sábado, 30 de setembro de 2017

N@ Capa: Diretores de Ouro e Sangue


A capa do mês de setembro foi dedicada a diretores consagrados que foram retratados por algum artista plástico que não encontrei o nome em lugar algum. As fotos podem ser encontradas na internet e agradeceria se alguém descobrisse quem foi que as criou. A coleção ainda contava com Woody Allen e Wes Craven, mas escolhi estas cinco por conta da particularidade como destaca o sangue em seus filmes e nos cartazes destes diretores renomados e dignos de culto entre os cinéfilos:


Quentin Jerome Tarantino
Diretor de 13 filmes
✰  Tennessee, 27/03/1963
Ator Favorito Christopher Waltz
Atriz Favorita Uma Thurman
Filmes mais premiados
# Pulp Fiction (1994)
# Bastardos Inglórios (2009)
# Django Livre (2012)
Adoro Jackie Brown (1997) 
Curte faroeste, cultura pop, artes marciais e tudo que você imaginar.




Steven Allan Spielberg
Diretor de 33 filmes
 ✰ Ohio - 18/12/1946
Ator Favorito Tom Hanks
Atriz Favorita Cate Capshaw
Filmes mais Premiados 
# E.T. (1981)
# Lista de Schindler (1992)
# Resgate do Soldado Ryan (1997)
Adoro A Cor Púrpura (1984)
Curte ficção científica, fantasias, dramas de guerra, aventuras e efeitos especiais. 




Francis Ford Coppolla
Diretor de 28 filmes
✰  Michigam - 07/04/1939
Ator Favorito Marlon Brando
Atriz Favorita Diane Lane
Filmes Mais Premiados
# Trilogia The Godfather
# A Conversação (1974)
# Apocalypse Now (1979)
Adoro Apocalypse Now (1979)
Curte filmes de máfia, devaneios e loucura.





Martin Charles Scorsese
Diretor de 39 filmes
✰  Nova York, 17/11/1942
Ator Favorito DiCaprio e DeNiro
Atriz Favorita Gene Tierney
Filmes Mais Premiados 
# Taxi Driver (1976)
Adoro Taxi Driver (1976)
Curte máfia, gangsteres, violência e mocinhos bandidos. 




Stanley Kubrick 
Diretor de 13 filmes
✰ Nova York, 26/07/1928
Faleceu em 07/03/1999
Ator Favorito Jack Nicholson
Atriz Favorita Nicole Kidman
Filmes Mais Premiados
# Spartacus (1960)
# 2001  (1969)
# Laranja Mecânica (1971)
Curtia ousadias, perfeccionismo e personagens obscuros. 

HIGH FI✌E: Setembro

Cinco filmes vistos no mês de setembro que merecem atenção:

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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

§8^) Fac Simile: Robert Pattinson

Robert Douglas Thomas Pattinson
Robert Pattinson se prepara para lançar seu mais novo filme, o denso Bom Comportamento (Good Time) dos irmãos Josh e Benny Safdie. O filme foi elogiado no Festival de Cannes deste ano e gerou até boatos de que Pattinson poderia levar para casa o prêmio de Melhor Ator (mas quem levou foi Joaquin Phoenix). Independente disto, Pattinson se tornou um bom exemplo de jovem ator que provou ter talento em papéis cada vez mais desafiadores. Em um raro dia de sossego em Los Angeles, nosso repórter conseguiu uma breve entrevista  com o ator, que nunca aconteceu:

§8^) É difícil ser um vampiro em Hollywood?

Robert Muito difícil! Especialmente se você quer fazer papeis diferentes. Complica também um pouco quando se é um jovem vampiro inglês e tem hábitos um pouco diferentes da maioria dos americanos. 

§8^) Mas você parece ter superado tudo isso, você já conseguiu trabalhar com vários diretores consagrados como David Cronenberg, Werner Herzog, David Michôd, James Gray... e em seus últimos filmes os elogios deixaram de ser raridade. Você ainda sente muito preconceito das pessoas por sua participação na saga Crepúsculo?

Robert Agora eu sinto bem menos! Mas tive que me esforçar muito. Acho que as coisas começaram a mudar quando fiz Cosmópolis (2012) com Cronenberg. As pessoas pareciam ter ficado num empasse ao me ver fazer um filme tão estranho. A partir dali escolhi papéis diferentes que poderiam me distanciar desse rótulo de galã adolescente. Sempre quis ser um ator levado a sério e não um rosto bonito, desde antes de participar de Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005). 

§8^) Curioso você dizer isso, até minha mãe ao ver Harry Potter não resistiu em dizer "que rapaz bonito... pena que morreu!"...

Robert Sério? Minha mãe disse a mesma coisa kkkk, agradeça à sua mãe por mim!

§8^) pode deixar... mas sua aparência foi um problema para você? Foi por isso que você resolveu ficar feio em alguns filmes? 

Robert Eu, feio?! Eu nunca fico feio! [risada] Brincadeira! Eu fico barbudo, sujo... e os diretores sempre falam: "Ainda não está bom, ele tem que ficar mais feio", mas chega uma hora que eles desistem kkkk. Eu nem me acho tão bonito assim, mas acho que o conjunto agrada muitas pessoas quando me veem. 

§8^) Inclusive a sua noiva (a rapper FKA Twigs). O que você achou quando as pessoas a atacaram com comentários racistas na internet?

Robert A internet é uma invenção maravilhosa, pena que revela o quanto a pessoas podem ser estúpidas. É assustador a quantidade de bobagens que escrevem sobre um monte de coisas por aí, mais assustador ainda é imaginar que aquelas porcarias sempre estiveram na cabeça das pessoas e elas evitavam dizer. Não sei para onde o mundo vai, mas não me parece seguir um caminho correto nos tempos que estamos vivendo. O que aquelas pessoas escreveram sobre FKA não mudam em nada o que ela é, apenas revelam como aquelas pessoas tem problemas para resolver dentro de si mesmas. 

§8^) Do que você tem mais medo, alho, água benta ou crucifixo?

Robert Difícil... mas eu tenho mais medo do rosto inexpressivo da Kristen Stewart!

PL►Y: Z - A Cidade Perdida

Pattinson e Charlie: exploradores obstinados.

