Alice: a felicidade com a ajuda de chás alucinógenos.
Simplesmente Alice é um dos filmes que menos aprecio na carreira de Woody Allen. Deve haver alguma explicação para isso, já que o filme seguinte do cineasta (Neblina e Sombras/1991) beira o insuportável e o seguinte (Maridos e Esposas/1992) marcou a ida de sua parceria com Mia Farrow (dentro e fora da tela) para o vinagre. Sei que em seu processo de escrita, Woody não possui amarras e deixa a coisa fluir livremente, mas em Simplesmente Alice, isso não conseguiu disfarçar a falta de assunto. Os defensores vão dizer que se trata de um filme sobre a busca do seu verdadeiro "eu", de como a vida cômoda da classe média pode ser infeliz, ou até mesmo como o casamento é uma instituição falida, a monogamia é uma bobagem ou que a medicina alternativa deixa a vida mais divertida. Talvez seja sobre tudo ou nada disso. Alice (Farrow) é uma mulher casada com um homem bem sucedido e com pinta de galã (William Hurt), vive num apartamento confortável e com roupas sofisticadas, frequenta salões de beleza junto com as amigas dondocas, mas nada disso parece muito interessante para ela. Talvez por perceber que existe algo errado no rumo que a vida tomou, ela decide consultar um doutor chinês com métodos nada ortodoxos que ajudou suas amigas a descobrirem problemas, digamos, no aparelho reprodutor. É assim que Alice conhece Doutor Yang (Keye Luke da série Kung Fu) e seus métodos a base de todo tipo de erva alucinógena que se possa imaginar. De início é engraçado como as ervas fazem Alice ter outro olhar sobre a vida, ao ponto de flertar com um desconhecido Joe (Joe Mantegna) ao buscar os filhos na escola, ver o ex-namorado morto (Alec Baldwin) lhe dando conselhos ou até tornar-se invisível para ver o que Joe anda fazendo com a ex-mulher (Judy Davis). Essas partes são bastante divertidas e marcam mais uma vez as ironias de Allen com relação aos psicólogos e psiquiatras (afinal, o segredo para o bem estar de Alice é puro surrealismo), mas em determinados momentos os conflitos de Alice ficam repetitivos e arrastados. É verdade que os conflitos amorosos nunca são simples de ser resolvidos, mas a coisa ficou meio embolada no meio do filme. Talvez o maior problema seja que nenhum dos outros personagens acompanhe as nuances de Alice (ou talvez sem a ajuda dos chás ela mesma seria desinteressante), o fato é que os coadjuvantes nunca se afastam dos estereótipos (o esposo distante, o amante caloroso, a ex-mulher ameaçadora, convenhamos, elementos bastante comuns para uma dramédia romântica). A parte em que Alice resolve procurar uma amiga (Cybill Shepherd) quando resolve escrever para a TV também me parece mal resolvida e apressada, apesar de marcar um ponto de reflexão sobre a imagem que Alice tem de si mesma. Apesar da delirante cena em que todos os homens se apaixonam pela personagem e da mensagem quase feminista ao final da sessão, essa releitura livre de "Alice no País das Maravilhas" de Lewis Carroll (sim, agora você entendeu os chás alucinógenos) para o universo de Woody Allen deixa a impressão que muitas ideias ficaram pelo meio do caminho. Ainda assim, vale lembrar que o longa concorreu ao Oscar de Roteiro Original.
Simplesmente Alice (Alice/EUA-1990) de Woody Allen com Mia Farrow, Keye Luke, William Hurt, Joe Mantegna, Blythe Danner, Cybill Shepherd, Alec Baldwin e Judy Davis. ☻☻
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