segunda-feira, 18 de novembro de 2019

PL►Y: O Favorito

Jackman: a vida sexual enquanto pauta política. 

É no mínimo curioso que no mesmo ano em que um dos filmes mais aclamados da temporada de ouro se chamava A Favorita (dez indicações ao Oscar e convertendo a estatueta de melhor atriz para Olivia Colman), os distribuidores resolveram batizar um filme esquecido das premiações como O Favorito. The Front Runner (título original) era um dos filmes mais cotados para o Oscar, a direção de Jason Reitman sempre gera interesse  e a presença do astro Hugh Jackman ao lado de Vera Farmiga e J.K. Simmons indicava que o filme estava disposto a fazer bonito. Lançado em novembro, no meio dos pesos pesados da temporada o filme não foi bem nas bilheterias e não empolgou a crítica com o escândalo na campanha do senador Gary Hart em 1987. Hart (vivido com seriedade por Jackman) tentava cravar sua candidatura à presidência pelo partido Democrata em 1988 com seu carisma e pinta de galã de TV. Seu discurso era afinado com grande parcela da população, seus planos eram emblemáticos para os eleitores e os enchia de esperança, ou seja, era a cara da mudança num país que via do lado republicano a candidatura de George Bush (o pai), até então vice de Ronald Reagan. Tudo ia bem até que Hart se tornou pioneiro em algo que rende manchetes até hoje: um escândalo sexual no mundo da política. Diante da crescente intenções de voto para Hart, a mídia começou a procurar algo que pudesse vender ainda mais jornais e acabou se deparando com suspeitas sobre a infidelidade do senador. Reitman e seus parceiros roteiristas tem aqui uma história real cheia de possibilidades, mas que perde o fôlego num roteiro inconsistente que não consegue decidir qual mensagem quer passar. As referências estão bem claras aqui, do início em que os personagens falam demais ao mesmo tempo (algo bem Robert Altman) passando pela intenção de emular a tensão do clássico Todos os Homens do Presidente/1975, mas não empolga justamente pelo texto insosso para um tema tão explosivo. A coisa piora consideravelmente quando ensaia o discurso de denúncia sobre abusos que homens poderosos feito Hart cometeram ao longo da vida misturado com o receio de demonizar a mídia que associa a vida pessoal de candidatos à sua competência política. Quando o filme precisa se equilibrar entre estes dois pontos ele piora consideravelmente. Sem se comprometer em dizer que era tudo um grande mal entendido ou se algo realmente aconteceu, o filme perde a oportunidade de se aprofundar em um dos "pilares" do conservadorismo do Tio Sam: o discurso da moral e dos bons costumes. O resultado só não fica mais desengonçado por conta da competência de Hugh Jackman na pele do desconfortável candidato (pena que ele aparece pouco) e de seu elenco de apoio. Infelizmente, O Favorito tropeça em sua pretensão e perde fôlego quando deveria se tornar uma crônica política contundente para o tempo que vivemos. 

O Favorito (The Front Runner / EUA-2018) de Jason Reitman com Hugh Jackman, Vera Famiga, J.K. Simmons, Alfred Molina, Mark O'Brien, Mike Judge, Sara Paxton e Kaitlyn Dever. 

domingo, 17 de novembro de 2019

NªTV: Patrick Melrose

Benedict: futuro destruído pelo passado. 

