sexta-feira, 26 de agosto de 2022

#FDS Viggo Mortensen: Crimes do Futuro.

Léa e Viggo: a cirurgia como novo sexo. 

E muito interessante pensar que ano passado um filme que reverenciava o calejado body horror tenha ganho a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes após sua controversa exibição. Titane (2021) dividiu opiniões quando foi exibido no Festival, mas foi considerado o melhor pelo júri. Ainda que tenha toda sua originalidade atestada, Titane bebe diretamente na fonte do cinema do canadense David Cronenberg, que fez escola na forma de revirar o estômago do espectador numa sala de cinema com filmes do porte de Videodrome (1983) e A Mosca (1986). Portanto, foi ainda mais interessante ver Cronenberg voltando ao body horror em sua estreia em Cannes deste ano, o resultado não poderia ser outro: divisão de opiniões, pessoas saindo enojadas no meio da sessão e problemas de distribuição. A MUBI comprou os direitos para exibição do filme no Brasil e já disponibilizou o filme para os cinéfilos curiosos que sabem exatamente o que esperar do cultuado diretor. Depois de uma fase mais contida inaugurada por Spider (2002), seguida pelos aclamados Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007), ele percebeu  que estava ficando meio careta com Um Método Perigoso (2011) e resolveu voltar à sua verve mais irônica em Cosmópolis (2012) e o fabuloso Mapa Para as Estrelas (2014). Crimes do Futuro, mistura a ironia destes dois últimos filmes com os longas mais esteticamente desafiadores do diretor. Esta mistura funciona por um lado, mas no outro... O filme é ambientado num futuro em que as pessoas sofrem mutações constantes que as fazem produzir órgãos extras, sejam apenas excessos a serem extirpados, orelhas espalhadas pelo corpo ou sistemas digestórios capazes de digerir plásticos. No centro da narrativa está Saul (Viggo Mortensen em sua quarta parceria com o diretor), um homem que realiza shows performáticos que são cirurgias ao vivo capitaneadas por sua parceira, Caprice (Léa Seydoux). O corpo de Saul produz órgãos desconhecidos e isso desperta atenção de muita gente que aprecia suas exibições, além de curiosos que possuem uma proposta mais científica, como Wippet (Don McKellar) e sua assistente, Timlin (Kristen Stewart). Obviamente que existe um submundo em torno destes personagens "especiais" e seus espetáculos em que o corpo é tudo o que resta. O filme não se preocupa em construir uma história com começo, meio e fim, mas se dedica à construção de um mundo próprio, bastante estranho, mas que bebe diretamente em vários filmes do diretor. Além do tom de ironia farsesca dos seus filmes anteriores, aqui existe um resgate de muitos pontos de filmes como Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988), Mistérios e Paixões (1991), ExistenZ (1999) e Estranhos Prazeres (1996), na construção de um universo repleto de libido, cortes e fetiches. É uma salada de tudo que Cronenberg fez até aqui (incluindo o título igual de um média metragem feito por ele em 1970). As cenas das máquinas estranhas que parecem orgânicas em seu formato de osso, assim como as deformidades e cortes sangrentos que causam excitação em quem assiste são aspectos que já vimos antes no universo criativo do cineasta. A graça aqui está em ver Kristen Stewart usando sua imagem límpida e asséptica como uma casca de repressão sexual e ter que ouvir Viggo lhe dizer que não sabe como fazer sexo à moda antiga. Ainda que apareça pouco, Kristen está mais interessante (e um tanto cômica em seus tiques e inseguranças) do que Léa Seydoux que parece não fazer a mínima ideia do que está fazendo por aqui. Viggo no entanto, no auge de seus quase 64 anos, continua um homem atraente e um ator cada vez mais interessante em buscar papéis desafiadores. Aqui seu desafio é no meio de toda estranheza ser o corpo mais desejado que aparece na tela e, para terminar, tem aquela cena final em que se confirma que o gozo ocorre ao ser mutilado. Tão grotesco quanto erótico, o filme perde pontos em sua segunda metade - e acho que o espetáculo ficaria mais interessante se a balança pendesse mais para o erotismo e a mente viajasse em fantasias que só existiriam neste mundo de colagens cronenberguianas.  

Crimes do Futuro (Crimes of the Future/ Canadá - Reino Unido - França / 2022) de David Cronenberg com Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart, Don McKellar, Scott Speedman, Nadia Litz, Tanaya Beatty, Welket Bungué e Tassos Karahalios. ☻☻ 

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