Burstyn e Lutter: dupla mais que afinada.
Atuando desde a década de 1950, Ellen Burstyn já foi indicada sete vezes ao Oscar, mas a única estatueta que tem na estante é por conta de sua parceria com o diretor Martin Scorsese neste Alice Não Mora Mais Aqui (1974) - vale lembrar que não são poucos que dizem que ela merecia outro por sua performance inesquecível em Réquiem Para um Sonho (2000), sua última indicação ao prêmio da Academia. Por conta de Réquiem, Ellen se tornou uma das minhas atrizes veteranas favoritas e tornou-se o principal motivo para que eu assistisse ao quarto filme do cineasta, o que lançou antes do ponto de virada com Taxi Driver. Não tem como não associar o início de ar fabuloso do longa com O Mágico de Oz, onde a fotografia avermelhada sobre uma paisagem rural é cortada pela voz de uma garota cantante até que a mãe lhe chame a atenção. Este é o passado de Alice (Burstyn), que em sua maturidade vive com um marido grosseirão e um filho que é uma verdadeira figura (cortesia de Alfred Lutter que largou a carreira promissora de ator ainda na década de 1970 e hoje ganha a vida como empresário no campo da informática). Devo confessar que estranhei bastante o tom cômico do filme, afinal, não estou acostumado a ver Scorsese dirigindo uma comédia (embora muitos de seus filmes tenham alta carga de humor negro). Alice parece bastante acomodada à sua vidinha comum quando torna-se viúva aos 35 anos, mas encara o fato como a oportunidade de um verdadeiro recomeço. Ela arruma suas coisas, coloca o filho dentro do carro e tem a ambição de retomar a carreira de cantora (que nunca decolou). É uma trama simples, mas escrita com grande desenvoltura por Robert Gretchell (indicado ao Oscar de roteiro original por sua estreia que é, também, seu melhor trabalho), o autor tempera o que poderia ser um filme edificante com um humor bastante peculiar. Obviamente que não deixa de existir certa doçura quando Alice senta ao piano para convencer um dono de restaurante que sabe cantar ou quando engata um romance com um novinho Harvey Keitel (que mais tarde se mostra um desequilibrado de primeira), mas o filme gasta mais o tempo com os personagens curiosos que cruzam o caminho da protagonista - especialmente quando ela consegue emprego de garçonete numa das lanchonetes mais desorganizadas da história do cinema. Nesta parte o filme ainda ganha a participação mais do que especial de Diane Ladd (a mãe de Laura Dern) como uma colega de trabalho desbocada. O filme segue os passos de Alice, seus romances, seus conflitos e suas tentativas de encontrar um novo rumo para a vida quando as certezas parecem ter ficado somente no passado. Ellen tem uma atuação bastante humana, sem tornar a personagem uma pobre coitada ou numa heroína, ela chama a atenção por ser justamente uma personagem comum em situações comuns. Ainda que o filme tenha Keitel e Kris Kristofferson como par romântico da atriz, é o moleque que faz o precoce Tommy que se torna o maior destaque masculino do elenco (desde sua primeira cena em que aparece deitado no chão ao som de rock setentista, sabemos que teremos um personagem interessante para acompanhar)! Alfred Lutter tinha treze anos quando realizou as filmagens e alcançou uma atuação tão espirituosa que foi visto como um dos jovens mais promissores da década de 1970, foi indicado ao BAFTA pelo papel e depois chegou a trabalhar com Woody Allen. Ele não é o único adolescente promissor do filme, no papel de Audrey, sua melhor amiga andrógina, está Jodie Foster em sua primeira experiência sob a batuta de Scorsese (dois anos antes de fazer a pequena prostituta de Táxi Driver). Assim como A Época da Inocência (1993), Kundun (1997) e o recente A Invenção de Hugo Cabret (2011), Alice é um filme que mostra como o talento de seu diretor é multifacetado, já que na mão de outro o filme seria mais um filminho esquecível sobre a força feminina.
Alice não Mora Mais Aqui (Alice Don't Live Here Anymore/EUA-1974) de Martin Scorsese com Ellen Burstyn, Alfred Lutter, Kris Kristofferson, Harvey Keitel, Jodie Foster e Diane Ladd. ☻☻☻
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