segunda-feira, 26 de agosto de 2013

FILMED+: A Separação

Lila e Payman: atuações precisas em ótimo roteiro. 

Ganhador de mais de cinquenta prêmios internacionais, o iraniano A Separação é aquele tipo de unanimidade que me sugere desconfiança. Se você é desconfiado, como eu, só tornará a experiência de assistí-lo ainda melhor, uma vez que, nenhum dos elogios que ouvi sobre o longa de Asghar Farhadi dão conta da experiência cinematográfica sublime que é assistí-lo. Sem efeitos especiais, erotismo, reviravoltas malucas ou assassinatos, o filme se ampara principalmente no roteiro escrito pelo diretor. A força dos diálogos foi reconhecida em vários países que tornaram o filme num sucesso mundial, tanto que foi eleito o melhor filme estrangeiro pelo Globo de Ouro e no Oscar em 2012 - além de ter seu texto indicado ao prêmio de melhor roteiro original. O ponto de partida é bem simples e é mostrado na primeira cena a partir do que o título sugere: Simin (Leila Hatami) quer o divórcio porque o esposo, Nader (Payman Maadi), não quer acompanhá-la para viver no exterior. Depois de lutar por muito tempo por um visto, o marido não demonstra vontade de morar em outro país para garantir uma vida melhor para a filha de onze anos. Um dos argumentos de Nader é que precisa tomar conta do pai que sofre de Alzheimer, mas Simin só poderá partir sem ele se conseguir o divórcio. No entanto, com o divórcio, a guarda da filha fica com ele - e ele não permitirá a saída dela. Parece um beco sem saída, mas não deixa de ser interessante que diante do que o roteiro reserva, o dilema perante o visto se torna uma coisa menor. Quando Simin volta a morar com a mãe, ela indica Razieh (Sareh Bayat) para ajudar a tomar conta do sogro, mas Razieh tem alguns problemas para conseguir executar o serviço. Além das restrições religiosas que atrapalham o trabalho, uma série de acontecimentos irá comprometer sua estadia no trabalho, ao ponto de virar caso de investigação policial. Farhadi constrói seu drama em formato de suspense, com revelações e diálogos que só aumentam a tensão conforme o filme aprofunda a relação dos personagens. Essas relações evidenciam uma série de diferenças que perpassam as relações no Irã, a relação entre as classes sociais, entre os muçulmanos mais ortodoxos e os menos ortodoxos, entre homens e mulheres, entre pais e filhos, maridos e esposas numa rede de situações que deixam o divórcio apenas como uma das separações presentes no filme. Apesar de todas as acusações que recaem sobre Nader, desde a primeira cena Simin argumenta que ele é um homem bom e nós vemos isso nas várias camadas sugeridas pelo roteiro, apesar de um terrível momento de estresse ter cruzado seu caminho. A sucessão de fatos nos fazem apenas reexaminar as consequências de uma decisão que poderia ser considerada banal. Sem o maniqueísmo da maioria das produções, A Separação não tem mocinhos e vilões, mas pessoas comuns que tentam diminuir a distância do eu com o outro - e o final engasgado no silêncio dos ótimos Leila Hatami e Payman Maadi evidencia isso de forma plena. Com cenas memoráveis e fortes dilemas morais, o filme envolve o espectador em cada minuto de sua duração - e continua seu desenrolar em nossas cabeças por muito tempo. Ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2011 (além dos prêmios de ator e atriz divididos por todo o elenco), o filme é simplesmente, uma obra-prima. 

A Separação (Jodaeiye Nader az Simin/Irã-2011) de Asghar Farhadi com Payman Maadi, Leila Hatami e Sareh Bayat. ☻☻☻☻☻

DVD: Voo

Denzel: lutando contra os excessos. 

Pode parecer arrogância, mas existem alguns filmes que se o roteiro tivesse caído em minhas mãos eu teria garantido alguns cortes que fariam total diferença no resultado final. Talvez por ter ficado anos metido em projetos de animação megalomaníacos, Robert Zemeckis não tenha se dado conta de que alguns detalhes puxariam seu novo filme de carne e osso para baixo. Obviamente que ter um nome de peso como Denzel Washington no alto dos créditos ajuda a encher-se de segurança, mas uma atuação indicada ao Oscar não é tudo, não mesmo. Voo padece de um defeito recorrente nos filmes mais ambiciosos de Hollywood de hoje: deixar tudo explicadinho para a plateia (afinal ela não tem competência de entender o que uma imagem está mostrando). Sendo assim, precisa que Nadine Velazquez esfregue a nudez na câmera, enquanto Denzel (com cara e voz de ressaca) fala ao telefone antes de cheirar uma carreira e sair da cama. Parece demais? Essa é a construção da primeira cena que já deixa claro que Whip Whitaker (Denzel) não tem uma vida muito regrada - e que o diretor conduzirá a trama com mão pesada. Para dar um toque mais romântico inventaram uma "alma gêmea" para o protagonista, uma viciada (Kelly Reilly) que não tem muito o que fazer em cena e que está sobrando desde a primeira cena (é o tipo de personagem que inventam num roteiro quase que por exigência dos produtores). Acho que o texto original tinha apenas aquela cena em que a personagem conhece Whip no hospital - e daí inventaram de anabolizar a personagem. Ela é tão desnecessária que nem tem uma cena final ao lado do protagonista, ficando restrita à uma foto. A garota começa mal e do nada se regenera para poder ajudar o seu par rumo à salvação. Mas isso só acontece depois que o piloto Whip Whitaker salva um voo condenado à tragédia. Essa é a verdadeira história do filme: um homem de hábitos condenáveis que salva mais de uma centena de pessoas com sua eficiência em pilotar um avião. Vale ressaltar que a cena do acidente é feita num capricho que valeria o filme inteiro se o mesmo não começasse a desviar o foco até os limites da plateia. Não basta o conflito de Whip tendo que lidar com o exame toxicológico que acusou alto índice de álcool e uso de cocaína em seu sangue. É preciso mais do que a intriga da companhia aérea e o fabricante do avião que não querem se responsabilizar pelos problemas mecânicos, assim como o sentimento de perda de Whip por ter perdido a namorada (Velazquez) no tal voo. Essa tríade do roteiro já daria conta do recado, mas inventaram o escandaloso encontro de Whip com a ex-mulher e o filho (que o detesta e no final tem um daqueles momentos piegas que entram para a história da cafonice cinematográfica), o romance forçado com a ex-viciada e inúmeras cenas que ilustra o quanto o cara adora uma birita. Precisava disso? Afinal,  sempre que a tensão da investigação cria o clima que o público necessita, existe um momento brega que joga tudo no chão. Isso acontece até depois do clímax em que Whip cansa de mentir para si e em seguida existe um anticlímax que dá vontade de rir. As ideias do ator roteirista John Gatins são ótimas, mas está na cara que um bando de gente deu palpite (não creditado) na trama construída pelo moço. Sorte que em meio ao desastre (sem trocadilho) o dilema da investigação permanece intacto e é isso que merece atenção da plateia. Em DVD temos a vantagem de avançar as cenas que estão sobrando e ver que o filme é o mais interessante estrelado por Denzel em muito tempo. Indicado a vários prêmios pelo papel, o ator engoliu suas restrições com cenas de nudez e aparece fora de forma, transpirando a decadência que o personagem sugere. Pena que com mais de duas horas, existia a necessidade de uma lipoaspiração para deixar o retorno de Robert Zemeckis tão brilhante quando seus filmes mais celebrados.