James Gray é um diretor americano que chamou atenção já em seu filme de estreia, com Fuga para Odessa (1994) ele recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim e rendeu para Vanessa Redgrave o prêmio de melhor atriz no Festival. Nascia ali um diretor que marcaria seus filmes com uma mão firme para aprofundar os dramas de seus personagens e conduzir boas atuações. Mesmo diante dos elogios, ele só voltou ao batente seis anos depois com Caminho sem Volta (2000) onde provava que Mark Wahlberg poderia ser um ator levado a sério. Também iniciava ali sua parceria com Joaquin Phoenix que atuou em seus três filmes seguintes (o áspero Os Donos da Noite/2007, o aclamado  Amantes/2007 e o deprimente Era Uma Vez em Nova York/2013). Depois de três filmes indies aclamados, Gray partiu para o seu projeto mais ambicioso: a história do coronel britânico Percival Fawcett. Fawcett foi um famoso explorador e arqueólogo que desenvolveu uma verdadeira obsessão em descobrir uma civilização perdida no meio da selva Amazônica (na área conhecida hoje como Serra do Roncador no estado do Mato Grosso). A aventura lhe rendeu várias expedições para a América Latina e lhe custou anos de convivência com a família, constantes embates com os perigos da selva e provocações da sociedade que não entendia muito bem quais eram as suas reais intenções (Obsessões? Megalomania? Ambição?), cogitando que ele buscava o mito do Eldorado - que já havia fascinado vários exploradores europeus que encontraram apenas a própria morte.  Pela própria complexidade da produção (reconstituição de época, locações de difícil acesso e o pendor épico da história), Z: A Cidade Perdida teve uma produção conturbada, com constantes mudanças de elenco que culminaram na contratação de Charlie Hunnam na pele de Fawcett (o papel inicialmente seria vivido por Brad Pitt e depois por Benedict Cumberbatch) que ajudaram  a minar o interesse pelo filme. As confusões na produção devem ter sido realmente exaustivas, já que a produção está longe de ter a energia dos outros filmes de Gray. O que ajuda é o fato do cineasta amar a história do cinema, independente do gênero, assim, ele cria uma atmosfera daqueles clássicos de aventura na selva de antigamente (o que já causa um inevitável déjà vu). Marcado pelas idas e vindas de Fawcett, o que vemos é uma sucessão de conflitos do personagem com a sociedade britânica e com os perigos da selva, seja animais perigosos ou índios dispostos a flechar quem aparecesse para lhes tirar o sossego. É verdade que Fawcett é apresentado como um bom sujeito, ainda que sacrifique o tempo com a família (o que gera conflitos com o filho crescido vivido por Tom Holland, que depois passa a companhá-lo) e seja um tanto tirano com seus companheiros de jornada, mas ainda assim ele se enquadra no arquétipo dom "bom explorador" que era tão comum nos filmes hollywoodianos de temática semelhante - e que não compromete a figura história de Fawcett. Embora Charlie Hunnam tenha uma boa atuação, ele não consegue tirar o filme de sua zona de conforto, ainda que bem produzido esteticamente, ele consegue ser pouco envolvente do ponto de vista narrativo. Outro ponto que merece destaque é o fato do filme contar com Sienna Miller como a esposa de Fawcett, mas quem chama atenção entre os coadjuvantes é Robert Pattinson, que está ótimo na pele de Henry Costin, o fiel escudeiro de Fawcett e que, várias vezes, funciona como a voz da consciência do explorador. Realmente, o vampiro galã teen virou um ator de verdade! O mais curioso é que Lost City of Z é o filme mais ambicioso de James Gray, mas o resultado mostra-se o menos contundente também. 

Z - A Cidade Perdida (Lost City of Z/EUA-2017) de James Gray com Charlie Hunnam, Robert Pattinson, Sienna Miller, Tom Holland e Angus MacFadyen. ☻☻

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

.Doc: David Lynch - A Vida de Um Artista

Lynch: enfrentando os temores do passado. 

O primeiro filme que vi de David Lynch foi Coração Selvagem (1990) e tive a impressão de que não entendia nada do que estava acontecendo, mas não conseguia parar de assistir. A partir dali percebi que Lynch era um sujeito diferente. Infelizmente ele andava sumido até aparecem em Cannes neste ano para divulgar a terceira temporada da série Twin Peaks depois de um hiato de vinte e seis anos sem episódios. Lynch foi tão aplaudido quando exibiu os dois primeiros episódios da série que dava gosto de ver o seu sorriso. Desde o viajandão Império dos Sonhos (2006) que ele não lança um filme, no entanto, não parou de trabalhar. Dirigiu vídeos, curtas, clipes (para Moby, Interpol, Nine Inch Nails...), produziu algumas músicas e dedicou-se ainda mais às artes plásticas. Este documentário de Jon Nguyen destaca o envolvimento do artista com esta sua carreira paralela, ressaltando este seu gosto desde a infância quando a mãe deixava que ele desenhasse o que bem entendesse ao invés de pintar livros de gravuras. Se por um lado os fãs podem sentir falta de maiores comentários sobre seus filmes (e todo mundo sabe que Lynch não curte falar muito sobre seu cinema cheio de mistérios), por outro, poderão entender muito sobre o estilo peculiar do celebrado cineasta. Na entrevista que perpassa todo o filme, conhecemos a sua história de típico menino americano de um lar confortável ao lado da família no estado de Montana. Desta criação que surgiu o seu lado mais cavaleiro, educado de fala calma e inofensiva. No entanto, desde pequeno, Lynch precisou acompanhar sua família por várias cidades americanas e não há como não perceber o tom sombrio com que pinta Filadélfia ou alguns vizinhos cujas imagens o assombram até hoje (sobre um deles ele sequer consegue contar o que houve de tão chocante). As coisas não estavam muito bem com as pessoas que conhecia pelo caminho, mas  ao conhecer o pai pintor de um amigo que Lynch percebeu uma forma de extravasar seu olhar peculiar sobre o mundo. Foi através dos desenhos que o adolescente começou a construir sua identidade artística - e o gosto pelo que a maioria das pessoas consideraria sombrio, bizarro e até grotesco. Nos comentários de Lynch podemos perceber os pontos de onde nasceram vários traços de seus filmes, as estradas perdidas, as trocas de identidade, os mundos paralelos, os personagens pesadelescos, as narrativas sombrias com a presença do desconhecido sempre à espreita. É curioso como o filme fala pouco da atual vida particular do artista (no máximo percebemos que ele tem uma filha pequena, hoje com cinco anos). O filme concentra-se especialmente na vida de David ao lado dos pais e dos irmãos. Não deixa de ser tocante quando na adolescência ele percebe que a mãe está decepcionada pelos caminhos que seguiu, ou o pai chocado perante o que ele guarda em seu ateliê particular - com frutas em decomposição e outras coisas que estavam ali apenas para ser observadas em sua destruição. Ali, fica claro que Lynch não tem pudores em enfrentar o que causa medo na maioria das pessoas, ele enfrenta esses elementos e os transforma na matéria prima de seus trabalhos surrealistas. Nos seus primeiros curtas, percebe-se como a transição das telas de pintura para as telas de cinema ocorreu de forma bastante natural, tendo em sua cultuada estreia em Eraserhead (1977) como o retrato em movimento do seu mundo particular. O filme termina neste ponto e se você considera a obra de Lynch perturbadora é melhor nem assistir, mas se você quer conhecer um pouco mais da história por trás de suas referências, torna-se um programa imperdível. 

