Meyers: pavão glam inspirado em David Bowie.
Tive a oportunidade de estudar numa Universidade Federal que tinha curso de Cinema e ao início de todo ano letivo eu corria para ver as retrospectivas sobre os melhores lançamentos do ano anterior. Lembro que, enquanto fã de David Bowie, assistir Velvet Goldmine (numa única sessão) era mais do que uma obrigação. Eu sabia que Bowie havia rejeitado o filme de Todd Haynes (ainda que tivesse rendido uma das festinhas mais animadas no Festival de Cannes no ano de seu lançamento e faturado o prêmio de colaboração artística). Mas eu entendo Bowie, no fim das contas o glam rock não pode ser algo tão sombrio quanto o mostrado aqui. Devo ressaltar que Haynes tem todo o direito de ter sua própria leitura sobre a era glitter do rock'n roll - tanto que Bowie não permitiu o uso de suas canções (inclusive a que dá título ao filme) por considerar que elas ficarão melhores em sua própria versão dos fatos. Na verdade, Velvet Golmine é quase uma fantasia sobre o glam, tendo o seu início na infância de Oscar Wilde (!) e terminando com a visita de discos voadores... enfim, trata-se de um filme de Todd Haynes que quando trata de música pop, sucumbe a uma overdose de referências e signos que nem sempre são compreendidas pelo público acostumado a filmes com começo, meio e fim. Trata-se de um musical sobre o estilo que marcou a ambiguidade sexual do rock, com artistas usando maquiagem pesada, roupas espalhafatosas, músicas selvagens e performances incendiárias. A trama é contada a partir do ponto de vista de um jornalista, Artur Stuart (Christian Bale), contratado para investigar o sumiço de um ícone da música pop - o ídolo Bryan Slade (Johnatan Rhys Meyers, devo confessar que sempre que vejo o ator da série Tudors, eu lembro de seu personagem nesse filme) que teria simulado seu próprio assassinato no palco para desaparecer do mapa (e fugir de toda a pressão que sentia com a fama). Enquanto realiza as investigações, Stuart revisita seu passado de fã do glam (recorda seus conflitos sexuais, a incompreensão dos pais, sua saída do armário...) , tem contato com a ex-esposa de Slade, Mandy (Toni Collette, num papel bem diferente do habitual e que tem a personagem inspirada em Angie Bowie), seu parceiro de composições (e um pouco mais) Kurt Wild (Ewan McGregor, encarnando Iggy Pop despudoradamente) e outros personagens que participaram deste movimento musical. O filme retrata o início de carreira hiponga de Slade e a guinada provocada quando assumiu a androginia, construindo um personagem alienígena perdido na Terra (clara alusão ao Ziggy Stardust de Bowie). O filme de Haynes busca uma linguagem própria e a faz com grande ousadia, mesclando tempos e espaços de seus personagens. Obviamente que os anos 1970 retratados com sexo livre e consumo de drogas não deve agradar a todo mundo, mas Haynes consegue reproduzir a época com fidelidade (ainda que sombria) marcada pelo colorido de uma época e o ar decadente de outra (e nesse contraste os atores, especialmente McGregor e Collette estão excepcionais). A trilha sonora só não chama mais atenção do que os figurinos "exuberantes" indicados ao Oscar de Sandy Powell (que acabou ganhando no mesmo ano por Shakespear Apaixonado), mas que ganharam o BAFTA da categoria. Velvet Goldmine vale ser conferido pela sua ousadia estética e narrativa.
Velvet Goldmine (EUA/Reino Unido-1998) de Todd Haynes com Johnatan Rhys-Meyeres, Ewan McGregor, Christian Bale, Toni Collette e Eddie Izzard. ☻☻☻