Voo (Flight/EUA-2012) de Robert Zemeckis com Denzel Washington, Mary Reilly, Don Cheadle, John Goodman e Bruce Greenwood. ☻☻ 

domingo, 25 de agosto de 2013

NªTV: Real Humans / A Young Doctor's Notebook / Hit & Miss

Faz tempo que estou para escrever sobre alguns programas que acompanhei esse ano, mas os dias passam e fico pensando em coisas muito elaboradas que nunca chegam ao blog. Resolvi condensar minhas considerações nesse post que serve de sugestão para pessoas que curtem séries européias:

Real Humans 

Neste semestre estreia na Suécia a segunda temporada de Real Humans. Lançada em 2012 a série criada por Lars Lunsdröm é situada num futuro onde os humanos contam com robôs feitos à sua imagem e semelhança para ajudarem nas mais variadas tarefas. Porém, se tudo fosse tranquilo não haveria motivo para escrever dez episódios na primeira temporada! Apesar de serem programados para tarefas específicas existe um grupo de hubots rebeldes que guardam um segredo que pode mudar a relação entre os homens e máquinas. Essa relação já aparece bastante desgastada, já que muitos acreditam que as máquinas ocuparam lugares que eram dos humanos, seja no trabalho ou em casa. Além de babás, governantas, operários, professores e domésticas, existem os hubots que são programados para manterem relações sexuais (e outros que não são feitos para isso, mas são alterados ilegalmente para prestas o serviço). Some a isso a relação afetuosa que existe entre alguns humanos e seus hubots, crimes, segredos, vilões, clones e hubots bonzinhos e você terá uma ideia do motivo da temporada ser uma das mais aguardadas do ano. O universo da série me lembra muito o de Inteligência Artificial (2001), mas conseguindo ter vida própria a base de personagens bem construídos e uma atmosfera tensa que deixou várias perguntas para a nova temporada. Sucesso em mais de cinquenta países, e exibido no Brasil em janeiro desse ano pelo canal MAX, a segunda temporada  ainda não tem data de estrear por aqui. Obviamente que uma ideia tão boa chamou a atenção de canais de língua inglesa que compraram os direitos da série e ainda não tiraram o remake do papel. ☻☻☻☻☻

Diário de um Jovem Doutor (A Young Doctor's Notebook)

O mais legal dessa série exibida por aqui pela HBO é que vira do avesso dois atores que conhecemos bem por seus icônicos personagens. Jon Hamm já estrou para história por sua atuação como Don Draper na premiada série MAD MEN - e ele nem precisava ser tão dedicado ao total oposto de Don nesta série: um malajambrado médico viciado em morfina que passa a sofrer uma investigação e viaja mentalmente ao passado para ver como seu vício começou. Já Daniel Radcliffe prova que quer distância de Harry Potter e que tem talento para isso ao encarnar o jovem médico em início de carreira nos cafundós da Rússia (que é assombrado por sua persona madura). No melhor estilo "eu sou você amanhã" a série não se preocupa em dar explicações sobre o motivo do personagem em duas fases diferentes começarem a interagir, fica tudo no campo do delírio e você embarca numa boa já que você mesmo (ciente dos problemas que teria) daria dicas para sua juventude fazer tudo corretamente, sem falar que é saboroso acompanharmos a construção daquele instigante personagem. Radcliffe capricha no humor de seu inexperiente personagem (que às vezes parece mais um açougueiro juvenil) e Hamm  está na medida exata com um personagem pesaroso que relembra suas mazelas. Ambos se destacam pela sintonia nessa série britânica em quatro episódios (os ingleses adoram séries curtas) baseada nos contos do escritor russo Mickhail Bulgarov. O tom sombrio e o humor negro pode não agradar todo mundo, mas o texto funciona que é uma beleza. A série ainda pode ser vista em reprises na HBO e uma segunda temporada já está em andamento - e deve chegar em breve por aqui. ☻☻☻☻

Hit & Miss

A pior notícia fica por conta de Hit & Miss, série inglesa produzida pela Sky Atlantic com texto de Paul Abott. Afinal, depois de acompanharmos seis episódios da saga da transexual matadora profissional Mia (Chloë Sevigny, excepcional) não tem como não nos apaixonarmos por seus personagens e receber um balde de água fria quando descobrimos que a série não terá uma segunda temporada. O problema não foi a relação com a audiência ou com a crítica, mas os problemas de agenda (além dos boatos de que ela detestava filmar em Manchester por seis meses e ter que usas uma prótese que demorava noventa minutos para ficar pronta) que impediram Chloë Sevigny de ter disponibilidade para voltar a defender a personagem que pediu a Deus! A trama é a fusão de dois projetos desenvolvidos por Abott: um explorava os dilemas de um matador de aluguel, o outro era sobre um transexual que recebe uma família de presente. Depois  de assumir a transexualidade e deixar a família, Mia se torna uma máquina de matar. Sua vida está em total controle até que recebe a notícia de que uma ex-namorada está com câncer e confiou a guarda dos filhos à ela (sendo que um deles, é filho biológico de Mia). De início, Mia é hostilizada por aquele lar,  precisa enfrentar o dono da casa em que vivem de aluguel e depois tem que lidar com um relacionamento com um homem (o bom Jonas Armstrong) que não faz ideia de que ela é ele. Além dos personagens ricos, Hit & Miss prima pelo ritmo lento e silêncios que ressaltam a solidão e o isolamento dos personagens (ainda que embalado por uma ótima trilha sonora que inclui PJ Harvey, GroupLove e Joy Division). Exibida pelo MAX aqui no Brasil, a série é considerada por vários críticos como a melhor série britânica lançada em 2012, resta aos fãs esperar uma brecha na agenda de Chloë que já revelou adorar a série (e os elogios que recebeu por ela). ☻☻☻☻☻

sábado, 24 de agosto de 2013

Combo: Gigolôs

É interessante perceber que existe uma diferença no uso da palavra gigolô em alguns países, em alguns (como os EUA e a Espanha) a palavra gigolô serve para descrever o trabalho de garoto de programa, enquanto isso, na América Latina, o termo é utilizado para descrever homens que utilizam mulheres para o seu sustento. Essa espécie de confusão pode ser percebido em vários filmes que chegam por aqui, de dramas com pretensões sofisticadas, passando por comédias e ficções científicas, os gigolôs são personagens recorrentes em vários filmes, mas apenas alguns podem entrar para a história:

05 Fading Gigolô (2013) O filme nem estreou ainda, mas já tem gente contando os dias para ver Woody Allen e Sofia Vergara juntos numa mesma produção. É verdade que os filmes dirigidos por John Turturro nunca chegam a empolgar, mas dessa vez parece que a coisa vai dar certo. No filme, um gigolô decadente (Turturro) conta com a ajuda de um cafetão (Woody Allen) para dar um upgrade em sua carreira. Se contarmos as cenas e fotos que o personagem aparece com Vergara (da série Modern Family) e a loura Sharon Stone, a carreira dele parece que melhora consideravelmente. O longa deve estrear por aqui no dia 27 de dezembro. 

03 Aprendiz de Gigolô (2010) Ao ver José Garcia todo taciturno em O Corte/2005 eu nunca imaginei que ele daria conta de ser um gigolô francês, mas ele se sai muito bem nessa divertida comédia onde um cara certinho precisa ajudar a polícia se disfarçando do irmão gêmeo (que ele nem sabia que existia). As risadas são garantidas e as cenas mais sensuais (com as três profissionais gerenciadas pelo personagem) ficam em terceiro plano (ainda que gere uma das cenas de sexo mais bobas da história). Ainda faz parte da graça expor um lado nada glamouroso da carreira desses profissionais do submundo - mesmo que a violência presente pareça ter saído de uma história em quadrinhos. 