David Lynch: A Vida de Um Artista (David Lynch - The Art Life/EUA-Dinamarca/2016) de Jon Nguyen com David Lynch. ☻☻☻

domingo, 24 de setembro de 2017

Na Tela: Mãe!

Bardem e Jennifer: prepare-se para a maior viagem do ano. 

Quando vi pela primeira vez o trailer de Mãe! de Darren Aronofsky tive a impressão de ver uma versão do clássico O Bebê de Rosemary/1968 para o século XXI. Acho que foi proposital fazer pensar que a história de um casal que começa a ter a casa invadida por um bando de adoradores em clima maligno tivesse relação com o clássico de Roman Polanski. Na verdade até tem, mas o que o diretor novaiorquino faz em sua nova provocação vai muito além disso. Na verdade, Darren subverte o que fazia o longa de Polanski assustador, já que aqui as referências vão de encontro ao divino, um divino estranho, mas, ainda assim, divino. Desde sua estreia em Pi (1998) até o sucesso absoluto com Cisne Negro (2010), Aronofsky demonstra interesse em personagens obsessivos, tão obsessivos que percebem a realidade de uma forma distorcida. Não importa se são matemáticos, bailarinas, lutadores, cientistas ou, até mesmo, uma mãe que deseja perder peso mais do que tudo na vida. Não foi por acaso que o diretor foi quase o responsável por repaginar os filmes de Batman antes que Christopher Nolan topasse a empreitada e criasse a trilogia do Cavaleiro das Trevas.  No entanto, depois que Darren se aventurou pelas águas bíblicas em Noé (2014), algo novo foi agregado ao seu estilo particular, já que o cineasta mostra-se mais preocupado com a responsabilidade humana com o planeta em que vivemos. Prometo que a partir daqui não vou revelar muito mais sobre o controverso Mãe! até a segunda parte desta postagem. Depois de um início mais revelador do que parece, conhecemos um escritor, na verdade um poeta (Javier Bardem) que convenceu a nova esposa (Jennifer Lawrence) a morar na antiga casa onde vivenciou uma tragédia no passado. Ela é bem mais jovem que ele, mas abraça a casa com a intenção de fazer dali mais do que um lar, um verdadeiro paraíso. Ela se esforça para que a casa se torne o mais aconchegante possível e, com isso, agradar o esposo que não escreve nada há tempos, enfim, ele não consegue criar. Embora ele pareça insatisfeito com a rotina da vida a dois, as coisas mudam quando recebem a visita de um médico (Ed Harris). Ela não parece confortável com a visita do estranho, o que piora ainda mais quando chega a sua inconveniente esposa (Michelle Pfeiffer) e, mais tarde os dois filhos do estranho casal (os irmãos Brian Gleeson e Dohmnall Gleeson) acarretando uma mudança radical na trama. Se a presença daquelas visitas atrapalha a rotina da casa, você não faz ideia do que irá acontecer na meia hora final. Mãe! faz crescer a tensão pouco a pouco até se tornar cada vez mais incômodo, seja pela necessidade do poeta sentir-se adorado, de seu desprezo às preocupações com a esposa ou com as pessoas que aparecem na casa sem ter respeito algum por aquele espaço. Darren nos brinda com um filme que torna-se cada vez mais sombrio, delirante e metafórico, estando sujeito a muitas leituras (seria um pesadelo? um livro escrito pelo poeta? Um surto da esposa que anseia a perfeição daquele lar? O retrato de um casamento abusivo? Uma casa assombrada?), aspectos que podem fazer o filme transitar por muitos gêneros. Embora muita gente possa odiar o filme (o que já mostrou-se comum desde sua primeira exibição no Festival de Veneza) não há como negar que Aronofsky realiza aqui um dos seus trabalhos mais impressionantes com a ajuda de atores em performances excepcionais. Faz tempo que Michelle Pfeiffer não tem um papel tão interessante e Jennifer Lawrence alcança sua performance mais intensa em muito tempo - mesmo quando o filme exagera, a queridinha de Hollywood mantem a linha e não deixa tudo cair no ridículo, tornando impossível não compartilhar de sua dor ao ver o lar que construiu com tanto zelo e carinho desintegrar diante dos nossos olhos. Se você não quer saber mais do que isso é melhor parar de ler exatamente aqui. Alerta SPOILER! 

Pfeiffer: Eva em carne, osso e costela?

