executiva em questão é Alice (Ingrid Guimarães), que por conta de uma  confusão dos correios acaba recebendo as encomendas da vizinha (Maria Paula) que administra uma sexshop que vai de mal a pior. O feito acarreta sua demissão, que ganha contornos ainda piores quando ela é abandonada pelo marido (um insosso Bruno Garcia), o qual acredita ter uma amante! Mas tudo irá se resolver quando Alice cruzar o caminho da vizinha e mudar de vida depois que tiver o seu primeiro orgasmo com uso de brinquedinhos! Talvez por gratidão vê que a loja de adultos poderia ser um sucesso se tivesse uma campanha de marketing mais eficiente do que a batida promoção do "cliente número 69"! Com campanhas na internet e entregas domiciliares o negócio começa a prosperar, mas ela precisa resolver suas pendengas emocionais. Acho que já falei demais, mas não fica difícil imaginar que por trás de todo o verniz feminista, De Pernas para o Ar é um bocado machista. Pra começar, fica claro que o roteiro percebe que para a sua heroína ser feliz ela precisa estar atrelada ao esposo que a abandonou sem maiores explicações. Como se não bastasse isso, a própria dona da sexshop chora as pitangas por não ter relações há anos depois que um cara a trocou pela própria esposa (precisa dizer que o cara é motivo de chacota quando aparece num restaurante devido sua aparência física?). Pois é, mulheres fortes são ameaçadoras para a maioria dos homens - e isso não é novidade alguma - então é melhor colocá-las em seu devido lugar com uma tapeada aqui e outra ali: faça-a frustrada por ter sido rejeitada e coloque sua vida em ponto morto até que uma reconciliação cruze o seu caminho. Isso sem contar as inúmeras humilhações a que Alice é submetida por esconder do seu esposo o novo negócio em que se meteu - e não vou nem dizer que os velhinhos do filme são mais desencanados do que o casal mais jovem e travadão, isso deveria ser engraçado depois de tantos filmes com velhinhos assanhados? Se existe alguma ousadia no filme é a cena com o coelhinho de pelúcia mais canastra da história do cinema (Alice... coelho... entenderam?). Os cenários dos filmes são pobres, os figurinos são inexpressivos, os enquadramentos sem criatividade então o que sobra? Sobra o elenco feminino liderado por Ingrid Guimarães. Apesar do roteiro fraco, o elenco feminino consegue ser um grande acerto - que conta ainda com  Denise Weinberg (que interpreta a mãe da protagonista) Maria Paula (fazendo o que estava acostumada nos quadros do Casseta & Planeta) -, mas o sucesso do filme se deve mesmo ao carisma de Ingrid. Lembro dela quando era a integrante "esquisita" da trupe de Confissões de Adolescente. Por não ser exatamente bonita sua carreira na TV demorou para decolar (foi até empregada em novela de Manoel Carlos - aquelas coitadas que trabalham 30 horas por dia e não recebem destaque na trama). Atualmente, do quarteto da peça que foi febre na década de 1990, ela é a que continua em evidência após sucessos no teatro. Se De Pernas para o Ar consegue despertar mais interesse do que uma boneca inflável é por conta dela, que se prepara para a continuação desta saga... Lançado em DVD os defeitos do filme devem chamar menos atenção, já que pode ser confundido com um seriado global engraçadinho.  

De Pernas Para o Ar (Brasil/2010) de Roberto Santucci com Ingrid Guimarães, Bruno Garcia, Maria Paula e Denise Weinberg.       

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

KLÁSSIQO: Todos os Homens do Presidente

Hoffman e Redford: suspense jornalístico.