03 Gigolô por Acidente (1999) Não sou muito fã das comédias de Rob Schneider, mas devo reconhecer os méritos do ator em fazer dessa bobagem um sucesso. Deuce era um simples limpador de aquários até ser confundido com um gigolô e ter que levantar uma grande quantia em dinheiro o mais rápido possível. Sobra pagação de mico do personagem com tudo quanto é tipo de cliente, mas a plateia vai ao delírio (e não vou entrar no mérito da estampa do ator principal). O filme fez um sucesso tão surpreendente que recebeu até uma continuação em 2005, onde (obviamente) o personagem passa apuros na Europa (prato cheio para explorar preconceitos estereótipos)

02 Inteligência Artificial (2001) Sempre que vejo esse filme de Spielberg, tenho a impressão que ele não percebeu o personagem de ouro que tinha nas mãos, afinal é a fantasia favorita dos nerds: robôs para fazer sexo (a ideia foi até retomada na excelente série sueca Real Humans que está prestes a ter sua segunda temporada). Aqui o clichê é vivido em grande estilo por Jude Law, que na pele de Gigolo Joe chama tanta atenção quando o robô mirim vivido por Haley Joel Osment (por onde ele anda?). Joe é feito para proporcionar prazer, mas é acusado de um crime armado pelo esposo ciumento de uma de suas amantes. Como a rixa entre homens e máquinas chega aos extremos, o final do personagem poderia ter sido melhor do que o providenciado pelo roteiro (e garantiria fácil o primeiro Oscar da carreira de Law), mas falar mal do desfecho desse filme já é outro clichê. 

01 Gigolô Americano (1980) Acredito que nenhum filme sobre gigolôs teve o peso desse longa assinado pelo cineasta Paul Schrader. É público e notório que o diretor gosta de personagens polêmicos e tirou a sorte grande quando escalou Richard Gere para viver Julian Kay, um homem que vive às custas de suas clientes da alta sociedade. Kay não tem do que reclamar: jantar nos melhores restaurantes, apartamento em local nobre, um carrão na garagem, belas mulheres... o problema é quando ele se torna suspeita de um assassinato. Apesar do tom melancolicamente sombrio, o filme se tornou um clássico dos anos 1980 e tornou Gere em astro com fôlego que dura até hoje. Definitivamente, ser um gigolô de sucesso não é para qualquer um!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

DVD: Aprendiz de Gigolô

Garcia: Hora de se transformar...

Sempre acho engraçado quando vemos um filme e reconhecemos o ator principal mas não lembramos de onde. Recentemente isso aconteceu quando assisti essa divertida comédia francesa estrelada por José Garcia. O nome (como não podia deixar de ser) não era estranho, a fisionomia era familiar, mas acabei pensando que estava confundindo o ator com Robert Downey Jr (em alguns momentos a semelhança entre eles é assustadora). Terminado o filme eu lembrei de onde conhecia o tal José! Era do filme O Corte (2005), comédia dramática de humor negro dirigida pelo celebrado diretor grego Costa-Gravas. Se naquele filme Garcia vivia um homem apático que via-se desempregado e passava  a assassinar seus concorrentes a um emprego, aqui ele vive um bancário certinho, que por uma armação da polícia, precisa se passar pelo irmão gêmeo que ele nem conhecia. Podem dizer que é uma fórmula gasta, mas Garcia encarna o personagem de forma deliciosa, especialmente em sua transição. O certinho de terno e cabelo repartido, precisa aprender a se comportar como um gigolô desbocado,  descabelado, violento e com um piercing no mamilo que é um microfone para futuras investigações.  Além disso, terá que lidar com naturalidade com as três beldades tentadoras que trabalham para o mano e as desconfiança dos bandidos a serem investigados, que já desconfiavam que oi verdadeiro era um traidor. Equilibrando humor com doses de violência desmiolada (como era uma penca de sucessos da década de 1980) o filme consegue divertir com as trapalhadas do personagem e o carisma de José Garcia que parece bastante a vontade em cena. São hilariantes as cenas em que ele precisa entrar em ação e deixa evidente que não faz a mínima ideia do que fazer! Exemplo disso é seu encontro disfarçado com a mãe (vivida pela primeira musa de Pedro Almodóvar, Carmen Maura). Sem saber que ele é o filho abandonado por ela décadas atrás, ela descreve os motivos pouco lisonjeiros que a levou a abandonar o menino. É claro que o filme tem aquelas cenas que deixam claro que o objetivo do filme é apenas fazer a plateia gargalhar (como a cena de dança para escapar dos criminosos ou a citação aos filmes de Tarantino numa garagem). O filme só poderia costurar melhor as cenas - que parecem mostradas de forma um tanto aleatória, mas no meio das risadas quem se importa? Mas quem liga para isso diante do final amoral que declara de vez que o filme não tem compromisso com o politicamente correto. Depois de rir por hora e meia diante da TV, não vou me surpreender se Hollywood fazer uma refilmagem desse filme (e escalar Robert Downey Jr para protagonista).

Aprendiz de Gigolô (Le Mac/França-2010) de Pascal Bourdiaux com José Garcia, Gilbert Melki, Carmen Maura e Catalina Denis. ☻☻☻

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DVD: As Sessões

Hawkes e Hunt: plena sintonia em uma história real. 

A certa altura uma personagem precisa descrever o protagonista e ela diz: "ele só mexe a cabeça". Talvez por dar conta de um personagem desses com tanta competência,  As Sessões era alardeado como uma das grandes apostas para o Oscar conforme era apresentado em festivais de cinema independente. Infelizmente, acabou conquistando somente uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante para Helen Hunt. O filme é baseado na biografia de Mark O'Brien (John Hawks que ganhou o Independent Spirit de melhor ator), um personagem real que adoeceu de poliomielite ainda adolescente. O filme apresenta brevemente como ele tornou-se famoso por estudar na faculdade de Berkeley, formando-se em jornalismo - mas gostava mesmo era de escrever poesias. Aos 38 anos, Mark já vivia confinado à necessidade de viver preso a um pulmão de aço - que abastecia seu corpo para viver algumas horas fora dali. Com todas as adversidades, Mark era bem humorado e tentava levar uma vida comum dentro de suas limitações, mas seu olhar sobre a vida muda quando é convidado a escrever uma matéria sobre a relação entre os deficientes físicos e o sexo. A partir dali, seu objetivo passa a ser perder a virgindade. Em sua jornada pelo que parecia impossível, ele conta com os conselhos de um padre mais que compreensivo (o sempre confiável William H. Macy), ajudantes devotados (Moon Bloodgood e M. Earl Brown) e os serviços de uma substituta, papel de Helen Hunt. A tal substituta é uma espécie de (fisio?)terapeuta sexual que auxiliará Mark a conhecer as sensações de seu corpo, a intenção é que Mark possa controlar o corpo ao ponto de poder manter relações sexuais. Trata-se de um tema espinhoso, mas que o diretor Ben Lewin consegue abordar de forma leve, bem humorada e respeitosa aos personagens. É interessante como o roteiro torna seus sujeitos surpreendentes à medida que os revela ao público. Fazia tempo que Helen Hunt não recebia um papel tão belo e desafiador em sua carreira, ela eleva os conflitos de sua personagem a outro patamar ao exibir o esforço em se distanciar emocionalmente de Mark. Com um Oscar de melhor atriz na estante (por Melhor É Impossível/1997) e vários Globos de Ouro (a maioria por conta da série Mad About You/1992-1999) ainda me pergunto se a atriz não merecia outro careca dourado com essa indicação ao prêmio de coadjuvante no Oscar! William H. Macy também deixa seu padre entre a solidariedade e a curiosidade perante a sexualidade - da qual também está privado, mas por motivos totalmente diferentes. Mas dificilmente o filme teria sua força se não investisse no talento do ainda pouco conhecido John Hawkes na pele de Mark. Revelado como o tio esquisito de Jennifer Lawrence em Inverno da Alma/2010 (filme que lhe valeu uma indicação ao Oscar de coadjuvante), desde então o ator não para de trabalhar, mas é neste filme que o ator comove a plateia na pele de um personagem que exige total expressão com um corpo quase totalmente inerte. Cada olhar e palavra do personagem é defendido pelo ator em sua plenitude, de forma que é fácil entender como pode ser ameaçador aos homens que deixam as mulheres por perto dele. Hawkes entrega uma das atuações mais impressionantes do ano. Além de todo o mérito do elenco, não lembro de ter visto um filme onde o sexo é tratado de forma tão naturalmente terna. 

