A morte e o cavaleiro: roteiro cheio de estratégias.
O cultuado cineasta Ingmar Bergman ficou famoso por suas tramas de várias camadas interpretativas e as nuances psicológicas de suas tramas, reverenciado como um dos maiores cineastas da história, sua obra que mais me impressiona é O Sétimo Selo. O título é inspirado no livro bíblico do Apocalipse e o resultado é um filme sombrio e de notável cadência trágica, mas que consegue equilibrar sua trama com fortes simbologias, doses de fantasia e até humor. Quem nunca viu nenhuma referência sobre o cavaleiro que tenta retardar a morte jogando uma partida de xadrez? Esta ideia conquistou apelo pop inusitado, como prova a citação deste momento clássico do cinema em filmes como 500 Dias com Ela (2009) e até nos gibis da Turma da Mônica. Mais do que filmar um cavaleiro das cruzadas jogando com a própria morte, o filme nos propõe uma reflexão sobre a vida, a morte e a religiosidade aprofundando como esses elementos se misturam em nossas trajetórias. No início conhecemos um cavaleiro (Max von Sydow) que passou dez anos nas cruzadas lutando pela propagação de palavra de Deus, no entanto ele não é mostrado como um herói. Desiludido com o que vivenciou ele aparece isolado numa ilha com seu escudeiro e seus dois cavalos. Não demora muito para que receba a visita da morte que é logo desafiada pelo cavaleiro à uma partida de xadrez que se estenderá por vários dias. Nestes dias o cavaleiro tem contato com outros personagens e um mundo repleto de violência e incompreensão representada por um vilarejo povoado por tipos como um teólogo que torna-se ladrão, religiosos que se flagelam em uma procissão e boêmios que sentem medo do fim do mundo, mas que ao mesmo tempo se divertem com atos de violência e humilhação. Este retrato pouco lisonjeiro da humanidade na Idade Média contrasta com a amizade que nasce entre os personagens que passam a seguir o cavaleiro com a intenção de fugir da peste negra - um trio circense (que inclui a musa de Bergman, Bibi Anderson), um bebê, um bêbado, uma adúltera e uma mulher muda. Os dois seguem com o cavaleiro por uma floresta que dizem ser assombrada por maus espíritos e no qual logo enxergarão a morte se aproximando enquanto o cavaleiro perde peças (e seguidores) pelo caminho. Assistindo ao filme percebemos porque o filme é considerado um clássico e os motivos de Bergman ser cultuado até hoje. Apesar de realizado há 56 anos (quando o mundo vivenciava os horrores da bomba atômica) a narrativa do filme ainda parece inovadora em todos os seus pendores filosóficos na tensão construída pela narrativa (especialmente pela forma como Deus e o Diabo servem para oprimir), mas a tensão não é prejudicada pelo humor de momentos como a morte serrando uma árvore enquanto conversa com a vítima escondida nos galhos ou as visões nunca levadas a sério de um determinado personagem. Apesar dos indícios de que foi realizado há muito tempo (belíssima fotografia em preto e branco e uma trilha que em alguns momentos soa datada), O Sétimo Selo possui uma trama que permanece atual ao abordar temas complexos como a relação do homem com a morte enquanto reflexo de sua relação com o divino. Com referências às diversas manifestações artísticas (da literatura de Cervantes, às pinturas e a música) o final consegue ser esperançoso, ainda que seja da forma Bergmaniana.
O Sétimo Selo (Det Sjunde inseglet/Suécia-1956) de Ingmar Bergman com Max von Sydow, Bibi Anderson, Gunnar Bjornstrand e Nils Poppe. ☻☻☻☻☻
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