Desta parte em diante me darei ao luxo de comentar SPOILERS sobre o filme, recomendando que você leia essa parte somente se já tiver visto o filme ou se quiser conhecer uma espécie de manual para entender o que se passa na tela durante a nova piração do diretor de Réquiem Para um Sonho (2000). Mãe! se tornou um sucesso de crítica, mas tão logo o filme começou a ser criticado pela maioria do público o diretor e sua estrela começaram a comentar um pouco mais por todas as ideias que estavam por trás da trama, talvez a pedido do estúdio que fez divulgação e distribuição maciça do filme ao redor do mundo (se fosse feito no esquema independente de antigamente, provavelmente Aronofsky nem ligaria para as reclamações). Se você tem um olhar atento é capaz de identificar várias delas, principalmente se pescar das cenas iniciais dica de desvencilhar o filme de uma estética realista. Claro que você pode explicar tudo de formas diferentes, mas o fato é que o roteiro foi inspirado na Bíblia, da gênese ao apocalipse - e até o que viria depois dele. Em vários lugares já mencionaram que Javier Bardem interpreta o poeta como o criador (ou Deus, se preferir), Jennifer Lawrence é a mãe natureza, o homem que os visita é Adão (Ed Harris), a esposa que aparece (depois dele surgir rapidamente machucado na altura da costela) é Eva (Michelle Pfeiffer). O quarto de criação do poeta seria a árvore do conhecimento ou da ciência que estava presente no paraíso, o cristal que eles quebram seria o fruto proibido, da ciência e a (assustadora) origem de tudo. Os filhos que vivem brigando são Caim e Abel e... você sabe o que acontece. Depois o filme tem o alento da gravidez da mãe natureza, a alegria e a inspiração surgem e tudo volta ao normal como uma boa nova para aquele lar... nas, antes que o filho do criado nasça, ele já é adorado por uma multidão cega que interpreta a obra do poeta de forma diferente, mas a multidão é incapaz de zelar pela casa onde estão. A casa é o nosso planeta, devastado, depredado, explorado quase ao ponto do apocalipse que é anunciado pela própria protagonista antes da pior noite de sua vida. A multidão cega tem a mesma devoção pelo criador quanto o Noé interpretado por  Russell Crowe, ao ponto de não ter a mínima consideração por um bebê e criar a alusão à comunhão da forma mais horripilante que já se viu no cinema (provocação máxima do filme, já que em O Bebê de Rosemary os adoradores do coisa ruim queriam cuidar do anticristo). Em meio à histeria coletiva, guerra e toda a loucura que se instaura nos momentos final do filme, Aronofsky paga um preço alto pelas sua trama cheia de simbologias e alusões religiosas. Ele provoca, choca,  exagera (confesso que me desconectei do filme por um tempo durante a parte da guerra) e faz do caos a matéria prima de uma obra realmente insana como não se via em muito tempo. A própria Jennifer Lawrence passou mal durante as filmagens, deixando claro que não é uma obra angustiante somente para quem assiste. Mãe! é um filme para amar ou odiar, numa relação tão extrema como a dos personagens apresentados na tela. Mas se você prefere considerar toda essas simbologias uma grande viagem, você pode optar por pensar que tudo é um delírio de uma dona de casa desesperada que parou de tomar seu misterioso remédio amarelo - e que deu o azar de casar com um megalomaníaco obcecado por ser adorado.     

Jennifer e a casa: delírios apocalípticos.  

Mãe! (Mother! - EUA/2017) de Darren Aronofsky com Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Michelle Pfeiffer, Ed Harris, Domhnall Gleeson e Brian Gleeson. ☻☻☻☻

MOMENTO ROB GORDON: Atores do Rock In Rio-2017

Alicia Keys: quatro filmes no currículo. 

No último dia do Rock in Rio - 2017 resolvi fazer uma lista dos músicos mais cinematográficos que passaram pelos sete dias de Festival. Estou falando de artistas que de vez em quando trabalham como atores em Hollywood - o que é cada vez mais comum. Como cabe apenas cinco na lista, a cantora Alicia Keys (que já fez quatro filmes) acabou ficando de fora na contagem dos critérios (um ponto por filme e 05 pontos por ser indicado ao Oscar e mais 10 se ganhou a cobiçada estatueta), mas como deixar essa diva de fora desta postagem? A seguir os outros cinco músicos que passaram pelo RIR deste ano e que querem um lugar ao sol de Hollywood:

#05 Adam Levine (Maroon 5)
Parece que entre um álbum e outro sobra tempo não apenas para fazer tatuagens, Levine já conta com seis filmes no currículo - embora em dois ele interprete a si mesmo. Adam obteve papel de destaque em Mesmo se  Nada der Certo/2013, onde interpreta um músico prestes a fazer sucesso. Elogiado pelo diretor do filme, ele ainda ajudou para que a música tema desse o que falar na comentada apresentação na cerimonia do Oscar de 2014 com a canção indicada Lost Stars (a minha indicada favorita daquele ano). Neste ano ele cava mais um cantinho em Hollywood com a comédia The Clapper de Dito Mantiel, onde atua ao lado de Ed Helms e Amanda Seyfried. 

#04 Jon Bon Jovi (Bon Jovi) 
O vocalista está aí para provar que o tempo passa para todo mundo, mas para alguns ele mantem a aura de galã. Não é todo mundo que costuma manter os fãs animados depois de quase quarenta anos de carreira. À frente da banda Bon Jovi, John Francis Bongiovi Jr ajudou a vender milhões de discos e manter no Brasil um dos seus maiores públicos. Não bastasse ter sido indicado ao Oscar de melhor canção original em 1991 (pela antológica Blaze of Glory do filme Jovens Demais Para Morrer/1990) ele também tentou emplacar como ator nos anos 1990, mas, atualmente, ele filma  só de vez em quando. Entre suas atuações mais famosas estão os trabalhos em Destination Anywhere (1997),  A Batalha do Atlântico (2000) e A Corrente do Bem (2000). 

#03 Flea (Red Hot Chilli Peppers)
Para o australiano Michael Peter Balzary, mais conhecido como o saltitante Flea, não basta ser o renomado baixista do Red Hot Chilli Peppers... ele também gosta de aparecer no cinema. Embora sempre seja convidado para pequenas participações (que comprovam seu carisma diante da câmera), Flea já participou de 25 filmes! Tendo trabalhado com diretores renomados como os irmãos Coen (O Grande Lebowski/1998), Robert Zemeckis (De Volta para o FuturoII e III) e Gus Van Sant (em Garotos de Programa/1991 e Psicose/1998), Terry Gillian (Medo e Delírio/1998) e emprestando a voz para várias animações (a última foi Divertida Mente/2016). Recentemente o ator deu as caras no sucesso Em Ritmo de Fuga/2017 onde interpretou um dos bandidos do filme. 

#02 Justin Timberlake
Todo mundo sabe que Justin quer o trono da música pop e, para isso, não bastou se livrar dos seus colegas do N'SYNC, ele começou a investir no cinema e ainda casou com uma atriz de Hollywood (Jessica Biel). Timberlake já soma 18 filmes no seu currículo e já convenceu que pode ser protagonista de vários gêneros (basta vê-lo em Amizade Colorida/2010 e O Preço do Amanhã/2011). Os grandes diretores geralmente lhe convidam para papeis coadjuvantes, caso de David Fincher (A Rede Social/2010) ou os irmãos Coen (Inside Llewyn Davis/2013), mas tudo pode mudar quando o mundo vê-lo ao lado de Kate Winslet no novo longa de Woody Allen (Wonder Wheel/2017). Vale lembrar que Timberlake abriu a cerimonia do Oscar este ano com sua música indicada ao prêmio de Melhor Canção: (o hit) Can't Stop the Feeling, canção tema da animação Trolls/2016.