Fiquei um tanto zonzo ao assistir ao primeiro episódio da minissérie Patrick Melrose. Não lembro de ter visto um personagem utilizar, por tanto tempo, tamanha variedade de drogas diante da câmera enquanto a produção tenta reproduzir os efeitos delas com a edição, o som, a luz... Darren Aronofsky demonstrou que isso era possível naqueles cinco (?) minutos intermináveis de Réquiem para Um Sonho/2000, mas aqui o mal estar se estica por quase uma hora. O motivo para este abismo fica um tanto nebuloso, já que assim que o episódio começa, Patrick (o ótimo Benedict Cumberbatch) não parece muito triste quando recebe a notícia do falecimento do pai (Hugo Weaving). A causa parece ser algo muito maior e pior até. Alguns críticos identificaram que o programa exagera no glamour (e a elegância de seu protagonista ajuda ainda mais a tecer esta observação) perante uma história sombria, mas se o protagonista (e quem está  ao seu redor) pertence à elite da sociedade londrina, considero justificável que esta casca endinheirada esconda camadas de podridão vestidas com roupas de perfeitas e joias caras. Baseado nos cinco livros de Edward St. Aubyn, a minissérie opta por começar pelo segundo livro para só depois retomar o primeiro da coleção, explicando o que se esconde por trás das atitudes de Patrick.  Com uma infância marcada por um pai abusivo e uma mãe ausente, crescer não foi nada fácil para ele. O refúgio em todo tipo de substância que pudesse lhe proporcionar momentos de fuga torna-se até compreensível, mas a série quer mostrar algo mais ao condensar cada livro em uma hora de programa. No terceiro episódio, Patrick está lutando para ficar sóbrio, no quarto sua vida parece ter entrado nos eixos (mas ele permanece desconfortável) e no último está tudo prestes a se perder ou se encaixar novamente. Benedict Cumberbatch vive cada momento deste personagem com maestria e ressalta o que o texto tem de mais agudo e cruel em vários momentos - incluindo aqueles em que nada deveria ser dito. Enquanto junta seus cacos por dentro, Patrick Melrose cria episódios que compõem uma espécie de filme com cinco horas de duração com um elenco apropriado para trazer vida à uma jornada que flerta constantemente com a autodestruição. O programa lida com aquelas feridas que demoram para cicatrizar e mistura drama e doses de humor maldoso para disfarçar toda a dor que existe debaixo da pompa endinheirada que emoldura cada cena. Ao que parece, Edward St. Aubyn criou a história com bastante propriedade inspirado em sua própria vida e reconhece que em alguns momentos no humor cruel de sua narrativa. Esta é a base para que Patrick Melrose pareça um ácido que faz cócegas enquanto corrói a própria carne. 

Patrick Melrose (Reino Unido - 2018) de Edward Berger com Benedict Cumberbatch, Hugo Weaving, Jennifer Jason Leigh, Sebastian Maltz, Jessica Raine e Pip Torrens. ☻☻

PL►Y: O Despertar de Motti

Motti e a mãe: desafiando as tradições. 

Eu admito que costumo ser bem impaciente com comédias. Geralmente desisto delas em poucos minutos - não me pergunte exatamente o motivo, só sei que acontece. No entanto, quando encontro alguma que me convence a assistir até o final eu fico não apenas surpreso como extremamente grato. Foi isso que aconteceu com O Despertar de Motti, filme que nunca havia escutado falar e que assisti sem maiores pretensões na noite de ontem. A trama gira em torno de Motti (o simpático Joel Basman), um jovem judeu que já está um tanto cansado da pressão familiar para que se case. A maior interessada (e articuladora) para que isso aconteça é sua mãe, a zelosa Judith (Inge Maux que não tem medo de exagerar em todos os estereótipos deste tipo de personagem). Judith não cansa de arranjar encontros para  o rapaz, mas faz de conta que não percebe o desinteresse do moço nas futuras esposas judias que ela lhe arranja. Motti na verdade está interessado em uma colega da faculdade, Laura (Noémie Schmidt) que está bem longe do tipo almejado por sua mãe, principalmente no que se refere ao primeiro item das exigências: ter origem judaica. Conforme cresce o interesse de Motti pela colega, ele começa a se afastar do que seus familiares esperam que ele faça e, com isso, o filme ganha corpo sobre uma base bastante interessante: encontrar os rumos da própria vida. O roteiro é cheio de analogias às tradições que o protagonista precisa respeitar, algumas sérias e outras que parecem existir por puro hábito (as armações dos óculos por exemplo) e ajuda muito a forma como Joel Basman encarna o personagem como um jovem perdido que ainda tenta encontrar sua identidade dentro de um universo um tanto opressor. Leve e divertido, o filme aborda alguns aspectos da cultura judaica se equilibrando numa verdadeira corda bamba para não ser desrespeitoso, no entanto, não perde a chance de ensinar ao personagem que os caminhos do coração podem ser um tanto enganosos. Outro detalhe que aproxima o espectador da história é o fato de Motti quebrar a quarta parede, conversando com o público olhando diretamente para a câmera, o que ajuda a digerir até quando o roteiro não desenvolve alguns caminhos conforme deveria (como a armação pouco aproveitada do rapaz com uma de suas pretendentes ou quando ele vai morar com uma garota). O Despertar de Motti é um bom passatempo e tem um dos raros finais em aberto que faz pleno sentido. 

O Despertar de Motti (Wolkenbruchs wunderliche Reise in die Arme einer Schickse / Suíça - 2019) de Michael Steiner com Joel Basman, Noémie Schmidt, Udo Samel, Inge Maux e Lena Kalisch. ☻☻