As Sessões (The Sessions/EUA-2012) de Ben Lewin com John Hawkes, Helen Hunt, William H. Macy e Moon Bloodgood. ☻☻☻☻

DVD: Somos Tão Jovens

Thiago: semelhança física com Renato Russo sem amparo do roteiro. 

Sem dúvida um dos filmes brasileiros mais falados do ano foi essa cinebiografia de Renato Russo, o cultuado vocalista da Legião Urbana. Contando com os fãs fiéis do cantor e da banda que fazem a banda brasiliense ser uma das mais bem sucedidas de nossa música, o filme foi produzido para ser um sucesso nos cinemas - e realmente foi com quase dois milhões de espectadores. Contando a fase embrionária do rock de Brasília, o filme conta (obviamente) com ótima trilha sonora e personagens que ajudaram a dar cara para o rock tupiniquim. Particularmente, eu esperava mais de um filme que conta  com uma matéria prima dessas, especialmente por que não consigo acreditar que o verdadeiro Renato Russo seja essa figura ingênua que a produção imprimiu à atuação de Thiago Mendonça. O rapaz pode até ter suas semelhanças físicas com Renato, mas não consigo enxergar nele a essência do compositor de músicas antológicas como Que País é Esse?, Índios e Tempo Perdido. O Renato do filme aparece mais como um garoto de pretensões intelectuais, fã de punk rock e que é capaz de citar Sócrates após apresentar uma música aos amigos. Aos fãs da Legião, cabe ainda a empreitada de “identificar” as citações às composições de Russo espalhadas pelos diálogos. Ou seja, beira a chatice! O contexto histórico da banda é apenas pincelado (li em algum lugar que o filme aborda o período de 1973 à 1985 e não acreditei), assim como a classe social dos personagens que transitavam em torno do protagonista e lhe permitia o contato com bandas que faziam sucesso no exterior e estavam distantes de conseguir distribuidores no Brasil daquela época. Vale lembrar que hoje temos acesso a qualquer banda que toque nos cafundós da Finlândia através da internet, mas há mais de três décadas atrás dependíamos da camaradagem de amigos descolados para conhecer os artistas que furavam o cerco do jabá das rádios e emissoras de TV. Esse rico contexto histórico fica meio que de lado no filme, cabendo a graça às transgressoras invasões ao som das festas alheias para propagar a sonoridade punk. Essa parecia ser a única diversão dos jovens brasilienses que não tinham muito o que fazer para se divertir até o momento em que nasce o Aborto Elétrico - capitaneado por Renato - e que se tornou a banda punk pioneira de Brasília. O roteiro até que explora os conflitos presentes na banda, especialmente depois que começa a existir uma certa disputa com bandas conterrâneas (como a Plebe Rude) e Fê Lemos (vivido por Bruno Torres) e Russo começam a se desentender. O nascimento do Capital Inicial com os restos do AE, a presença de um Dinho Ouro Preto adolescente, assim como Herbert Viana juvenil (e de voz imitada e inconfundível) ajudam a perceber como era próxima a relação entre alguns dos maiores nomes do rock nacional. No entanto, o veterano diretor Antonio Carlos da Fontoura (famoso pelo polêmico Rainha Diaba de 1974 e por ter feitos fimes menores posteriormente) deixa tudo à beira do insosso, com relações juvenis triviais e a timidez de explorar os aspectos mais polêmicos da personalidade do seu protagonista. Fatores como a rebeldia, o uso de drogas e o homossexualismo do personagem aparecem apenas superficialmente, como se esses aspectos não fossem importantes para a constituição do personagem como o conhecemos.  Não se trata de cultuar esses aspectos da vida dele, mas demonstrar como um bocado de genialidade, dor e tristeza colaboraram para a constituição de um dos maiores porta-vozes da juventude de nosso país. Tentando fazer um Renato Russo que agrade a todo mundo, o filme perdeu uma ótima oportunidade de mostrar a personalidade que estava por trás de algumas das melhores composições do rock nacional. Somos tão Jovens me parece um desses filmes censurados na época da ditadura onde as cenas mais importantes ficaram de fora, assim, perdeu a chance de ser tão relevante quanto à obra de seu biografado.  

Somos Tão Jovens (Brasil/2013) de Antonio Carlos da Fontoura com Thiago Mendonça, Laila Zaid, Bruno Torres, Bianca Comparato, Marcos Breda e Sandra Carveloni. ☻☻

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

CATÁLOGO: A Prova

Crowe, Picot e Hugo: amizade, crueldade e cegueira. 

Só para lembrar, Hugo Weaving e Russell Crowe são australianos e não é todo dia que podemos ver um filme em que os dois estão juntos, ainda mais no início de carreira. A Prova é o terceiro longa da carreira de Crowe (ele tinha 26 anos quando o filme foi rodado) e o quinto da carreira de Weaving (que tinha 30 anos na época), dirigido por Jocelyn Moorhouse (responsável pelos femininos Colcha de Retalhos/1995 e Terras Perdidas/1997) o filme ainda consegue ser encontrado em DVD graças à presença dos seus protagonistas que ganharam grande projeção em Hollywood seja como Gladiador (2000) ou como o severo agente Smith de Matrix (1999). Quem acostumou a gostar das superproduções estreladas pelos dois irá estranhar o tom seco da narrativa e aquele jeito que se tornou famoso com as produções independentes da década de 1990. No entanto, quem se concentrar no jogo de poder que se estabelece entre os personagens do filme poderá perceber que A Prova tem seus méritos. O filme parece ser sobre um triângulo amoroso, mas não é. Martin (Hugo Weaving) é cego de nascença, mesmo assim tem o hobby de fotografar o mundo ao seu redor - mesmo que seja para pedir para alguém narrar o que aparece nelas. Aparentemente bem resolvido, Martin tem lá os seus fantasmas do passado (especialmente retratados nos flashbacks em que aparece pequeno ao lado da mãe) e divide a casa com uma governanta fantasmagórica bastante viva. Ela é Célia (Genevieve Picot), que alivia sua frustração de conviver com um homem que finge ignorar a tensão sexual que existe entre os dois colocando objetos no caminho dele, só para vê-lo tropeçar - ou então, muda objetos de lugar só para que ele não os encontre. Desde a primeira cena, Célia deixa claro que não vale muita coisa e, ao longo do filme, só irá provar essa tese. É interessante como Célia é mostrada mais dependente de Martin do que ele dela - esse deve ser outro motivo para que ela sabote as ações de Martin. A relação entre os dois piora mais ainda quando Martin conhece Andy (Crowe). Andy trabalha num restaurante e quase por acaso cruza o caminho do protagonista. Ele acaba narrando algumas fotos para o fotógrafo e cativa Martin com o jeito sincero e direto de descrevê-las. O problema é quando a amizade entre os dois passa a ser ameaçada por Célia, colocando a confiança que Martin deposita no amigo à prova. Em termos de narrativa o filme não tem nada de inovador, tendo sua originalidade nas crueldades que Célia arma para seu objeto de desejo - incluindo a forma como se impõe entre os dois amigos. Uma outra visão da história sobrepõe a cegueira de Martin a uma possível homossexualidade enrustida, que torna a leitura dos personagens mais interessante. Assim, ainda que rejeitada pelo fotógrafo, Célia surge como uma espécie de elo entre os dois homens (existe algo que Andy só poderá consolidar através dela, já que Martin reluta assumir a real afinidade que sente por ele e vice-versa).  É verdade que o filme poderia desenvolver um pouco mais o desfecho que parece um tanto apressado (o filme é bem curto, com 86 minutos de duração), mas consegue matar a curiosidade dos fãs de dois atores consagrados num momento antes de se tornarem famosos. 