#01 Jared Leto (30 Seconds to Mars)
Se você conhece os artistas que se apresentaram na edição do RIR deste ano e leu os critérios avaliativos no início deste post, você sabia que o Jared Leto estaria no topo da lista! Jared começou a carreira em produções para a televisão e já fez mais de 20 filmes (e já tem mais sete em produção) além de um Oscar de coadjuvante por seu trabalho em Clube de Compras Dallas (2013). Desde 1998, quando começou a tentar arrebentar as cordas vocais com a banda 30 Seconds To Mars, Jared passou a trabalhar menos como ator, no entanto, se tornou mais criterioso tendo verdadeiras pérolas no currículo - como os obrigatórios Clube da Luta (1999), Réquiem Para um Sonho (2000) e Sr. Ninguém (2009).  Com 46 anos (mas com aparência de 25), Jared ainda deve ser muito falado pela banda ou por seus filmes. 

sábado, 23 de setembro de 2017

PL►Y: Tomcat

Hochmair e Toni: destruindo o paraíso domiciliar.  

Stefan (Lukas Turtur) e Andreas (Phillip Hochmair) trabalham juntos em uma orquestra filarmônica, têm muitos amigos e conseguiram fazer da casa onde moram um pequeno pedaço do paraíso onde vivem ao lado do gato de estimação. Moses apareceu sem que eles soubessem de onde veio, como a grande maioria dos gatos, escolheu os seus donos por sentir-se seguro e querido pelos dois. Claro que o felino também gosta do vasto quintal verde, onde de vez em quando encontra algum "presente" para os donos. Vale dizer que o quintal é repleto de árvores frutíferas - e parte da diversão da casa é fazer doces de compota para distribuir aos amigos. Eles ainda são bons anfitriões para os visitantes e se dão bem com a vizinhança... se você se incomoda com filmes centrados em casais homossexuais é melhor ficar bem longe de Tomcat, já que o diretor Händl Klaus aumenta a sensação idílica daquele mundo paralelo com várias cenas de nudez numa intimidade despojada e até ousada (o que ajudou para que em 2016 o filme ganhasse o Teddy Bear, o prêmio do Festival de Berlim para filmes com temática GLSBTQ - essa é a sigla atual?). Por meia hora o diretor nos mostra, sem pressa ou sobressaltos esse universo domiciliar onde Stefan, Andreas e Moses criam a dinâmica de um lar sem maiores preocupações... mas tudo muda quando Stefan demonstra uma atitude violenta, sem justificativa alguma, e altera para sempre aquele mundo. A partir de então, culpa, remorso, raiva, medo e ressentimento passam a existir dentro da casa e os dois personagens se atraem e repelem em busca de um equilíbrio que nunca chega. É neste momento que Tomcat demonstra não se contentar em ser um filme "gay", ele ambiciona mais, principalmente quando constrói cenas onde a plateia, assim como Andreas, não consegue mais confiar em Stefan - e olha que ele se esforça para que voltemos a gostar dele, afinal ele chora, apanha, torna-se isolado, desprezado, humilhado e até ferido. Em seu segundo filme o cineastas Händl Klaus mantem seu interesse pelo efeito da morte em seus personagens (o anterior foi o deprimente Março/2008 onde três jovens amigas se suicidam), mais uma vez ele a utiliza para revelar o que estava escondido nas  camadas subterrâneas do cotidiano. A narrativa lenta (que aumenta a tensão da narrativa) e a ausência de respostas óbvias alimentaram as comparações de Klaus com seu conterrâneo Michael Haneke (com quem ele trabalhou como ator em A Professora de Piano/2001), mas o cinema de Klaus consegue conciliar o rigor de seu mentor com um tom diferente, um pouco mais leve, embora complexo e incômodo. Considero justo destacar o trabalho dos atores, que conseguem ser bastante precisos na construção de um relacionamento que se vê na beira de um abismo revelado pelo lado obscuro até então desconhecido de um deles. Obviamente que muita gente irá considerar o longa tedioso em seu clima de suspense psicológico, mas as suas entrelinhas carregam algumas simbologias (especialmente a cobra congelada que desaparece,  a queda da árvore, o nome do gato - que na vida real se chama Toni e pertence ao próprio diretor...) que quando percebidas deixam tudo mais interessante, além, claro, do final que deixa o espectador com a pulga atrás da orelha e a sensação de que nada entre aqueles dois personagens será como antes. Nunca mais.

Tomcat (Kater/Áustria-2016) de Händl Klaus com Lukas Turtur, Phillip Hochmair, Cornelius Meister, Manuel Rubey e Maria Grün. ☻☻☻

terça-feira, 19 de setembro de 2017

PL►Y: Free Fire

Hammer, Brie, Cillian, Sam e Smiley: brincando de resta um. 

