sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

PL►Y: The Wise Kids / Henry Gamble's Birthday Party / Princess Cyd

 
The Wise Kids: religião e sexualidade.

Eu poderia escrever um post para cada um dos filmes que aparecem aqui, mas acho que quando os comento ao mesmo tempo, cria uma perspectiva muito semelhante à sensação que tive ao assisti-los ao longo da semana. Eu estava um tanto indisposto para ver filmes muito densos ou elaborados quando me deparei com The Wise Kids. Nunca havia escutado falar do filme e não busquei maiores informações além da sinopse sobre um grupo de adolescentes de uma comunidade religiosa que começavam a vivenciar questionamentos sobre o futuro, seja quanto à vida universitária ou  identidade sexual. O filme tem uma filmagem simples, que lembra muito os filmes feitos para a televisão nos anos 1990, mas tem um roteiro sensível que chama atenção pela forma como é dito pelos atores como se não estivessem interpretando. Aparentemente tudo gira em torno de uma peça na igreja, mas que aos poucos começa a se desviar para outras situações, como a homossexualidade de um jovem da igreja (Tyler Ross) e a chance de estudar cinema em uma faculdade distante. A autodescoberta do menino causa estranhamento em uma de suas amigas e faz com que outra comece a repensar alguns posicionamentos das pessoas que os cercam. O filme aos poucos se volta também para um casal em crise, sobretudo pelo desinteresse do marido pela esposa, curiosamente somente depois eu descobri que este marido é vivido por Stephen Cone, o diretor e roteirista deste e dos outros dois que estão em cartaz na MUBI. Cone não fez faculdade de cinema e diz que aprendeu a fazer filmes ao fazer filmes. Neste aqui, ele utiliza várias referências sobre sua vida em uma comunidade marcadamente religiosa para expressar o conflito pessoal não apenas de jovens, mas de adultos perante o que eles desejam e o que se espera deles. Se o visual do filme é simples, a complexidade dos personagens chama atenção e a compaixão da plateia. Embora algumas situações deixem a impressão de não serem exploradas em todo seu potencial, The Wise Kids sempre soa sincero e funciona como uma eficiente carta de apresentação da obra de Stephen Cone (embora seja seu terceiro longa-metragem). Seus longas costumam ter problemas de distribuição e são mais vistos em festivais, o que o fez se tornar um nome aclamado no cinema independente americano. Muitos dos elementos que aparecem neste filme já foram vistos nos filmes anteriores do diretor e aparecem também em Henry Gamble's Birthday Party (2015), só que agora concentrados em uma festa de aniversário. Mais uma vez os jovens lidam com o ambiente religioso, mas desta vez os hormônios torna o sexo um tema comum nas conversas - a começar pela cena de abertura do aniversariante (Cole Doman) conversando intimidades com seu melhor amigo (Joe Keery que depois ficou famoso como o Steve de Stranger Things). A curiosidade dos dois logo entra em contraste com o misto de tensão e repressão sexual que aparece na festa. Aqui, Cone demonstra maior habilidade em lidar com um grande número de personagens, criando diálogos tortos que soam muito reais, assim como olhares que revelam sempre algo a mais nas relações dos convidados. Entre trajes de banho, sensações tentadoras, paixões proibidas, casamentos em crise, homofobia e o medo de um suicídio, Cone tenta conduzir o filme com leveza, deixando que essência dos personagens (que parecem prestes a quebrar) conduza a narrativa até o desfecho ao som inesquecível de Everyone is Dark do New Canyons

Henry Gamble (Cole Doman): festinha complicada. 

Se estes dois filmes parecem complementares (sobretudo para notar a evolução de Cone enquanto cineasta) o terceiro filme merece destaque ainda maior. Princess Cyd (2017) é o último filme lançado pelo diretor. Aqui alguns temas dos filmes anteriores aparecem novamente (soam como verdadeiras obsessões para Cone), mas a forma como surgem na história é mais orgânica, talvez seja o efeito de restringir o número de personagens que tem em mãos e mudar o foco do masculino para o feminino (o que traz a busca de um novo ponto de vista que é muito bem vindo à cinematografia do diretor). É realmente impressionante como Stephen Cone consegue criar personagens femininas tão bem delineadas e que desenvolvem entre si uma relação tão rica. Ajuda muito também o fato do diretor investir ainda mais em movimentos de câmera e cortes mais precisos, o que oferecem à produção um ritmo ainda mais especial, com maior fluência cinematográfica e um formato menos "quadradinho" de contar a história. A começar pelo início, em que antes que alguma cena apareça, ele chama nossa atenção para algo terrível que aconteceu. Quando finalmente conhecemos a protagonista, Cyd (Jessie Pinnick), vários anos se passaram daquele incidente mencionado. Não sabemos ao certo quem é ela ou o que aconteceu, apenas descobrimos que o relacionamento dela com o pai não é muito bom, que ela sonha fazer faculdade e considera que uma visita de verão à tia em Chicago é uma boa ideia. Miranda Ruth (ótimo trabalho de Rebecca Spence), a tia, é uma escritora conhecida na região e de vez em quando leciona na Universidade local. Se no início ela fica um pouco tensa com a presença da sobrinha que não vê faz tempo, aos poucos, ela começa a apreciar a companhia da menina. Miranda é muito bem resolvida, mas a presença de Cyd começa a motiva-la a se abrir mais para o mundo, seja a encontrar prazer em uma manhã tomando sol no jardim, uma tarde na praia ou perceber que um amigo talvez possa se tornar mais do que apenas um companheiro de conversas literárias. Ao mesmo tempo, Cyd também irá perceber que aquilo que para ela é tão importante, para outras pessoas pode não ser. Interessada por pessoas de ambos os sexos, desinteressada por literatura e religião, o diretor Stephen Cone demonstra saber a medida exata de estabelecer uma tensão constante entre  as duas personagens para desconstruí-la aos poucos, pedaço por pedaço com diálogos primorosos, assim, ele cria uma narrativa que evolui aos poucos entre a convivência das duas personagens.  A relação entre as duas é construída de forma tão refinada que até o namoro de Cyd com a barista não binária Katie (Malic White) fica ofuscado, embora, o roteiro saiba como armar muito bem os momentos ternos entre este par romântico tratado com naturalidade, sem vestígio de sensacionalismos (um verdadeiro achado). No entanto, as cenas mais memoráveis do filme fica mesmo por conta de tia e sobrinha, que terminam o filme com aquela conversa breve no telefone  e deixa o espectador com vontade de manter aquela atmosfera afetuosa na memória por muito tempo. Com suas histórias sensíveis sobre o  crescimento de jovens e adultos, Stephen Cone se tornou um nome a ser notado. 

Miranda e Cyd (ao centro): bom demais de assistir. 

The Wise Kids (EUA-2011) de Stephen Cone com Tyler Ross, Stephen Cone, Molly Kunz, Eric Hulsebos, Lee Armstrong e Cliff Chamberlain. 

Henry Gamble's Birthday Party (EUA-2015) de Stephen Cone com Cole Doman, Joe Keery, Pat Healy, Elizabeth Laidlaw, Daniel Kyri, Travis A. Knight, Melanie Neilan, Francis Guinan e Tyler Ross. 


Princess Cyd (EUA - 2017) de Stephen Cone com Jessie Pinnick, Rebecca Spence, Malic White, Tyler Ross, James Vincent Meredith e Keith Kupferer. ☻☻

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