sábado, 11 de junho de 2022

CICLO DIVERSIDADESXL: Amor e Restos Humanos

Sempre que tento postar sobre um filme mais antigo no Ciclo DiversidadeSXL eu fico receoso imaginando como o mundo mudou desde então e, como uma obra que foi celebrada por seu caráter inovador pode ser vista agora como algo completamente antiquado. Faz um tempo que penso em postar sobre Amor e Restos Humanos aqui no blog, mas esperei a chance de rever o filme e ter certeza que ele ainda merecia toda a admiração que tenho por ele. Para começar foi um dos primeiros filmes que fugia do caráter heteronormativo que assisti, eu deveria ter uns quinze anos quando ele foi exibido na televisão e eu fiquei realmente impressionado com aqueles personagens que buscavam amor e sexo sem se importar muito com o gênero de quem os interessava. A produção dividiu opiniões quando chegou aos cinemas por aqui - o bonequinho do Globo dormia e dizia que "os personagens têm profundidade de um pires", quando vi o filme imaginei se o crítico tinha realmente entendido a proposta do filme de Denys Arcand. O diretor canadense estava em alta na época após o sucesso da indicação ao Oscar de filme estrangeiro com O Declínio do Império Americano (1986) e as provocações de Jesus de Montreal (1989). Arcand dirigia desde os anos 1960 e estava em sua fase mais pop quando resolveu levar para o cinema o texto da peça de Brad Fraser (que recebeu até uma montagem no Brasil após a repercussão do filme), o resultado foi uma obra que estava longe de ser uma unanimidade, mas trazia para a telona personagens diferentes das comédias românticas a que o grande público estava acostumado. Com situações provocativas, diálogos pontiagudos e um serial killer para complicar ainda mais a angústia dos personagens, Amor e Restos Humanos exibia a busca pelo amor de personagens com sexualidade diversificada. No centro da história está David (Thomas Gibson) e Candy (Ruth Marshall), um casal de  ex-namorados que divide um apartamento depois que ele saiu do armário. Enquanto isso, David é um ex-ator juvenil que agora ganha a vida como garçom, ele tenta driblar os interesses do jovem ajudante Kane (Matthew Ferguson)  que ainda não tem muita certeza dos caminhos que sua sexualidade seguirá (e se mete nas situações mais polêmicas da trama) e até do amigo de longa data Bernie (Cameron Bancroft). Enquanto David aproveita a noite encontrando parceiros diferentes nas festas que frequenta, Candy ainda acredita que em algum lugar está o seu par perfeito. Diante de tantos fracassos em relacionamentos ela resolve investir em uma relação homoafetiva com Jerri (Joanne Vannicola), mas começa a ter dúvidas perante as investidas de um barman chamado Robert (Rick Roberts). . É importante ressaltar que no meio destes personagens ainda existe uma garota de programa sensitiva (Mia Kirshner) que revela os segredos de alguns personagens ao longo da história e brinca com fantasias de seus clientes. O texto de Fraser mistura todos os personagens na busca por amor e parceiros em um tempo em que romance e sexo geravam discursos variados sobre seus encontros e desencontros, mas que o cinema dos anos 1990 ainda não estava acostumado a retratar de  forma mais inclusiva. Neste ponto, os confrontos entre David e Candy merecem destaque pelas alfinetadas de duas pessoas que se amam verdadeiramente, mesmo que não seja de forma carnal. Cenas como o encontro imprevisto de Candy com seus pretendentes ou o diálogo de David justificando a Kane o motivo de não poderem se envolver ainda ficam entre os melhores momentos da produção. Se existe um ponto que envelheceu mal no filme é a concepção do serial killer da história. Arcand não parece muito interessado em provocar suspense, deixa claro logo no início quem é o personagem mais estranho da história e disfarça com algumas pistas falsas manjadas, mas nada que prejudique o andamento da história até o desfecho em que David entra em confronto com o ser repugnante que a indiferença pode transformá-lo. Apesar deste deslize, Amor e Restos Humanos é um clássico que vive na minha memória sendo ainda atual em sua abordagem da jornada do ser humano na busca por parceiros (amorosos ou sexuais). Este é o momento mais descolado da carreira de Denys Arcand - que anda em baixa desde que levou para casa o Oscar de filme estrangeiro com o ótimo As Invasões Bárbaras (2003), o que deixou seu cinema mais sério, embora ainda seja provocador. 

Ruth, Thomas e Joanne: o amor com o que resta de nós. 

Amor e Restos Humanos (Love and Human Remains / Canadá - 1994) de Denys Arcand com Thomas Gibson, Ruth Marshall, Cameron Bancroft, Matthew Ferguson, Mia Kirshner, Joanne Vannicola, Rick Roberts e Aidan Devine. 

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