A Prova (Proof/Austrália-1991) de Jocelyn Moorhouse com Hugo Weaving, Russell Crowe e Genevieve Picot. ☻☻☻

CATÁLOGO: Do Outro Lado

Davrak: o bom moço de Do Outro Lado. 

Depois de ser premiado no Festival de Berlim com a intensidade de Contra a Parede (2004), o turco Fatih Akin mudou o tom para o seu trabalho posterior. Do Outro Lado é mais contido e tem um roteiro mais minucioso que o anterior, mas isso não quer dizer que seja melhor. Talvez por gostar muito da sensação que o casal de Contra a Parede estava prestes a explodir, eu tenha achado que este aqui é menos empolgante. Mas isso também não quer dizer que o filme é ruim. O melhor do filme acaba sendo o roteiro - que faz o caminho de seus dois protagonistas se cruzarem a todo instante, mesmo que eles não se deem conta. O filme é dividido em três capítulos que alternam a vida de seus personagens entre a Alemanha e a Turquia. No primeiro o foco está sobre o senhor Ali Aksu (Tuncel Kurtiz) que é freguês assíduo de uma prostituta, Yeter (Nursle Köse). Ele acaba propondo que ela vá morar com ele, para conseguir exclusividade nos atendimentos e ter alguma companhia feminina. Como a idade já está avançando, Yeter acaba aceitando a proposta. Esse encontro serve apenas para motivar o protagonista da história, Nejat (o bom Baki Davrak), o filho de Ali. Apesar da origem turca, Nejat leciona sobre a cultura alemã numa faculdade local. Com os excessos beberrões de Ali não fica difícil perceber quem será a maior amizade de Yeter na casa. Educado e gentil, o rapaz se torna uma espécie de confidente da madrasta e descobre que ela tem uma filha que não vê há muito tempo. Ciente da tristeza daquela mulher, o rapaz acaba prometendo que encontraria a tal filha. Eis que acontece um acidente e a promessa de Nejat será posta em prática antes do esperado. Ele acaba partindo para a Turquia em busca da jovem Ayten (Nurgül Yesilçay). É neste momento que a segunda parte do filme começa e descobrimos que a moça está envolvida com manifestações e você pode imaginar o que acontece. O texto de Fatih cria situações que parecem afastar cada vez mais Ayten da busca de Nejat, embora os dois apareçam próximos em algumas cenas. Existe algum charme nesse recurso de contar uma história, mas chega um ponto em que o truque começa a parecer cansativo, especialmente quando o pessimismo inunda o roteiro de forma irremediável. Ainda assim, é interessante acompanhar os caminhos de Nejat, que busca por uma estranha enquanto se afasta cada vez mais de seu pai. Do Outro Lado consegue ser um filme interessante sobre os laços de afeição, especialmente quando cruzam o caminho do rapaz duas pessoas que poderiam ajudar em sua busca (Patrycia Ziolkowska e a veterana Hannah Schygulla),  mas ele é que acaba ajudando-as. Fatih tempera a história com seu tema favorito: a identidade cultural dos turcos que vivem na Alemanha. Se em Contra a Parede essa identidade se borrava, retraia ou soltava faíscas aqui ela se ajusta de forma mais cômoda, ainda que seja num mundo onde caixões viajam de aviões de um lado para o outro enquanto turcos e alemães encontram refúgio numa livraria turca de literatura germânica. Misturar pátrias e culturas através de seus personagens é o estilo de Fatih Akin, o que é muito interessante (e se você gosta do tema não pode deixar de ver o retrato cômico disso em Soul Kitchen/2009, outro filme do diretor), o problema aqui é que o diretor parece curtir mais as engrenagens de seu premiado roteiro do que as pessoas que aparecem nele. 

Do Outro Lado (Auf Der Auderen Seite/Alemanha-Turquia/2007) de Fatih Akin com Baki Davrak, Nurgül Yesilçay, Nursle Köse, Tuncel Kurtiz, Patrycia Ziolkowska e Hannah Schygulla. ☻☻☻

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

KLÁSSIQO: A Garota do Adeus

Dreyfuss e Marsha: acertando os ponteiros de uma convivência forçada. 

O novaiorquino Richard Dreyfuss foi um dos atores mais carismáticos surgidos na década de 1970. Hoje ele pode ter se tornado um coadjuvante de luxo em todo tipo de filme que você possa imaginar, mas houve uma época em que seu carisma lhe valia indicações a vários prêmios, a maioria foi por conta de A Garota do Adeus (1977) que lhe valeu os prêmios de melhor ator no Globo de Ouro (na categoria ator de comédia/musical),  no BAFTA e até no Oscar. A comédia escrita pelo premiado Neil Simon contou com uma ajudinha de Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) de Steven Spielberg, que foi lançado no mesmo ano - e que oferecia à Dreyfuss outra atuação marcante e totalmente diferente da que vemos aqui. O filme caiu no gosto do público e da crítica, de forma que a Academia de Hollywood lhe garantiu cinco indicações ao Oscar: filme, roteiro original, atriz coadjuvante (para a menina Quinn Cummings e para Marsha Mason) e ator (Dreyfuss). Trata-se de uma comédia bastante simpática sobre um ator que vai tentar a fama em Nova York e acaba conhecendo uma dançarina veterana que acaba de ser abandonada pelo namorado. Ela se chama Paula  McFadden (Marsha Mason, que me fez pensar em como Emma Stone será no futuro), tem uma filha de dez anos (Quinn Cummings, um achado) e não fica nada satisfeita quando descobre que o namorado ator sublocou o apartamento onde vive para o desconhecido Elliot Garfield (Dreyfuss). É verdade que a direção de Herbert Ross quase derrapa no exagero logo no início (o que era de se esperar quando lembramos que ele havia assinado o sucesso Funny Lady/1975 com Barbra Streisand e posteriormente fez o dramalhão Flores de Aço/1989 que revelou Julia Roberts), afinal, existe um trato quase teatral na forma como somos apresentados à Paula e sua filha, além da música ser melosa demais... sorte que quando Dreyfuss entra em cena o filme muda o tom. Ao invés do exagero, o filme incorpora o ritmo do personagem - e  desde a primeira cena percebemos como Elliot Gartfield é articuladamente elétrico! Ele dispara palavras e argumentos numa velocidade impressionante e seus gestos acompanham cada palavra. Esse domínio do personagem é realmente notável no trabalho que Richard Dreyfuss apresenta aqui. Além disso, suas parceiras de cena o acompanham à altura. Além das inúmeras discussões de Paula com Garfield, o roteiro dispara piadas espertas sobre o mundo artístico - especialmente o da Big Apple. Basta dizer que Garfield foi para NY feliz da vida por ganhar o papel numa adaptação do shakesperiano Ricardo III, mas o que deveria ser a consagração se torna um pesadelo, já que ele entra em crise quando o diretor afirma querer explorar o lado "gay" do personagem. As cenas de ensaio só não conseguem ser mais engraçadas do que o horrendo resultado que vemos na estreia (e se ele evitava parecer a Bette Midler, não sei se ele alcançou o que queria)! Enquanto isso, Paula tenta retomar sua carreira de dançarina, mas seu corpo não parece estar com muita vontade de ajudar ("é incrível como ficamos flácidas quando estamos felizes", dispara a certa altura). Os diálogos do filme provocam risadas até hoje e a plateia nem deve se incomodar com a virada forçada do roteiro que faz com que Elliot e Paula se apaixonem. Por um lado, não é difícil se apaixonar por Elliot Garfield, que apesar de suas esquisitices de ator conceitual, ser baixinho e ter o cabelo sempre desgrenhado consegue ser gentil mesmo quando Paula beira o insuportável - quando ela arranjaria outro parceiro assim? Não sei se foi impressão minha, mas sempre pensei que o título fazia referência à filha da personagem, mas na verdade, Paula é a garota do título - o que fica evidente em uma cena rápida onde ela diz querer dar adeus ao seu inquilino. Para a menina Lucy coube um punhado de piadinhas precoces, como aquela em que diz que Elliot tem mais classe do que o ex-namorado da mãe ou o momento em que diz para a mãe não se preocupar com ela. Divertido e mais irônico do que parece, A Garota do Adeus é um filme que merece ser redescoberto.

