Dawn e a escola: cadeia alimentar peculiar.
Não sei quanto a de vocês, mas a minha adolescência foi um saco. Os hormônios tornam todas as nossas sensações gigantescas, (in)justamente no momento em que nossa aparência começa a passar por tranformações (mutações?) nem sempre confortáveis. A ideia de estar deixando a infância sem ser um adulto tem um efeito devastador em alguns que olham para frente e não conseguem ver melhores perspectivas num mundo que parece rejeitar tudo o que você tem a dizer. Talvez Todd Solondz tenha pensado nisso quando escreveu, produziu e dirigiu Bem Vindo à Casa de Bonecas, que ainda hoje considero que é sua obra-prima. Premiado em Sundance o filme se tornou um verdadeiro objeto de culto numa época em que o cinema independente começava a chamar atenção do grande público. Bem antes de todo mundo começar a fazer campanha contra o bullying, o diretor Solondz já abordava o tema mostrando que o massacre da auto-estima de um adolescente não está apenas na escola, mas no próprio lar também. Quantos pais você conhece que apelida os filhos de nomes carinhosos como inútil, imprestável, rolha de poço, bola de cebo e quatro olhos? Ou apenas compara um dos filhos ao outro que é considerado mais inteligente ou mais bonito que o outro? A vida de Dawn Wiener é mais ou menos assim (e com um nome desses, que traduzindo a sonoridade soa como "vencedora para baixo"). Aluna do sétimo ano numa escola suburbana de Nova Jersey, a maior demonstração de carinho que a garota recebe é de um aspirante a deliquente que vive ameaçando estuprá-la. Suas colegas se divertem debochando das roupas e de todo o resto da mocinha - escrevendo em seu armário palavras de escárnio. Como melhor amigo, Dawn tem um garoto chamado Ralphy (Dimitri Iervolino) - que por ser efeminadoparece estar abaixo dela na cadeia alimentar desenhada pelo universo escolar. Em casa a situação não é melhor, a mãe é uma megera, o pai é um tapado, a irmã mais nova é uma garota mimada e manipuladora que consegue a atenção de todos sem esforço, já o irmão mais velho de Dawn, Mark (Mathew Faber) evita as meninas enquanto toca clarinete numa banda de rock de garagem (?!) e pensa na faculdade. O mais interessante é que Solondz consegue fazer humor num ambiente tão opressor sem parecer ofensivo. Mesmo o moleque que persegue Dawn, Brandon (Brendan Sexton, muito antes de aparecer na série The Killing) mostra-se mais interessado em manter um romance inocente com Dawn do que agredí-la (o difícil para ele é saber como se aproximar de alguém num universo onde palavras como amor e companheirismo demonstram fraqueza). Ainda que a tortura psicológica sobre Dawn não pare, as coisas pioram ainda mais quando ela se apaixona pelo vocalista roqueiro da banda de seu irmão, vivido por Eric Mabius, e ela passa a bancar a lolita sedutora (e torna tudo ainda mais engraçado). Solondz, consegue construir um filme agressivamente nostálgico (uma espécie de oposto radical a Moonrise Kingdom/2012). Dos figurinos coloridos, passando pelas canções melosas da bandinha de garagem, o filme fez as plateias voltarem num tempo onde a identidade vive seus piores momentos. Essa viagem à adolescência de cada um tem como ótimo catalizador a atuação de Heather Matarazzo que não posa de vítima (o que acho bastante salutar, já que estou cansado do Bullying produzir filmes sobre um bando de chorões que não parecem dispostos a perceber que são mais do que seus agressores julgam) ao mesmo tempo que não promete ser uma mulher genial no futuro. Trata-se de uma garota comum, que só pretende crescer em paz. Essa quebra com a lógica american way of life não era pouca coisa em 1995.
Bem Vindo à Casa de Bonecas (Welcome to the Dollhouse/EUA-1995) de Todd Solondz com Heather Matarazzo, Angela Pietropinto, Eric Mabius, Brendan Sexton, Bill Buel, Ken Leung e Scott Coogan. ☻☻☻☻☻
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