Falecido em 1998, Alan J. Pakula tem pelo menos um grande clássico no currículo. Trata-se de Todos os Homens do Presidente, espécie de suspense jornalístico que caiu como uma luva no estilo do diretor que sempre gostava de colorir suas tramas com tonalidades políticas. O filme tornou-se um marco do cinema por retratar o trabalho frenético de dois jornalistas investigativos e ainda beneficiar-se de ser lançado com grande proximidade da trama real que lhe serve de matéria prima: o Caso Watergate. Para os desinformados, o caso acabou levando a renúncia do presidente Nixon em seu segundo mandato, após indícios de que estaria utilizando escutas no apartamento utilizado por seus rivais democratas. O filme retrata o trabalho árduo de dois jornalistas para demonstrar que o senhor presidente não estava acima da lei e para isso buscam informações que evidenciem quem estava se movimentando no Hotel Watergate às escuras e a mando de quem aqueles homens espionavam o partido democrata. O roteiro deixa claro que não foi tarefa fácil, pelo contrário, muitas pessoas estavam assustadas com as consequências que qualquer informação poderia ter em suas vidas. Realizado em 1975, Pakula faz um trabalho excepcional na direção com longos silêncios e muita calma a colocar cada nova informação no caminho do espectador através dos jornalistas Bob Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), responsáveis por desmascarar um dos maiores esquemas de corrupção política da história dos Estados Unidos. Na ocasião de seu lançamento fazia apenas três anos que cinco homens foram presos na sede do partido democrata na tentativa de fotografar e instalar escutas ilegais. O prestigiado Woodward e o novato Bernstein ainda não haviam trabalhados juntos, mas compartilhavam o interesse em desvendar aquele caso obscuro e acabam descobrindo o envolvimento do alto escalão governamental da época. Pakula envolve personagens e espectadores numa espiral de nomes, suspeitas e pistas falsas de forma que pode (propositalmente) confundir e as atuações precisas de Hoffman e Redford ajudam mais ainda na necessária identificação do púiblico nesta jornada rumo à verdade. Os dois atores ainda deixam claras as divergências existentes entre os dois personagens, Redford constrói um Woodward elegante e cerebral enquanto Hoffman faz Bernstein um tipo mais nervoso, tagarela e juntos conseguem um certo equilíbrio ao lidar com os informantes que surgem pelo caminho e a tensão que cresce nos bastidores do jornal com a eminência de uma matéria bombástica que poderia acabar com a carreira de todos os envolvidos - e que dependia em seu desenrolar mais do faro jornalístico de seus autores do que qualquer outra coisa. Um dos aspectos mais elogiados do filme é justamente esta verdade que consegue imprimir nos bastidores do jornal, as redações regadas ao som das máquinas de datilografia, correrias, telefones e reuniões de decisão de pauta. Além das consagradas atuações de seus protagonistas, o filme ainda garantiu o Oscar de coadjuvante para Jason Robards como o editor que confia nos "garotos" que perseguiam sua história com o mais puro romantismo jornalístico (o filme teve oito indicações, incluindo filme e direção). Embora saibamos desde o início como irá acabar o caso, Pakula consegue construir uma tensão crescente até o desfecho. Ainda acho que o filme deveria ter uns minutos a menos, mas existem tantas qualidades em sua realização que parece até um crime reclamar - a começar por inserir referências clássicas no clima de conspiração governamental, como o misterioso informante que apareceu até  em JFK e Arquivo X). Todos os Homens do Presidente é mais um exemplo da excelente safra hollywoodiana da década de 1970.

Todos os Homens do Presidente (All The predident's men/EUA-1975) de Alan J. Pakula com Robert Redford, Dustin Hoffman, Jason Robards, Hal Holbrook e Jane Alexander.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

DVD: Segredos de Um Funeral


Duvall e Black: boas atuações em trama inusitada.

Quando Get Low estreou nos Estados Unidos não foram poucos que o anunciaram como um dos grandes favoritos para o Oscar. Com a história curiosa de um eremita que quer comemorar seu funeral ainda em vida (é isso mesmo que você leu) na década de 1930 no estado da Geórgia, o filme satisfez a crítica que sente falta dessas histórias meio surreais e interioranas com a maior cara de folclore regional - nisso tudo, um grupo de atores inspirados ajudou bastante! Pena que a bilheteria foi minguando e o filme perdeu força ao ponto de passar em branco durante a temporada de ouro, rendendo a Robert Duvall somente o Hollywood Award de melhor ator no ano passado. Devo admitir que o filme do novato Aaron Schneider não é uma obra-prima, mas merece destaque pela forma emocional com que conta sua história curiosa. Robert Duvall tem uma de suas maiores atuações na pele de Felix Bush, um sujeito que viveu isolado numa casa perdida no meio da floresta. Bush não tem amigos, família ou bichos de estimação, tudo que parece ter lhe restado são as histórias que a população local conta sobre ele. Histórias que envolvem crimes e elementos obscuros em sua trajetória. Um dia Félix resolve sair de seu enclausuramento e procurar alguém capaz  de organizar seu funeral. Desde o início deixa claro que não está doente ou com os dias contados por qualquer motivo. Ele simplesmente quer organizar uma festa para comemorar a sua morte, para isso irá contar com a ajuda de Frank Quinn (Bill Murray) e seu sócio bom moço, Buddy Robinson (numa atuação exemplar de Lucas Black). Mas o estranhamento não pára por aí, em meio aos preparativos, Félix anuncia que só pode comparecer ao funeral quem tiver uma história a contar sobre ele e cada pessoa que comparecer ao evento irá concorrer a herdar suas cobiçadas terras intocadas por 40 anos. Apesar de inexperiente, o diretor consegue equilibrar essas bizarrices com os dramas de seu curioso protagonista, basta vermos seu primeiro encontro com a sogra de Robinson, Mattie (Sissy Spacek) para vermos o fundamento amoroso de seu isolamento. Essa relação de Félix com o mundo é o ponto alto da atuação de Duvall, que consegue transitar entre o rude e o melancólico de seu personagem, que aos poucos tem os indícios de seu isolamento revelados pelo roteiro. Apesar de ter alguns problemas de ritmo e abandonar gradativamente a atmosfera de estranhamento inicial, Segredos de Um Funeral é uma dramédia agradável de se assistir, principalmente pelo seu elenco que exala dedicação a cada cena. 

Segredos de Um Funeral (Get Low/EUA-2010) de Aaron Schneider com Robert Duvall, Bill Murray, Lucas Black e Sissy Spacek.