A Garota do Adeus (The Goodbye Girl/EUA-1977) de Herbert Ross com Richard Dreyfuss, Marsha Mason, Quinn Cummings e Paul Benedict. ☻☻☻☻

FILMED+: Um grande Garoto

Hoult, Toni e Hugh: um subestimado grande filme. 

Por muito tempo, o inglês Hugh Grant conquistou fãs com aquele tipo inglês tímido que não foi abalado nem quando aconteceu aquele escândalo com a Divine Brown (e se você não lembra é porque não deve ter sido tão relevante assim). A confusão aconteceu no ano de 1995, mas ele só conseguiu se reinventar somente no século XXI. Com o adorável cafajeste Daviel Cleaver em O Diário de Bridget Jones (2001), ele provou que era capaz de encarnar outros tipos de personagens, mas foi com o solteirão endinheirado Will Freeman de Um grande Garoto (2002) que o ator alcançou as melhores notas de sua carreira. É verdade que muito do apelo do filme se deve à habilidade de Nick Hornby em construir tramas aparentemente simples sobre a forma como o homem contemporâneo enxerga suas relações com o mundo e a cultura pop. Apesar dos fãs do livro terem reclamado que o roteiro (indicado ao Oscar) de Peter Hedges, Chris e Paul Weitz ter retirado muito dos comentários musicais de Hornby em seu roteiro, acredito que o resto da humanidade não vai se importar com a trajetória de amadurecimento tardia de Will. Will vive às custas dos direitos autorais de uma canção natalina que seu pai compôs há décadas. Ainda que ela lhe renda uma vida de pura vaidade (roupas de grife, jantares caros, cuidados com a beleza e inúmeras conquistas amorosas - descartadas quando começam a ficar mais sérias), a canção lhe dá nos nervos sempre que começa a ouvi-la. O filme é narrado por Will, embora suas considerações sejam geralmente diferentes do que vemos na tela, especialmente depois que ele conhece o pré-adolescente Markus Brewer (um rechonchudo Nicholas Hoult, então com 13 aninhos). Markus, com todo otimistmo perante os acidentes que a vida lhe oferece (como a mãe riponga com tendência suicidas vivida pela sempre exemplar Toni Collette), pode até ser um o que o tipo sugere, mas Will é o verdadeiro garoto do filme - e tem algumas coisas a aprender. Will conhece Markus depois que chega a conclusão de que as mulheres com filhos são as melhores a serem conquistadas (segundo ele são experientes, carentes e ainda preocupadas com os filhos ao ponto de sacrificar os relacionamentos em nome de seus rebentos). Will começa um jogo de mentiras com as mulheres de um grupo de apoio, quase que por acaso conhece Markus em um dos pic-nics mais frustrantes da história do cinema e... um drama no caminho irá uní-los numa amizade bastante sincera. Entre um conflito aqui e outro ali, Um Grande Garoto se beneficia de uma química irresistível entre seu elenco - devidamente capitaneado pela atuação inspiradíssima de Grant. Graças a Grant que Will, apesar de suas posturas questionáveis - e considerar-se uma ilha (desde o início ele se considera Ibiza!) - ele consegue ser a encarnação de um pai garotão sem filhos. Ele tem dinheiro suficiente para presentear Markus com coisas que sua mãe nunca cogitou, mas não consegue ver as relações com a profundidade que merecem até conhecer a divorciada Rachel (Rachel Weisz). É interessante como os irmãos Chris e Paul Weitz conseguem desbravar as camadas artificiais de Will e mostrar que debaixo do vazio que ele transparece à primeira vista, existe um bom sujeito cheio de boas intenções. Não é todo dia que vemos uma comédia com tanto a dizer aos seus espectadores. Até o final, onde Grant assassina um clássico de Roberta Flack, o filme consegue empolgar mais do que todos os filmes de Adam Sandler juntos. Com trilha sonora de Badly Drawn Boy e seu irresistível humor inglês, algo me diz que este filme já pode ser considerado um clássico. Além disso, para as garotas que suspiram pelo Nicholas Hoult, vale tirar a prova se o talento do rapaz permanece intacto. 

Um Grande Garoto (About a Boy/EUA-Reino Unido - França) de Chris e Paul Weitz com Hugh Grant, Nicholas Hoult, Toni Collette e Rachel Weisz. ☻☻☻☻☻

terça-feira, 6 de agosto de 2013

FILMED+: Os Suspeitos

Os cinco suspeitos: peças de um engenhoso quebra-cabeça.

Os Suspeitos é o tipo de filme que se sustenta em um segredo que é tão segredo que nem a plateia se dá conta que ele existe. O segundo longa dirigido por Bryan Singer (o primeiro ninguém lembra, um tal de Public Access lançado em 1993 que marcou o início da parceria do diretor com o roteirista de Christopher McQuarrie) serviu de excelente cartão de apresentação do que o diretor era capaz de fazer. Querido pela crítica mundial, o filme concorreu a vários prêmios ao redor do mundo, culminando com os Oscars de roteiro original  e de ator coadjuvante (Kevin Spacey que começava a aparecer em Hollywood). O filme começa com uma chacina num barco utilizado por traficantes, neste momento um dos personagens revela o grande responsável por aquilo: Keyser Söze. Söze é o grande mistério do filme - e que a narrativa do único sobrevivente do ocorrido, o deficiente Verbal Kint (Spacey), pretende elucidar em seu depoimento à polícia. O filme segue em dois tempos paralelos, o presente baseado nas investigações e as informações de Kint que ganham vida a partir de flashbacks. Assim, ele conta que tudo começou com a trivial escolha de cinco homens para aquele momento em que uma vítima reconhece um criminoso através de um vidro na delegacia. É explicado que, geralmente, quatro são inocentes e estão ali somente para se misturar ao verdadeiro criminoso. No filme, a polícia escolhe cinco criminosos e a testemunha inocenta todos eles. Todos são de fato inocentes naquele momento, mas o grupo fica intrigado pelo motivo de colocar os cinco no mesmo lugar. Depois disso seus passos começam a se misturar com o lendário criminoso chamado Keyser Söze - que os envolveu em seu próprios interesses através de uma espécie de porta-voz chamado Kobayashi (vivido pelo inglês Pete Postlethwaite). Famoso por ser "o demônio em pessoa", Keyser é conhecido pela trajetória marcada por vingança e anonimato - já que seu rosto até então nunca foi visto. Aos  poucos, Kint relata como os cinco personagens ficaram na mira do misterioso personagem, colocando em risco suas próprias vidas. Entre os personagens, o que recebe mais destaque é o elegante Dean Keaton (Gabriel Byrne), que tenta reconstruir a vida depois do passado criminoso, os outros (vividos por Stephen Baldwin, Benicio Del Toro e Kevin Pollack) recebem menos destaque na história - o que colabora para aumentar a crença sobre os mistérios do filme. O mais bacana é que, depois do final de tirar o fôlego, o espectador tem vontade de rever o filme e ver as pistas que estavam pelo caminho. Os Suspeitos se tornou um dos filmes policiais mais cultuados da década de 1990 e ainda hoje merece ser visto pela sua narrativa engenhosa e a performance marcante de Spacey - que estava louco para sair do anonimato. A sua participação nesse filme e em Se7en (1993), serviu para que ele deixasse de ser o personagem secundário e se tornasse parte do primeiro time de Hollywood. Pena que, com o tempo, o ator perdeu fôlego em papéis menos interessantes. Além disso, adoraria ver Bryan Singer dar um tempo em blockbusters e fazer um filme sério novamente, só para variar. 