Em 1978 um grupo de pessoas se encontram num galpão abandonado para negociar armas com um contrabandista. Cada um desconfia do outro e ninguém parece ser de confiança mesmo, até que por conta de um desentendimento a troca de tiros começa e... segue assim até o final. Resta saber quem irá sobreviver no meio da artilharia que guarda algumas surpresas (que só deixa tudo ainda mais absurdo). Esta é a história de Free Fire, novo longa de Ben Wheatley (do arrepiante Kill List/2011 e do interessante High Rise/2016). Posso dizer que Wheatley merece cada vez mais atenção do público, por mais qu ainda seja um ilustre desconhecido. Aqui existe muito do cinema que fez de Guy Ritchie um diretor conhecido mundialmente por seus filmes de personagens malandros e diálogos espertos, no entanto, vale lembrar, que Ritchie deve muito ao cinema que consagrou Tarantino na década anterior. Hoje nem Ritchie ou Tarantino se dedicam aos tipos urbanos que aparecem em Free Fire e por isso mesmo, ele me pareceu tão divertido e acima da média. Desde a primeira cena podemos perceber que existe uma tensão no ar, seja quando o grupo formado por Chris (Cillian Murphy), Stevo (Sam Riley), Frank (Michael Smiley) e Bernie (Enzo Cilenti) encontra com o elegante Ord (Armie Hammer) ou quando desconfiam que Justine (Brie Larson), a única mulher do grupo, pode ser na verdade uma agente do FBI disfarçada. Chegando no lugar marcado, o encontro com Vernon (Sharlto Copley e sua voz peculiar) todo mundo sabe que a coisa irá por água abaixo, só não imaginamos que seja por conta de uma espécie de... honra familiar envolvendo Stevo. Produzido por Martin Scorsese, Wheatley não parece interessado em levar a situação a sério, sempre contrabalançando o tiroteio com diálogos bem humorados e uma ação constante. É preciso dizer que ele não gasta muito tempo apresentando os personagens, deixando somente que o espectador conheça o básico de cada um deles, e, ainda ssim, escolha alguém para torcer no meio de tantos marginais. Pela energia que se vê na tela, Free Fire ganhou o prêmio do público no Festival de Toronto no ano passado e concorreu ao prêmio de Mellhor Diretor no British Independent Film Award - que também reconheceu o trabalho da diretora de elenco Shaheen Baig pelo ótimo elenco que conseguiu reunir nesta despretensiosa obra. Free Fire pode não ser revolucionário (e nem pretende ser), mas diverte com sua ação quase cartunesca com personagens carismáticos - e bem que merecia ter entrado em cartaz em nossos cinemas antes de ser lançado diretamente em streaming

Free Fire - O Tiroteio (Free Fire / Reino Unido - França / 2016) de Ben Wheatley com Cillian Murphy, Brie Larson, Armie Hammer, Sam Riley, Sharlto Copley, Michael Smiley, Enzo Cilenti, Babou Ceesay, Noah Taylor, Jack Reynor e Patrick Bergin. ☻☻☻ 

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

10+:Stephen King

O sucesso de It: A Coisa me fez lembrar a quantidade absurda de produções inspiradas nas obras de Stephen King (e como ele não para de escrever, provavelmente muitas outras ainda devem estrear). É verdade que em sua grande maioria o resultado é uma porcaria (inclusive um que King se aventurou a dirigir, o ridículo Comboio do Terror/1986), no entanto, diretores renomados, atores competentes e roteiristas inspirados conseguiram honrar a obra de Stephen em filmes que foram sucessos de público e crítica, alguns foram até oscarizados, outros se tornaram cult ou inspiraram séries de TV. A seguir meus dez filmes favoritos baseados nas obras do mestre do terror:

#10 A Hora da Zona Morta (1983) de David Cronenberg
Pouca gente lembra deste filme que conta com ótima atuação de Christopher Walken como um sujeito que usa uma parte específica do cérebro mais do que a maioria dos mortais e, por isso mesmo,  consegue ver o futuro... além de incomodar os planos de um político temeroso.

#09 O Aprendiz (1998) de Bryan Singer 
Antes de enveredar pelo universo dos X-Men, Singer se aliou a Magneto Ian McKellen para contar a história de um velhinho pacato que tem seu passado descoberto por um jovem vizinho (o finado Brad Renfro) - só que o rapaz sente-se cada vez mais atraído pelo lado sombrio do ex-oficial nazista. 

#08 O Nevoeiro (2007) de Frank Darabonts
O filme ficou famoso pelo final (que eu adoro) ainda mais perturbador que o do livro. A história é ambientada dentro do mercado de uma cidadezinha assombrada por um denso nevoeiro que esconde um segredo assustador (tão assustador quanto a histeria de alguns personagens). 

#07 Eclipse Total (1995) de Taylor Hackford
Kathy Bates é sempre lembrada como uma excelente atriz, especialmente quando se trata de dar vida às personagens mais complexas do escritor. Ela é Dolores Claiborne, que acusada de assassinato, enfrentará o passado obscuro e os ressentimentos da própria filha (Jennifer Jason Leigh)

#06 Conta Comigo (1986) de Rob Reiner
Este deve ser o filme mais terno baseado na obra de King. Inspirado num conto sobre um grupo de amigos que pretende ver um corpo morto no bosque de uma cidadezinha, o longa de Rob Reiner transpira nostalgia e tem fãs fieis até hoje. O resultado foi indicado ao Oscar de roteiro adaptado.  

#05 Louca Obsessão (1990) de Rob Reiner 
Kathy Bates ganhou o Oscar de melhor atriz pelo seu trabalho como a desequilibrada Annie Wilkes, mulher que vive solitária até encontrar o seu escritor favorito (James Caan), que acaba de sofrer um acidente. Este é o início de uma relação complicada que parece tirada de um pesadelo de King. 

Esta versão de Kubrick é uma grande provocação, já que ele alterou vários pontos do livro. Ainda assim, a história do escritor que vai para um  hotel com a família e passa a ser assombrado pelo passado macabro do lugar é considerado um dos melhores filmes de terror de todos os tempos. 

Aqui o público já sabia que nem só de terror vivia as adaptações de King. Baseado em um dos seus textos mais sensíveis, a trama conta a história do encantador John Coffey (Michael Clarke Duncan), condenado à morte que possui um poder miraculoso. O resultado concorreu a quatro Oscars. 

Sissy Spacek (indicada ao Oscar) entrou para a memória cinéfila por sua espetacular atuação como a menina de educação repressora que é perseguida e humilhada por seus colegas na escola... sendo assim, uma das primeiras vítimas de bullying do cinema, perde as estribeiras no baile de formatura.  

#01 Um Sonho de Liberdade (1994) de Frank Darabonts 
Frank Darabonts deve ser lembrado como o melhor tradutor das obras de Stephen King para o cinema! Basta ver que ele aparece três vezes nesta lista com filmes muito bons - e este é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos. Nele, conhecemos a história de amizade entre dois prisioneiros e o desfecho surpreendente de quem teve paciência para conseguir o que muitos consideravam impossível. Indicado a sete Oscars o filme (inexplicavelmente) não levou nenhuma estatueta para casa, mas conquista  fãs até hoje. 

Na Tela: It - A Coisa

Bill: palhaço do mal. 

