Margot: o benefício da dúvida.
Tonya Harding foi a primeira mulher americana (a segunda do mundo) a conseguir fazer um Triplo Axel numa competição de patinação artística num verdadeiro desafio às leis da Física. Ganhando campeonatos e participando de jogos olímpicos, Tonya se tornou umas das melhores patinadoras da história. Embora estivesse longe de ter a graça e a leveza de suas concorrentes, sobre o gelo, ela vivia momentos de glória... até que se envolveu num escândalo em 1994. Tonya foi acusada de conspirar contra outra patinadora, Nancy Kerrigan, que teve seu joelho quebrado por um agressor durante os treinos em Detroit. A confusão custou todo o brilho e carreira de Tonya que foi afastada para sempre das competições. Quem lembra da história, irá lembrar que Harding foi pintada como uma das pessoas mais torpes e traiçoeiras da face da Terra e ninguém deu bola para sua versão da história. Eis que no ano passado, a australiana Margot Robbie se deparou com Eu, Tonya e viu todas as possibilidades que a história possuía e resolveu produzi-lo. Tão logo apareceu nos festivais, o filme borrou a percepção que tínhamos sobre a verdade dos fatos. Dirigido pelo australiano Craig Gillespie, o filme dramatiza as situações e apresenta uma narrativa enviesada por depoimentos de personagens reais para a câmera, como se fosse um documentário. Não por acaso, no início é explicado que o longa é baseado em alguns dos depoimentos mais "contraditórios e inacreditáveis" em torno de uma investigação. Sorte que ele não gira em torno da rivalidade entre as patinadoras, mas prefere apresentar a protagonista desde a sua infância - desde cedo treinando pesado para se tornar uma campeã sob a pressão da mãe carrasca, LaVona Golden (uma espetacular Allison Janney, favorita ao Oscar de coadjuvante). Desde o início a relação da patinadora com a mãe é complicada, mas piora consideravelmente quando ela cresce - e passa a ser interpretada por Robbie. Depois de apanhar e ser ofendida pela mãe, Tonya se casa com um homem para também apanhar e ser ofendida. Jeff Gilooly (Sebastian Stan) é o tipo de pessoa capaz de te levar para o fundo do poço e, ainda que o filme carregue no humor negro, a agressividade entre os dois chegava aos extremos. A plateia ri nervosa da história e, ainda que não acredite na inocência de Tonya, consegue visualizar um cenário bastante hostil em torno dela, o que lhe concede o benefício da dúvida. Contribui muito para isso a luminosa interpretação de Margot, que não erra o tom em momento algum (mesmo quando o filme se enrola no emaranhado de situações que procura abrigar). Robbie está mais do que convincente em cena e merece todos os elogios que recebeu por um papel complicado (e está indicada ao Oscar de atriz deste ano). Ela ri, chora, fala com o espectador como se estivesse confessando seus pecados e aparece estupenda nas cenas de patinação (a primeira ao som de ZZ Top é um verdadeiro achado), mesmo sendo hostilizada pelos jurados que não conseguiam ver naquela garota a imagem que queria para uma campeã americana. Eu, Tonya é um filme ousado em sua proposta e consegue ser tão divertido quanto denso. Esse equilíbrio complicado também se deve às mãos de Gillespie, um diretor que adora personagens controversos, mas que consegue olhar com carinho para todos eles (basta lembrar de Ryan Gosling apaixonado por uma boneca em A Garota Ideal/2007). Com um roteiro insano, edição engenhosa (indicada ao Oscar) e um elenco exemplar, Eu, Tonya é realmente surpreendente.
Eu, Tonya (I, Tonya/EUA-2017) de Craig Gillespie com Margot Robbie, Allison Janney, Sebastian Stan, Julianne Nicholson, Paul Walter Hauser, McKenna Grace e Bob Cannavale. ☻☻☻☻☻
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