Os Suspeitos (The Usual Suspects/EUA-1993) de Bryan Singer com Gabriel Byrne, Kevin Spacey, Chazz Palminteri, Benicio Del Toro, Pete Postlethwaite, Dan Hedaya e Suzy Amis. ☻☻☻

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

DVD: Jack - O Caçador de Gigantes

Hoult: o joão crescido e seu pé de feijão. 

Nada contra os bons diretores se dedicarem a filmes de aventura para a molecada torrar a mesada em salas de cinema, mas muitas vezes me vem à cabeça que todos aqueles efeitos especiais e somzão servem apenas para disfarçar um enorme desperdício. Bryan Singer começou aclamado com Os Suspeitos (1996), filme que ganhou o Oscar de ator coadjuvante para Kevin Spacey e o de roteiro original (para Christopher McQuarrie). Depois o diretor fez o subestimado O Aprendiz (1998) com o veterano Ian McKellen e o falecido jovenzinho Brad Renfro. Apesar do filme ter sido ignorado nas premiações, serviu para deixar claro seu estilo elegante em lidar com histórias (no caso uma de Stephen King) e elenco. Talvez pela forma como borrava as fronteiras entre mocinhos e vilões em sua filmografia, Singer foi convidado para levar aos cinemas os heróis de X-Men (2000)  e com ele,  Singer criou um novo padrão para produções de histórias em quadrinhos. As desconfianças em torno do diretor se dissolveram no anabolizado X-Men2 (2003) e rendeu até uma nova versão do Homem de Aço em Superman: O Retorno (2006). De volta aos filmes sérios, o diretor fez Operação Valquíria (2008) que não alcançou o sucesso esperado. Para quem quer voltar a ter prestígio, adaptar João e o Pé de Feijão para o Século XXI é um projeto de risco. Sinto que ainda estão devendo uma releitura de conto de fada que preste nessa nova onde de Hollywood e nem Singer escapa do gosto de decepção que o filme deixa quando termina. É verdade que os efeitos especiais de primeira estão lá, o som ensurdecedor, os efeitos 3D, o cuidado com a produção, mas não consigo enxergar Singer em nada disso, ele me parece que se tornou um mero operário da indústria de filmes. Pelo menos o elenco é interessante, juntando Ewan McGregor num papel mais físico do que os que tem aparecido, Stanley Tucci bancando o vilão novamente e o crescido Nicholas Hoult - que é um dos meninos dos olhos de Hollywood atualmente - como protagonista, mas eles poderiam ser substituídos por qualquer outro em cena, já que os personagens não tem nada de especial. O roteiro faz apenas pequenas alterações na história do menino que troca seu cavalo por feijões mágicos e acaba enfrentando um gigante. As alterações são poucas, o menino agora é um adolescente, ele não enfrenta um gigante, mas vários... além  disso colocaram aquele verniz romântico do garoto da plebe que se apaixona pela princesa que precisa ser salva. Trata-se de um filme de aventura que não planeja ser mais do que isso, tem boas cenas de ação, aquela piadinhas inevitáveis, batalhas para tomar o castelo e por aí vai. Você vai ter a impressão que já viu muito disso antes (e já viu mesmo) e isso que prejudica o filme. Não existe um bom diretor que consiga dar jeito num roteiro que é previsível do início ao fim. O elenco cumpre seu papel sem grandes destaques (e Nicholas Hoult com seu jeito de jovem inglês de sorriso tímido está visivelmente desconfortável). Ao final do filme quase nada deve ficar na memória. O filme custou quase 200 milhões de dólares e arrecadou apenas 65 milhões - lembra da ideia de desperdício?). Está na hora de rever suas ambições amigo Singer.

Jack - O Caçador de Gigantes (Jach - The Giant Slayer/EUA-) de Brian Singer com Nicholas Hoult, Ewan McGregor, Stanley Tucci, Eddie Marsan, Ewen Brenner e Ian Mcshane. ☻☻

DVD: Minha Mãe é uma Viagem

Andy e Joyce: viajando para discutir a relação. 

Seth Rogen é um comediante dos bons, mas que às vezes peca pela repetição do mesmo personagem no no cinema. Barbra Streisand é uma diva do cinema e da música há décadas, mas que precisava de um papel que demonstrasse seu poder de fogo para divertir e comover há tempos. Acho que ela gostou da experiência materna em Entrando numa Fria Maior Ainda (2004) - onde faz a mãe de Ben Stiller - e agora resolveu adotar Seth Rogen.  Minha Mãe é uma Viagem (nem vou comentar o que penso desse nome imbecil... oops) é uma comédia leve e despretensiosa, que pode não causar gargalhadas, mas que diverte o público pela forma como explora a relação entre mãe e filho que se tornaram (um pouco) distantes. Joyce (Streisand) é uma típica mãe (extremamente) zelosa que não percebeu que seu filhote cresceu. Mesmo depois dele estudar química numa faculdade distante e visitá-la somente uma vez por ano, Joyce não se deu conta de que seu garoto não é mais aquele que dependia dela para tudo. Dirigido por Anne Fletcher (do sucesso A Proposta/2009 com Sandra Bullock) o filme consegue equilibrar seu lado emocional com boas doses de humor, ainda que mais contido do que o público se acostumou nos últimos anos. Andy (Seth Rogen caprichando em uma atuação mais contida) acaba de criar um produto de limpeza orgânico chamado Cienciogênico e está apresentando o produto para possíveis compradores, mas sem muito sucesso - não porque o produto não funciona, mas por sua total falta de habilidade para vender a ideia. Numa dessas viagens de divulgação ele visita a mãe e este é o ponto de partida para que ele a convide para acompanhá-lo na jornada de venda do produto. Para conduzir a trama, está o reencontro (forçado) criado por Andy de sua mãe com um namorado da juventude (achei meio bobo que o tempo inteiro Joyce e Andy fiquem cobrando um ao outro que precisam namorar o tempo todo, mas eu já perdi a conta de quantas vezes minha mãe me cobra o casório sempre adiado), mas o plano de Andy é puro pretexto para que no caminho a dupla se meta em algumas pequenas aventuras (algumas engraçadas, outras nem tanto - como o encontro de Andy com uma ex e uma briga de bar desnecessária) enquanto aguardam o momento de colocar a relação em pratos limpos. É verdade que muito do filme depende da química de Rogen e Barbra e eles conseguem um bom resultado diante do que tem em mãos, especialmente quando Andy começa a perceber que os conselhos de sua mãe podem ainda ser úteis em sua vida profissional, ao mesmo tempo, Joyce nota que o filho não precisa dos cuidados excessivos de outrora. Talves por sua simplicidade agridoce, Minha Mãe é Uma Viagem não alcançou o sucesso esperado nos cinemas americanos - já que foi lançado junto com os pesos pesados que esperavam uma indicação ao Oscar. No entanto, foi uma maldade indicar Barbra para o Framboesa de Ouro de pior atriz - quando o estúdio esperava que ela fosse indicada ao Globo de Ouro. Barbra prova que ainda tem carisma e tem uma atuação bastante divertida.  Ainda que alguns considerem Joyce uma chata, a atriz faz o que se pede para transformar a personagem num arquétipo vitaminado de mãe zelosa. Quem não conhece uma Joyce? E um Andy? Sem querer julgar os personagens, eu tenho dificuldade de entender como uma pessoa que foi especial por tanto tempo pode ser tratada com irrelevância na vida adulta (e falo não só das mães como dos próprios filhos), o filme é de grande leveza ao explorar esse acerto de afinidades que pode ser aproveitada sem os exageros de ambos os lados.