Fazia tempo que um filme baseado na obra de Stephen King não dava tanto o que falar quanto It: A Coisa, ironicamente o filme entrou em cartaz praticamente ao mesmo tempo que outra versão de uma obra do autor que vai muito mal nas bilheterias (o fiasco A Torre Negra), o que faz lembrar que somente a assinatura ilustre do escritor não garante sucesso. Já vai para quatro décadas que as obras do escritor chegam aos cinemas e o sucesso de It não deixa de ser uma comemoração para a ligação de King com o cinema. Houve uma versão anterior lançada no formato de mini-série em 1990 e marcou época para aqueles que foram às locadoras acompanhar as diabruras de um palhaço macabro que azucrinava um grupo de pessias nos anos 1960.  A nova versão foi sabiamente transposta para os anos 1980 e deixou tudo com clima da série Stranger Things, o que ajuda o filme a dialogar muito bem com o público atual (lembrando que a série bebe diretamente na fonte de King), além de aumentar o charme da ambientação com pôsteres na parede, trilha sonora e uma ingenuidade desbocada que se perdeu no tempo. O diretor argentino Andy Muschietti (de Mama/2013) demonstra total domínio narrativo para equilibrar cenas de horror e humor, conduzindo muito bem o grupo de jovens atores - que causa identificação na plateia e gera torcida empolgada durante todo o filme. O ponto de partida é o desaparecimento do irmão caçula de Bill (o ótimo Bill Denbrough de Destino Especial/2016) que junto com um grupo de amigos (incluindo Finn Wolfhard e Stranger Things) conhecido Clube dos Perdedores irá tentar encontrá-lo. As poucos o grupo de amigos cresce em número e passa a contar até com uma menina, a adoravelmente mal falada Beverly (Sophia Lillis). A apresentação dos sete personagens forma o primeiro ato da história, que também explora os problemas adolescentes que cada um deles possuem, o que ganha maior importância quando passam a ser assombrados pelo estranho palhaço Pennywise (em arrepilante atuação de Bill Skarsgaard), que está por trás do desaparecimento de crianças há tempos e que se alimenta do medo de suas vítimas. Com várias cenas de arrepiar (usando toda a cartilha do gênero, efeitos especiais nojentos, sangue, monstros, casa assombrada, garoto psicopata, trilha sonora arrepiante...), o filme não economiza nos sustos (alguns bem elaborados), mas consegue manter o tom de aventura sem esquecer de aprofundar seus heróis juvenis. Tocando em questões de abuso, bullying e preconceitos sem parecer forçado ou didático, o filme mostra-se um grande acerto ao ter um  olhar terno sobre seus heróis cheios de boas intenções. Com a bilheteria astronômica arrecadada ao redor do mundo, crescem os boatos de uma segunda parte, onde será abordada a outra fase da história onde os personagens aparecem crescidos. Sem a leveza da infância no próximo filme, provavelmente resultado será ainda mais sombrio, resta saber se o público irá se envolver da mesma forma com a nova aventura. Até lá, It: A Coisa promete fazer ainda mais sucesso, afinal, foi feito sob medida para isso. 

O Clube dos Perdedores: jeito de Stranger Things. 

It: A Coisa (It / EUA-Canadá) de Andy Muschietti com Bill Denbrough, Sophia Lillis, Bill Skarsgaard, Jack Dylan Grazer, Wyat Oleff, Finn Wolfhard, Jeremy Ray Taylor e Chosen Jacobs. ☻☻

domingo, 17 de setembro de 2017

PL►Y: Tracks

O pequeno camelo, Mia e Adam: dias de deserto. 

Confesso que preciso de uma motivação extra para ver filmes de pessoas que resolvem se perder por aí em contato com a natureza e suas adversidades. Nunca entendo muito bem o que se passa na cabeça de quem faz uma coisa dessas - talvez se eu procurasse os livros que viraram filmes sobre estes personagens eu entendesse melhor. Recentemente procurando um filme para assistir na Netflix me deparei com Tracks, filme que deu azar de ser lançado no mesmo ano que Livre/2014 estrelado por Reese Witherspoon (que foi indicada ao Oscar) e carrega uma história real bastante parecida. Afinal, os dois tem protagonistas femininas louras que pretendem caminhar muito enquanto expiam seus problemas pessoais. Tracks foi baseado na história de Robyn Nelson, uma jovem que resolveu atravessar o deserto australiano até encontrar o mar. Foram vários dias andando no sol escaldante diante de um cenário árido com a companhia somente de sua cadela de estimação e quatro camelos. Dirigido por John Curran e escrito por Marion Nelson, o filme não faz questão de aliviar a ansiedade da plateia, esticando a peregrinação por quase duas horas de paisagens desérticas e uma protagonista que não faz questão de ser simpática com as pessoas que encontra pelo caminho. Vivida por Mia Wasikowska, Robyn oscila entre a força e a fragilidade, mas não está interessada em ser uma heroína ou representante de causa alguma, no meio do caminho nem ela mesmo sabe direito de onde surgiu a ideia da jornada que propôs a si mesma. Como era de se esperar, ela encontra vários desafios pelo caminho, incluindo a incompreensão de um acampamento que não permite animais ou um grupo de aborígenes que a rejeita por conta das fotos que foram tiradas de uma cerimonia secreta. Sorte que no meio do caminho ela também encontra personagens que ajudam sua caminhada, uma pessoa que lhe ensina o que precisa saber sobre camelos, um guia que a ajuda a livrar-se de turistas inconvenientes (e ainda ganhar uns trocados) e um fotógrafo que que cai de amores por ela (cortesia de Adam Driver) - mesmo que ela não esteja preparada para que gostem dela. É preciso um bocado de paciência para acompanhar o filme, mas neste aspecto valeu a pena a minha motivação extra para assisti-lo: os bichos. Primeiramente, desde o documentário Camelos Também Choram/2003, eu não via um filme que oferecesse destaque aos camelos (e posso dizer que diversas vezes eles roubam a cena), por outro lado, a cadela de estimação de Robyn também consegue ser bastante expressiva na história, tendo um dos momentos mais tristes (e reveladores) da trama. No fim das contas, são eles que revelam os aspectos mais interessantes sobre a protagonista e nos ajudam a acompanhar Robyn em sua árdua jornada pelo deserto de si mesma. Obiviamente que você pode encontrar várias lições no filme, mas eu não quero escrever sobre isso, prefiro ressaltar como a direção de Curran nos colocar lado a lado com a personagem, nos oferecendo uma experiência sensorial bastante incomum. 

Tracks (Australia/2013) de John Curran com Mia Wasikowska, Adam Driver, Philip Dodd, Fiona Press e Rainer Brock. ☻☻

PL►Y: Absolutely Fabulous - O Filme

Saunders e Lumley: musas politicamente incorretas. 