Minha Mãe é uma Viagem (Guilt Trip/ EUA-2012) de Anne Fletcher com Seth Rogen, Barbra Streisand, Brett Cullen e Adam Scott. ☻☻☻

domingo, 4 de agosto de 2013

KLÁSSIQO: Butch Cassidy

Sundance e Butch: pistoleiros num mundo em mutação.

Não sei se já mencionei isso antes no blog, mas o faroeste é o gênero cinematográfico que menos gosto. Todas aquelas perseguições a cavalo e tiroteios me parece um despropósito - eu sei que esses filmes retratam um período histórico importante da história americana e blábláblá (apesar de eu ter lido uma matéria na SuperInteressante que dizia que a vida naquela época era bem mais tranquila do que os filmes aparentam) - sendo assim, existem vários filmes do gênero que adio constantemente para assistir e salvam-se aqueles que agregam elementos diferentes à gasta receita. Talvez seja pela carga de humor que o diretor George Roy Hill imprime à história dos lendários pistoleiros Butch Cassidy e Sundance Kid que o filme tenha me agradado tanto. Obviamente que contar com dois ícones de Hollywood também ajuda muito, afinal Butch é vivido por Paul Newman e Kid é encarnado por Robert Redford. O filme é um clássico incontestável e a montagem ágil feita por (John C. Howard e Richard C. Meyer) surpreende quando descobrimos que foi realizada em 1969! Ambientado na segunda metade do século XIX, o filme conta a história de Cassidy e Kid, dois assaltantes que agem junto com um bando, mas são considerados os mais simpáticos das redondezas. Os dois vivem assaltando trens e bancos com o jeito gaiato que lhes deram fama, mas as coisas complicam quando começam a ser perseguidos por uma diligência implacável (sendo até cômico as inúmeras vezes em que se perguntam "quem são esses caras"), tanta perseguição acaba fazendo com que Butch resgate um ideal antigo: morar na Bolívia - o que rendem outras situações bastante divertidas no filme. É verdade que se trata de uma trama onde os bandidos se tornam mocinhos pela narrativa tendenciosa, mas é uma delícia de assistir. É verdade que o diretor erra a mão naquela longa sequência da bicicleta ao som da canção tema (Raindrops keeps fallin' on my head, que ganhou o Oscar) e na interminável sequência de fotos que aparece lá pela metade da sessão, mas o filme tem vários bons momentos - especialmente pela relação de um falador Paul Newman com um lacônico Redford). O mais curioso é que, nas entrelinhas do filme, observamos um período em que o mundo está passando por transformações importantes e que os personagens parecem não se adequar, especialmente no que diz respeito à proteção do capital (a cena que abre o filme com Cassidy num banco ilustra isso magistralmente). O diretor dá um tom ainda mais moderninho ao filme quando sugere um triângulo amoroso entre a dupla e a esposa de Kid, Etta (vivida por Katharine Ross), sem conflitos ou ciúmes. Sei que eu poderia escrever mais sobre o filme, mas acho que se eu revelar muita coisa, posso tirar o elemento surpresa que é perceber que um clássico é um filme atemporal, capaz de ganhar fãs em qualquer período. Vale lembrar que o filme concorreu a sete Oscars,  filme, diretor, som e levando os de canção, roteiro original, trilha sonora, fotografia (que se tornou uma referência para o gênero). Além de ser presença constante nas listas de filmes mais importantes de todos os tempos, o longa ainda fez história por inspirar o nome do consagrado festival  de Sundande (criado por Robert Redford). O filme entrou no meu grupo seleto de favoritos do gênero. 

Butch Cassidy (Butch Cassidy & Sundance Kid/EUA-1969) de George Roy Hill com Paul Newman, Robert Redford, Katharine Ross e Strother Martin. ☻☻☻☻

DVD: O Canil

Butch, Davis e Angel: presídio para menores. 

Kim Chapiron em sua estreia como diretor (no elogiado Satã/2006 estrelado por Vincent Cassel) já demonstrava seu apreço por não fazer filmes leves, que servissem somente como passatempo aos espectadores. Seu gosto por temas pesados e narrativa crua conquistou fãs fiéis que garantiram alguma repercussão para esse seu segundo longa, O Canil. Filmado no Canadá, o filme cria um retrato bastante real sobre as instituições destinadas aos menores infratores, o problema é que, enquanto filme, parece uma espécie de reciclagem dos filmes carcerários. A presença de guardas e personagens barra pesada sempre à espreita torna a vida dos protagonistas numa temporada no inferno, semelhante a de qualquer filme de presídio. Mas a grande vantagem desse trabalho de Chapiron é contar com uma atuação surpreendente do jovem Adam Butcher, que é ator desde menino e aqui tem uma presença bastante marcante como o descontrolado Butch. O Canil acompanhada a temporada de três personagens num centro de correção para menores de 18 anos. Davis (Shane Kippel) era tão mulherengo quanto traficante antes de ir parar na instituição, Angel (Mateo Morales) aplicava golpes para roubar carros na noite e Butch (Adam Butcher) foi mandado para lá por ter agredido um guarda na instituição anterior em que vivia (numa cena bastante violenta). Não precisa mais de uma cena para que o espectador conheça a personalidade dos três, Davis adora contar vantagens sobre suas conquistas amorosas e se não fosse o envolvimento com as drogas seria um adolescente como qualquer outro. Angel é sempre calado, quase um objeto dos acontecimentos ao seu redor (é também o personagem menos trabalhado do filme) e Butch é o que parece não ter uma história fora de instituições. Durante o filme não aparece um parente de Butch, existem apenas menções ao seu passado em reformatórios e uma breve fase onde ele comenta que seu pai trabalhava em circo. O personagem deixa claro que encara aquela instituição como um novo começo, até que começa a ser provocado por alguns jovens e torna-se uma bomba preste a explodir. Ele só precisa de tempo para observar as brechas do sistema de segurança do local para que possa cuidar dos desafetos. O Canil (nome atribuído ao local pelo professor de educação física em uma cena bastante simbólica) mostra claramente como lidam dois poderes num mesmo espaço: os guardas que acreditam que a opressão disciplina é o melhor caminho para lidar com aqueles adolescentes e os próprios adolescentes que busca seus caminhos pessoais para lidar com um sistema que já está falho em sua concepção. Afinal, como um ambiente que transpira tensão pode recuperar alguém? A violência aparece como sinal de que algo não está funcionando, mas é mais fácil apontar um culpado e deixar o mesmo sistema operar até que outro caso de violência apareça e seja punido outro culpado. Existe bastante violência no filme, assim como bastantes clichês e, as poucas cenas de alegria dos jovens, são sempre tolhidas, tratadas como subversão. Chapiron demonstra bastante domínio na narrativa (especialmente na explosão que apresenta no final), mas o roteiro merecia ser um pouco mais lapidado, explorando mais personagens - especialmente o supervisor Goodyear (o fraquíssimo Lawrence Bayne) que poderia fazer a diferença em várias cenas. No fim das contas o que importa é que Adam Butcher está excepcional no descontrole crescente de seu personagem, num misto perfeito (e raro) de agressividade e vulnerabilidade, além disso o longa deixa para o público a pergunta se instituições como a do filme são realmente funcionais (talvez: só para quem deseja que esses jovens fiquem isolados do resto da sociedade). 

O Canil (Dog Pound/França-Canadá-Reino Unido) de Kim Chapiron com Adam Butcher, Shane Kippel, Mateo Morales, Lawrence Bayne, Slim Twig e Dewshane Williams. ☻☻☻