A série Abstolutely Fabulous foi lançada em 1992 e seu tom politicamente incorreto logo conquistou uma legião de fãs ao redor do mundo. As peripécias de Edina Monsoon (Jennifer Saunders) e sua melhor amiga, Patsy Stone (Joanna Lumley) renderam de início três temporadas em que abusaram do álcool, drogas, figurinos espalhafatosos e alfinetadas ao mundo do entretenimento. Era como se Beavis e Butt-head ganhassem uma encarnação como duas mulheres maduras britânicas desbocadas que gostariam de levar sua vida de excesso até o túmulo. A série rendeu mais duas temporadas, até ser cancelada e retomada em 2001, quando rendeu mais três anos de  risada. Ao todo foram 39 episódios que fizeram a glória dos fãs. Ano passado as duas comediantes se juntaram para mais uma aventura, Absolutely Fabulous - O Filme era um dos filmes britânicos mais esperados do ano passado, mas agradou somente as fãs da série, talvez por conta de parecer um episódio estendido da dupla (o que não chega a ser ruim, mas que não funciona como deveria na tela grande). O roteiro é uma mistura de  desastres pessoais de Edina, que vê o seu trabalho de relações públicas irem de mal a pior. A salvação parece estar na chance de ter Kate Moss (tinha que ser!) como sua cliente, mas ela acaba sendo acusada de tentar matar a cultuada ex top-model. No meio da confusão em que Edina se mete, sobra para Patsy se fingir de homem e se casar com a mulher mais rica do mundo. Nada faz muito sentido na história e alguns dos momentos mais engraçados nascem daí mesmo (a própria Patsy se passando por homem continua maquiada, com unhas pintadas... mas com o acréscimo de um bigodinho vexaminoso). Existe uma penca de participações especiais, principalmente de celebridades europeias (a Spice Girl Emma Bunton, Jerry Hall, Gwendoline Chritie, Jean Paul Gaultier, Lulu, Lilly Cole, Stella McCartney...) que nem sempre são aproveitadas como deveriam deixando a graça mesmo por conta de Edina e Patsy (que sempre foi a minha favorita e a cena do encontro dela com Jon Hamm é uma das melhores coisas do filme). É verdade que o filme conta com coadjuvantes da série, como a filha aguada de Edina (Julia Sawalha) e a secretária espalhafatosa Bubble (Jane Horrocks), mas também procura dialogar com o público mais jovem escalando Chris Colfer (da série Glee) e Indeyarna Donaldson-Holness para ser a neta crescida de Edina. No entanto, o resultado não  parece muito diferente das comédias de linguagem televisiva da Globo Filmes (talvez pela própria diretora Mandy Fletcher ter seu currículo basicamente na TV), a diferença é que o tom politicamente incorreto das indestrutíveis amigas soa como um sopro de ar fresco em meio a tantas comédias mansinhas que tem por aí. 

Absolutely Fabulous - O Filmes (Absolutely Fabulous - The Movie / EUA-Reino Unido / 2016) de Mandie Fletcher. ☻☻

sábado, 16 de setembro de 2017

Na Tela: Ao Cair da noite

Famílias reunidas: suspense pós-apocalíptico. 

O cineasta Trey Edward Shults ganhou o mundo quando sua estreia recebeu elogios no Festival de Cannes, com o drama familiar Krisha  (2015) o rapaz se tornou figura conhecida em festivais do cinema independente e ainda levou para a casa o cobiçado John Cassavetes Awards no Independent Spirit Awards concedido ao melhor filme com baixíssimo orçamento daquele ano. Quem viu Krisha percebeu seu talento para criar uma narrativa onde os fatos falam mais do que os diálogos e a narrativa imagética criava mais tensão do que qualquer outro elemento em cena. Seus closes e movimentos de câmera foram capazes de fazer um dia de Ação de Graças fadado ao fracasso ganhar forma de um filme de horror, mesmo sendo um drama. Não por acaso que o filme seguinte do jovem diretor é um suspense que, alguns tentaram vender como um filme de terror (e gerou alguma insatisfação no público), mas na verdade é um filme que fala muito sobre o imaginário mundial atualmente e suas paranoias. Houve quem ficasse se perguntando o que de tão terrível acontece durante a noite durante a trama, mas posso garantir que não é algo tão terrível quanto as atitudes que Paul (Joel Edgerton) é capaz de fazer para manter a segurança de sua família. Shults não explica muito bem como seus personagens foram parar naquela situação, mas basta usar a cabeça para imaginar que tudo se passa num período pós-apocalíptico onde há pouca comida, água escassa e um perigo eminente de contaminação quando anoitece. Logo no início Paul precisa lidar com a contaminação do sogro. Ao lado da esposa, Sarah (Carmen Ejogo) e o filho adolescente, Travis (Kelvin Harrison Jr.) ele precisa tomar uma atitude drástica. Enquanto a família (e o cachorro de estimação) ainda enfrenta o luto , eles percebem que a casa foi invadida. Assim eles conhecem Will (Christopher Abbott) outro sobrevivente que pensou ter encontrado um casa vazia e que poderia ter suprimentos para sua família. Deste ponto em diante a rotina da família muda, embora permaneçam as regras que precisam ser respeitadas para que continuem seguros e sem risco de contaminação. No entanto, por mais que exista um clima amistoso na casa, Paul sempre ensina ao filho que ele não pode confiar em ninguém que não seja da família. Logo a fragilidade daquelas relações irá se revelar e, acredite, os desdobramentos serão mais assustadores do que os pesadelos que assombram Travis. Shults faz um filme que parece extremamente simples, com um único cenário isolado da civilização e bons atores (destaque para Edgerton e Abbott em duelo constante), mas o melhor desta produção modesta (custou três milhões e arrecadou três vezes este valor nas bilheterias americanas) são as  suas ideias, especialmente a de que os outros não são pessoas iguais a você, mas ameaças iminentes - o que torna o filme numa dolorosa alegoria bastante necessária sobre os tempos estranhos em que vivemos. Ignore os sustos presentes nos sonhos ruins de Travis e se concentre na essência do filme, que garanto que você irá notar que os pesadelos já estão acontecendo. 

Ao Cair da Noite (It Comes at Night/EUA-2017) de Trey Edward Shults com Joel Edgerton, Christopher Abbott, Carmen Ejogo, Kelvin Harrison Jr. e Riley Keough. ☻☻☻☻